APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001906-35.2013.4.04.7016/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ROSELENE ELIZA ERNZEN |
ADVOGADO | : | CLOVIS FELIPE FERNANDES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RETORNO AO TRABALHO COMPROVADO E NÃO COMUNICADO. MÁ-FÉ RECONHECIDA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE.
1. O retorno ao mesmo trabalho, e a não comunicação dessa situação ao INSS, caracteriza a má-fé daquele que recebe benefício por incapacidade, autorizando a cobrança dos valores pagos indevidamente pela Autarquia Previdenciária.
2. Tal conclusão emerge do próprio conhecimento popular acerca da impossibilidade de percepção do apoio previdenciário quando se está trabalhando - matéria objeto de inúmeras reportagens jornalísticas e orientação por parte dos servidores do INSS. Isso decorre do benefício recebido ter como pressuposto a incapacidade total para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado (artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91); assim, ao retornar à atividade remunerada sem comunicar ao Instituto, o beneficiário conscientemente contraria os pressupostos para fruição do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de junho de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9000481v5 e, se solicitado, do código CRC 1B522374. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001906-35.2013.4.04.7016/PR
RELATOR | : | ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ROSELENE ELIZA ERNZEN |
ADVOGADO | : | CLOVIS FELIPE FERNANDES |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente a ação proposta por Roselene Eliza Ernzen contra o INSS, em que objetivava a declaração de nulidade de ato administrativo que reconheceu irregularidade na concessão de benefício de auxílio doença em razão do exercício concomitante de atividade laboral no período de 1.2.2008 até 31.12.2012, bem como a declaração de inexistência de débito junto ao réu. Restou a autora condenada em honorários de sucumbência, fixados em R$ 2.000,00, bem como em custas processuais, verbas cuja exigibilidade foi suspensa em razão do deferimento de AJG.
Inconformada, a autora sustenta foi regular a concessão do benefício de auxílio-doença na DER, em 01.09.2005, sendo que o INSS somente a submeteu a perícia de revisão em 31.12.2012. Argumenta que nunca teve a intenção de fraudar o sistema previdenciário e que, de fato, não possuía capacidade laboral mesmo no período em que retornou ao trabalho. Aduz que teve de voltar ao trabalho em razão do valor do benefício ser insuficiente para manutenção própria e de sua família. Em razão do princípio da irrepetibilidade das prestações alimentares e de sua boa-fé presumida, requer seja declarada a inexistência do débito exigido pela autarquia.
Apresentadas as contrarrazões, subiram os autos..
É o brevíssimo relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra em uma das hipóteses referidas (metas do CNJ/CJF), justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Caso concreto
Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, seja por erro da Administração, seja em razão de antecipação de tutela, não é cabível a repetição das parcelas pagas. Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias quando se tratar de benefício de caráter alimentar recebido pelo beneficiário de boa-fé.
Por outro lado, cabe "a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável". O Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em seu artigo 'A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos', inserido na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 11/122, vai mais longe:
A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.
Daí se conclui que se o erro não for desculpável, resta caracterizada a má-fé e será possível à Administração postular o ressarcimento.
No caso concreto, o benefício foi cancelado face a constatação de que a parte autora, ao mesmo tempo em que gozava de auxílio-doença, estava exercendo atividade laboral, como empregada, na empresa Pastificio Selmi SA. Esse fato é incontroverso - a segurada não o negou nas vias administrativa e judicial.
Os argumentos lançados para defender a irrepetibilidade das prestações recebidas dizem respeito à conduta do INSS, que não submeteu a autora a perícias de revisão, bem como na inexistência de vedação legal ao exercício da atividade em concomitância com o auxílio-doença (o que não é proibido é permitido), circunstâncias que fazem presumir a boa-fé da beneficiária. Há menção, também, à necessidade do trabalho para a subsistência própria e da família.
Em que pese a argumentação da autora, existe uma consequência para o aposentado por invalidez - e, por equiparação, para o beneficiário de auxílio-doença - que retorna ao trabalho: a cessação automática do benefício (artigo 46 da Lei 8.213/91).
Consabidamente, o segurado que desejar retornar ao trabalho deverá solicitar a realização de nova avaliação pericial para, constatada a recuperação da capacidade laborativa, ter a prestação previdenciária suspensa. No caso dos autos, não houve por parte da ré tal iniciativa. Ao contrário, ela omitiu o seu retorno ao trabalho. Destarte, a percepção, pela requerente, do benefício por incapacidade em período concomitante ao exercício de atividade não pode ser considerado de boa-fé.
A boa-fé, enquanto princípio geral de Direito, implica considerar que as pessoas devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica (no caso, o de comunicação ao INSS do retorno normal ao trabalho), aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Tal conclusão emerge do próprio conhecimento popular acerca da impossibilidade de percepção do apoio previdenciário quando se está trabalhando - matéria objeto de inúmeras reportagens jornalísticas e orientação por parte dos servidores do INSS. Isso decorre do benefício recebido ter como pressuposto a incapacidade total para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado (artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91); assim, ao retornar à atividade remunerada sem comunicar ao Instituto, o beneficiário conscientemente contraria os pressupostos para fruição do benefício.
Em situações análogas, esta Corte assim se pronunciou:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RETORNO AO TRABALHO. CARGO DE CONFIANÇA COMO SUPERVISOR. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. VALORES RECEBIDOS DE MÁ-FÉ. DEVOLUÇÃO. I. O retorno ao trabalho implica o cancelamento do benefício de aposentadoria por invalidez. II. O exercício de atividade remunerada e a não comunicação dessa situação ao INSS caracteriza a má-fé do beneficiário a autorizar a cobrança dos valores pagos indevidamente pela Autarquia Previdenciária. (TRF4, AC 0008098-39.2016.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 09/03/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CANCELAMENTO. RETORNO AO TRABALHO COMPROVADO E NÃO COMUNICADO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERRUPÇÃO POR EXECUÇÃO FISCAL. 1. Havendo vedação legal ao exercício de atividade laboral para aquele que está em gozo de aposentadoria por invalidez (artigo 46 da Lei de Benefícios), o segurado que voluntariamente retornar ao trabalho terá seu benefício cessado. 2. O exercício de atividade remunerada e a não comunicação dessa situação ao INSS caracteriza a má-fé do beneficiário a autorizar a cobrança dos valores pagos indevidamente pela Autarquia Previdenciária. 3. O ajuizamento da execução fiscal, ainda que posteriormente extinta sem análise do mérito, é fato interruptivo da prescrição da pretensão de reaver as prestações pagas indevidamente. Isso porque a prescrição decorre da inércia do interessado em buscar o seu crédito, circunstância que não se verificou, já que a autarquia efetivamente se movimentou na persecução dos valores e houve a ordem de citação e o ato constitutivo de mora (hipóteses contempladas no CC/02, art. 202). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002491-04.2015.404.7118, 5a. Turma, Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES, julgado em 30/05/2017)
PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. ART. 115 DA LEI 8.213/91. VÍNCULOS DE TRABALHO REGISTRADOS NO PERÍODO DE GOZO DE AUXÍLIO DOENÇA. OCULTAÇÃO MALICIOSA DO RETORNO AO LABORO. PROVA. MÁ-FÉ EVIDENCIADA. (...) Em exame dos elementos probantes do feito, perquire-se não tratar o caso de erro administrativo do INSS. Ao contrário, o segurado, evidentemente, agiu maliciosamente no sentido de ocultar da Autarquia Previdenciária - para fins de manter o recebimento do auxílio doença - dois contratos de trabalhos firmados no período de gozo do benefício previdenciário. 3. A propósito, a prova dos autos, dá conta que, concomitantemente, com o período de gozo do benefício do auxílio doença, o recorrido recebeu salários pelo trabalho desenvolvido, tendo os seus empregadores, inclusive, recolhido as contribuições previdenciárias daí decorrentes. Percebe-se, nítido enriquecimento sem causa à custa do combalido sistema previdenciário pátrio. 4. Evidenciada a má-fé do segurado, o INSS pode proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente a título de auxílio-doença. (TRF4, AC 5007967-33.2013.404.7202, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado em 29/09/2016)
De mais a mais, as alegações de que a segurada não conseguiria prover sua subsistência com o valor do benefício não se sustenta, seja porque não se justifica o retorno ao trabalho de forma irregular - sem comunicação à autoridade previdenciária - seja porque seu benefício tinha valor superior a dois salários-mínimos, valor correspondente a 91% de sua média contributiva.
Os vários dispositivos legais e regulamentares citados pela apelante referem a incapacidade laboral como fato-gerador do auxílio-doença, situação que se elidiu pelo retorno voluntário ao mesmo trabalho exercido anteriormente. Nada obstante, se a segurada desejava voltar ao labor, deveria ter solicitado avaliação médica junto ao INSS e não simplesmente voltar à empresa, possivelmente sendo aprovada pelo médico do trabalho, e continuar, por mais de 4 anos, a receber o benefício que sabia ser um amparo para aqueles que estão incapacitados.
Desse modo, não há como afastar a má-fé reconhecida pela sentença, razão pela qual é legal e apropriado o processo administrativo e demais medidas adotadas pelo INSS para se ressarcir dos valores indevidamente pagos desde o retorno da segurada ao trabalho.
Mantida, portanto, a sentença de improcedência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo da autora.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/06/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001906-35.2013.4.04.7016/PR
ORIGEM: PR 50019063520134047016
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | videoconferência - DRA. ANUNCIATA GRASIELA GOETTEMS - Toledo |
APELANTE | : | ROSELENE ELIZA ERNZEN |
ADVOGADO | : | CLOVIS FELIPE FERNANDES |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/06/2017, na seqüência 668, disponibilizada no DE de 29/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9044588v1 e, se solicitado, do código CRC 341ABE9F. | |
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