Apelação/Remessa Necessária Nº 5001335-58.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: JUCARA LARA ALVES
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
JUCARA LARA ALVES ajuizou ação ordinária em 17/9/2018, objetivando o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária (NB 540.736.485-5 desde a DCB (14/06/2017), ou, subsidiariamente, a concessão do auxílio por incapacidade temporária (NB 623.653.602-7), desde a data de início da incapacidade, caso seja anterior à DER ou ainda, a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio-acidente. Assevera que a sua incapacidade decorre de moléstia ortopédica e psiquiátrica.
A sentença (
) julgou improcedente o pedido sob o fundamento de que não haveria sido constatada a incapacidade laborativa.A parte autora recorre (
) e alega, preliminarmente, cerceamento de defesa. Pede a anulação da sentença para realização de nova perícia com médicos especialistas. No mérito, pede a concessão do benefício previdenciário, nos termos do que foi formulado na petição incial.Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Preliminares
Da anulação da sentença por cerceamento de defesa
Nas suas razões recursais a apelante alega que:
Conforme consta nos autos, a recorrente é acometida por estado de stress pós-traumático e artrodese de coluna lombar (CID F31, F43.18 e Z98.1). O Juízo a quo determinou fosse realizada a perícia médica apenas com especialista em psiquiatria.
Quando da impugnação da parte autora para que fosse realizada a perícia com médico especialista em neurologia e ortopedia/traumatologia, a fim de analisar a capacidade laborativa quanto à artrodese de coluna lombar, o Juízo indeferiu o pedido e, assim, proferiu a sentença de improcedência, baseando-se no laudo pericial negativo do psiquiatra.
Deste modo, embora o Juízo de Origem tenha indeferido o pedido da parte autora, tem-se que, de fato, é adequada a realização de perícia com médico neurologista e ortopedista/traumatologista, com o intuito de constatar a incapacidade laborativa ou não da autora.
Como se verifica na cópia da CTPS acostada ao ev.2/CTPS8, a autora exerceu atividades braçais em indústrias de calçados, como auxiliar de produção, revisora e serviços gerais, funções que exigem trabalho em posição ortostática e movimentação constante, razão pela qual é indispensável a análise da capacidade laborativa diante da artrodese de coluna lombar.
Portanto, em preliminar recursal, pugna que seja anulada a sentença e determinada da baixa dos autos em diligência para designação de perícia médica com neurologista e ortopedista/traumatologista.
Não fosse isso, ainda que tenha sido realizada perícia com médico psiquiatra, esse não avaliou as principais patologias psiquiátricas, como a bipolaridade, a ideação suicida, alteração de humor, nível de atividade perturbado, com elevação e rebaixamento de humor, períodos de extrema atividade mental e motora seguidos de prostração e desesperança com dificuldade de memória recente, motivo pelo qual a autora postulou pela realização de perícia com novo médico psiquiatra.
Tenho que assiste razão à apelante.
Administrativamente (
), a apelante foi submetida à análise pericial tendo por base os diagnósticos de doenças psiquiátrica e ortopédica.A sentença, por sua vez, julgou improcedente o pedido com base em laudo médico judicial que não constatou a incapacidade da apelante.
Observo, todavia, que o laudo médico elaborado por especialista em psiquiatria (
), ainda que tenha relatado a história clínica, é extremamente sucinto, desprovido de qualquer justificativa e sem qualquer resposta aos quesitos elaborados.Note-se que a apelante está acometida de doença psiquiátrica que, à primeira vista, parece ser de tal gravidade que culminou em tentativa de suicídio e, disto, decorreram sequelas ortopédicas também não menos graves.
Além disso, a apelante anexa ao processo mais de trezentas páginas de documentos médicos (
, , , , e ), consistentes em prontuários, receituários, atestados médicos, encaminhamentos de médicos e psicólogos, além de outros impressos que não podem ser ignorados. Trata-se de longos anos de doenças psiquiátrica e ortopédica e de respectivo tratamento, que têm que ser objeto do minuciosa e fundamentada análise pericial.Há que se observar também, que a apelante esteve por anos em benefício por incapacidade. Conforme o CNIS, (
) percebeu o benefício por incapacidade temporária de 5/11/2009 a 14/6/2017; fato este que também não pode ser ignorado.Considero, assim, que o laudo judicial foi incompleto, havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora diante do conjunto probatório.
Além do mais, também não foi avaliada eventual incapacidade em decorrência da doença ortopédica.
Sobre a possibilidade de reabertura da instrução com a necessidade de realização de nova perícia diante de laudo pericial incompleto, este TRF4 já decidiu:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E/OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA JUDICIAL INCOMPLETA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. Havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora, diante do conjunto probatório, e tendo a sentença baseado-se em laudo judicial incompleto, é de ser dado provimento ao recurso, a fim de ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de outras perícias judiciais. (TRF4, AC 5002655-17.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 08/08/2019)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA INCOMPLETA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. Havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora, diante do conjunto probatório, e tendo a sentença baseado-se em laudo judicial incompleto e que não foi realizado por especialista, é de ser dado provimento ao recurso, a fim de ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de perícias judiciais por oncologista ou mastologista. (TRF4, AC 5010578-94.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2019)
Embora o entendimento majoritário deste Tribunal seja pela dispensa de médico especialista, tenho que o caso é peculiar e comporta a exceção à regra para que sejam realizadas perícias médicas judiciais com especialistas nas áreas de psiquiatria e de ortopedia. Isto porque quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão (TRF4, AC 5001637-77.2019.4.04.7212, NONA TURMA, Relator JAIRO GILBERTO SCHAFER, juntado aos autos em 22/08/2022).
Quanto à necessidade de realização, excepcionalmente, de perícia médica com especialista nas áreas de psiquiatria e ortopedia, leiam-se, respectivamente, as seguintes decisões deste TRF4:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PERÍCIA JUDICIAL. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. PSIQUIATRIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. 2. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em psiquiatria revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática. 3. Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícia judicial por especialista na área de psiquiatria. (TRF4, AC 5013425-98.2021.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 14/12/2022) (grifei)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE COMPROVAÇÃO. PERÍCIA PRESENCIAL. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. [...] 2. Não obstante a conclusão da prova técnica simplificada de que ausente a incapacidade laborativa, depreende-se que o autor sofre com importante comprometimento do joelho esquerdo, que, desde 2015, se mostrava incapacitante e, aparentemente, houve piora no quadro, conforme exames. E considerando a atividade habitual de auxiliar geral de conservação de vias permanentes, é razoável cogitar a necessidade de deambular constantemente ou permanecer em pé. 3. Diante das peculiaridades do caso concreto, resta evidenciada a deficiência da instrução probatória, sendo imprescindível a complementação da prova técnica a ser realizada por especialista em ortopedia, de forma presencial. 4. De ofício, anulada a sentença anulada e determinado o retorno dos autos à origem para que reaberta a instrução processual. Prejudicada a apelação da parte autora. (TRF4, AC 5041266-78.2020.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relatora FLÁVIA DA SILVA XAVIER, juntado aos autos em 26/10/2022) (grifei)
Quanto aos honorários periciais, o § 4º do art. 1º da Lei n.º 13.876/19 dispõe que:
§ 4º O pagamento dos honorários periciais limita-se a 1 (uma) perícia médica por processo judicial, e, excepcionalmente, caso determinado por instâncias superiores do Poder Judiciário, outra perícia poderá ser realizada. (Redação dada pela Lei nº 14.331, de 2022)
Aplica-se a excepcionalidade prevista na referida norma, na medida em que ambas as doenças foram objeto do requerimento administrativo, devendo a existência de eventual incapacidade ser analisada levando por base a doença ortopédica e psiquiátrica.
Prejudicada a análise das demais alegações recursais.
Conclusão
Anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de perícias judiciais com médicos especialistas em ortopedia e psiquiatria e, posteriormente, seja proferida nova decisão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003695813v10 e do código CRC 1b412b11.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5001335-58.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: JUCARA LARA ALVES
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA JUDICIAL INCOMPLETA. DOENÇA NÃO ANALISADA NO LAUDO PERICIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA com ESPECIALISTA. excepcionalidade.
1. Caso em que o laudo médico elaborado por especialista em psiquiatria é extremamente sucinto e desprovido de qualquer justificativa. Além do mais, também não foi avaliada eventual incapacidade em decorrência da doença ortopédica.
2. Havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora, diante do conjunto probatório, e tendo a sentença baseado-se em laudo judicial incompleto, é de ser dado provimento ao recurso, a fim de ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de outra perícia judicial.
3. Embora o entendimento majoritário deste Tribunal seja pela dispensa de médico especialista, o caso é peculiar e comporta a exceção à regra para que sejam realizadas perícias médicas judiciais com especialistas nas áreas de psiquiatria e de ortopedia. Isto porque quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão (TRF4, AC 5001637-77.2019.4.04.7212, NONA TURMA, Relator JAIRO GILBERTO SCHAFER, juntado aos autos em 22/08/2022).
4. Sentença anulada para que seja reaberta a instrução com a realização de perícias judiciais com médicos especialistas em ortopedia e psiquiatria e, posteriormente, seja proferida nova decisão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de fevereiro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003695814v5 e do código CRC c7ee9cd7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/02/2023 A 17/02/2023
Apelação/Remessa Necessária Nº 5001335-58.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
SUSTENTAÇÃO DE ARGUMENTOS: GRAZIEMA MELO SAMUEL por JUCARA LARA ALVES
APELANTE: JUCARA LARA ALVES
ADVOGADO(A): GRAZIEMA MELO SAMUEL (OAB RS088439)
ADVOGADO(A): IARA SOLANGE DA SILVA SCHNEIDER (OAB RS026135)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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