Apelação Cível Nº 5002628-63.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI MARIA MICHELSEN
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o réu a implantar o auxílio-doença, bem como ao pagamento das parcelas vencidas desde a cessação do benefício em 30/03/2017, até o trânsito em julgado dessa sentença, e, transitada em julgado a decisão, deverá o réu converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez. Os valores atrasados deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC, a contar do vencimento de cada prestação. Os juros de mora serão calculados tendo como base os rendimentos da caderneta de poupança. Deixou de condenar a autarquia em custas processuais, exceto eventuais despesas de condução, por não estarem excepcionadas no art. 1º da Lei 13.471. Condenou, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas (
).Sustentou, inicialmente, que, como se observa no laudo médico juntado aos autos, a incapacidade da parte autora é apenas parcial para atividades de muita demanda física, não ensejando a concessão de aposentadoria por invalidez, conforme previsto no art. 42 da Lei nº 8.213. Aduziu que para fazer jus ao benefício de aposentadoria por invalidez, deve estar sobejamente comprovada a incapacidade total e permanente do segurado, para qualquer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência. Defendeu que não há esteio para o pedido de conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, uma vez que inexiste incapacidade para o exercício de toda e qualquer atividade remunerada (
).Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, 52 anos, ensino até quinta série, agricultora, queixou-se de dor no quadril direito, iniciada aproximadamente há 12 anos. Fez acompanhamento médico e tratamento medicamentoso.
Com fundamento no laudo judicial, realizado por médico ortopedista e traumatologista, datado de 02/07/2019 (
, fls. 28/35), o perito registrou que a autora tem quadro de coxartrose à direita (CID - 10 M16), estando incapaz para a realização de suas atividades laborais permanentemente.Em resposta à quesito "f" do INSS, o expert salientou que a periciada apresenta impedimento para deambular, permanecer em ortostase ou mobilizar o quadril direito. Mais adiante (quesito "l") referiu que o quadro clínico incapacitante é definitivo e irreversível, não podendo mais retornar às suas atividades laborais.
Esclareceu o médico que poderia ser readaptada à atividade em que trabalhe sentada, sem realizar esforço ou a mobilização do quadril direito. Contudo, considera-se que, como a autora é agricultora e com baixa escolaridade, não existe possibilidade de readaptação, levando em conta o tipo de atividade habitual laboral realizada.
Observa-se que as considerações acerca da incapacidade laboral da autora, foram extraídas pelo perito dos exames médicos complementares e atestados que a requerente juntou no processo e apresentou no ato pericial.
Logo, está plenamente comprovada, através da perícia médica designada pelo Juízo, que a segurada se encontra totalmente incapaz para a realização de suas atividades laborais como agricultora, sendo essa incapacidade irreversível e permanente.
Logo, não merece reparos a sentença que determinou a concessão do benefício previdenciário por incapacidade, desde o cancelamento do benefício de auxílio-doença, e sua conversão em aposentadoria por invalidez.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, presente a incapacidade permanente e irreversível é possível a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo INSS da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Conclusão
Nega-se provimento ao recurso do INSS, e, de ofício, majora-se os honorários advocatícios.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS, e, de ofício, determinar a majoração dos honorários, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002945534v20 e do código CRC b9a4ab69.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002628-63.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI MARIA MICHELSEN
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CONVERSÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. INAPTIDÃO PERMANENTE E IRREVERSÍVEL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no Regime Geral da Previdência Social, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213.
2. Presente a incapacidade laboral, irreversível e permanente, da parte autora para as atividades habituais, possível o restabelecimento do auxílio-doença e a conversão em aposentadoria por invalidez.
3. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, e, de ofício, determinar a majoração dos honorários, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002945535v12 e do código CRC 8f8d2d18.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/12/2021 A 14/12/2021
Apelação Cível Nº 5002628-63.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CELI MARIA MICHELSEN
ADVOGADO: FABIO GUSTAVO KENSY (OAB RS066913)
ADVOGADO: DEISE JULIANA ERTEL (OAB RS106253)
ADVOGADO: CLAUDIA FERNANDA VEIGA DE MENDONCA (OAB RS103915)
ADVOGADO: VANUSA GERVASIO DA SILVA (OAB RS104567)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/12/2021, às 00:00, a 14/12/2021, às 16:00, na sequência 316, disponibilizada no DE de 25/11/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juíza Federal ANDRÉIA CASTRO DIAS MOREIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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