Apelação Cível Nº 5040178-10.2017.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: PAULO ROBERTO CUNHA FROSSARD CANABRAVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Paulo Roberto Cunha Frossard Canabrava, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a declaração de regularidade da concessão do benefício de auxílio-doença e a manutenção do benefício recebido, durante a totalidade de sua duração. Subsidiariamente, pede a declaração de irrepetibilidade dos valores cobrados pelo INSS.
Processado o feito, foi proferida sentença, publicada em 06/06/2019, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev. 104 de origem):
Ante o exposto, nos termos da fundamentação, julgo parcialmente procedente o pedido, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil para declarar a regularidade da concessão do benefício de auxílio-doença nº 549.961.512-4, de 23/01/2012 a 31/12/2012, quando passou a ser indevido, nos moldes da fundamentação. Determino o ressarcimento ao INSS no valor referente ao período de 01/01/2013 a 25/11/2015, devidamente acrescidos de juros e correção monetária.
Revogo a antecipação dos efeitos da tutela.
Considerando que foram indeferidos os principais pedidos do autor, entendo que o INSS sucumbiu de parte mínima. Assim, condeno a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo, com fulcro no art. 85, §§3º e 10, do Código de Processo Civil de 2015, no percentual mínimo de cada faixa estipulada sobre o valor atualizado a ser ressarcido, tendo em vista o grau de zelo profissional, a importância da causa e o trabalho apresentado pelo procurador, bem como o tempo exercido para seu serviço.
O autor apelou alegando em síntese "que i) não houve exercício de atividade remunerada, pois era apenas proprietário do estabelecimento; ii) ainda que a propriedade de restaurante se subsumisse ao conceito de atividade remunerada, o benefício seria devido por conta do permissivo do art. 59, §§ 6º e 7º da Lei 8.213/91 e; iii) são irrepetíveis as parcelas pagas pois não há má-fé no recebimento do benefício de auxílio-doença." (evento 121)
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ
Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Como se vê, foi fixada a seguinte tese:
"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.
Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)
No caso, trata-se de ação ajuizada pelo segurado, a qual foi julgada parcialmente procedente por sentença que afirmou a regularidade da concessão do benefício de auxílio-doença nº 549.961.512-4, de 23/01/2012 a 31/12/2012, e determinou o ressarcimento ao INSS dos valores referentes ao período de 01/01/2013 a 25/11/2015.
Neste ponto, peço vênia para transcrever inicialmente a fundamentação da sentença, da lavra da MM. Juiza Federal, Dra. Luciana Dias Bauer, para fins de compreensão dos fatos controvertidos (ev. 104):
2. O requerente, nascido em 31/01/1970, ajuizou a presente ação com o fim de obter a manutenção do benefício de auxílio-doença, pois, segundo sustenta, não possuía condições de trabalhar em razão de ser portador de doenças incapacitantes.
Para que o segurado faça jus ao benefício do auxílio-doença, devem estar preenchidos os requisitos previstos no artigo 59 da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos" (sem grifos no original).
Da mesma forma, com relação à aposentadoria por invalidez, prescreve o artigo 42 da mesma Lei:
"A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição" (grifos aditados)
No caso dos autos, a controvérsia cinge-se ao exercício de atividade remunerada durante o período em que o autor esteve em gozo do benefício de auxílio-doença.
De acordo com o processo administrativo, a partir de suspeitas sobre exercício de atividade remunerada, foi solicitada pesquisa para verificar se o requerente era sócio proprietário ou exercia outra atividade vinculada ao estabelecimento comercial da família (evento 18, PROCADM1, fl. 03).
O resultado da pesquisa foi o seguinte (fl. 04):
"Em atendimento a solicitação de pesquisa nos deslocamos no endereço acima especificado e mantivemos contato com alguns funcionários daquele estabelecimento comercial que disseram que o Sr Paulo Roberto Cunha Frossard Canabrava foi proprietário do restaurante até maio de 2015, que mesmo em tratamento médico, em nenhum momento se afastou dos afazeres diários na condição de gerente proprietário do estabelecimento comercial. Concluímos a pesquisa como positiva para o esclarecimento da dúvida apresentada, ou seja o segurado Paulo Roberto Cunha Frossard Canabrava não se afastou do trabalho durante o período de benefício previdenciário.”
O INSS concluiu que o segurado não necessitava do programa de reabilitação profissional, pois possui ensino superior completo e estava trabalhando mesmo em benefício (fl. 06).
O benefício foi cessado em 25/11/2015 e foram efetuados cálculos dos valores recebidos indevidamente (fl. 08).
De acordo com o extrato do CNIS, o requerente esteve vinculado ao estabelecimento BRAVA - Comércio de Produtos Alimentícios no período de 01/05/2008 a 30/06/2010, manteve vínculo empregatício com a Fundação Santos Lima de 01/12/2011 a 30/09/2012 e recebeu benefício por incapacidade de 23/01/2012 a 25/11/2015 (fl. 12).
O autor informou que concordava com a cessação do benefício, mas não com a devolução de valores (fl. 17).
O extrato de consulta a empresas filiadas indica que o autor foi sócio administrador de empresas com CNPJ diferentes em 15/01/2014, 13/03/2009, 23/08/2013 e 17/10/2014 (fl. 46).
No evento 33, o autor apresentou suas declarações de Imposto de Renda, nas quais se declarou advogado (ocupação principal) e proprietário de empresa, em 2012, recebendo R$ 4.000,00 da empresa Brava Comércio de Produtos Alimentícios. A partir de 2013, indicou sua ocupação principal como dirigente, presidente e diretor de empresa, indicando recebimentos de R$ 44.500,00 (OUT6), 225.000,00 (OUT7) e 35.000,00 (OUT8).
Por determinação deste Juízo, foi expedido mandado de constatação nos dois endereços do estabelecimento comercial. No primeiro, os informantes disseram que o autor era o dono do restaurante, que não sabiam dizer sobre o quanto ganhava e um informante disse que "acha que no final de 2012 para 2013 o autor sofreu um acidente na praia e perdeu uma perna, ficou uns 3 ou 4 meses fora da empresa para se reabilitar. Relatou que, antes do acidente, o autor ia todos os dias (no almoço e na janta) para o estabelecimento, observar as atividades dos empregados". Os vizinhos também disseram que ele era o dono e deram informações divergentes a respeito da frequência com que ia ao local (evento 65). No segundo endereço, as pessoas desconhecem o requerente (evento 66).
No evento 99, foi realizada audiência de instrução e julgamento:
JOSEANE DA LUZ: trabalhou de 2009 a 2017, como operadora de caixa, cuidou da parte de compras, depois como sub gerente e por fim gerente. Não sabia que ele recebia benefício do INSS, mas sabia que ele teve um acidente de parapente que o incapacitou. Antes do acidente quem gerenciava o restaurante era o Marcelo. O Paulo ia esporadicamente para almoçar com a família, em regra nos finais de semana. Depois do acidente, ele ficou um bom tempo sem passar no restaurante. Disse que "a equipe sempre gostou dele como patrão". Quando reapareceu no restaurante, ele sempre foi com a muleta. Acha que ele não se sentia bem indo ao restaurante, porque ele era bem ativo antes.
MARCELO LOPES PACHECO: antes do acidente o autor ia no restaurante almoçar, jantar ou festar com os amigos ou a família. Ele não morava perto. A testemunha que era gerente era quem tocava o restaurante. Atualmente ele vendeu o restaurante e foi morar no Canadá. TRabalhou no Picanha Brava até 2012 ou 2013. Em 2014 fez a transição para o Hauer. Trabalhava no Kharina e foi chamado por ele para fazer essa transição. Depois do acidente ele ficou bastante tempo sem aparecer, porque ficou depressivo, ficou meses sem aparecer. A esposa e os filhos ainda iam almoçar eventualmente. "Era bom trabahar com ele porque ele dava autonomia para você trabalhar".
A despeito do depoimento das testemunhas, entendo que a declaração de imposto de renda deixou claro que a principal atividade do requerente era administrador da empresa, o que é corroborado pelo extrato de consulta de empresas filiadas do INSS, que indicavam o autor como sócio administrador, e pela pesquisa in loco feita pelo INSS. Outrossim, em que pese a primeira testemunha tenha dito que o requerente não trabalhava no restaurante, disse que ele era querido como "patrão".
Considerando que apenas no ano de 2013 o autor passou a declarar sua atividade principal como administrador de empresa, bem como que foi a partir desse ano que os rendimentos da empresa passaram a ser expressivos, bem ainda o depoimento das testemunhas e dos informantes no Mandado de Constatação de que que o autor ficou vários meses sem aparecer na empresa após o acidente, entendo que apenas a partir de 01/01/2013 o requerente passou a exercer atividade remunerada na empresa e, consequentemente, a partir dessa data o benefício passou a ser indevido.
Dessa forma, entendo que foi regular a concessão do benefício, o que se manteve até 31/12/2012.
A verba em questão tem caráter alimentar e torna-se irrepetível se não houve má-fé do beneficiário na percepção dos valores. Tal entendimento vem sendo sedimentado na jurisprudência pátria, como se observa nos seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ERRO ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 201, § 2º DA CF-88. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Consoante orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte, não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, AC 5001983-62.2013.404.7107, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 18/09/2013)
AGRAVO. PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. A Terceira Seção desta Corte sedimentou o entendimento de serem irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar, razão pela qual se entende presente a verossimilhança das alegações, pois, em sede de cognição sumária, não se identificam indícios de má-fé do segurado. O risco de dano irreparável consubstancia-se no fato de que o benefício de aposentadoria por invalidez de trabalhador rural titulado pelo demandante, que atualmente conta 75 anos de idade, é de valor mínimo, sendo qualquer desconto prejudicial à manutenção de suas necessidades básicas. 2. Cabível, portanto, a antecipação dos efeitos da tutela, estando a parte autora dispensada da devolução dos valores percebidos em decorrência do benefício previdenciário suspenso." (TRF4, AG 5010815-02.2012.404.0000, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 27/09/2012 - grifei)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. 1. A controvérsia estabelecida em tela está em saber se os valores percebidos pelo segurado, por força de tutela antecipada posteriormente revogada, deveriam ou não ser devolvidos aos cofres públicos. 2. A jurisprudência pacífica na Terceira Seção, antes da modificação da competência, era no sentido da impossibilidade dos descontos, em razão do caráter alimentar dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, aplicando ao caso o Princípio da Irrepetibilidade dos alimentos. Precedentes. Súmula 83/STJ. 3. A Segunda Turma adotou o mesmo entendimento jurisprudencial, afirmando que "Esta Corte, de fato, perfilha entendimento no sentido da possibilidade de repetição de valores pagos pela Administração, por força de tutela judicial provisória, posteriormente reformada, em homenagem ao princípio jurídico basilar da vedação ao enriquecimento ilícito. Entretanto, tal posicionamento é mitigado nas hipóteses em que a discussão envolva benefícios previdenciários, como no caso em apreço, tendo em vista o seu caráter de verba alimentar, o que inviabiliza a sua restituição." (REsp 1.255.921/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.8.2011.) 4. A decisão agravada, ao julgar a questão que decidiu de acordo com a interpretação sistemática da legislação, especialmente nos termos do art. 115 da Lei n. 8.112/91, apenas interpretou as normas, de forma sistemática, não se subsumindo o caso à hipótese de declaração de inconstitucionalidade sem que a questão tenha sido decidida pelo Plenário. Agravo regimental improvido. ..EMEN:
(AGARESP 201202135884, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/11/2012 ..DTPB:.)
Analisando o conjunto probatório carreado ao feito, entendo que restou comprovada má-fé do autor, uma vez que foi submetido ao programa de reabilitação profissional em outubro de 2012 e quando voltou a exercer atividade remunerada não deixou isso ao claro ao INSS. Outrossim, questionado sobre o restaurante, negou que se tratava de empresa familiar (evento 18, PROCADM1, fl. 05).
Assim, é devida a cobrança dos valores.
Em que pese os razoáveis fundamentos da sentença, entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)
Com efeito, destaca-se do depoimento da testemunha Marcelo Lopes Pacheco, já transcrito na sentença acima reproduzida, a informação de que antes do acidente o autor ia no restaurante almoçar, jantar ou festar com os amigos ou a família, e que depois do acidente ele ficou bastante tempo sem aparecer.
Conforme o laudo da perícia médica, juntado ao evento 1, LAUDO5, o autor sofreu grave acidente em 07/01/2012, com trauma da coluna lombar e do membro inferior esquerdo, que teve amputação e posterior utilização de prótese:
O autor recebeu a prótese definitiva, fornecida pelo SUS, em junho de 2015, ocasião em que o INSS avaliou o encaminhamento para reabilitação profissional (ev. 1, procadm8, p. 11):
O autor comprovou que a gerência do restaurante foi exercida por Marcelo Lopes Pacheco, ouvido como testemunha, tendo afirmado que "A testemunha que era gerente era quem tocava o restaurante."
As cópias da CTPS de Marcelo Lopes Pacheco, comprovam o exercício da gerência do estabelecimento (evento 1, out10, p. 23/25):
Além disso, não há certeza sobre o período em que o autor permaneceu afastado, pois a própria sentença o fixou por estimativa, em trecho que destaco:
Considerando que apenas no ano de 2013 o autor passou a declarar sua atividade principal como administrador de empresa, bem como que foi a partir desse ano que os rendimentos da empresa passaram a ser expressivos, bem ainda o depoimento das testemunhas e dos informantes no Mandado de Constatação de que que o autor ficou vários meses sem aparecer na empresa após o acidente, entendo que apenas a partir de 01/01/2013 o requerente passou a exercer atividade remunerada na empresa e, consequentemente, a partir dessa data o benefício passou a ser indevido.
O extrato do CNIS do autor juntado ao evento 1, out11, emitido em junho de 2015, não registra contribuições do autor no período posterior a 2012.
A consulta atualizada confirma essa circunstância, bem como informa que o autor passou a receber auxilio-acidente a partir de 26/11/2015, confirmando a sequela definitiva decorrente do acidente:
Não havendo comprovação do recebimento de salário, pro-labore, ou remuneração sujeita ao recolhimento de contribuição previdenciária no período, e comprovada a incapacidade em razão do acidente, do qual resultou sequela consistente em amputação do membro inferior esquerdo, com substituição por prótese mecânica, entendo que não restou provada fraude ou má-fé do autor no recebimento do benefício por incapacidade temporária no período controvertido neste recurso (01/01/2013 a 25/11/2015).
O fato do autor ter acompanhado a administração do empreendimento, inclusive mediante eventuais comparecimentos in loco, é compreeensível em face da sua condição de sócio-proprietário naturalmente interessado na manutenção das atividades da empresa, mas não autoriza presumir que já tivesse recuperado plenamente a capacidade laborativa, o que também não fica evidenciado pelo conjunto probatório.
Assim, tendo o segurado recebido os valores em presumível boa-fé, fica afastada a obrigação de restituir, sendo provido o apelo.
Honorários Advocatícios
Reformada a sentença e invertida a sucumbência, fixo a verba honorária em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Todavia, deve ressarcir as custas pagas pelo autor.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação provida;
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5040178-10.2017.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: PAULO ROBERTO CUNHA FROSSARD CANABRAVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento na via administrativa. ausência de prova de má-fé. irrepetibilidade.
Não havendo prova de fraude ou de má-fé do segurado no recebimento de benefício por incapacidade temporária recebido na via administrativa durante o período de recuperação de acidente sofrido, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 14 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002735756v3 e do código CRC 67a71727.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/09/2021 A 14/09/2021
Apelação Cível Nº 5040178-10.2017.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: PAULO ROBERTO CUNHA FROSSARD CANABRAVA (AUTOR)
ADVOGADO: PEDRO PANNUTI (OAB PR075756)
ADVOGADO: LEONARDO ZICCARELLI RODRIGUES (OAB PR033372)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/09/2021, às 00:00, a 14/09/2021, às 16:00, na sequência 1294, disponibilizada no DE de 26/08/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
SUZANA ROESSING
Secretária
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