
Apelação Cível Nº 5012114-54.2017.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANTONIO FERNANDES (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Antônio Fernandes e o Instituto Nacional do Seguro Social interpuseram recursos de apelação em face de sentença (prolatada em 15/12/2017) que julgou parcialmente procedente o pedido para concessão de auxílio-doença, em favor da parte autora, desde que cessado administrativamente (19/04/2017), condenando o INSS ao pagamento das parcelas em atraso corrigidas e com juros. Em razão da sucumbência recíproca, quanto aos ônus sucumbenciais, condenou a autarquia ao pagamento de metade dos honorários periciais e honorários advocatícios, em percentual a ser fixado na fase de liquidação de sentença. A parte autora foi condenada, assim, ao pagamento de metade dos honorários periciais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o proveito econômico obtido pelo réu no presente feito (Evento 39).
O autor argumentou que é jardineiro e, nos termos do laudo pericial, não tem mais condições de exercer suas lides habituais, pois a recuperação de sua capacidade laborativa depende unicamente da realização de cirurgia. Destacou que suas condições pessoais não permitem a reabilitação, pois tem mais de 50 anos de idade, baixo grau de instrução e experiência limitada em serviços braçais. Requereu, assim, a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, ou, subsidiariamente, que o benefício de auxílio-doença seja cessado apenas quando realizado o tratamento cirúrgico. Por fim, pediu que o INSS seja condenado ao pagamento das custas e honorários advocatícios, com fundamento no art. 85, do CPC (Evento 46).
O INSS, por sua vez, sustentou que, embora o laudo pericial tenha concluído pela incapacidade laborativa, a parte autora continuou trabalhando, como verificado em perícia administrativa realizada em 19/04/2017 e pelo fato de manter vínculo com a empresa Natural Garden. Aduziu que a parte autora encontra-se habilitada para dirigir veículos, o que indica, também, estar apto. Requereu a reforma da sentença de maneira a julgar-se improcedentes os pedidos. Mantida a condenação, postulou seja aplicado o disposto no art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, para cálculo da correção monetária (Evento 47).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
O autor requereu a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, ao passo que o INSS argumentou que não haveria incapacidade laboral, pois há indícios de que o autor continuou trabalhando.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, atualmente com 53 anos de idade (nascido em 08/08/1966), auferiu auxílio-doença no período compreendido entre 15/07/2010 e 19/04/2017 (NB 31/541.787.281-0).
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial (Evento 26), o autor sempre trabalhou na jardinagem, mas encontra-se afastado de suas lides habituais há cerca de treze anos. Queixou-se de dores no joelho esquerdo. Referiu que foi diagnosticado com "lesão meniscal", com indicação de tratamento cirúrgico, e que está à espera para realização da cirurgia desde então, tendo encaminhado dois pedidos na "Central de marcação de Porto Alegre", o primeiro no ano de 2009 e, o outro, em 2017.
Após avaliação física e análise da documentação médica complementar apresentada, o diagnóstico foi de Entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado (anterior) (posterior) do joelho (CID S 83.5), Ruptura do menisco, atual (CID S 83.2) e Outros transtornos das cartilagens articulares (CID M 24.1). Segundo o expert, trata-se de incapacidade total e temporária, porém, a plena recuperação da capacidade laborativa do autor depende exclusivamente da realização do procedimento cirúrgico. Confira-se o teor das respostas aos quesitos formulados pelo juízo a quo:
5. O grau de redução da capacidade laboral é total (impedindo o pleno desempenho de atividade laboral) ou parcial (apenas restringindo o seu desempenho)? Especifique a extensão e a intensidade da redução e de que forma ela afeta as funções habituais da parte autora, esclarecendo se pode continuar a desenvolvêlas, ainda que com maior esforço.
Sim. Por ser jardineiro onde deve fazer todos os serviços inerentes a jardinagem comercial, onde deve transplantar arbustos, as vezes, pesados. Sua lesão de joelho o impede de executa-los. Em virtude da lesão já oi encaminhado duas vezes ao Centro de marcação de consulta em Porto Alegre e, ate hoje não foi chamado.
6. A incapacidade para o trabalho é permanente ou temporária?
Temporária.
7. Na hipótese de a incapacidade ser temporária, qual o prazo estimado (mínimo e máximo) para recuperação da capacidade laborativa da parte autora?
Depende do tratamento cirúrgico a ser realizado. Quanto mais tempo esperar, piores condições serão encontradas.
8. Houve variação do grau de limitação laboral ao longo do tempo? No início da doença a limitação era a idêntica à verificada nesta perícia ou houve agravamento? Esclareça.
As lesões articulares, pioram com o passar do tempo, pois as lesões se não sanadas ocasionam maior destruição na cartilagem articular.
[...]
11. A incapacidade detectada afeta o discernimento para a prática dos atos da vida civil?
Em face da demora da cirurgia há agravamento intra articular da cartilagem e, o tempo de recuperação fica mais longo.
12. Há possibilidade de cura da enfermidade e/ou erradicação do estado incapacitante?
Sim, se for operado o mais breve possível.
[...]
14. De acordo com o estágio atual da ciência médica e a sua experiência pessoal, há possibilidade erradicação do estado incapacitante? E qual seria a espécie de terapêutica adequada para a hipótese, a sua eficácia e a provável duração?
Sim, desde que for operado o mais breve possível.
15. Há possibilidade de a parte autora ser reabilitada para o desempenho de funções análogas às habitualmente exercidas ou para alguma outra capaz de lhe garantir a subsistência? Em caso afirmativo, a reabilitação depende do próprio esforço do segurado ou demandaria a prévia incorporação de novos conhecimentos e/ou habilidades por meio de processo de aprendizagem e/ou treinamento?
Sim. A reabilitação depende exclusivamente da cirurgia a ser realizada.
Nesse passo, analisando-se as conclusões da perícia médica em conjunto com os demais elementos do acervo probatório, pode-se concluir que o autor encontra-se incapacitado de forma definitiva para o exercício da atividade de jardineiro, em razão das características das moléstias que o acometem.
Os exames anexados aos autos e analisados pelo perito quando da realização da consulta médica para elaboração do laudo comprovam as dificuldades acima destacadas, de forma que o autor não poderá mais exercer o labor na jardinagem, de maneira definitiva. Nesse sentido, destaque-se que o autor, na data da perícia, aguardava a realização de procedimento cirúrgico, há cerca de oito anos, sem haver previsão de efetuá-lo.
Importante ressaltar, ainda, que o autor foi benefíciário de auxílio-doença por longo período (aproximadamente sete anos) e que as patologias manifestaram-se pela primeira vez há bastante tempo, no ano de 2009, como referido acima, destacando-se que os processos degenerativos em análise possuem caráter progressivo, conforme afirmou o expert.
Assim sendo, uma vez constatada a incapacidade para o exercício de sua atividade habitual, cumpre avaliar as suas condições pessoais (em especial a idade, a escolaridade e a qualificação profissional) a fim de aferir, concretamente, a possibilidade de reinserção no mercado de trabalho. Nessa perspectiva, é pouco crível que um jardineiro, afastado de suas atividades há cerca de treze anos, atualmente com 53 anos de idade, com baixo grau de instrução (ensino fundamental incompleto - estudou somente até a 3ª série - conforme constou do laudo), possa ser reabilitado para atividades que dispensem o uso de força física, razão pela qual é cabível a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. INADMISSIBILIDADE. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRICULTOR. DESCASCADOR DE ACÁCIA. TRANSTORNOS DE DISCOS LOMBARES E DE OUTROS DISCOS INTERVERTEBRAIS COM RADICULOPATIA. ESPONDILOARTROSE. INCAPACIDADE PERMANENTE PARA A ATIVIDADE HABITUAL. CONDIÇÕES PESSOAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. RESTABELECIMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA E POSTERIOR CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. A remessa necessária não deve ser admitida quando se puder constatar que, a despeito da iliquidez da sentença, o proveito econômico obtido na causa será inferior a 1.000 (mil) salários (art. 496, § 3º, I, CPC) - situação em que se enquadram, invariavelmente, as demandas voltadas à concessão ou ao restabelecimento de benefício previdenciário pelo Regime Geral de Previdência Social. 2. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91. 3. Diante da prova no sentido de que a parte autora está inapta para o exercício de sua atividade habitual, é cabível o restabelecimento do auxílio-doença, pois o conjunto probatório aponta a existência do quadro incapacitante desde lá. 4. A partir da data do laudo pericial no sentido de que a incapacidade é definitiva, tendo em vista a impossibilidade de reabilitação por ser idoso, possuir baixo grau de instrução e ter experiência profissional em atividades que exijam esforço físico, deve-se converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. 5. Correção monetária pelo INPC, pois o débito é posterior a 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91). Juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir daí, serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. (TRF4 5019594-72.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 15/03/2020)
AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PROVA PERICIAL. INCAPACIDADE PERMANENTE. CONDIÇÕES PESSOAIS DO SEGURADO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. 1. Dentre os elementos necessários à comprovação da incapacidade, com vistas à concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, a prova pericial, embora não tenha valor absoluto, exerce importante influência na formação do convencimento do julgador. Afastá-la, fundamentadamente, seja para deferir, seja para indeferir o benefício previdenciário, exige que as partes tenham produzido provas consistentes que apontem, de forma precisa, para convicção diversa da alcançada pelo expert. 2. A circunstância de ter o laudo pericial registrado a possibilidade, em tese, de serem desempenhadas pelo segurado funções laborativas que não exijam esforço físico não constitui óbice ao reconhecimento do direito ao benefício de aposentadoria por invalidez quando, por suas condições pessoais, aferidas no caso concreto, em especial a idade e a formação acadêmico-profissional, restar evidente a impossibilidade de reabilitação para atividades que dispensem o uso de força física, como as de natureza burocrática. 3. Cabível o restabelecimento do auxílio-doença desde que indevidamente cessado, frente à constatação de que nesta ocasião o segurado já se encontrava impossibilitado de trabalhar, e a respectiva conversão em aposentadoria por invalidez na data do laudo pericial, quando constatada, no confronto com os demais elementos de prova, a condição definitiva da incapacidade. 4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária nas dívidas não-tributárias da Fazenda Pública. 5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança. 6. Honorários de sucumbência fixados em 10% das parcelas vencidas, nos termos do art. 85, § 3º, do CPC. (TRF4, AC 0002306-07.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 06/06/2018)
Conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Todavia, deve-se observar que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC), podendo, em situações excepcionais, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito com base em sólida prova em contrário. No presente caso, portanto, verifica-se a existência de elementos substanciais nos autos que apontam para solução diversa da aventada na perícia.
Por outro lado, em atenção às razões recursais contidas no apelo do INSS, esclarece-se que o fato de o segurado ter trabalhado após o indeferimento administrativo do benefício previdenciário não é impeditivo para que se reconheça a sua incapacidade no período, mormente quando a perícia judicial confirma que o segurado estava, de fato, incapacitado para o labor.
Em relação à matéria de fundo, a saber, o pagamento de benefício por incapacidade em período no qual o segurado estava exercendo atividade remunerada, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada em 24/06/2020, à unanimidade, assim manifestou-se sobre o Tema 1.013:
"No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
No mesmo sentido, é o teor da Súmula 72 da TNU, verbis:
"É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou."
Por fim, ressalte-se que o fato de o autor ter renovado a habilitação nacional para direção de veículos automotores não é suficiente, por si só, para concluir-se que apresenta aptidão ao trabalho. O que é determinante é a demonstração da incapacidade laborativa, o que foi devidamente comprovado a partir da análise do conjunto probatório dos autos.
Com efeito, a desconsideração do laudo somente se justifica por significativo contexto probatório contraposto à conclusão do perito judicial, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa.
Em síntese, dá-se provimento à apelação do autor para fins de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, pois demonstrada a incapacidade total e permanente para o exercício de atividades laborativas, e nega-se provimento ao apelo do INSS.
Termo inicial
Da análise dos elementos probatórios que instruem o feito depreende-se que a incapacidade para o exercício da atividade habitual estava presente desde a cessação do benefício. Por essa razão, a apelação deve ser parcialmente provida para que se restabeleça o auxílio-doença desde que indevidamente cessado (19/04/2017), com posterior conversão para aposentadoria por invalidez, a partir da data da perícia médica oficial, ocasião em que formalizada a conclusão pela incapacidade definitiva para as atividades laborativas.
Consectários legais
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Ônus sucumbenciais
Considerando o provimento da apelação, bem como a concessão do auxílio-doença já em sede de sentença, a sucumbência deve recair apenas sobre o INSS, que fica condenado ao pagamento de 10% sobre o valor da condenação, nos termos da Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte, afastando-se a sucumbência recíproca.
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, d, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/14, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado). Ressalve-se, contudo, que tal isenção não exime a autarquia previdenciária da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 4º, I e parágrafo único, Lei nº 9.289/96; art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634/14).
Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual/RS nº 14.634/14, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985. Frise-se, nesse particular, que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, restou reconhecida a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.
No que concerne ao preparo e ao porte de remessa e retorno, sublinhe-se a existência de norma isentiva no CPC (art. 1.007, caput e § 1º), o qual exime as autarquias do recolhimento de ambos os valores.
Desse modo, cumpre reconhecer a isenção do INSS em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais.
Tutela específica
Determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em até 30 dias úteis, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais, bem como por se tratar de prazo razoável para que a autarquia previdenciária adote as providências necessárias tendentes a efetivar a medida.
Saliento, contudo, que o referido prazo inicia-se a contar da intimação desta decisão, independentemente de interposição de embargos de declaração, face à ausência de efeito suspensivo (art. 1.026 CPC).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001937647v12 e do código CRC 7af5ab50.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 30/8/2020, às 19:2:46
Conferência de autenticidade emitida em 07/09/2020 04:01:01.

Apelação Cível Nº 5012114-54.2017.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ANTONIO FERNANDES (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CONVERSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. jardineiro. PROBLEMAS ORTOPÉDICOS. INCAPACIDADE DEFINITIVA. CONDIÇÕES PESSOAIS. TRABALHO DURANTE A INCAPACIDADE. TUTELA ESPECÍFICA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. afastada a sucumbência recíproca.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Comprovada a incapacidade permanente para o tipo de atividade exercida habitualmente, é o caso de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez a partir da data do laudo pericial. Precedentes do Tribunal.
3. A conclusão de laudo pericial oficial, realizado em juízo e em observação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, tem prevalência sobre resultado de exame médico realizado no âmbito administrativo.
4. Não afasta o reconhecimento judicial do direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez, desde a data do indeferimento administrativo, o fato de o segurado pelo Regime Geral da Previdência Social ter prosseguido, até a data da implantação do benefício, em exercício de atividade remunerada (Tema 1.013 do Superior Tribunal de Justiça).
5. Determinada a implantação imediata da aposentadoria por invalidez.
6. As condenações impostas à Fazenda Pública, decorrentes de relação previdenciária, sujeitam-se à incidência do INPC, para o fim de atualização monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
7. A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação: IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94); INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91), reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
8. Afastada a sucumbência recíproca. O INSS está isento do recolhimento das custas judiciais perante a Justiça Federal e perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, cabendo-lhe, todavia, suportar as despesas processuais. Honorários arbitrados de acordo com as Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001937648v9 e do código CRC 1a4ae05d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 30/8/2020, às 19:2:46
Conferência de autenticidade emitida em 07/09/2020 04:01:01.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5012114-54.2017.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: ANTONIO FERNANDES (AUTOR)
ADVOGADO: IVANA MATTES PEDROSO (OAB RS037936)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 65, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/09/2020 04:01:01.