Apelação Cível Nº 5009031-47.2023.4.04.7002/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: CASSIANE MERGEN OZORIO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de auxílio-acidente, desde a DCB do último auxílio-doença (18/11/2019).
Foi proferida sentença de improcedência, cujo dispositivo transcrevo (evento 33 dos autos originários):
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO INICIAL.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, à restituição dos honorários periciais e ao pagamento dos honorários advocatícios ao procurador da parte contrária, em 10% sobre o valor da condenação, excluindo-se as prestações vincendas a partir da sentença, ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC c/c Súmula nº 111/STJ.
A execução das verbas referidas, contudo, permanecerá suspensa, nos termos do art. 98, §3º, do NCPC.
A autora apelou, sustentando, preliminarmente, a necessidade de complementação do laudo judicial, para que o perito responda os quesitos, sobretudo os relativos às condições peculiares do trabalho como cumim. Entende que o laudo é superficial e que o perito desconsiderou os documentos médicos juntados aos autos. No mérito, alega que restou demonstrada a redução da capacidade laborativa decorrente de sequela causada por acidente. Salienta que não tem condições de deambular ou permanecer em pé por longos períodos. Ao final, pede a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual, a fim de que seja complementada a prova técnica, ou a concessão do auxílio-acidente (evento 39).
Sem contrarrazões, os autos vieram para julgamento.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA
Não há falar em nulidade do laudo judicial ou cerceamento de defesa.
Importa registrar que cabe ao magistrado, como destinatário da prova, aferir a suficiência do material probatório e determinar ou indeferir a produção de novas provas (arts. 370, 464, §1º, II e 480, todos do CPC).
Em regra, nas ações objetivando benefícios por incapacidade, o julgador firma a sua convicção com base na perícia médica produzida no curso do processo, uma vez que a inaptidão laboral é questão que demanda conhecimento técnico, na forma do artigo 156 do CPC.
O perito deve examinar a parte autora com imparcialidade e apresentar as suas conclusões de forma clara, coesa e fundamentada.
No caso, observa-se que a perícia foi realizada por ortopedista, especialista na patologia que acomete a autora, o qual procedeu à anamnese, realizou o exame físico, detalhou os documentos complementares analisados e apresentou as conclusões de forma fundamentada (evento 15).
A mera discordância da parte autora quanto às informações constantes do laudo, considerando que os quesitos foram adequadamente respondidos, não tem o condão de descaracterizar a prova.
Nesse contexto, mostra-se desnecessária a complementação da prova técnica, em face do conjunto probatório - formado pela perícia judicial e pelos documentos médicos colacionados - suficiente para a formação da convicção do julgador.
Rejeitada a preliminar, passo à análise do mérito.
MÉRITO
AUXÍLIO-ACIDENTE - REQUISITOS
A concessão de auxílio-acidente está disciplinada no art. 86 da Lei nº 8.213/1991, que assim dispõe:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinquenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
A concessão do auxílio-acidente se dará pelo cumprimento de três requisitos: a) consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza; b) redução permanente da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia; e c) demonstração do nexo de causalidade entre os requisitos anteriores.
Ademais, a parte autora deve comprovar a qualidade de segurada à época do evento acidentário, estando dispensada da carência, nos termos do art. 26, I, da Lei 8.213/91.
Conforme jurisprudência estabelecida pelo STJ em julgamento de recursos representativos de controvérsia, o benefício será devido mesmo que mínima a lesão, e independentemente da irreversibilidade da doença:
Tema 416: Exige-se, para concessão do auxílio-acidente, a existência de lesão, decorrente de acidente do trabalho, que implique redução da capacidade para o labor habitualmente exercido. O nível do dano e, em consequência, o grau do maior esforço, não interferem na concessão do benefício, o qual será devido ainda que mínima a lesão.
Tema 156: Será devido o auxílio-acidente quando demonstrado o nexo de causalidade entre a redução de natureza permanente da capacidade laborativa e a atividade profissional desenvolvida, sendo irrelevante a possibilidade de reversibilidade da doença.
Em julgamento pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema nº 862), o STJ estabeleceu que o termo inicial do benefício será no dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença que lhe deu origem, observando-se a prescrição quinquenal.
Caso o auxílio-acidente não seja precedido por auxílio-doença, o termo inicial será na data do requerimento administrativo.
CASO CONCRETO
A autora, nascida em 06/12/1982, atualmente com 41 anos de idade, esteve em gozo de auxílio-doença, nos períodos de 25/05/2012 a 27/05/2014, para se recuperar de entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado do joelho, causadas por acidente de moto, em 26/05/2012, de 24/01/2017 a 03/01/2018, em virtude de transtornos internos dos joelhos, e de 02/09/2019 a 18/11/2019, por sofrer fratura do maléolo lateral, causada em acidente durante prática esportiva, em 18/08/2019 (eventos 04 e 05, INFBEN2).
A presente ação foi ajuizada em 23/05/2023.
A controvérsia recursal cinge-se à capacidade laborativa.
CAPACIDADE LABORATIVA
No caso em tela, do exame pericial realizado por ortopedista, em 24/08/2023, colhem-se as seguintes informações (evento 15):
- enfermidade (CID): S82.6 - fratura do maléolo lateral;
- data do início da doença: 2019;
- incapacidade/redução da capacidade: inexistente;
- idade na data do exame: 40 anos;
- profissão: auxiliar de cozinha (antes, recepcionista);
- escolaridade: ensino médio completo.
O histórico foi assim relatado:
BENEFÍCIOS
- 24/01/2017 03/01/2018 (lesão do joelho)
- 02/09/2019 18/11/2019
pedido AA
Autora refere que teve lesão do tornozelo D em 16/08/2019 quando estava fazendo treinamento de defesa pessoal para vigilante (SIC). Tratamento cirúrgico na época. Alega ter feito fisioterapia, 30 sessões (SIC). Atualmente, refere que tem muita dor no pé, que acha que é devido a presença do material, que sente edema no pé especialmente ao final do dia (SIC).
tratamento
- apenas medicação quando dor
comorbidades
- nega
Os documentos médicos complementares analisados foram os seguintes:
ATESTADOS
- S826
EXAMES
- radiografias controle tornozelo
- USG normal
- RM joelho (reconstrução LCA)
Transcrevo o relato do exame físico:
membro inferior
- sem alterações específicas (objetivas) do padrão de marcha
- alinhamento preservado do membro
- sem deformidades
- cicatriz em bom estado
- sem sinais inflamatórios em atividade
- derrame articular ausente
- mobilidade funcional para as articulações testadas (simetria - inclusive tornozelo - dorsiflexão 20o - flexão plantar 45o)
- GA negativo
- ML +/+++ (joelho D)
- testes meniscais sem bloqueios
- dor referida predominante em compartimento anterior (inespecífica)
Ao final, o perito concluiu pela ausência de incapacidade ou redução da laborativa, sob as seguintes justificativas:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Com base nos documentos médicos trazidos aos autos e exame ortopédico pericial, não há elementos que indiquem a incapacidade persistente da parte autora para o trabalho habitual após a DCB, ou mesmo a redução da capacidade (ainda que em grau mínimo) no caso concreto:
- Fratura de maléolo lateral, com tratamento cirúrgico, lesão habitualmente com excelente prognóstico funcional, consolidada. Exames de imagem mostram recuperação anatômica. Retornou para atividades de complexidade equiparada, sem novos afastamentos comprovados. Clinicamente, a despeito das queixas residuais, com ampla mobilidade articular, sem alterações tróficas (mensuradas)/ ou objetivas força, sem sinais de instabilidade ou alterações inflamatórias que nos permitam sustentar a existência de sequelas, mormente que gerem prejuízo de sua funcionalidade neste momento, levando em consideração a dinâmica de trabalho habitual da autora.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
O perito deve examinar a parte autora com imparcialidade e apresentar as suas conclusões de forma clara, coesa e fundamentada e isso ocorreu no caso dos autos.
Saliento que a opinião do perito acabará discordando seja do médico assistente, seja do médico do INSS, pois a ação está sendo ajuizada justamente pela divergência entre as partes quanto à incapacidade laboral decorrente das doenças apresentadas pela parte autora. A atuação do perito é uma revisão qualificada da perícia outrora realizada pelo médico do INSS.
Infere-se que o perito realizou a avaliação do estado de saúde da parte autora, tendo chegado às suas conclusões considerando todo o contexto probatório, as quais foram apresentadas de forma coesa e coerente, no sentido da ausência da inaptidão para o trabalho ou da sua redução.
Com efeito, o expert considerou os documentos médicos apresentados, em conjunto com o exame físico, concluindo que o tratamento cirúrgico foi eficaz, a mobilidade do membro lesionado está preservada, assim como a força, não apresentando instabilidade ou sinal de inflamação. Portanto, não há redução da capacidade para a atividade desempenhada à época do acidente como recepcionista, conforme se depreende da CTPS (evento 23, CTPS2).
Por fim, vale ressaltar que a existência de sequelas decorrentes de acidente, que não geram limitação para o exercício das atividades exercidas à época do evento acidentário, e tampouco demandam maior esforço para o desempenho do trabalho, não ensejam a concessão de auxílio-acidente.
Portanto, deve ser mantida a sentença de improcedência.
Desprovida a apelação da parte autora.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora desprovida e majorados os honorários sucumbenciais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004501702v4 e do código CRC 1182068f.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5009031-47.2023.4.04.7002/PR
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. cerceamento de defesa não caracterizado. complementação da prova técnica. desnecessidade. auxílio-acidente. REQUISITOS. redução da capacidade laborativa. não comprovação. honorários advocatícios. majoração.
1. Cabe ao magistrado, como destinatário da prova, aferir a suficiência do material probatório e determinar ou indeferir a produção de novas provas (arts. 370, 464, §1º, II e 480, todos do CPC). Em regra, nas ações objetivando benefícios por incapacidade, o julgador firma a sua convicção com base na perícia médica produzida no curso do processo, uma vez que a inaptidão laboral é questão que demanda conhecimento técnico, na forma do artigo 156 do CPC. No caso, a perícia foi realizada por ortopedista, especialista na patologia alegada na petição inicial, o qual procedeu à anamnese, realizou o exame físico, detalhou os documentos complementares analisados e apresentou as conclusões de forma coerente e fundamentada. A mera discordância da parte autora quanto às informações constantes do laudo, considerando que os quesitos foram adequadamente respondidos, não tem o condão de descaracterizar a prova. Desnecessária a complementação da prova técnica, em face do conjunto probatório - formado pela perícia judicial e pelos documentos colacionados - suficiente para a formação da convicção do julgador.
2. A concessão do auxílio-acidente pressupõe o cumprimento dos seguintes requisitos: a) consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza; b) redução permanente da capacidade para o trabalho à época desenvolvido; c) a demonstração do nexo de causalidade entre os requisitos anteriores; e d) qualidade de segurado na data do evento acidentário.
3. Não comprovada a redução da capacidade laboral, a requerente não faz jus ao auxílio-acidente.
4. Diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 09 de julho de 2024.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004501703v3 e do código CRC c01d9db2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 02/07/2024 A 09/07/2024
Apelação Cível Nº 5009031-47.2023.4.04.7002/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: CASSIANE MERGEN OZORIO (AUTOR)
ADVOGADO(A): LARISSA TEREZINHA FERREIRA (OAB PR098652)
ADVOGADO(A): THIAGO RODRIGO CUBILLA (OAB PR076511)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/07/2024, às 00:00, a 09/07/2024, às 16:00, na sequência 977, disponibilizada no DE de 21/06/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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