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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. PROVA TESTEMUNHAL. CERC...

Data da publicação: 23/07/2024, 11:01:42

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. São requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade: a qualidade de segurado; o cumprimento do período de carência, salvo nos casos excepcionados por lei; e a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença). 2. Ausente a prova oral acerca da qualidade de segurado especial da parte autora, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas. (TRF4, AC 5004683-79.2024.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 15/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004683-79.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: IVANILDO ANTONIO TOMALAKI

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

A parte autora ajuizou ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando a concessão de aposentadoria por invalidez com pedido sucessivo de auxílio-doença.

Processado o feito, sobreveio sentença, por meio da qual o Juízo a quo julgou o pedido nos seguintes termos (evento 65, SENT1):

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Ivanildo Antônio Tomalaki, por não ter o autor comprovado a sua qualidade de segurado.

Em razão do princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios os quais arbitro, com base no art. 85, §2º do CPC, em 10% sobre o valor da causa, contudo, fica sua exigibilidade suspensa ante a concessão da assistência judiciária gratuita (mov. 16.1).

Em suas razões recursais (evento 69, OUT1), a parte autora requer seja anulada a sentença, a fim de que os autos sejam retornados ao juízo de origem para a produção de prova oral sobre a atividade rural familiar. Supletivamente, requer a extinção sem resolução de mérito, para que o recorrente possa ingressar novamente em via judicial e seja possibilitado comprovar sua atividade rural.

Com contrarrazões (evento 73, PET1), vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Benefícios por Incapacidade. Aposentadoria por Invalidez. Auxílio-Doença.

A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.

Extraem-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a qualidade de segurado; o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, e a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).

Tendo em vista que a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente, cabe ao juízo se cercar de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, mormente com a realização de perícia médica.

Aos casos em que a incapacidade for temporária, ainda que total ou parcial, caberá a concessão de auxílio-doença, que posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (se sobrevier incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa) ou extinto (com a cura do segurado).

Após a regulamentação da Reforma da Previdência, instituída pela Emenda Constitucional n.º 103/2019, o auxílio-doença passa a ser chamado de auxílio por incapacidade temporária, denominação inserida no Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99, art. 71) pelo Decreto n.º 10.410, de 30.06.2020, enquanto a aposentadoria por invalidez passa a ser designada como aposentadoria por incapacidade permanente (Decreto n.º 3.048/99, art. 43, com a redação dada pelo Decreto n.º 10.410, de 30.06.2020).

Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:

Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:

I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;

Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.

Decorrido o período de graça, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, em geral, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido (ao tempo da vigência do art. 24, § único, da Lei 8.213/91) ou metade daquele número de contribuições (nos termos do art. 27-A da Lei n.º 8.213/91, incluído pela Lei nº 13.457, de 27.06.2017, e com a redação atual dada pela Lei nº 13.846, de 18.06.2019).

Nesse ponto, considerando a sucessiva legislação sobre o tema, inclusive medidas provisórias que tiveram vigência limitada no tempo, o número de contribuições a serem feitas para essa finalidade, tendo como parâmetro a data de início da incapacidade (DII), deve ser o seguinte, conforme a Instrução Normativa PRES/INSS Nº 128/2022:

Art. 200. Para os benefícios requeridos a partir de 25 de julho de 1991, data da publicação da Lei nº 8.213, de 1991, observado o § 1º, quando ocorrer a perda da qualidade de segurado, qualquer que seja a época da inscrição ou da filiação do segurado no RGPS, as contribuições anteriores a essa data só poderão ser computadas para efeito de carência, observado o fato gerador, depois que o segurado contar, a partir da nova filiação ao RGPS, com, no mínimo:

FATO GERADOR E NORMA APLICÁVEL

AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA E APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE

SALÁRIO-MATERNIDADE

AUXÍLIO-RECLUSÃO

De 25/07/1991 a 07/07/2016
Lei nº 8.213 de 1991 (redação original)

4 (quatro) contribuições
(1/3 da carência)

3 (três) contribuições
(1/3 da carência)

Isento

de 08/07/2016 a 04/11/2016
Lei nº 8.213 de 1991 (redação Medida Provisória nº 739 de 2016)

12 (doze) contribuições
(total da carência)

10 (dez) contribuições
(total da carência)

Isento

de 05/11/2016 a 05/01/2017
Lei nº 8.213 de 1991 (redação original)

4 (quatro) contribuições
(1/3 da carência)

3 (três) contribuições
(1/3 da carência)

Isento

de 06/01/2017 a 26/06/2017
Lei nº 8.213 de 1991 (redação Medida Provisória nº 767 de 2017)

12 (doze) contribuições
(total da carência)

10 (dez) contribuições
(total da carência)

Isento

de 27/06/2017 a 17/01/2019
Lei nº 8.213 de 1991 (redação Lei nº 13.457 de 2017)

6 (seis) contribuições
(1/2 da carência)

5 (cinco) contribuições
(1/2 da carência)

Isento

de 18/01/2019 a 17/06/2019
Lei nº 8.213 de 1991 (redação Medida Provisória nº 871 de 2019)

12 (doze) contribuições
(total da carência)

10 (dez) contribuições
(total da carência)

24 (vinte e quatro) contribuições
(total da carência)

de 18/06/2019 em diante
Lei nº 8.213 de 1991 (redação Lei nº 13.846 de 2019)

6 (seis) contribuições
(1/2 da carência)

5 (cinco) contribuições
(1/2 da carência)

12 (doze)
contribuições (1/2 da carência)

§ 1º Para as aposentadorias programáveis, a regra de que trata o caput incide sobre a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, com a aplicabilidade prejudicada para requerimentos protocolados a partir de 13 de dezembro de 2002, data da publicação da Medida Provisória nº 83, de 2002.

§ 2º O disposto no caput não se aplica aos trabalhadores rurais sem contribuição.

§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo ao segurado oriundo de RPPS que se filiar ao RGPS após os prazos previstos para manutenção da qualidade de segurado, conforme a categoria.

Em suma:

a) de 25/07/1991 a 07/07/2016, quatro contribuições;

b) de 08.07.2016 a 04.11.2016, doze contribuições;

c) de 05.11.2016 a 05.01.2017, quatro contribuições;

d) de 06.01.2017 a 26.06.2017, doze contribuições;

e) de 27.06.2017 a 17.01.2019, seis contribuições;

f) de 18.01.2019 a 17.06.2019, doze contribuições;

g) a partir 18.06.2019, seis contribuições.

A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação, por meio de exame médico-pericial, da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto essa condição persistir. Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.

Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.

Auxílio-acidente

A norma que disciplina o benefício de auxílio-acidente está prevista no artigo 86 da Lei nº 8.213/91, verbis:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.

§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.

§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

Cuida-se de benefício concedido como forma de indenização aos segurados indicados no artigo 18, § 1º, da Lei nº 8.213/91 que, após a consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, sofram sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exerciam. O referido § 1º do artigo 18 estabelece que "Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos incisos I, II, VI e VII do art. 11 desta Lei.", ou seja, os segurados empregados, inclusive o doméstico, os trabalhadores avulsos e os segurados especiais.

A lei não faz referência ao grau de lesão como requisito para a concessão do benefício. Portanto, é devido ainda que a lesão e a incapacidade laborativa sejam mínimas, bastando verificar se existe a lesão e se, após a sua consolidação, houve sequela que acarretou a redução da capacidade laboral do segurado para a atividade que exercia ao tempo do acidente. Nesse sentido, verbis:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AUXÍLIO-ACIDENTE. LESÃO MÍNIMA. DIREITO AO BENEFÍCIO. 1. Conforme o disposto no art. 86, caput, da Lei 8.213/91, exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. 2. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão. 3. Recurso especial provido. (STJ, REsp. 1109591/SC, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv.), 3ª Seção, DJe 08.09.2010)

São quatro os requisitos para a concessão do benefício, conforme se extrai do art. 86 da Lei nº 8.213/91: (a) a qualidade de segurado (empregado, inclusive doméstico, trabalhador avulso e segurado especial); (b) a superveniência de acidente de qualquer natureza; (c) a redução parcial da capacidade para o trabalho habitual e (d) o nexo causal entre o acidente e a redução da capacidade. Por força do artigo 26, I, da Lei nº 8.213/91, não se exige período de carência.

Caso Concreto

A parte autora, IVANILDO ANTONIO TOMALAKI, nascida em 08.01.1966, atualmente com 58 anos, ​profissão agricultor, residente e domiciliada em Mangueirinha/PR, grau de instrução analfabeto, pede o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez com pedido sucessivo de auxílio-doença, alegando encontrar-se incapacitada para as atividades laborativas.

A sentença julgou improcedente o pedido entendendo que a parte autora não demonstrou a qualidade de segurado.

Qualidade de Segurado Especial

Tratando-se de trabalhador rural em regime de economia familiar e de pescador artesanal, a jurisprudência atenuava a exigência de prova material da atividade laboral, flexibilizando a Súmula n° 149 do Superior Tribunal de Justiça, que impedia o reconhecimento com base apenas em prova oral. Contudo, a 1ª Seção daquele Tribunal, ao julgar o Tema n° 297 de seus Recursos Repetitivos, reafirmou a Súmula, e afastou o abrandamento ao decidir com força vinculante que: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".

O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se a inclusão de documentos em nome de terceiros, integrantes do grupo familiar, conforme a Súmula nº 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

Ressalva-se, neste ponto, que a atividade rural desempenhada na qualidade de boia-fria e/ou empregado assalariado caracteriza-se como serviços prestados individualmente a terceiros, não se tratando de trabalho exercido em mútua colaboração pelo grupo familiar, de modo que nessas hipóteses o efeito dos documentos comprobatórios da prestação de serviços pessoais a terceiros não se estende aos demais integrantes do grupo familiar.

O uso de provas documentais em nome de outras pessoas do grupo familiar também é vedado a partir do momento em que o titular da prova passa a exercer atividade de natureza diversa, de acordo com o Tema n° 533 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça : "Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana".

Ademais, sobre o labor urbano de integrante do grupo familiar e a investigação da descaracterização - ou não - do trabalho do segurado especial, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu no Tema n° 532 dos Recursos Repetitivos: "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)".

Para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou “boias-frias”. São recrutados por agenciadores de mão-de-obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural "boia-fria":

TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

O reconhecimento da condição de segurado especial em regime de economia familiar independe de recolhimento de contribuições previdenciárias. Da mesma forma, quanto ao trabalhador rural "boia-fria", em casos como o presente, que não trata de aposentadoria por tempo de contribuição, aplica-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de sua inexigibilidade, por equiparação ao segurado especial:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias. 4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1.762.211/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 07.12.2018)

A título de início de prova material da qualidade de segurado especial, foram juntados os seguintes documentos, consignados pela sentença:

a) Certidão de casamento, datada de 31/07/1995, em que consta a profissão do autor e de sua cônjuge como “agricultores” (mov. 1.6);

b) Notas fiscais de venda de repolho, alface e batata-doce roxa, em nome da esposa do autor, datada de fevereiro de 2020 (mov. 1.9, fls. 3-5);

c) Notas fiscais de venda de milho e feijão preto, em nome da esposa do autor, datada de outubro de 2015 (mov. 1.9, fls. 7-8);

d) Comprovante de Inscrição no Cadastro de Produtor Rural do Estado do Paraná, em nome da esposa do autor (mov. 1.9, fls. 9);

e) Autodeclaração de segurado especial rural, firmada pelo autor, em que afirmou exercer atividade rural desde 08/01/1974 até 10/08/2019, mediante o plantio de milho, feijão, mandioca, batata, verduras, frutas, criação de galinhas, produção de ovos, e pipocas (mov. 1.10);

Foi consignado pela sentença a insuficiência dos documentos apresentados para provar a qualidade de segurado especial e também explicado que não houve a produção de prova oral, porque, intimado a postular a produção de novas provas, o autor se quedou silente.

Antes de examinar o início de prova material, compreendo necessária a realização de prova oral, sobretudo por se tratar de hipótese de comprovação da qualidade de segurado especial e em virtude de o autor ser analfabeto.

Consequentemente, à míngua da prova testemunhal durante a fase probatória, e considerando a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são exercitadas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, deve ser concedida à parte autora a oportunidade de fornecer ao Juízo depoimentos testemunhais idôneos e consistentes, para demonstrar a condição de dependente da autora em relação ao segurado à época do seu óbito.

Com efeito, o Código de Processo Civil estabelece:

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

(...)

Destarte, impõe-se a anulação da sentença, com retorno dos autos à origem para reabertura da instrução, para a produção de prova oral e prolação de nova decisão.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. (...) 2. No caso, não foi oportunizada à parte autora a produção de provas da sua condição de dependente. 3. Deve ser anulada a sentença, a fim de seja reaberta a fase instrutória, com a produção de prova testemunhal. (TRF4, AC 5004316-02.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, 01/12/2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADOR RURAL. QUALIDADE DE DEPENDENTE. UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. (...) 2. Necessidade de comprovação da união estável, para fim de caracterizar a dependência econômica da companheira. Essa comprovação exige um início de prova material, que então deverá ser corroborada por prova testemunhal. 3. Presente o início de prova documental do labor rurícola e da alegada união estável e ausente a prova oral, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas. (TRF4, APELREEX 0016611-30.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 21/01/2016)

Diante disso, deve ser anulada a sentença e determinada a reabertura da fase instrutória, a fim de que seja produzida prova testemunhal, para verificar a qualidade de segurado especial da parte autora.

Honorários Advocatícios

Sem condenação na verba advocatícia, haja vista a anulação da sentença de primeiro grau.

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação: provida, para anular a sentença, determinando-se a reabertura da fase instrutória, a fim de que seja produzida prova testemunhal acerca da qualidade de segurado especial da parte autora.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, para anular a sentença, determinando-se a reabertura da fase instrutória.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004533799v9 e do código CRC 61b2c3fb.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 15/7/2024, às 14:54:10


5004683-79.2024.4.04.9999
40004533799.V9


Conferência de autenticidade emitida em 23/07/2024 08:01:42.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5004683-79.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: IVANILDO ANTONIO TOMALAKI

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE LABORAL. aPOSENTADORIA POR INVALIDEZ. aUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO. PROVA TESTEMUNHAL. CERCEAMENTO De DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.

1. São requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade: a qualidade de segurado; o cumprimento do período de carência, salvo nos casos excepcionados por lei; e a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).

2. Ausente a prova oral acerca da qualidade de segurado especial da parte autora, imprescindível para a solução da lide posta em Juízo, deve ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, a fim de que seja reaberta a instrução processual e oportunizada a inquirição de testemunhas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, para anular a sentença, determinando-se a reabertura da fase instrutória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 09 de julho de 2024.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004533800v5 e do código CRC 22426681.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 15/7/2024, às 14:54:10


5004683-79.2024.4.04.9999
40004533800 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 23/07/2024 08:01:42.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/07/2024 A 09/07/2024

Apelação Cível Nº 5004683-79.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: IVANILDO ANTONIO TOMALAKI

ADVOGADO(A): RAFAELLA DALLA VALLE MARCON (OAB PR082608)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/07/2024, às 00:00, a 09/07/2024, às 16:00, na sequência 1766, disponibilizada no DE de 21/06/2024.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO-SE A REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 23/07/2024 08:01:42.

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