Apelação Cível Nº 5060999-40.2014.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: ROGERIO PEREIRA NUNES (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada pelo INSS em face de Rogerio Pereira Nunes, objetivando a devolução de quantia indevidamente recebida em razão da concessão de benefício de amparo social à pessoa portadora de deficiência NB 87/547.608.658-3, no período de 22/08/2011 a 31/03/2014. Alega que a renda per capita da sua família estaria em desacordo com a Lei nº 8742/93, art. 20, parágrafo 3º.
Citado, o réu contestou a ação (evento 73), alegando: a) que não teve a intenção de fraudar a Previdência; b) que recebeu os valores de boa-fé; c) o caráter alimentar da verba recebida.
Processado o feito, foi proferida sentença, publicada em 23/03/2017, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev. 122 de origem):
Ante o exposto, nos termos da fundamentação, julgo improcedente o pedido, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, nos moldes da fundamentação.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo de cada faixa estipulada pelo artigo 85, § 3°, do Novo Código de Processo Civil, tendo em vista o grau de zelo profissional, a importância da causa e o trabalho apresentado pelo procurador, bem como o tempo exercido para seu serviço..
Deverá o INSS restituir o valor dos honorários periciais.
O INSS apelou alegando que houve má-fé no recebimento do benefício, e que, mesmo na hipótese de boa-fé, deve haver restituição na forma do art. 115 da Lei nº 8.213/91, considerando os princípios da indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade administrativa, da contributividade e do equilíbrio financeiro da Previdência Social, bem como do mandamento constitucional de reposição ao erário. Pede a reforma da sentença para julgar procedente o pedido de ressarcimento dos valores, com a consequente inversão dos ônus da sucumbência. (ev. 134).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ
Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Como se vê, foi fixada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.
Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)
No caso, peço vênia para transcrever a fundamentação da sentença, da lavra da MM. Juiza Federal, Dra. Luciana Dias Bauer, que fez sucinta e precisa análise dos fatos e valoração da prova:
Consta no processo administrativo anexado sob o formato PROCADM2, evento1, que o autor solicitou o beneficio em 22/08/2011, oportunidade em que se encontrava desempregado de acordo com o CNIS (fl.15, do PA).
Informou como endereço de residência, a Rua das Araucárias, nº 05, Campo Largo/PR (fl.17).
Solicitada e deferida pesquisa social por servidor do INSS, realizada em 28/02/2012, verificou-se que o autor naquela data estava trabalhando numa empresa auferindo salário de R$ 545,00 e sua companheira, Licia Romualdo da Luz, auferia renda aproximada de R$ 240,00, trabalhado 4 vezes por mês como diarista. O grupo familiar se limitaria a duas pessoas, eis que a filha de Licia, com 10 anos de idade, denominada Karine, residia com a avó que morava na casa ao lado da residência do casal. Ou seja, naquela oportunidade a pessoa responsável pela visita, verificou que a renda da família era superior a 1/4 do salário-mínimo, fixado em 01/01/2012 em R$ 622,00.
Ocorre que, mesmo diante de tal constatação, em 13/03/2012 foi proferido despacho de concessão do benefício em favor do autor (fl.21, do PROCADM2, evento1), com pagamento de atrasados desde a DER 22/08/2011 (fl.33, do PA), disponibilizado em 03/2012.
Resta evidente, portanto, que houve flagrante erro administrativo quando da concessão do benefício pelo INSS. Consta no processo administrativo, carta emitida em 15/03/2012, praticamente mesma data em que concedido o benefício, informando sobre indícios de fraude (fl.27 do PA). Não obstante isso, foram pagos atrasados no mês de março de 2012 e, estranhamente, não ocorreu a suspensão do benefício até apresentação de defesa pelo réu, o que seria plenamente razoável. Ao contrário, o benefício continuou a ser pago e veio a ser cessado somente em 04/2014.
Nessa situação, o TRF da 4ª Região adota entendimento que não cabe devolução de valores pagos por ato do INSS:
1. É inviável a devolução pelos segurados do Regime Geral de Previdência Social de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-fé do segurado, na sua condição de hipossuficiência e na natureza alimentar dos benefícios previdenciários.
2. O art. 115 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto, não se aplica às situações em que o segurado é receptor de boa-fé, o que, conforme documentos acostados aos presentes autos, se amolda ao vertente caso. Precedentes. (TRF4, AG 5011455-68.2013.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Néfi Cordeiro, D.E. 16/08/2013)
O STJ, em representativo de controvérsia, não permite devolução de valores em valor pago decorrente de erro da Administração:
1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.
2. O art. 46, caput, da Lei n. 8.112/90 deve ser interpretado com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.
3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido a regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial não provido.
(STJ, REsp 1244182/PB, 1ª Seção, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19/10/2012)
Ainda que assim não fosse, a verba em questão tem caráter alimentar e torna-se irrepetível se não houve má-fé do beneficiário na percepção dos valores. Tal entendimento vem sendo sedimentado na jurisprudência pátria, como se observa nos seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 201, § 2º DA CF-88. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Consoante orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte, não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, AC 5001983-62.2013.404.7107, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 18/09/2013)
AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. A Terceira Seção desta Corte sedimentou o entendimento de serem irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar, razão pela qual se entende presente a verossimilhança das alegações, pois, em sede de cognição sumária, não se identificam indícios de má-fé do segurado. O risco de dano irreparável consubstancia-se no fato de que o benefício de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural titulado pelo demandante, que atualmente conta 75 anos de idade, é de valor mínimo, sendo qualquer desconto prejudicial à manutenção de suas necessidades básicas. 2. Cabível, portanto, a antecipação dos efeitos da tutela, estando a parte autora dispensada da devolução dos valores percebidos em decorrência do benefício previdenciário suspenso." (TRF4, AG 5010815-02.2012.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 27/09/2012 - grifei)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. 1. A controvérsia estabelecida em tela está em saber se os valores percebidos pelo segurado, por força de tutela antecipada posteriormente revogada, deveriam ou não ser devolvidos aos cofres públicos. 2. A jurisprudência pacífica na Terceira Seção, antes da modificação da competência, era no sentido da impossibilidade dos descontos, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, aplicando ao caso o Princípio da Irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes. Súmula 83/STJ. 3. A Segunda Turma adotou o mesmo entendimento jurisprudencial, afirmando que "Esta Corte, de fato, perfilha entendimento no sentido da possibilidade de repetição de valores pagos pela Administração, por força de tutela judicial provisória, posteriormente reformada, em homenagem ao princípio jurídico basilar da vedação ao enriquecimento ilícito. Entretanto, tal posicionamento é mitigado nas hipóteses em que a discussão envolva benefícios previdenciários, como no caso em apreço, tendo em vista o seu caráter de verba alimentar, o que inviabiliza a sua restituição." (REsp 1.255.921/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.8.2011.) 4. A decisão agravada, ao julgar a questão que decidiu de acordo com a interpretação sistemática da legislação, especialmente nos termos do art. 115 da Lei n. 8.112/91, apenas interpretou as normas, de forma sistemática, não se subsumindo o caso à hipótese de declaração de inconstitucionalidade sem que a questão tenha sido decidida pelo Plenário. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201202135884, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/11/2012 ..DTPB:.)
Analisando o conjunto probatório carreado ao feito, verifica-se que não restou comprovada má-fé do réu. Ao contrário, note-se que este passou a receber o benefício após a visita de servidora do INSS em sua residência (02/2012) , a qual constatou sua situação social. Ainda, de acordo com a CTPS anexado no evento 109 (CTPS25), encontra-se desempregado desde 11/03/2012, com dificuldades para ser contratado devido a seus problemas de saúde, no caso, baixa visão em decorrência de toxoplasmose na infância (LAU1) .
Portanto, indevida a cobrança.
Entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)
Merece destaque a circunstância do benefício ter sido concedido após visita da servidora do INSS à residência do beneficiário, como bem destacou a sentença, o que constitui evidente indício de sua boa-fé, o que, aliado ao erro administrativo, impede a obrigatoriedade da devolução pretendida.
Frisa-se que a modulação de efeitos do Tem 979/STJ afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, remanescendo a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade na ausência de prova da má-fé.
Logo, o apelo não merece provimento.
Honorários Advocatícios
Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).
Improvido o apelo do INSS, majoro a verba honorária, elevando-a em 50% sobre o valor fixado na sentença, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, § 3º e § 11, do Código de Processo Civil, respeitados os limites máximos de cada faixa, e considerando o entendimento desta Turma em casos símeis:
PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019)
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação improvida;
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002844933v3 e do código CRC 397f4a2e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 21/10/2021, às 9:42:39
Conferência de autenticidade emitida em 28/10/2021 08:02:53.
Apelação Cível Nº 5060999-40.2014.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: ROGERIO PEREIRA NUNES (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento indevido. erro administrativo. Boa-fé. irrepetibilidade.
Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 19 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002844934v3 e do código CRC dd34d33e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 21/10/2021, às 9:42:39
Conferência de autenticidade emitida em 28/10/2021 08:02:53.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/10/2021 A 19/10/2021
Apelação Cível Nº 5060999-40.2014.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: ROGERIO PEREIRA NUNES (RÉU)
ADVOGADO: EDUARDO GRASSI GOGOLA (OAB PR066790)
ADVOGADO: FERNANDO GRASSI GOGOLA (OAB PR063565)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/10/2021, às 00:00, a 19/10/2021, às 16:00, na sequência 761, disponibilizada no DE de 30/09/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 28/10/2021 08:02:53.