Apelação/Remessa Necessária Nº 5005234-39.2014.4.04.7015/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDEREZ KLANN (Sucessão) (AUTOR)
APELADO: ROBINO KLANN (Sucessor)
APELADO: WALDEMAR KLANN (Sucessor)
APELADO: BENO KLANN (Sucessor)
RELATÓRIO
Cuida-se de ação ajuizada por Valderez Klann, em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na qual a parte autora pede a determinação de que a parte ré se abstenha de descontar, no seu benefício, valores supostamente devidos por ela. Também pleiteou a devolução a restituição em dobro dos valores já cobrados e o pagamento de indenização por danos morais.
Processado o feito, foi proferida sentença, publicada em 30/11/2015, complementada pela sentença juntada ao ev. 53, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev. 44 de origem):
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
DECLARAR a inexistência de relação jurídica que obrigue a parte autora a restituir os valores indevidos recebidos nos processos administrativos NB 31/506.542.856-1, 31/520.310.822-2, 31/521.632.292-9 e 31/524.149.572-4;
DETERMINAR à parte ré a cessação do desconto dos referidos valores no benefício NB 88/700.483.094-3, que deve ser cumprida de imediato, em antecipação de tutela;
CONDENAR a parte ré à restituição dos descontos indevidos no NB 88/700.483.094-3, corrigidas monetariamente e com incidência de juros, nos termos da fundamentação, observada a prescrição quinquenal.
Mantenho a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita.
Em vista do decaimento recíproco, impõe-se a distribuição da sucumbência de forma recíproca entre as partes, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil, compensando-se os honorários advocatícios, nos termos da Súmula n. 306 do Superior Tribunal de Justiça.
Custas "pro rata" entre as partes.
Isenta de custas a parte ré, nos termos da Lei n. 9.289/96, e suspensa a cobrança da parte autora por litigar sob o pálio da AJG.
Independentemente do trânsito em julgado:
I. Anote-se a inexistência de prevenção com relação aos autos n. 5006850-90.2011.4.04.7003 (PRMAR04F);
II. Requisite-se ao órgão administrativo responsável (APSADJ/EADJ) para, em 30 (trinta) dias, comprovar o cumprimento da antecipação dos efeitos da tutela concedida.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
O INSS apelou alegando que, mesmo na hipótese de boa-fé, deve haver restituição dos valores incorretamente recebidos pela parte segurada, na forma do art. 115 da Lei nº 8.213/91 (ev. 58).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
Noticiado o falecimento da parte autora, houve a habilitação de sucessores (ev. 19).
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ
Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Como se vê, foi fixada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.
Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)
No caso, peço vênia para transcrever a fundamentação da sentença, da lavra da MM. Juiza Federal, Dra. Luciana Mayumi Sakuma, que fez sucinta e precisa análise dos fatos e valoração da prova:
2.1 Dos descontos em benefício
Sobre os valores que podem ser descontados dos benefícios, o art. 115 da Lei n. 8.213/91 assim enuncia:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
III - Imposto de Renda retido na fonte;
IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial;
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
VI - pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2º Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
A hipótese de desconto do pagamento de benefício além do devido é legítima expressão do poder de autotutela de que dispõe a Administração Pública, como reação ao enriquecimento sem causa. Dito de outro modo, uma vez constatado vício de ilegalidade no ato administrativo praticado, a administração pode anular seus próprios atos, sem prejuízo do respeito ao contraditório e à ampla defesa, na linha do que dispõe o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Entretanto, e como diferente não poderia ser, a anulação do ato administrativo não pode violar o direito adquirido, conforme a Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal.
Quando comprovada a má-fé, não pode o beneficiário se socorrer da alegação de direito adquirido para se furtar à repetição do indébito. Afinal, assim já prenunciava vetusta parêmia latina, "nemo auditur propriam turpitudinem allegans", ou, em bom vernáculo, ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza. Descabe à Administração Pública premiar a atitude do beneficiário desonesto, que indevidamente passa a receber valores de benefício ao se utilizar de subterfúgios da má-fé.
Encerra em si próprio acirrada discussão o recebimento indevido de benefício quando se está diante da boa-fé do beneficiário. Duas forças atuam em sentidos diametralmente opostos quando se fala no ressarcimento dos valores indevidos: a proibição do enriquecimento sem causa e a natureza alimentar dos benefícios previdenciários.
A proibição de enriquecimento sem causa, além de poder ser deduzido do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, está expressamente prevista no art. 884 do Código Civil. Trocando em miúdos, aquele que, sem justa causa, enriquecer-se à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido.
Nada obstante, a praxe jurisprudencial, com acerto, tem demonstrado predileção pela prevalência da natureza alimentar dos benefícios previdenciários, afastando a necessidade de restituição dos valores indevidos quando recebidos de boa-fé pelo beneficiário
Além de violação à confiança depositada pelo beneficiário na regularidade dos atos administrativos, como os benefícios de prestação continuada substituem o salário do segurado, não há como negar que, assim como este, objetivam atender as necessidades vitais básicas do segurado e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte, em respeito à própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, consoante o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Referida natureza, quando associada à boa-fé do beneficiário, ilide a necessidade de devolução dos valores. Se a própria Constituição Federal, em seu art. 37, "caput", prevê a eficiência como um dos nortes a serem perseguidos pela administração, seria contraproducente eximir ela de suas responsabilidades quando os valores fossem concedidos em razão de erro exclusivo dela própria. Antes de constituir estímulo à eficiência da máquina administrativa, serviria de atestado da irrelevância do erro administrativo.
Entender de tal modo, sem embargo, não significa contrariar a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça que, em 12/02/2014, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.401.560/MT, com acórdão redigido pelo Ministro Ari Pargendler, sob o regime do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixou o entendimento de que é possível a cobrança de benefício concedido em antecipação de tutela posteriormente revogada.
Naquela oportunidade, o voto vencedor, do Ministro Ari Pargendler, assentou referido posicionamento com base no caráter precário da decisão antecipatória e da reversibilidade da medida, não tendo nem sequer tangenciado a presença, ou não, de boa-fé.
Seguindo o posicionamento que ora se adota, é farta a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A título de exemplo, confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA PELO INSS. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. CUSTAS. ISENÇÃO NO FORO FEDERAL.
1. A decisão do STJ em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.401.560), que tratou da repetibilidade de valores recebidos por antecipação da tutela posteriormente revogada (tendo em vista o caráter precário da decisão antecipatória e a reversibilidade da medida), não alcança os pagamentos decorrentes de erro administrativo, pois nesses casos está presente a boa-fé objetiva do segurado, que recebeu os valores pagos pela autarquia na presunção da definitividade do pagamento.
2. Tratando-se de prestações previdenciárias pagas por erro administrativo, tem-se caracterizada a boa-fé do segurado, não havendo que se falar em restituição, desconto ou devolução desses valores ainda que constatada eventual irregularidade.
3. Incontroverso o erro administrativo, reconhecido pelo INSS na via administrativa e na judicial, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99.
4. A ineficiência do INSS no exercício do poder-dever de fiscalização não afasta o erro da Autarquia, nem justifica o ressarcimento ao INSS, e menos ainda transfere ao segurado a responsabilidade e o ônus por pagamentos indevidos.
5. Honorários advocatícios devidos pelo INSS reduzidos com base no art. 20, 4º, do CPC, tendo em vista a natureza da demanda e a pouca complexidade da causa.
6. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4,I, da Lei nº 9.289/96).
(TRF4, AC 5017347-74.2013.404.7107, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 22/10/2015).
Não são cabíveis, portanto, os descontos em benefício se os valores indevidos foram recebidos de boa-fé.
No caso dos autos, a parte autora chegou a receber em 4 (quatro) oportunidades o benefício de auxílio-doença. É o que se observa nos processos administrativos NB 31/506.542.856-1, 31/520.310.822-2, 31/521.632.292-9 e 31/524.149.572-4.
No âmbito do 31/524.149.572-4 (PROCADM3, evento 17), o INSS constatou que a parte autora reingressou no RGPS após o início da incapacidade, de modo que os sucessivos benefícios concedidos seriam indevidos. Assim, o benefício foi pago a autora por erro da autarquia federal, que demorou a perceber a preexistência da doença quando do retorno da autora ao RGPS. Era dever da autarquia verificar os requisitos para concessão do benefício. Não tendo a auatarquia verificado adequadamente os requisitos, entendo que a concessão do benefício foi erro da própria Administração, não configurando má fé da parte autora.
Assim, considerando também ser incontroverso o erro administrativo, reconhecido pela autarquia ré administrativa e judicialmente, e uma vez presente a boa-fé da parte autora na percepção do benefício, deve ser declarada a inexistência de relação jurídica que obrigue a parte autora a restituir os valores recebidos.
Por consequência, deve o INSS cessar os descontos no benefício da parte autora (NB 88/700.483.094-3) e restituir aqueles já descontados.
Entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)
Frisa-se que a modulação de efeitos do Tem 979/STJ afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, remanescendo a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade na ausência de prova da má-fé, sendo que, no caso, as maiores evidências são da boa-fé do segurado.
Logo, o apelo não merece provimento.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença proferida na vigência do Código de Processo Civil de 1973, não se aplica a majoração em grau recursal prevista no Código de Processo Civil de 2015
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação improvida;
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5005234-39.2014.4.04.7015/PR
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDEREZ KLANN (Sucessão) (AUTOR)
APELADO: ROBINO KLANN (Sucessor)
APELADO: WALDEMAR KLANN (Sucessor)
APELADO: BENO KLANN (Sucessor)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento indevido. erro administrativo. Boa-fé. irrepetibilidade.
Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.
O prequestionamento de dispositivos legais e/ou constitucionais que não foram examinados expressamente no acórdão, suscitados pelo embargante, nele se consideram incluídos independentemente do acolhimento ou não dos embargos de declaração, nos termos do artigo 1.025 do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 10 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003177007v3 e do código CRC ba4a3868.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/05/2022 A 10/05/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5005234-39.2014.4.04.7015/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDEREZ KLANN (Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS (OAB PR013619)
APELADO: ROBINO KLANN (Sucessor)
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS (OAB PR013619)
APELADO: WALDEMAR KLANN (Sucessor)
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS (OAB PR013619)
APELADO: BENO KLANN (Sucessor)
ADVOGADO: ALBINA MARIA DOS ANJOS (OAB PR013619)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/05/2022, às 00:00, a 10/05/2022, às 16:00, na sequência 957, disponibilizada no DE de 22/04/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Conferência de autenticidade emitida em 19/05/2022 04:33:45.