APELAÇÃO CÍVEL Nº 5015885-34.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Juiz Federal DANILO PEREIRA JÚNIOR |
APELANTE | : | ROSELI TEREZINHA SUCKOW KRITLI |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INTERESSE DE AGIR. MANUTENÇÃO. ALTA PROGRAMADA. REQUISITOS. GRAU DE INCAPACIDADE. JUÍZO GLOBAL. HIV. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICES.
1. À luz da tese fixada pelo STF no Tema nº 350 (RE nº 631.240), o pedido de manutenção do benefício previdenciário pode ser feito diretamente em juízo, revelando-se desnecessária a realização de prévio requerimento administrativo, salvo se se fundar em fato novo.
2. A previsão de cancelamento do benefício por incapacidade com base na alta programada é suficiente para a caracterização do interesse de agir do segurado que busca a tutela jurisdicional, não se podendo exigir do segurado, como condição de acesso ao Judiciário, que formule novo pleito administrativo.
3. A concessão dos benefícios por incapacidade depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
4. O grau da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho
5. Estando demonstrada, mediante prova pericial, a incapacidade permanente de a parte exercer a sua atividade habitual e restando evidenciada a sua idade avançada, o seu baixo grau de escolaridade e a sua limitada experiência profissional, é de se concluir pela impossibilidade de reabilitação para atividade diversa que lhe garanta a subsistência.
6. O fato de a parte ser portadora de doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), embora não necessariamente enseje a concessão de benefício por incapacidade, deve ser considerado ao se avaliar a possibilidade de reinserção do segurado no mercado de trabalho, tendo em vista o estigma social normalmente associado à doença.
7. Estando caracterizada a subsistência da incapacidade após o cancelamento do benefício pela Autarquia Previdenciária, é devido o restabelecimento da prestação previdenciária desde a sua cessação.
8. Em consonância com o entendimento fixado pelo Plenário do STF no Tema 810, oriundo do RE 870947, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam: a) INPC (de 04-2006 a 29-06-2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91); b) IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme RE 870.947, j. 20-09-2017). Já os juros de mora serão de 1% (um por cento) ao mês, aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-06-2009; a partir de então, os juros observarão os índices oficiais aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte ré e dar parcial provimento à apelação da parte autora, a fim de fixar a data de início do benefício de aposentadoria por invalidez na data da cessação do auxílio-doença (05/02/2013), adequando, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 26 de fevereiro de 2018.
Juiz Federal Danilo Pereira Junior
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Danilo Pereira Junior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9295812v8 e, se solicitado, do código CRC 84495CE0. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença publicada em 21/01/2016 que, em ação ordinária, julgou procedente o pedido, determinando a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez a partir de 19/03/2013 e condenando o réu a implementar o benefício no prazo de quinze dias. Afirmou que os juros de mora incidentes sobre as parcelas vencidas devem observar o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, ao passo que a renda mensal do benefício deve ser reajustada com base no INPC.
A parte autora pretende que a data de início do benefício seja fixada na data em que houve a cessação do primeiro benefício de auxílio-doença percebido pela autora (08/04/2007), uma vez que, desde então, padece das mesmas enfermidades. Entende, portanto, ser descabida a fixação da DIB na data da citação, como feito pelo juízo a quo. Requer, assim, a reforma da sentença.
O INSS defende, a seu turno, a ausência de interesse de agir, uma vez que o benefício cessou em virtude de a autora não ter requerido administrativamente a sua prorrogação, dando azo à aplicação da alta programada. Noutro giro, sustenta que, como o laudo pericial aponta a incapacidade parcial e permanente da autora, a hipótese é de concessão de auxílio-doença - e não de aposentadoria por invalidez. Alega, de outra parte, que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 deve ser observado tanto para os juros de mora quanto para a correção monetária, uma vez que a decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 4.357 e da ADI 4.425 alcança apenas os débitos já inscritos em precatório. Postula, desse modo, a reforma do decisum.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório. Peço dia.
Juiz Federal Danilo Pereira Junior
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Danilo Pereira Junior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9295810v9 e, se solicitado, do código CRC 3ACE6FE2. | |
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VOTO
Interesse de agir
Inicialmente, ressalto que o Supremo Tribunal Federal fixou, no julgamento do RE nº 631.240, importantes balizas para o exame da existência de interesse processual em demandas que visam à concessão, à revisão, à manutenção ou ao restabelecimento de benefícios previdenciários. Em decorrência do julgamento do referido recurso, foi editada Tese de Repercussão Geral (Tema nº 350), que transcrevo a seguir:
I - A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas;
II - A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado;
III - Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão;
IV - Nas ações ajuizadas antes da conclusão do julgamento do RE 631.240/MG (03/09/2014) que não tenham sido instruídas por prova do prévio requerimento administrativo, nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (a) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (b) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; e (c) as demais ações que não se enquadrem nos itens (a) e (b) serão sobrestadas e baixadas ao juiz de primeiro grau, que deverá intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse em agir. Comprovada a postulação administrativa, o juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 dias. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir;
V - Em todos os casos acima - itens (a), (b) e (c) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.
Importa, aqui, delimitar a distinção, efetuada nesse precedente de observância obrigatória (art. 927, III, CPC), entre as ações relativas à concessão de benefício previdenciário e aquelas em que se pretende a revisão, o restabelecimento ou a manutenção do benefício. É que, nas primeiras, exige-se a realização de prévio requerimento administrativo (item I), ao passo que, nas demais, a parte pode requerer diretamente em juízo a tutela do seu direito (item III). A distinção repousa no seguinte fundamento: como o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível ao segurado, se ele opta por conceder prestação menos vantajosa (a ensejar pedido de revisão do benefício) ou por cancelar o benefício (a justificar pedido de restabelecimento ou de manutenção), já se manifestou sobre o tema, estando caracterizada, então, a pretensão resistida. Quando se trata da concessão de benefício previdenciário, por sua vez, é preciso, em regra, que o interessado formule requerimento administrativo, a fim de que se possa apurar a efetiva existência de pretensão resistida.
Com efeito, em se tratando de revisão, restabelecimento ou manutenção do benefício, a exigência de requerimento só se justifica quando o pedido se fundamenta em fato novo, que não foi exposto perante a autarquia previdenciária. Nos demais casos, porém, dispensa-se o requerimento administrativo prévio.
No caso em apreço, a parte autora esteve em gozo de auxílio-doença de 08/03/2011 a 05/02/2013(NB 5451426313 - evento 1, out11). Na data de ajuizamento da ação (14/01/2013), a autora ainda estava em gozo do benefício, mas a data de sua cessação já fora designada pelo INSS, com base em estimativa efetuada na perícia administrativa - prática comumente denominada de alta programada.
Percebe-se, portanto, que se está diante de pedido de manutenção de benefício previdenciário - e não propriamente de concessão de benefício, o que atrai a aplicação do entendimento previsto no item III da tese fixada no Tema nº 350. Ou seja, dispensa-se a realização de prévio requerimento administrativo de restabelecimento do benefício, salvo se o pleito se fundamentar em fato novo.
Na hipótese, não se trata de fato novo, pois a enfermidade incapacitante a justificar a prorrogação do benefício, conforme alegado pela parte autora, é a mesma que ensejou a sua concessão. Logo, aplica-se a regra da dispensabilidade de prévio requerimento administrativo.
Saliento, outrossim, que a jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a previsão de cancelamento do benefício em razão da alta programada faz nascer a pretensão resistida, a justificar a propositura de ação judicial, independentemente de ter sido realizado pedido de prorrogação na esfera administrativa. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTA PROGRAMADA. RESTABELECIMENTO. INTERESSE DE AGIR. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. SÚMULAS 213, TFR E 89 DO STJ. 1. Sendo a autora beneficiária de auxílio-doença, com cancelamento previamente estabelecido, ainda que não tenha havido pedido de prorrogação, não resta descaracterizada a resistência à pretensão, pois se alega indevida a suspensão programada. 2. O exaurimento da via administrativa é desnecessário para a propositura de ação judicial, na linha das Súmulas 213 do extinto TFR e 89 do STJ. (TRF4, AC 5034665-56.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 19/10/2016)
Está presente, portanto, o interesse de agir.
Requisitos para a concessão de benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Compulsando os autos, verifico que a autora padece de duas enfermidades: neoplasia maligna de mama (CID C50) e doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV - CID B24). Conforme o laudo pericial, a primeira enfermidade noticiada levou à realização de mastectomia da mama esquerda com tratamentos auxiliares, seguindo-se "quadro álgico em membro superior esquerdo" (conclusão "a" - evento 69, precatoria3, p. 18). O perito refere que, em razão dessas enfermidades, a autora "apresenta incapacidade parcial definitiva, podendo, portanto, executar outras atividades laborativas com características distintas e com menor complexidade da referida como mais recente (como trabalho com posturas alternadas, sem elevação de peso e/ou repetitividade)" - conclusão "b".
Embora o perito tenha afirmado que a incapacidade da autora seria parcial, cumpre atentar às suas condições pessoais a fim de verificar se ela possui efetivas condições de se reinserir no mercado de trabalho. Isso porque, como posto acima, o juízo sobre o grau de incapacidade da parte (se total, se parcial) não repousa apenas num critério biomédico, devendo abranger também um exame das condições pessoais, sociais e econômicas da parte.
No caso, a autora possui 51 anos de idade, ensino fundamental completo e teve a sua última ocupação como tintureira, apresentando limitada experiência profissional. Ademais, possui limitações para realizar atividades que exijam esforço físico, especialmente do membro superior esquerdo, o que limita consideravelmente a espécie de trabalho que poderia desempenhar. Entendo que, nesse cenário, a hipótese efetivamente é de incapacidade total, como bem apontou o juízo a quo.
Sublinho, outrossim, que a autora é portadora do vírus HIV, enfermidade que provoca forte estigma social, constituindo um obstáculo adicional para a reinserção do segurado no mercado de trabalho. Isso não significa, todavia, que o portador de HIV invariavelmente deva receber benefício por incapacidade; cada situação deve ser examinada individualmente. Como bem definiu o Em. Des. Federal Roger Raupp Rios, "a mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício" (TRF4, AC 0000533-87.2017.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 22/06/2017).
O entendimento que venho de expor está em harmonia com a posição consolidada pela TNU na Súmula nº 78, que transcrevo a seguir:
Súmula 78, TNU:
Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.
No caso em apreço, o fato de a autora possuir baixa escolaridade e idade avançada indicam a impossibilidade de reabilitação. Demais disso, a autora reside no Município de Chopinzinho/PR, o qual conta com a população aproximada de 19.679 habitantes, conforme estimativa do IBGE (https://cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=410540&search=parana|chopinzinho|infograficos:-dados-gerais-do-municipio). Trata-se, portanto, de cidade com pequeno contingente habitacional, o que implica uma oferta menor de postos de trabalho, especialmente tendo em vista o preconceito normalmente associado à doença, agravado em cidades de menor porte.
Desse modo, entendo que os elementos carreados aos autos indicam a incapacidade total e permanente da parte autora para o exercício de atividade laborativa, justificando-se a concessão de aposentadoria por invalidez, consoante referido na sentença.
Data de início do benefício
Compulsando os autos, verifico que a autora recebeu dois benefícios de auxílio-doença: o primeiro (NB 5160895791), de 13/03/2006 a 08/04/2007 e, o segundo (NB 5451426313), de 08/03/2011 a 05/02/2013 (evento 1, out11).
Indagado acerca da data início da incapacidade, o perito indicou outubro de 2011, quando a parte realizou mastectomia (quesito "i" - evento 69, precatoria3, p. 17). Não obstante, atestados médicos acostados aos autos permitem afirmar que a autora já estava impossibilitada de trabalhar, em razão do câncer de mama, desde o início de 2011 (evento 1, out6, p. 5; evento 1, out7, p. 1) - tanto que, como visto, lhe foi concedido o benefício de auxílio-doença desde 03/2011.
Não há, todavia, elementos que permitam afirmar que a autora tenha permanecido incapaz de exercer suas atividades habituais entre 08/04/2007, data de cessação do primeiro benefício, e 08/03/2011, quando teve início a concessão do segundo. Daí por que não se pode fixar a DIB do benefício ora concedido à autora na DCB do primeiro benefício de auxílio-doença por ela percebido.
A solução adequada, com efeito, é fixar a DIB na DCB do segundo benefício de auxílio-doença recebido pela autora (05/02/2013), pois foi demonstrado que, desde então, a autora está incapacitada de trabalhar. Não se justifica, assim, a fixação da DIB na data de citação do réu neste feito, como consta na sentença.
Nesse sentido, aliás, tem decidido esta Corte, conforme se percebe a seguir:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TERMO INICIAL. Tendo o laudo pericial certificado a subsistência da incapacidade após o indevido cancelamento do benefício pela Autarquia, é devido o restabelecimento da prestação previdenciária desde então. (TRF4, APELREEX 0017568-31.2015.404.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, D.E. 28/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADA. INCAPACIDADE LABORAL. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL. 1. A despeito da orientação firmada sob a égide do antigo Código de Processo Civil, de submeter ao reexame necessário as sentenças ilíquidas, é pouco provável que a condenação nas lides previdenciárias, na quase totalidade dos feitos, ultrapassem o valor limite de mil salários mínimos. E isso fica evidente especialmente nas hipóteses em que possível mensurar o proveito econômico por mero cálculo aritmético. Remessa necessária rejeitada. 2. Caracterizada a incapacidade total e temporária do segurado para realizar suas atividades habituais, mostra-se correto restabelecimento do auxílio-doença desde o indevido cancelamento administrativo. (TRF4, AC 5038943-66.2016.404.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 30/08/2017)
Destarte, a sentença merece reforma parcial nesse ponto, a fim de que o benefício seja concedido desde a cessação do auxílio-doença NB 5451426313 (05/02/2013).
Consectários - juros moratórios e correção monetária
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017.
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1ºF- da Lei 9.494/97, dada pela Lei nº 11.960/09 em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC (de 04-2006 a 29-06-2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme RE 870.947, j. 20-09-2017).
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-06-2009. A partir de 30-06-2009, segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
No caso, os consectários fixados na sentença devem ser adequados de ofício, uma vez que o juízo a quo determinou a aplicação do INPC para fins de correção monetária e não fixou o termo inicial da correção monetária e dos juros moratórios.
Honorários advocatícios recursais
A sentença recorrida foi publicada sob a vigência do CPC/1973, de modo que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser regidos pelas normas aí insculpidas. Não há lugar, por conseguinte, para a fixação de honorários advocatícios recursais, os quais vieram a ser previstos apenas no novo diploma processual civil (art. 85, § 11).
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da parte ré e de dar parcial provimento à apelação da parte autora, a fim de fixar a data de início do benefício de aposentadoria por invalidez na data da cessação do auxílio-doença (05/02/2013), adequando, de ofício, os consectários legais.
Juiz Federal Danilo Pereira Junior
Relator
Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Danilo Pereira Junior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9295811v9 e, se solicitado, do código CRC EF97C637. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 06/02/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5015885-34.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00000418220138160068
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sergio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | ROSELI TEREZINHA SUCKOW KRITLI |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 06/02/2018, na seqüência 1544, disponibilizada no DE de 26/01/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU RETIRADO DE PAUTA POR INDICAÇÃO DO RELATOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Juiz Federal MARCUS HOLZ | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/02/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5015885-34.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00000418220138160068
RELATOR | : | Juiz Federal DANILO PEREIRA JÚNIOR |
PRESIDENTE | : | Fernando Quadros da Silva |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | ROSELI TEREZINHA SUCKOW KRITLI |
ADVOGADO | : | DIEGO BALEM |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/02/2018, na seqüência 1053, disponibilizada no DE de 14/02/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE RÉ E DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, A FIM DE FIXAR A DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ NA DATA DA CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA (05/02/2013), ADEQUANDO, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal DANILO PEREIRA JÚNIOR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal DANILO PEREIRA JÚNIOR |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT | |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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