Apelação Cível Nº 5013870-82.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: ADRIETA STOBBE
ADVOGADO(A): EDERSON PEREIRA DA SILVA (OAB PR073656)
ADVOGADO(A): JOSÉ LUIS BENEDETTI (OAB PR054088)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se, na origem, de ação ajuizada por ADRIETA STOBBE, em face do INSS, pretendendo a declaração de inexistência de débito e da inexigibilidade da cobrança administrativa efetuada pelo INSS, bem como a condenação do INSS a ressarcir à autora os valores descontados.
A autora informou ser beneficiária de aposentadoria por idade rural, tendo percebido auxílio-acidente de forma concomitante. Relatou que o INSS, ao constatar a situação, cessou o segundo benefício e passou a proceder descontos no percentual de 30% em sua aposentadoria por entender como indevida a cumulação entre 01.01.2003 e 30.12.2007. Alegou que não tinha ciência acerca da impossibilidade de acumulação.
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 23/05/2022, cujo dispositivo tem o seguinte teor (
):Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por ADRIETA STOBBE em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, revogando a tutela de urgência concedida ao mov. 8.1, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, II, do Código de Processo Civil, para o efeito de RECONHECER a prescrição da pretensão. CONDENO a parte autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao patrono da parte ré, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, atendendo à natureza e à complexidade do feito, que teve curta tramitação e escassa produção probatória, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I do Código de Processo Civil, os quais suspendo ante a gratuidade de justiça concedida. Interposto recurso da presente sentença, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões (CPC, art. 1.010, § 1º), e após, independente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1010, § 3º) remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Irresignada, a parte autora apresentou recurso de apelação, sustentando que os pedidos declaratórios de inexistência de débito e de inexigibilidade da cobrança são imprescritíveis, razão pela qual a sentença merece ser reformada. Quanto pedido condenatório, aduziu que a prescrição do fundo de direito não se operou, porquanto se baseia nos descontos sucessivos indevidos. Pugnou, outrossim, pela procedência da ação com inversão dos ônus sucumbencias. (
).Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o Relatório. Peço dia para julgamento.
VOTO
Prescrição
A sentença, de lavra da MM. Juíza de Direito Daniela Franco Reis e Silva, analisou a questão nos seguintes termos:
Da prescrição
Alega a ré, ainda, a prescrição do direito da autora sob o argumento de que esta teria sido intimada da decisão e do débito em 13.10.2011 e somente ajuizou a ação em 24.10.2018.
Com razão.
Nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, a prescrição da pretensão contra a Fazenda Pública prescreve no prazo de 5 anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
No caso concreto, muito embora a autora alegue em sua impugnação que nunca recebeu a notificação acerca dos descontos a serem procedidos, o processo administrativo juntado com a petição inicial contém, além do documento em si, Carta com Aviso de Recebimento entregue no endereço da procuradora na autora que possuía amplos poderes (mov. 1.7, fl.11/1.10).
Outrossim, a autora foi pessoalmente intimada em 18.09.2007 acerca da irregularidade da acumulação dos benefícios, tendo realizado defesa administrativa (mov. 1.8), de forma que tinha plena ciência de que os descontos iniciados em 02.2013 eram referentes ao benefício recebido irregularmente.
Portanto, quer se considere a data do início dos descontos (02.2013), quer se considere a data da notificação enviada à procuradora da autora (10.2011), tem-se que quando do ajuizamento da demanda em 24.10.2018 já havia transcorrido o lapso prescricional de 5 anos.
Conforme relatado, em sede recursal, a parte autora sustenta que os pedidos declaratórios de inexistência de débito e de inexigibilidade da cobrança são imprescritíveis, razão pela qual a sentença merece ser reformada neste ponto. Outrossim, quanto pedido condenatório, defende que a prescrição do fundo de direito não se operou, porquanto se baseia nos descontos sucessivos indevidos.
Assiste razão ao recorrente.
Com efeito, no caso concreto, deve ser afastada a prescrição reconhecida na sentença, porquanto a cessação do pagamento do benefício de auxílio acidente, com descontos na aposentadoria por idade, tem efeitos futuros. Ademais, é cediço que o direito ao benefício não prescreve, sendo atingidas apenas as parcelas devidas antes do decurso do prazo legal.
Portanto, permanece hígida a pretensão da parte autora de ver declarada a inexistência do débito.
Outrossim, a ação foi ajuizada em 24/10/2018, de modo que os descontos que eventualmente possam ser considerados indevidos (iniciados em 24/01/2013) atingiram apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação.
Logo, dou provimento ao apelo da parte autora no ponto para afastar a prescrição.
Mérito
Conforme se denota dos documentos carreados aos autos, em 21/10/1997 foi deferido, em favor da autora, o benefício previdenciário de auxílio acidente, autuado sob o nº. 107.292.626-9. Posteriormente, em 26/11/1997, foi concedido em favor da autora o benefício previdenciário de aposentadoria por idade rural, o qual se encontra ativo até os dias atuais.
Consta, ainda, que em 01/01/2008 o INSS cessou (por meio de averiguação iniciada em 05/09/2007, na qual constatou indícios de suposta irregularidade com relação aos benefícios recebidos pela autora) o benefício de auxílio acidente anteriormente deferido, e considerou indevidos os pagamentos efetuados entre 01/01/2003 a 31/12/2007.
Outrossim, depreende-se no dia 24/01/2013, a autarquia iniciou a cobrança administrativa do valor supostamente devido, por meio de descontos de 30% (trinta por cento) do valor da aposentadoria por idade rural que autora recebe.
Nesse contexto, a parte autora sustenta que sequer tinha ciência de que lhe haviam sido concedidos dois benefícios impossíveis de acumulação, por se tratar de pessoa idosa, de parca instrução, e sempre pautada na boa-fé.
Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ
Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Como se vê, foi fixada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.
Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)
No caso concreto, da análise dos autos evidencia-se que o recebimento dos valores pela parte autora ocorreu de boa-fé.
Com efeito, na hipótese em exame, a culpa pelo deferimento concomitante de benefícios inacumuláveis, bem como pelo respectivo pagamento da verba indevida, recai exclusivamente sobre a autarquia previdenciária, que por erro implantou os dois benefícios em nome da segurada.
Assim, resta configurada a boa-fé da parte autora, notadamente considerando a mudança da legislação ao tempo dos fatos e o erro administrativo do próprio INSS na aplicação da lei.
Não se pode desconsiderar, ainda, que a autora é pessoa leiga e hipossuficiente, não possuindo conhecimentos técnicos de direito previdenciário para apontar o equívoco administrativo, sendo razoável supor que inexistia óbice à cumulação de aposentadoria por idade rural e auxílio-acidente.
Frisa-se ainda que a modulação de efeitos do Tem 979/STJ afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, remanescendo a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade na ausência de prova da má-fé.
Nada obstante, no caso dos autos, as evidências apontam seguramente para a boa-fé do segurado, de modo que a parte autora faz jus à devolução dos valores relativos aos descontos efetuados em seu benefício previdenciário.
Destarte, a conclusão é no sentido da inexibilidade da cobrança dos valores perpetrada pelo INSS, a qual deve ser cessada, impondo-se ainda a condenação do INSS a devolver o montante já descontado do benefício de aposentadoria por idade rural da autora, ressalvada a prescrição das parcelas anteriores a 24/10/2013.
Logo, dou provimento ao apelo da parte autora para julgar procedente o pedido.
Consectários da Condenação
Os consectários legais incidentes sobre os valores devidos são os seguintes, ressalvada a aplicabilidade, na fase de cumprimento de sentença, de eventuais disposições legais posteriores que vierem a alterar os critérios atualmente vigentes.
Correção Monetária
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação, aplicando-se o INPC a partir de abril de 2006 (Lei 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei 8.213/91), conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 810, RE 870.947, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 20.11.2017, item "2" (embargos de declaração rejeitados sem modulação dos efeitos em 03.10.2019, trânsito em julgado em 03.03.2020), e do Superior Tribunal de Justiça no Tema 905, REsp. 1.492.221/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 20.03.2018 , item "3.2" da decisão e da tese firmada.
Juros Moratórios
Os juros de mora se aplicam desde a citação, nos termos Súmula nº 204/STJ, ressalvados os casos específicos em que incidam as teses fixadas no Tema 995/STJ em razão de reafirmação da DER. Os índices são os seguintes:
a) até 29.06.2009, 1% (um por cento) ao mês;
b) a partir de 30.06.2009, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/97, consoante decisão do STF no RE 870.947, DJE de 20.11.2017.
SELIC
A partir de 09.12.2021, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Honorários Advocatícios
Reformada a sentença e invertida a sucumbência, fixo a verba honorária nos percentuais mínimos previstos em cada faixa do art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil, considerando as parcelas vencidas até a data deste julgamento (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região), e as variáveis do art. 85, § 2º, incisos I a IV, e § 11, do Código de Processo Civil.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).
Tutela Específica
Prevalece nesta Corte o entendimento de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar o imediato cumprimento do julgado, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário.
Assim sendo, o INSS deverá cessar os descontos no benefício ativo da parte autora, no prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias, notadamente considerando sua idade avançada (80 anos) e sua condição hipossuficiente, eis que os descontos de 30% incidem sobre benefício de aposentadoria por idade rural, no valor de um salário mínimo.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelo da parte autora: provido para afastar a prescrição da pretensão, bem como para declarar a inexibilidade da cobrança dos valores perpetrada pelo INSS, condenando-o a devolver o montante já descontado do benefício de aposentadoria por idade rural da autora, ressalvada a prescrição das parcelas anteriores a 24/10/2013;
- de ofício, determinar o imediato cumprimento do julgado, no que tange à obrigação de fazer (cessação dos descontos), no prazo de 45 dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo e, de ofício, determinar a cessação dos descontos no prazo de 45 dias.
Documento eletrônico assinado por OSCAR VALENTE CARDOSO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003686435v17 e do código CRC fbf4760f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSCAR VALENTE CARDOSO
Data e Hora: 7/2/2023, às 21:2:13
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Apelação Cível Nº 5013870-82.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: ADRIETA STOBBE
ADVOGADO(A): EDERSON PEREIRA DA SILVA (OAB PR073656)
ADVOGADO(A): JOSÉ LUIS BENEDETTI (OAB PR054088)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo e, de ofício, determinar a cessação dos descontos no prazo de 45 dias, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 07 de fevereiro de 2023.
Documento eletrônico assinado por OSCAR VALENTE CARDOSO, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003686436v3 e do código CRC de564257.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSCAR VALENTE CARDOSO
Data e Hora: 7/2/2023, às 21:2:13
Conferência de autenticidade emitida em 15/02/2023 04:01:11.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/01/2023 A 07/02/2023
Apelação Cível Nº 5013870-82.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: ADRIETA STOBBE
ADVOGADO(A): EDERSON PEREIRA DA SILVA (OAB PR073656)
ADVOGADO(A): JOSÉ LUIS BENEDETTI (OAB PR054088)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/01/2023, às 00:00, a 07/02/2023, às 16:00, na sequência 931, disponibilizada no DE de 16/12/2022.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A CESSAÇÃO DOS DESCONTOS NO PRAZO DE 45 DIAS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 15/02/2023 04:01:11.