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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. TRF4. 5014576-02.2021.4.04.9999...

Data da publicação: 03/12/2021, 15:01:27

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. 1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. 2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências. 3. Hipótese em que a documentação clínica juntada pela demandante, na qual há efetivas indicações dos médicos assistentes de que ela, portadora de lúpus, está incapacitada e que não pode ficar exposta à luz solar sob pena de agravamento da doença, revela que a conclusão do jusperito está dissociada do seu contexto laboral de agricultora. 4. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento cutâneo, articular e hematológico), corroborada pela documentação clínica, associada às suas condições pessoais (agricultora, 53 anos de idade e baixa escolaridade), demonstra a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2), convertido em aposentadoria por incapacidade permanente a partir da data deste julgamento. (TRF4, AC 5014576-02.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 25/11/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5014576-02.2021.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002059-38.2019.8.24.0074/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ANA ESPINDOLA DE CAMPOS DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 27-04-2021 (e. 45.1), que julgou improcedentes os pedidos de benefício por incapacidade desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2).

Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão de aposentadoria por incapacidade permanente desde 02-07-2019 (DER), especialmente por causa das suas condições pessoais (e. 51.1).

Com as contrarrazões (e. 55.1), subiram os autos a esta Corte.

Vieram os autos a esta Corte para julgamento.

Em 08-10-2021, a autora juntou petição (e. 62.1) e documentação clínica atualizada (e. 62.2), com pedido de preferência no julgamento e postulando a antecipação de tutela, em razão de estar acometida de neoplasia intraepitelial cervical.

É o relatório.

VOTO

A parte autora (agricultora e 53 anos de idade atualmente) objetiva a concessão de aposentadoria por incapacidade permanente desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2), decorrente de lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento cutâneo, articular e hematológico, comprovada pela seguinte documentação clínica:

a) (e. 1.8, p. 7):

b) (e. 1.8, p. 9):

c) Atestado médico emitido em 23-05-2019 (e. 1.8, p. 6):

Processado o feito, sobreveio sentença de improcedência (e. 45.1) em face de laudo pericial elaborado pelo Dr. Diego Martins Ferreira (CRMSC 18610), médico especialista em medicina do trabalho e medicina de tráfego que considerou a autora apta ao labor (e. 37.1):

[...]

1. INTRODUÇÃO.

1.1.Objetivo da Perícia.

Trata-se o presente Laudo em avaliar a Sra. Ana Espindola Campos da Silva, que move ação previdenciária, já devidamente qualificada nos autos. A pericianda possui 52 anos de idade, estado civil casada, escolaridade fundamental. Atividade laboral do lar.

1.2. Resumo dos principais fatos.

Segundo consta, o periciando realiza tratamento com reumatologista.

1.3. Procedimentos e Diligências realizadas.

Para a elaboração do presente Laudo foram realizados:

- Estudo de documentação.

- Estudo de documentos médicos/demais documentos apresentados pelo periciando.

- Entrevista, anamnese e exame físico.

2. HISTÓRICO.

15/03/2021. Pericianda informa que realiza acompanhamento com reumatologista devido quadro de Lupus. Sendo realizado tal tratamento de 2017, com hidróxido de cloroquina, prednisona. Atualmente também estaria aguardando pela realização de cirurgia ginecológica, devido lesão do colo uterino.

AVALIAÇÃO PERICIAL.

Os resultados colhidos que não mostraram manifestações patológicas e/ou que não interessam diretamente a Perícia, foram omitidos para evitar o alongamento desnecessário deste trabalho. Assim sendo, reportar-nos-emos, especificamente, aos elementos fornecidos pelo exame físico direcionado, assim como os pontos principais dos documentos apresentados, que foram avaliados pelo Perito em sua totalidade.

2.1.Antecedentes.

Nega antecedentes dignos de nota.

2.2. Exame físico.

a) Inspeção: normal ao exame.

b) Ausculta Cardíaca: normal ao exame.

c) Ausculta Pulmonar: normal ao exame.

d) Abdômen: normal ao exame.

e) Exame de segmentos: Sem edemas articulares

f) 50Kg 1,65 metros

2.3. Exames complementares/demais documentos (demais documentos que constam nos autos também avaliados, optou/se por destacar os seguintes)

3. DISCUSSÃO.

3.1 – Sobre o Lupus.

Segundo Robbins (in Patologia Estrutural e Funcional), o lupus eritematoso sistêmico ou disseminado (LES ou LED) é uma doença multi-sistêmica, provavelmente de origem autoimune. Pode ser descrita como um distúrbio no qual o sistema imunológico parece tornar-se “selvagem”, reagindo a qualquer antígeno do organismo com a produção exagerada de anticorpos. Aguda ou insidiosa em seu início, ela é uma doença febril crônica remitente e recorrente, caracterizada, principalmente, por lesão de pele, rins, membranas serosas, articulações e coração, embora virtualmente qualquer órgão do organismo possa ser comprometido.

A maioria das lesões nesses órgãos ou tecidos tende a ocorrer dentro ou ao redor de vasos sanguíneos e tomam a forma de acúmulos focais de substância fundamental, depósito fibrinóide e vasculite aguda seguida, em tempo, pela fibrose colágena. É, fundamentalmente, uma doença do colágeno. Os achados anatômicos mais relevantes do LES são: a) a natureza aparentemente imunológica das lesões vasculares agudas em todos os tecidos e órgãos lesados, b) o comprometimento multi-sistêmico do tecido conjuntivo e dos vasos, c) o desenvolvimento ocasional de uma endocardite e d) o padrão estrutural da nefrite lúpica.

O diagnóstico pode ser facilmente evidenciado quando a doença apresenta a forma clássica, embora, em alguns casos, os achados não são tão elucidativos. Seu curso é extremamente variável, e quase sempre imprevisível. Alguns casos raros podem levar à morte entre semanas a meses. Mais freqüentemente, tende a manter-se em estado crônico, particularmente pela irreversibilidade das lesões. O tratamento consiste em evitar a agudização da doença e sua evolução, uma vez que a remissão completa do mal é extremamente rara.Dentre as medidas para tal situação, está evitar a exposição continuada à luz solar.São as lesões decorrentes do LES que podem tornar alguém incapacitado para o trabalho.

4. RESPOSTA AOS QUESITOS

4.1 QUESITOS APRESENTADOS PELO JUIZADO

(a) Qual o método utilizado para a realização da perícia? O método utilizado para a realização da perícia é predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento?

Avaliados atestados médicos, exame clínico e literatura médica. Aceito pelos especialistas.

(b) O(A) requerente apresenta lesão(ões) consolidada(s) decorrente (s) da patologia narrada na inicial? Se positiva a resposta, qual(is)?

Sim. Lupus eritematoso sistêmico.

(c) O(A) requerente apresenta sequela(s) decorrente(s) da doença narrada na inicial que implique(m) na redução da capacidade para o trabalho que o(a) requerente habitualmente exercia? Se positiva a resposta, qual(is)?

Ao exame pericial não foram observados sinais seguros e objetivos de intensidade de gravidade suficiente para causar incapacidade da parte autora, lembrando mais uma vez que doença é uma situação e indicação de incapacidade laboral é outra situação. Houve período pretérito limitado de incapacidade.

(d) em caso de redução da capacidade laborativa, esta é parcial/total e permanente/temporária?

Prejudicado.

(e) em caso de incapacidade total e permanente, existe necessidade de assistência permanente de outra pessoa para o desempenho das atividades cotidianas do(a) requerente?

Prejudicado.

[...]

(g) há nexo causal entre o entre a lesão/patologia e o exercício da atividade laboral?

Patologia não relacionada com o trabalho.

[...]

(j) Há recuperação total do requerente?

Não há incapacidade atualmente.

(k) Há possibilidade de reabilitação do(a) requerente para o trabalho?

Não há incapacidade.

[...]

VI - QUESITOS ESPECÍFICOS: AUXÍLIO-ACIDENTE Quesitos específicos para as hipóteses de pedido de auxílio-acidente ou nos casos em que o autor já recebe auxílio-acidente e pretende o recebimento de auxílio-doença:

[...]

h) Face à sequela, ou doença, o(a) periciado(a) está: a) com sua capacidade laborativa reduzida, porém, não impedido de exercer a mesma atividade; b) impedido de exercer a mesma atividade, mas não para outra; c) inválido para o exercício de qualquer atividade?

Resposta letra A.

5 .CONCLUSÃO.

Considerando o estado geral do periciando, a história clínica apresentada e o estudo dos documentos médicos, além da pesquisa bibliográfica em literatura médica atual:

Ao exame pericial não foram observados sinais seguros e objetivos de intensidade de gravidade suficiente para causar incapacidade da parte autora, lembrando mais uma vez que doença é uma situação e indicação de incapacidade laboral é outra situação. Não observamos período pretérito limitado de incapacidade, relacionada com a patologia reumatológica.

Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).

Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Destaca-se que tal orientação vem prevalecendo no âmbito do Egrégio STJ ao ratificar, monocraticamente, decisões que levaram em consideração os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado para superar o laudo pericial (v.g. AREsp 1409049, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ 21-02-2019).

Com efeito, a parte autora é portadora de patologia (lúpus) que recomenda a cessação das atividades laborais que possa, pela exposição solar, levar ao agravamento do quadro sintomático. Sobre esse quadro fático, apurado pericialmente (não sendo, portanto, um palpite infeliz do juiz), é que vai incidir o enunciado do princípio da prevenção/precaução, consubstanciado na possibilidade (não certeza) de a continuidade do trabalho potencialmente agravar a patologia.

Me parece esta relação de causalidade foi deixada de lado pelos peritos, que negligenciaram no seu mister de auxiliar o juiz, deixando de prestar uma informação de capital importância ao deslinde do conflito. Perícias incompletas, que obrigam o juiz a avançar por uma seara que não tem o domínio seguro. Definir o que é tarefa do perito e o que é tarefa do juiz não é mister simplório quando se trata da definição da (in)capacidade.

O certo é que a prevenção/precaução, enquanto princípio superior de aplicação subjetiva e objetivamente universalizada, que deveria ter sido aplicada pelo perito, se não o for, resulta submetida ao juiz, ao qual é vedado declarar o non liquet, pois precisa decidir o indecidível (Luhmann).

Embora o juiz utilize a sua condição de ser-no-mundo, experiência, vivência e a tradição, como subsídios para encontrar a melhor compreensão da relação fato-direito, o ideal é que tais supostos sejam previamente manejados e avaliados pelo profissional médico, vale dizer, pelo próprio sistema sanitário (médico). A experiência, embora com ele não se confunda, sempre é subsídio do conhecimento científico. É, podemos dizer, um pressuposto inafastável para a ele se chegar. É isso que os peritos recusam: deixar-se levar pela experiência e a vivência como suportes do conhecimento científico que precisam ter, auscultando os sentidos das inconfundíveis observações individuais sobre o mesmo fenômeno como movimento dialético que altera o seu saber e respectivo objeto, e que precisam ser levados à tona e desvelados. Melhor dizendo, submetidos ao crivo do processo dialógico, para debate das partes e avaliação judicial. A experiência, enquanto essência histórica do homem, permite uma melhor aproximação com a coisa (mesma) como ela é.

Ao que vejo, faltou ao perito e ao juiz do caso um pouco mais de outridade (alteridade). A decisão judicial não precisa ser consequencialista apenas do ponto de vista econômico. O consequencialismo para valer é aquele que reflete as consequências da decisão em um sentido amplo (holístico). O segurado, como qualquer autor de uma demanda judicial, sofre os efeitos negativos e positivos da decisão judicial. A pergunta é: até que ponto se pode, respeitada a dignidade da pessoa, impingir ao segurado o castigo de ter que trabalhar com sofrimento, com dores, falta de forças e submetido a tratamentos fármacos (analgesia) que atenuem as dores resultantes de suas limitações para determinadas atividades, mas que sempre impõem efeitos colaterais graves?

Têm-se visto laudos periciais que asseveram ser possível o trabalho de rural, por exemplo, nada obstante os problemas sérios na coluna, mediante analgesia e fisioterapia, como se tais paliativos não tivessem custo e não demandassem tempo, muitas vezes incompatível como as condições e local de trabalho. Um vício dos mais graves das perícias está em referir o perito que “no momento da perícia o segurado não apresentou sintomas que pudessem induzir à incapacidade”. Quando assim age, o perito culmina por congelar (em uma fotografia!) o quadro como se as doenças não tivessem “antes”, “durante” e “depois” (passado, presente e futuro). Esta atitude apaga o passado, celebra o presente e mata o futuro.

Com efeito, a perícia é muito mais uma anamnese qualificada e estudo da patologia desde o seu início (instalação), progressão e projeção para o futuro (perspectiva de cura, estabilização ou avanço da doença), do que outra coisa. Perícias incompletas, vai-se repetir à exaustão, ao invés de ajudarem, tornam a decisão judicial mais complicada e, às vezes, impossível. Ao olvidar o futuro, conectado com o passado e o presente, o perito-médico atua de forma imprevidente. Vale dizer, sem a devida atenção aos princípios universais da prevenção/precaução. Não cogita os riscos (evitáveis) de sua decisão (laudo é tomada de decisão) na perspectiva daqueles que serão afetados por sua decisão (as consequências).

Também ao juiz, no seu decidir, revela-se imperdoável não inserir a variável prevenção/precaução dirigida a inibir ou atenuar os riscos de a decisão desencadear uma situação de prejuízo insuperável ao segurado que se encontre em vias de incapacidade.

Deste modo, no caso em apreço, em contraposição ao laudo judicial, a documentação clínica juntada aos autos pela demandante revela que a conclusão do jusperito está bastante dissociada do seu contexto laboral de agricultora. Isto porque há efetivas indicações dos médicos assistentes de que a autora, portadora de lúpus, está incapacitada, necessita manter-se afastada do labor e que não pode ficar exposta à luz solar, sob pena de agravamento da doença. O expert apontou que uma das medidas de tratamento do lúpus é "evitar a exposição continuada à luz solar" (e. 37.1, pp. 4-5). Ora, o labor na agricultura é em sua maior parte realizado ao ar livre, ou seja, totalmente exposto à luz solar. E mesmo que se faça a utilização de EPIs (equipamentos de proteção individual) e protetor solar, não parece razoável obrigar uma trabalhadora acometida de doença que atinge a pele a exercer atividade tipicamente exposta à luz solar, sendo que há diversas contraindicações médicas.

Ademais, importante pontuar que esta é a primeira vez que a autora pede benefício por incapacidade, mas a segurada já havia buscado ajuda médica para investigar as patologias na pele desde, no mínimo, 2007 (vide testes de contato, e. 1.9, p. 1-2), inicialmente com a suspeita de ser psoríase (vide laudo médico do SUS para tratamento fora do domicílio, e. 1.9, p. 11). Depois disto, a partir de 2016 há farta documentação registrando os encaminhamentos, exames e procedimentos solicitados e realizados via SUS e particular ao longo dos anos 2016-2019 (e. 1.9, pp. 3, 6-14), bem como os receituários (e. 1.10) e atestado médico emitido em 14-02-2019 afirmando que a autora faz tratamento para lúpus desde 2017 (e. 1.7, p. 1). Além disso, os diversos atestados médicos afirmando a presença de incapacidade e a impossibilidade de que a autora fique exposta à luz solar são contemporâneos à DER (e. 1.8, pp. 6-7, 9, e. 1.11). Em resumo, é de se entender que todos estes elementos coligidos nos autos demonstram um óbvio agravamento da patologia que culminou na incapacidade da segurada para o labor.

Não bastasse isto tudo, recentemente, em exame anatomopatológico realizado pela autora, foi detectado NIC III, cf. e. 62.2, a neoplasia intraepitelial cervical grau III, popularmente conhecida como câncer do colo do útero. Sendo assim, somadas às patologias, tendo em vista as condições pessoais da autora (ensino fundamental, atividade habitual de agricultora e 53 anos de idade atualmente), a reabilitação profissional é inviável, de modo que a incapacidade laboral se torna definitiva.

Ademais, é pacífica a jurisprudência deste Colegiado quanto à impossibilidade dos agricultores exercerem atividade profissional quando acometidos de doenças de pele:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. CÂNCER DE PELE. TRABALHADOR RURAL. TERMO INICIAL. 1. Considerando o conjunto probatório, notadamente a natureza das atividades desempenhadas no exercício da profissão de agricultor, a idade do autor (50 anos), sua baixa escolaridade e qualificação profissional restrita, entendo possível concluir que está total e definitivamente incapacitado para o exercício de atividades laborativas, sendo-lhe devido o benefício de aposentadoria por invalidez. 2. O trabalhador rural em regime de economia familiar não pode se dar o luxo de escolher a hora do dia em que irá trabalhar ou, então, de desempenhar apenas tarefas que não exijam exposição ao sol, tampouco possui condições financeiras de arcar com o elevado custo de protetor solar para uso diário, durante toda a jornada de trabalho. Por tudo que dos autos consta, inclusive pelo referido pelo perito judicial, ainda que as lesões causadas pela doença possam, eventualmente, ser curadas através de tratamento adequado - geralmente o cirúrgico -, é certo que o autor deverá evitar, de modo permanente, a exposição solar, sob pena de recidiva da doença da qual padece - câncer de pele -, sendo impossível o retorno às suas atividades habituais. 3. Tendo o conjunto probatório apontado a existência da incapacidade laboral desde a época do requerimento administrativo, o benefício é devido desde então. (TRF4, AC 5023244-98.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 27/10/2017, grifei).

A título de reforço, colaciono trecho do voto de outro caso bastante semelhante a este nos autos da AC n. 5025304-10.2018.4.04.9999/SC, também desta Turma e da relatoria do Des. Federal Celso Kipper (sem grifos no original):

(...)

Não obstante as conclusões do expert no sentido de que o autor está apto ao trabalho, analisando o conjunto probatório, parece-me improvável que o demandante reúna condições de retornar a exercer seu labor habitual.

Nessa linha, ressalto que o autor foi amparado pela Autarquia Previdenciária, no período 19-08-2005 a 09-01-2017, por ser portador de Lupus eritematoso sistêmico, mesma patologia diagnosticada pelo perito judicial.

Ademais, compulsando os autos, verifico que o requerente juntou documentação médica, datada de 22-12-2016 e 18-04-2017 (evento 2 - OUT7 e OUT26), indicando estar em tratamento desde 2005, por Lúpus eritematoso disseminado [sistêmico] com comprometimento de outros órgãos e sistemas (CID M32.1), recebendo medicação especial, impossibilitado de exposição ao sol e incapacitado definitivamente para o trabalho.

Ora, sabe-se que o labor rural pressupõe grande exposição solar, sendo este um dos principais fatores desencadeantes da fase ativa do lúpus. Dessa forma, parece-me razoável entender que é incompatível a continuidade do trabalho com a patologia apresentada, visto que, mesmo sob controle medicamentoso, a exposição solar é fator precipitante de agudizações da doença.

Além disso, mesmo com o uso de chapéu de aba larga e protetor solar, não é razoável exigir-se que o labor na agruicultura seja desempenhado sob constante risco à sua saúde.

Assim, diante de um conjunto probatório apontando a confirmação da patologia incapacitante pelo próprio tipo de labor do autor, constantemente exposto aos raios solares, e ponderando, também, acerca de suas condições pessoais (baixa escolaridade e qualificação profissional restrita, em benefício previdenciário por mais de 11 anos), entendo inviável a sua reabilitação, devendo, em consequência, ser-lhe concedido o benefício de aposentadoria por invalidez. (...)

Diante de tudo que foi exposto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento cutâneo, articular e hematológico), corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais (agricultora, 53 anos de idade e baixa escolaridade), demonstra a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2, cf. e. 1.13), convertido em aposentadoria por incapacidade permanente a partir da data deste julgamento.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Tutela específica - implantação do benefício

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.

Dados para cumprimento: ( x ) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão
NB
Espécie32
DIBData de julgamento deste processo
DIPNo primeiro dia do mês da implantação do benefício
DCBNão se aplica
RMIa apurar
Observaçõesconcede-se auxílio-doença desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2), convertido em aposentadoria por invalidez que terá como DIB a data do julgamento deste processo e deverá ser implantado imediatamente.

Requisite a Secretaria da Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.

Conclusão

Reforma-se a sentença para conceder à parte autora auxílio por incapacidade temporária desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2), convertido em aposentadoria por incapacidade permanente a partir da data deste julgamento.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação da aposentadoria por invalidez, via CEAB.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002878678v28 e do código CRC 40d56d17.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/11/2021, às 14:4:58


5014576-02.2021.4.04.9999
40002878678.V28


Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:26.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5014576-02.2021.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5002059-38.2019.8.24.0074/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: ANA ESPINDOLA DE CAMPOS DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA.

1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.

2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.

3. Hipótese em que a documentação clínica juntada pela demandante, na qual há efetivas indicações dos médicos assistentes de que ela, portadora de lúpus, está incapacitada e que não pode ficar exposta à luz solar sob pena de agravamento da doença, revela que a conclusão do jusperito está dissociada do seu contexto laboral de agricultora.

4. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência da moléstia incapacitante referida na exordial (lúpus eritematoso disseminado (sistêmico) com comprometimento cutâneo, articular e hematológico), corroborada pela documentação clínica, associada às suas condições pessoais (agricultora, 53 anos de idade e baixa escolaridade), demonstra a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde 02-07-2019 (DER do NB 31/628.614.166-2), convertido em aposentadoria por incapacidade permanente a partir da data deste julgamento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação da aposentadoria por invalidez, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 23 de novembro de 2021.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002878679v5 e do código CRC 405b8a11.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/11/2021, às 14:4:58


5014576-02.2021.4.04.9999
40002878679 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:26.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/11/2021 A 23/11/2021

Apelação Cível Nº 5014576-02.2021.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: ANA ESPINDOLA DE CAMPOS DA SILVA

ADVOGADO: AMANDA PETRONILHA FERREIRA (OAB SC045059)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/11/2021, às 00:00, a 23/11/2021, às 16:00, na sequência 362, disponibilizada no DE de 04/11/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, VIA CEAB.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/12/2021 12:01:26.

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