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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. TRF4. 5002776-38.2021.4.04.7004...

Data da publicação: 14/10/2022, 03:17:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5002776-38.2021.4.04.7004, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002776-38.2021.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ALICE DOMINGUES DE SOUZA FULGENCIO (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de conhecimento, de procedimento comum, por meio da qual a parte autora, ALICE DOMINGUES DE SOUZA FULGENCIO, qualificada na petição inicial, almeja seja o réu, o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, condenado a lhe restabelecer o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 155.815.392-3), com o pagamento das prestações vencidas desde a cessação (30/09/2015).

Afirmou que o benefício foi cessado em razão de o INSS entender, em revisão administrativa, que estaria vinculada a regime próprio de previdência.

Nesta ação, para sustentar sua pretensão, alega que foi contratada como professora do Município de Tapejara-PR em 08/04/1981, ingressando no cargo de servidor público sem concurso. Após a promulgação da Constituição da República, tendo sido exercido o cargo por mais de cinco anos, adquiriu a estabilidade. Em 1997 o município criou, por meio de lei própria, o regime próprio de previdência, para o qual migraram todos os servidores públicos concursados. Esclareceu que a lei não incluiu no RPPS os servidores não concursados, que continuaram vinculados ao RGPS. Assim, durante todo o período, verteu contribuições ao regime geral de previdência.

Alega que ainda está exercendo a atividade para o município e ainda verte contribuições para o RGPS. Aduz que foi determinada a suspensão do benefício e a restituição de R$ 73.475,02 referente ao período que gozara o benefício, vale dizer, de 23/04/2012 a 30/09/2015.

Ao final, pleiteia o reconhecimento da vinculação ao RGPS e a reativação do benefício. Subsidiariamente, em caso de não reconhecimento ao benefício, requer seja dispensada restituição.

Citado, o réu contestou a ação evento 12, CONTES1.

Processado o feito, foi proferida sentença, publicada em 31/01/2022, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev. 20, SENT1):

Ante o exposto, resolvendo o mérito do litígio (CPC, art. 487, inciso I), JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para o fim de declarar o vínculo jurídico previdenciário da autora ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS e condenar o INSS ao restabelecimento da Aposentadoria por Tempo de Contribuição n. 155.815.392-3, desde a indevida cessação em 30/09/2015, devidamente corrigidas, na forma da fundamentação, observada a prescrição quinquenal, por meio de requisição de pagamento (RPV ou precatório, conforme o caso - valor).

Prejudicado o pedido subsidiário, de não restituição das parcelas do benefício objeto do pedido.

Em razão da sucumbência, condeno o INSS, ainda, a pagar honorários à parte autora, estes fixados, sopesados os critérios legais (CPC/2015, art. 85, § 2º), no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação, apurado até a data da prolação desta sentença, excluídas as parcelas vincendas, consoante entendimento das Súmulas n.º 76/TRF4 e 111/STJ.

Sem custas, pois o INSS é isento no foro federal e a parte autora beneficiária da justiça gratuita (Lei n.º 9.289/1996, art. 4, I e II).

Sentença não sujeita a reexame necessário (CPC, art. 496, § 3°, inciso I), tendo em vista que, considerando o número de prestações vencidas até a presente data e o valor do teto dos benefícios previdenciários (menos de seis salários mínimos), o montante da condenação, certamente, não alcança o patamar de 1.000 (um mil) salários mínimos.

Caso haja recurso de apelação interposto por qualquer das partes dentro do prazo legal (15 ou 30 dias; CPC, art. 1.003, § 5°, c/c art. 183), intimem-se o(s) apelado(s) para, querendo, oferecer(em) contrarrazões, também no prazo legal (CPC, art. 1.010, § 1°, c/c art. 183). Oportunamente, apresentadas ou não as contrarrazões, remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1.010, § 3°).

Certificado o trânsito em julgado, cumpridas as obrigações impostas às partes, e não remanescendo providências a serem adotadas, arquivem-se os autos.

Os embargos de declaração opostos (ev. 24) foram julgados na sentença juntada no evento 27, suprindo a omissão relativa à prescrição.

O INSS apelou alegando que não se excepciona da necessidade de restituição de valores indevido, apesar da natureza alimentar da verba ou do recebimento de boa-fé, na forma do art. 115 da Lei nº 8.213/91 e demais normas vigentes. Requer a reforma da sentença e o pequestionamento dos dispositivos elencados (ev. 33, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte (ev. 36, CONTRAZAP1)

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ

Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Como se vê, foi fixada a seguinte tese:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.

Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

A sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Substituto, Dr. Valter Sarro de Lima, examinou e decidiu com precisão todos os pontos relevantes da lide, devolvidos à apreciação do Tribunal, assim como o respectivo conjunto probatório produzido nos autos. As questões suscitadas no recurso não têm o condão de ilidir os fundamentos da decisão recorrida. Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, in verbis:

A autora gozou benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição no período de 23/04/2012 a 30/09/2015 (NB 155.815.392-3). Afirma que exerceu o cargo de Professora para o Município de Tapejara desde 08/04/1981, tendo adquirido a estabilidade por força do art. 19 do ADCT.

A declaração juntada aos autos no evento 15 corrobora a alegação, indicando que ela exerce o cargo na qualidade de 'celetista' e que verteu contribuições ao RGPS. Consta no documento que "a servidora mencionada nunca prestou concurso ao município de Tapejara, não havendo mudança de função durante todo o período".

O regime próprio de previdência do município foi estatuído pela Lei Municipal n. 684/1997. A autora havia sido contratada como empregada pública desde 08/04/1981 como Professora, conforme se verifica na cópia da CTPS e Ficha de Controle de Pessoal - Registro de Empregados do município.

É de se deduzir, portanto, que no período em que a autora foi contratada com carteira assinada ainda não existia o Regime Próprio de Previdência do Município.

Para análise do caso é curial se ressaltar que, com a promulgação da nova Constituição da República Brasileira, em 5 de outubro de 1988, passou-se a exigir o ingresso no serviço público somente através de concurso público.

A Emenda Constitucional nº 1/1969, também exigia o ingresso por concurso público, contudo, somente para o primeiro provimento efetivo, conforme constava no seu artigo 97:

Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.

§ 1º A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.

§ 2º Prescindirá de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.

Portanto, apenas para a primeira investidura era necessário o concurso público. A partir dela, era possível ascender ou mudar de cargos sem a prestação de nova prova.

Outro ponto a se destacar em relação ao sistema constitucional anterior ao atual é que a exigência de concurso público era apenas para o ingresso em cargos públicos e não em empregos públicos. Tanto é assim que o artigo 97 sobrescrito está inserido dentro da seção relativa à disciplina dos funcionários públicos, que é espécie do termo genérico 'servidores públicos'.

A Constituição de 1988, diferentemente, exigiu o ingresso através de concurso público tanto para os cargos quanto para os empregos públicos, conforme previa a sua redação originária:

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

A nova Constituição Federal cominou de nulidade a prestação de serviços sem essa observância, conforme consta no §2º do artigo 37:

§ 2º - A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

Contudo, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 19, fez uma ressalva:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Assim, os titulares de empregos e cargos públicos que não tinham sido admitidos mediante de concurso público, mas que possuíam, na data da promulgação da Constituição, cinco anos ou mais de serviços continuados, passaram a ser considerados estáveis. Essa estabilidade passou a ser denominada pelo STF como 'estabilidade excepcional' (ADI 125/SC).

Vale asseverar que o art. 19 do ADCT conferiu ao empregado público tão somente a estabilidade, não estendendo a eles nenhuma outra prerrogativa dos servidores concursados.

Tem-se que, com o advento da Constituição de 1988 restaram delineadas três situações jurídicas distintas, a saber:

Concurso públicoEfeitos da inobservância em relação aos direitos trabalhistas
Servidores contratados antes da CF/88, com mais de 5 anos de serviçoExigível a contratação por concurso público apenas para cargos públicos.O contrato é regular para os empregados públicos, que passaram a ser estáveis por força do artigo 19 do ADCT;
Servidores contratados antes da CF/88, com menos de 5 anos de serviçoExigível a contratação por concurso público apenas para cargos públicos.O contrato é regular para os empregados públicos, mas sem estabilidade.
Servidores contratados após a CF/88Sempre exigível a contratação por concurso público para cargos ou empregos.O contrato é nulo de pleno direito.

No caso de empregados públicos admitidos antes da Constituição Federal de 1988, ou seja, no primeiro e segundo casos acima expostos, os direitos trabalhistas restam preservados.

Portanto, os contratos de empregados públicos anteriores à Constituição Federal de 1988 que não observaram a regra do concurso público são regulares e se diferenciam somente quanto à existência ou não de estabilidade no empregado, nos termos do art. 19 da ADCT.

Na esfera previdenciária também são reconhecíveis tais contratos de trabalho, devendo os empregados públicos ser enquadrados no Regime Geral de Previdência Social.

Quanto ao custeio da previdência social anteriormente à Constituição Federal de 1988, oportuno colacionar parcialmente a legislação pertinente, qual seja, a Lei n. 3.807/1960:

Art. 4º Para os efeitos desta lei, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 8.6.1973)

a) empresa - o empregador, como tal definido na Consolidação das Leis do Trabalho, bem como as repartições públicas, autarquias e quaisquer outras entidades públicas ou serviços administrados, incorporados ou concedidos pelo Poder Público, em relação aos respectivos servidores incluídos no regime desta lei; (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 8.6.1973)

[...]

Art 70. A União, os Estados, os Territórios e os Municípios, e as respectivas autarquias, entidades paraestatais, empresas sob regime especial, ou sociedades de economia mista, sujeitas ao regime de orçamento próprio e cujos servidores e empregados se compreendem, no regime desta lei, incluirão obrigatoriamente em seus orçamentos anuais as dotações necessárias para atender ao pagamento de suas responsabilidades para com as instituições de previdência social.

[...]

Art. 79. A arrecadação e o recolhimento das contribuições e de quaisquer importâncias devidas ao Instituto Nacional de Previdência Social serão realizadas com observância das seguintes normas: (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 8.6.1973)

I - ao empregador caberá, obrigatoriamente, arrecadar as contribuições dos respectivos empregados descontando-as de sua remuneração; (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 8.6.1973)

[...]

§ 1º O desconto das contribuições e o das consignações legalmente autorizadas sempre se presumirão feitos, oportuna e regularmente pelas empresas a isso obrigadas, não lhes sendo lícito alegar nenhuma omissão que hajam praticado, a fim de se eximirem ao devido recolhimento, ficando diretamente responsáveis pelas importâncias que deixarem de receber ou que tiverem arrecadado em desacordo com as disposições desta lei. (Redação dada pela Lei nº 5.890, de 8.6.1973)

A norma atual, vale dizer, art. 30, I, da Lei n. 8.212/91 traz prescrições idênticas em relação ao recolhimento das contribuições previdenciárias, dispondo expressamente sobre a obrigatoriedade da arrecadação, pela empresa, das contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço.

Por oportuno, registra-se que os arts. 15, I, da Lei n. 8.212/91 e 14, I, da Lei n. 8.213/91 equiparam os órgãos da administração pública direta à empresa, para fins previdenciários, assim como já equiparava o art. 4º, da Lei n. 3.807/60, acima transcrito.

A norma, portanto, é categórica quanto à responsabilidade da empresa pelo recolhimento das contribuições previdenciárias do empregado, não se admitindo que o segurado seja prejudicado ante a desídia da responsável.

Na Certidão de Tempo de Contribuição emitida pelo Município de Tapejara-PR consta que a segurada sempre esteve vinculada ao RGPS e os recolhimentos sempre foram destinados a o respectivo fundo previdenciário (evento 1, OUT9). Os exemplares de demonstrativos de pagamento de salários juntados pela autora comprovam essa declaração (evento 1, CHEQ12).

Destarte, a conclusão inarredável é que a autora, sempre esteve vinculada ao RGPS durante a vigência do contrato de trabalho, o que se mantém até os dias atuais, certamente em razão da cessação do benefício previdenciário a que vinha recebendo.

Via de consequência, o benefício de aposentadoria foi indevidamente cessado, porquanto o vínculo jurídico da segurada havia se estabelecido, desde o início do contrato de trabalho, com o Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

Destarte, faz jus ao restabelecimento do benefício e o pagamento das parcelas devidas, não pagas após a cessação, devidamente corrigidas. Por óbvio, não necessitará restituir qualquer valor à previdência.

Entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)

Merece destaque a circunstância do benefício ter sido recebido de boa-fé pela parte beneficiária, bem assim a natureza alimentar da verba, impedindo, pois, a obrigatoriedade da devolução pretendida pelo INSS.

Frisa-se que a modulação de efeitos do Tema 979/STJ afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento quando da sua publicação, remanescendo nesses casos a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade do benefício recebido na ausência de prova da má-fé.

Logo, o apelo não merece provimento.

Honorários Advocatícios

Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).

Improvido o apelo do INSS, majoro a verba honorária, elevando-a em 50% sobre o valor fixado na sentença, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, § 3º e § 11, do Código de Processo Civil, respeitados os limites máximos de cada faixa, e considerando o entendimento desta Turma em casos símeis:

PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019)

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação improvida;

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003363578v4 e do código CRC ae17872c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 26/8/2022, às 9:8:40


5002776-38.2021.4.04.7004
40003363578.V4


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002776-38.2021.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ALICE DOMINGUES DE SOUZA FULGENCIO (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento indevido. erro administrativo. Boa-fé. irrepetibilidade.

Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 23 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003363579v3 e do código CRC 5d7d83aa.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 26/8/2022, às 9:8:40


5002776-38.2021.4.04.7004
40003363579 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 14/10/2022 00:17:06.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/08/2022 A 23/08/2022

Apelação Cível Nº 5002776-38.2021.4.04.7004/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: ALICE DOMINGUES DE SOUZA FULGENCIO (AUTOR)

ADVOGADO: FABIO CESAR LUQUE DOS SANTOS (OAB PR042613)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/08/2022, às 00:00, a 23/08/2022, às 16:00, na sequência 1115, disponibilizada no DE de 04/08/2022.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER

SUZANA ROESSING

Secretária



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