Apelação Cível Nº 5006943-08.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ALCION COSTA FOGACA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 06/12/2018 (e. 2.49), que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade:
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por Alcion Costa Fogaça contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fulcro no art. 487, inc. I, do NCPC.
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários a concessão de APOSENTADORIA POR IDADE (e. 2.52).
Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
A sentença ora recorrida examinou a demanda nestes termos (e. 2.49):
Aliado ao impedimento do perito na realização do ato pericial, não houve comprovação do regime de economia familiar, pois pelos documentos juntados aos autos não preenche os requisitos para receber o benefício, isto é, a área de sua posse é de 1. 600.960,95 metros quadrados, conforme certidões e matrículas de páginas 21/22, 27 e 35 resultando superior ao limite determinado em lei (4 módulos fiscais).
Além de que, as testemunhas ouvidas na data de 16/05/2018, José Valdomiro Vaz e Erico Paulo Keller, afirmaram que o autor possui maquinários e que usa sua área praticamente inteira para plantio, descaracterizando a qualidade de segurado especial. Em conformidade com o entendimento do TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. NÃO-COMPROVAÇÃO. 1. A propriedade ou posse de terras com área superior a quatro módulos fiscais, aliada a propriedade de automóvel, e notas fiscais de valores elevados, afastam a condição de segurado especial trabalhador rural em regime de economia familiar. 2. Condenação nos ônus da sucumbência, nos termos da gratuidade da justiça. (TRF4, AC 5035609-58.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator MARCELO DE NARDI, juntado aos autos em 09/10/2017).
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da
qualidade de segurado especial da parte autora.
No caso em tela, cumpre registrar, primeiramente, que a circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos fiscais não retira, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracteriza o regime de economia familiar. E, na hipótese dos autos, não há qualquer referência ao uso de empregados pelo autor e pela família.
Com efeito, a análise de vários elementos - localização do imóvel, tipo de cultura explorada, quantidade de produção comercializada, número de membros familiares a laborar na atividade rural, utilização ou não de maquinário agrícola e de mão de obra de terceiros de forma não eventual - juntamente com a extensão do imóvel, é que permitirão um juízo de valor seguro acerca da condição de rurícola do segurado. As circunstâncias de cada caso concreto é que vão determinar se o segurado se enquadra ou não na definição do inc. VII do art. 11 da Lei n. 8.213/91 (EIAC n. 2000.04.01.043853-1/RS, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Terceira Seção, unânime, DJU de 11-02-2004).
Efetivamente, mesmo após a vigência da Lei n. 11.718, o Superior Tribunal de Justiça tem aceito tal entendimento, do que é exemplo o seguinte aresto:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. TRABALHO URBANO DO CÔNJUGE NÃO DESCARACTERIZA O TRABALHO DOS DEMAIS SEGURADOS. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. NÃO IMPEDE O RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. Inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido, o qual deixou claro que o fato de seu marido ter passado a exercer atividade urbana não afasta a condição de segurado especial dos demais membros da família, e nem o tamanho da propriedade rural.
2. O agravado juntou documentos, reconhecidos na origem, comprobatórios do exercício da atividade rural, bem como depoimentos das testemunhas, que corroboram tais provas.
3. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento de recurso especial submetido à sistemática dos recursos repetitivos, REsp 1.304.479/SP, de relatoria do Min. Herman Benjamim, julgado em 10.10.2012 (Dj de 19/12/2012), consignou que o "trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada, a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)".
4. A jurisprudência deste Superior Tribunal está firmada no sentido de que a extensão da propriedade rural, por si só, não é fator que impeça o reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 745.487/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 16/09/2015)
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007 p. 340.
No caso dos autos, foi mencionado que a autora utiliza maquinário na sua propriedade. No entanto, segundo a jurisprudência da 3ª Seção deste Regional, a utilização de maquinário e eventual de diaristas não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial, porquanto ausente qualquer exigência legal no sentido de que o trabalhador rural exerça a atividade agrícola manualmente. (TRF4, EINF 5023877-32.2010.404.7000, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 18/08/2015).
Ademais, tenho que a questão principal para o deslinde da presente causa é estabelecer que valor pode ser atribuído a elementos colhidos somente na seara administrativa e tomados de empréstimo pela parte ré, que os apresenta em juízo sem o apoio em qualquer outra prova colhida no curso do processo judicial, âmbito no qual há a estrita observância ao contraditório durante a produção probatória.
Ora, à toda evidência, havendo conflito entre a entrevista administrativa e os depoimentos prestados em juízo, devem prevalecer estes últimos, porquanto produzidos com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pelo INSS, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional, conforme entendimento adotado por esta Corte nos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. BOIA-FRIA. ENTREVISTA ADMINISTRATIVA E DEPOIMENTO PESSOAL. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea. 2. Em se tratando de trabalhador rural "boia-fria", a exigência de início de prova material para efeito de comprovação do exercício da atividade agrícola deve ser interpretada com temperamento, podendo, inclusive, ser dispensada em razão da informalidade com que é exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Precedentes do STJ. 3. Existindo conflito entre a entrevista administrativa e o depoimento pessoal da autora, deve prevalecer este último, porquanto produzido com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. 4. Implementado o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural. 5. O cumprimento imediato da tutela específica, diversamente do que ocorre no tocante à antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. A determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado de segurança, uma ordem (à Autarquia Previdenciária) e decorre do pedido de tutela específica (ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação. (AC n. 0009402-49.2011.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal Loraci Flores de Lima, pub. em 19/10/2011 - grifei)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CONCESSÃO. COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AMPARO ASSISTENCIAL AO IDOSO. DIREITO À APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos, à época do falecimento, os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas então em vigor. 3. Para a concessão de aposentadoria por idade rural, prevista no art. 48 da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.032/95, deve restar cumprida a carência exigida em lei, bem como completos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. 4. O exercício de atividade rural ou de pescador artesanal deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ, à exceção dos trabalhadores rurais "boias-frias". Não é necessário provar que o segurado trabalhou nas lides rurais por toda a vida, bastando que o labor fosse exercido contemporaneamente à época do óbito ou que essa atividade tenha cessado em decorrência do acometimento de alguma enfermidade. 5. Existindo conflito entre a entrevista administrativa e o depoimento pessoal da autora, deve prevalecer este último, porquanto produzido com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. (AC nº 0016578-79.2011.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Rogério Favreto, pub. em 16/03/2012 - grifei).
Na hipótese sub judice, em relação às informações prestadas pela parte autora em sua entrevista rural, o INSS não logrou produzir, em juízo, provas objetivas, destinadas confirmar e esclarecer o teor de tais indícios apurados administrativamente. Não basta, verbi gratia, aduzir que a autora é proprietária de imóveis, sem que se apure, no âmbito judicial, a natureza e o valor dessas propriedades, bem como o grau de predominância de eventuais rendimentos advindos de sua exploração para o orçamento familiar - incumbência essa, consoante é cediço, da parte ré. A toda evidência, não cabe ao Poder Judiciário suprir a inércia das partes, fazendo ilações sobre circunstâncias fáticas com base apenas em parcos elementos colhidos na esfera administrativa, sem a observância do contraditório, e que não foram complementados por qualquer prova produzida durante a fase de instrução.
Por fim, ressalto que, do segurado especial, não se exige a efetiva contribuição à Previdência, mas tão somente o exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, pelo período idêntico à carência do benefício.
Em análise da documentação acostada, percebe-se que a autora desenvolvia atividade de agricultor desde 2002 (e. 2.9, pg. 52), com registros até 2017, conforme notas fiscais (e. 2.17).
Corroborando tais registros, as testemunhas José Valdomiro Vaz (e. 5.1) e Erico Paulo Keller (e. 5.2), afirmaram que o autor não possui empregados, que dispõe de um pequeno maquinário, que planta soja e milho e que possui uma pequena quantidade de gado - sendo que exercia tal atividade em uma área menor. O restante da área, como menciona a testemunha Erico, engloba área não produtiva e ou reserva ambiental obrigatória.
Outrossim, as testemunhas foram claras ao comprovar que a autora dedicou-se a vida toda à atividade rural e que sempre a exerceu em regime de economia familiar. Dessarte, a prova testemunhal foi suficientemente clara quanto à comprovação do período rural, não havendo qualquer contradição entre os depoimentos.
Assim, a apelante apresentou os documentos que constituem o início de prova material e a confirmou através da prova testemunhal produzida em juízo.
Portanto, tem-se como preenchido o requisito qualidade de segurado especial.
Por conseguinte, deve ser anulada a sentença e reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por ortopedista, para avaliar, exaustivamente, a alegada incapacidade da parte autora.
Ante o exposto, voto por, de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por especialista, prejudicado o exame da apelação.
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Apelação Cível Nº 5006943-08.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ALCION COSTA FOGACA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCÍARIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. TRABALHADOR RURAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL, COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL. SENTENÇA ANULADA. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALIZADO.
1. Hipótese em que foi comprovada a qualidade de segurado especial.
2. Anulada a sentença e reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por ortopedista.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, anular a sentença e determinar a reabertura da instrução a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por especialista, prejudicado o exame da apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020
Apelação Cível Nº 5006943-08.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ALCION COSTA FOGACA
ADVOGADO: VITOR HUGO ALVES (OAB SC023038)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 275, disponibilizada no DE de 30/11/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO A PARTIR DA PROVA PERICIAL, QUE DEVERÁ SER REFEITA POR ESPECIALISTA, PREJUDICADO O EXAME DA APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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