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PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE. SEPARAÇÃO DE FATO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO AFASTADA EM JU...

Data da publicação: 30/06/2020, 21:58:18

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE. SEPARAÇÃO DE FATO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO AFASTADA EM JUÍZO. MÁ-FÉ NA CONDUTA DA PENSIONISTA NÃO EVIDENCIADA. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES. RENOVAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA A COBRANÇA. DESNECESSIDADE. RECURSO DO INSS DESPROVIDO E APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA. 1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está a má-fé. Há, portanto, consciência de que o agente está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento que ele sabe ser indevido. 2. No caso concreto, o fato de ter sido declarado judicialmente que a demandante não fazia jus à pensão pela insuficiência probatória da dependência econômica, não impele a convicção de que ela obrou com má-fé a autorizar a devolução dos valores. 3. Assim, não havendo nos autos elementos capazes de evidenciar a má-fé da segurada ao receber o benefício, não é possível presumi-la. Em se tratando de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não há falar em restituição dos valores recebidos. 4. Por conta de tal intelecção, deve ser afastada a possibilidade de renovação pelo INSS de procedimento administrativo para cobrança dos valores irrepetíveis. 5. Recurso do INSS desprovido e da parte autora provido. (TRF4 5047178-62.2011.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora MARINA VASQUES DUARTE, juntado aos autos em 02/12/2016)


APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5047178-62.2011.4.04.7100/RS
RELATOR
:
SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE
:
JACIRA MARIA ODER CRAMER
ADVOGADO
:
MEBEL WOLFF SALVADOR
APELADO
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE. SEPARAÇÃO DE FATO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. COMPROVAÇÃO AFASTADA EM JUÍZO. MÁ-FÉ NA CONDUTA DA PENSIONISTA NÃO EVIDENCIADA. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES. RENOVAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA A COBRANÇA. DESNECESSIDADE. RECURSO DO INSS DESPROVIDO E APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA.
1. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está a má-fé. Há, portanto, consciência de que o agente está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento que ele sabe ser indevido. 2. No caso concreto, o fato de ter sido declarado judicialmente que a demandante não fazia jus à pensão pela insuficiência probatória da dependência econômica, não impele a convicção de que ela obrou com má-fé a autorizar a devolução dos valores. 3. Assim, não havendo nos autos elementos capazes de evidenciar a má-fé da segurada ao receber o benefício, não é possível presumi-la. Em se tratando de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não há falar em restituição dos valores recebidos. 4. Por conta de tal intelecção, deve ser afastada a possibilidade de renovação pelo INSS de procedimento administrativo para cobrança dos valores irrepetíveis. 5. Recurso do INSS desprovido e da parte autora provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar provimento ao apelo de Jacira Maria Oder Cramer, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que integram o presente julgado.
Porto Alegre/RS, 30 de novembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora


Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8671241v9 e, se solicitado, do código CRC DB675CCD.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Marina Vasques Duarte de Barros Falcão
Data e Hora: 01/12/2016 18:41




APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5047178-62.2011.4.04.7100/RS
RELATOR
:
SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE
:
JACIRA MARIA ODER CRAMER
ADVOGADO
:
MEBEL WOLFF SALVADOR
APELADO
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interposta em face de sentença (evento 19 - SENT1 do eProc originário) que julgou parcialmente procedente a ação declaratória de inexistência de débito movida por Jacira Maria Oder Cramer para determinar que o INSS que se abstenha de realizar qualquer cobrança relativa à GPS no valor de R$ 90.359,95 (noventa mil trezentos e cinquenta e nove reais e noventa e cinco centavos), bem como de inscrever o nome da autora em dívida ativa, ressalvando a possibilidade de a Autarquia renovar o procedimento administrativo para aludida cobrança, desde que obedecidas as garantias do contraditório e ampla defesa.
Nas suas razões (evento 23) o INSS sustenta que a base do pedido de restituição dos valores foi o título judicial oriundo do julgamento por este Tribunal da apelação cível nº 2005.71.00.019904-9 em que ficou consignado ter Jacira Maria Oder Cramer perdido a qualidade de dependente para fins de recebimento do benefício da pensão por morte, uma vez que estava separada de fato do de cujus desde o ano de 1983. Refere que ficou evidenciado que a apelada laborou com extrema má-fé, quando do requerimento da pensão por morte. Consigna que sequer pode ser alegado ter o benefício recebido com boa-fé, já que é defeso argüir o desconhecimento da lei para auferir proveito indevido, nos termos do que dispõe o art. 3º da LICC. Reforça que a cobrança está amparada em decisão judicial, e que no âmbito administrativo foram tomadas as medidas cabíveis no sentido de que a apelada restituísse ao erário o montante de R$ 90.359,95, na forma à vista ou parceladamente. Pede a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido de inexigibilidade dos valores recebidos indevidamente.

Por sua vez, a defesa de Jacira Maria, nas razões anexadas no evento 24 do processo eletrônico originário pleiteia, inicialmente, seja a apelação recebida também no efeito suspensivo, no sentido de que seja obstada a possibilidade a instauração de novo processo administrativo em que se resguarde ampla defesa e contraditório para fins de cobrança de valores tidos por devidos à Autarquia Previdenciária. No mérito, refere que os argumentos utilizados no Processo nº 2005.71.00.019904-9, pelos Eminentes Magistrados, tanto do primeiro grau quanto do segundo grau, foi extremamente controvertido quanto à qualidade de dependente, não havendo se falar em má-fé no requerimento da pensão por morte, uma vez que a autora entendia ser dependente econômica do de cujus. Quanto à inexistência do débito relativo às mensalidades do benefício nº 21/131.487.641-1, que a Autora recebeu de 25/12/2003 a 31/05/2011, diante da comprovada boa-fé da mesma ao receber tal benefício e com base no Princípio da Irrepetibilidade dos Alimentos, requer seja mantida a sentença. Já no tocante à possibilidade de instauração de novo processo administrativo, pleiteia a sua reforma.

Foram apresentadas contrarrazões (eventos 28 e 29 do eProc originário).
O feito eletrônico alçou a esta Corte, sendo autuado e distribuído.

Na data de 06-10-2016, por entender ser matéria de competência da 3ª Seção, o MM Juiz Federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, determinou a redistribuição do feito, que, por sorteio, restou concluso a este gabinete.

Na sequência, os autos eletrônicos foram remetidos à procuradoria Regional da República que assentou a desnecessidade de sua intervenção pelo fato de que a discussão não trata de direito indisponível, mas meramente de interesse patrimonial. (evento 13 - PROMOÇÃO1).

É o relatório.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Efeito suspensivo ao recurso.
Inicialmente reputo prejudicado o pedido de concessão do efeito suspensivo à apelação de Jacira Maria Oder Cramer, tendo em vista que o julgamento definitivo do recurso pelo colegiado se sobrepõe ao provimento pretendido.

Apelo do INSS

Cobrança de valores pagos indevidamente

É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para tal desiderato está estampada nos artigos 115 da Lei 8.213/91 e 154 do Decreto 3.048/99, in verbis:
Lei nº 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido; (...)
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
Decreto nº 3.048/99
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.
De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Nessa direção, cabe mencionar os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. OCORRÊNCIA DE FRAUDE. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. DESCONTO DOS VALORES. REGULARIDADE. I - (...) V - Entendendo-se pela caracterização da má-fé do requerente no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. VI - Apelação improvida. Extinção do processo com resolução do mérito. (TRF5, AC 000066558.2012.405.8200, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Ivan Lira de Carvalho, publicado no DJE de 30-06-2016).
Com efeito. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.

No caso, o INSS em sua pretensão recursal afirma estar comprovada a má-fé da demandante, uma vez que, durante extenso interregno temporal, recebeu pensão por morte de seu falecido ex-cônjuge, mesmo já estando separada de fato dele.

Segundo se depreende, a questão da irregularidade no recebimento do benefício de pensão por morte, restou solvida no julgamento em 03-11-2010, da apelação cível nº 2005.71.00.019904-9 movida por Daniel Marques Cramer (filho do de cujus).

Vejam-se os fundamentos do voto condutor de lavra do eminente Des. Federal Celso Kipper:

(...)

De fato, foi demonstrada a separação de fato, reconhecida pela própria co-ré (no seu depoimento que adiante transcreverei), restando controvérsia sobre a existência ou não de dependência econômica dessa em relação ao falecido.

Com efeito, a jurisprudência previdenciária desta Corte distingue duas situações nos casos de cônjuges separados que buscam provar a dependência econômica: (i) a dependência econômica do cônjuge separado que recebia pensão de alimentos é presumida (art. 76, §2º c/c art. art. 16, §4º); (ii) a dependência econômica do cônjuge separado que não recebia pensão de alimentos deve ser comprovada.

Relativamente à segunda possibilidade mencionada, o cônjuge separado deve comprovar a dependência econômica, ainda que superveniente ao momento da separação. Contudo, a situação de dependência referida não pode sobrevir a qualquer tempo, mas sim, deve ter ocorrência apenas até o óbito do segurado, sob pena de, se postergado tal marco, o casamento apresentar um novo objetivo: "o da cobertura previdenciária incondicionada" (como bem ressaltou o ilustre Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, no voto do EI nº 2007.70.99.004515-5).

Em audiência realizada em 23-05-2007, foi colhido o depoimento de três testemunhas da parte autora e de três testemunhas da parte ré, além do depoimento da co-ré Jacira, os quais transcrevo:

Débora Regina Souza Dias de Andrade (fl. 129):

"Foi vizinha do autor. Conheceu Jacira no velório de Mário Cramer. Desconhece se Mário ajudava Jacira, mas por comentário do falecido este dizia que ajudava os filhos. Não sabe onde moravam, conhecia apenas a irmã de Mário. A esposa e os filhos de Jacira (sic) conheceu apenas no velório. Quando Mário faleceu estava sozinho. Dada a palavra à procuradora do autor, inquirida, respondeu: conhece a família de Daniel há quase vinte anos. Dada a palavra ao procurador da co-ré Jacira, nada requereu. Dada a palavra ao procurador do INSS, inquirido (sic), respondeu: não sabe a forma da ajuda de Mário aos filhos, mas sabe que este fazia visitas e quando estavam doentes ia vê-los."

Alessandra Araújo Carvalho (fl. 130):

"Conheceu o pai de Daniel. Não conhece Jacira Cramer. Não sabia do relacionamento de Jacira e Mário. Dada a palavra à procuradora do autor, inquirida, respondeu: conhece Daniel e os pais desde 1985."

Marlis Lopes Hanh (fl. 131):

"Não conhece Jacira Cramer. Conheceu Mário Cramer. Sabia que ele tinha uma ex-esposa e 2 filhos. Desconhece se Mário prestava ajuda financeira à ex-esposa ou aos filhos. Dada a palavra à procuradora do autor, inquirida, respondeu: quando conheceu Mário, este morava com a mãe de Daniel. Conhece-os desde 1988, quando se mudou para a vizinhança da depoente (sic). Quando faleceu, Mário estava morando sozinho. Dada a palavra ao procurador da co-ré Jacira, nada requereu. Dada a palavra ao procurador do INSS, inquirido, respondeu: a mãe de Daniel saiu de casa e Mário continuou no mesmo endereço. Mário continuava visitando o filho."

Maria Francisca Braga (fl. 132):

"Conheceu Mário Cramer, casado com Jacira, quando se mudaram para o edifício onde a depoente reside, os filhos ainda era pequenos (sic). O casal se separou, mas sempre estava freqüentando a casa de Jacira. Não conhece Daniel Cramer. Não sabe com quem Mário foi morar após separar-se de Jacira. Os filhos de Jacira e Mário já eram grandes quando houve a separação. Sabe que o condomínio era pago por Mário, pois a depoente era síndica e tinha acesso a tal informação. O pagamento do condomínio em certa época era feito diretamente para o síndico. Recorda por isso de Mário pagar o condomínio do apartamento onde Jacira residia. A depoente também fazia parte da comissão do prédio. Nos últimos tempos não sabe se Mário continuou pagando o condomínio pois há cerca de 6 ou 7 anos deixou a comissão do condomínio. Dada a palavra ao procurador da co-ré, inquirida, respondeu: recorda de Mário visitar com muita freqüência a casa de Jacira, estava sempre nas festas. A depoente recorda de ter feito decoração de uma festa no apartamento e Mário estava presente. Havia pessoas inclusive que nem sabiam da separação. Dada a palavra à procuradora do autor, inquirida, respondeu: desconhece se Mário voltou a morar com Jacira, mas o via sempre no edifício, inclusive levando gás. O edifício tem 72 apartamentos. Dada a palavra ao procurador do INSS, nada requereu."

Jurema Ribeiro da Silva (fl. 133):

"É vizinha de Jacira. Conheceu Mário Cramer há bastante tempo, cerca de 30 anos. Era casado com Jacira e morava com ela. O casal não se separou. A depoente é vizinha no mesmo prédio, mas raramente tem contato com Jacira. Recorda de ver Mário seguidamente, fins de semana, aniversários. Sabe que Daniel é filho de Mário mas não o conhece. Não sabe da separação de Mário e Jacira. Desconhece se Mário tinha outra casa ou família. Não sabe quem pagava as despesas da casa de Jacira. Dada as palavras às procuradoras das partes, nada requereram."

Riva Martins da Silva (fl. 134):

"Conheceu Mário Cramer, que morava no mesmo prédio onde reside a testemunha. Conheceu Mário há muitos anos, pois reside há 32 anos no endereço acima declinado. Mário foi casado com Jacira, ouviu falar da separação do casal. Não conhece Daniel Cramer, e nem sabia que era filho de Mário Cramer. Não sabe onde Mário morava quando faleceu, mas recorda de vê-lo no edifício onde Jacira mora. Não sabe dizer se Mário prestava auxílio financeiro a Jacira, mas pode afirmar que Mário frequentava o edifício. Dada a palavra às procuradoras das partes, nada requereram."

A co-ré, em seu depoimento pessoal (fl. 128) confirmou a separação de fato, mas sustentou que o de cujus permaneceu pagando algumas contas para ela, in verbis:

"Foi casada com Mário Luiz Cramer, de quem nunca se separou judicialmente, mas de fato residiam separado, isto há muitos anos. O contato permaneceu. Mário teve outra família, outra companheira. Depois de sair de casa Mário continuou pagando as despesas de condomínio, gás, luz, rancho, etc. Essa ajuda perdurou até o falecimento, sendo que o apartamento também foi quitado por ele. A depoente trabalhava no Estado, onde aposentou-se como servente, com renda mensal baixa, atualmente de R$ 400,81. Seu patrimônio restringe-se ao apartamento onde reside. Dada a palavra ao procurador do INSS, inquirida, respondeu: depois da separação morava com a depoente uma filha, separada, com dois netos. Mário não ajudava os filhos pois já eram maiores. Mário continuou pagando a luz e o condomínio até o fim. Dada a palavra ao procurador do autor, inquirida, respondeu: tem dois filhos. Não recorda quando Mário saiu de casa, mas de fato foi quando o autor nasceu, mas apesar disso Mário sempre estava na casa da autora (sic), inclusive nas festas comemorativas. Nunca mais morou na casa da depoente. Mário residia sozinho quando faleceu. A depoente aposentou-se em outubro de 2006."

A co-ré negou o recebimento de pensão alimentícia em seu depoimento pessoal, mas afirmou que o de cujus pagava as contas de luz e condomínio do apartamento dela, sem juntar prova material de tal pagamento. As testemunhas Riva e Jurema afirmaram que não tinham conhecimento de eventual ajuda financeira do de cujus à co-ré. A testamunha Maria Francisca, por sua vez, disse que o de cujus pagava o condomínio da autora, mas só pôde afirmá-lo até 3 ou 4 anos antes do falecimento daquele, quando ela deixou a comissão do condomínio.

Ademais, na declaração de imposto de renda do de cujus do ano de 2002, juntada às fls. 146/150, aparece doação (no valor de R$ 491,04) daquele a Daisy Machado, genitora do autor, mas não há nada referente à co-ré Jacira.

Assim, entendo que a co-ré não logrou comprovar suficientemente que tinha direito ao recebimento de pensão por morte, eis que não restou caracterizada sua dependência econômica na época do falecimento do de cujus."
Como se vê, não há como reputar má-fé na conduta de Jacira quanto a sua manutenção como dependente para recebimento da pensão do seu ex-cônjuge Mário Luiz Oder Cramer.

O fato de ter sido declarado judicialmente que a demandante não fazia jus à pensão pela insuficiência probatória da dependência econômica, não impele a convicção de que ela obrou com má-fé a autorizar a devolução dos valores.
Impende ressaltar, ainda, que o ônus da prova quanto à existência de má-fé é imponível ao próprio INSS, conforme a abalizada doutrina dos autores Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, da qual se extrai:

Em caso de má-fé, o desconto é integral (RPS, art. 154, § 2º), ainda que em decorrência disto o beneficiário nada receba, por meses a fio, até que o total seja descontado. Evidentemente, o beneficiário poderá questionar judicialmente o entendimento administrativo no sentido da existência de má-fé, sendo do Instituto o ônus de prová-la, uma vez que a má-fé não se presume. (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 5ª edição. p. 359).
Partindo dessa premissa, portanto, observo que nestes autos não consta qualquer elemento a evidenciar a existência de má-fé por parte da demandante.

Há de se concluir exatamente o contrário, pois não é razoável exigir que Jacira Maria possuísse conhecimento sobre a impossibilidade de manutenção da pensão, já que no seu entender, mesmo depois de separada de fato o falecido ex-esposo ainda a auxiliava com algumas despesas.
Em verdade, o INSS não conseguiu amealhar provas consistentes e robustas sobre a intenção maliciosa da conduta da demandante, de modo que se mostra inviável a cobrança dos valores dispensados a partir de 25-12-2003 até 35-05-2011 (NB 21/131.487.641-1), a título de pensão por morte do ex-marido falecido.
Assim, não havendo nos autos elementos capazes de evidenciar a má-fé da segurada ao receber o benefício, não é possível presumi-la. Em se tratando de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não há falar em restituição dos valores recebidos.

Apelação de Jacira Maria
Por conta de tal intelecção, tenho que deve ser provido o apelo de Jacira para afastar a possibilidade de o INSS renovar o procedimento administrativo de cobrança do valor de R$ 90.359,95 (noventa mil, trezentos e cinqüenta e nove reais e noventa e cinco centavos) recebidos em boa-fé e por ser irrepetível na espécie.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar provimento ao apelo de Jacira Maria Oder Cramer, consoante a fundamentação supra.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora


Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8671240v4 e, se solicitado, do código CRC D296C5CD.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/11/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5047178-62.2011.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50471786220114047100
RELATOR
:
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
PRESIDENTE
:
Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida
PROCURADOR
:
Procurador Geral da República Juarez Mercante
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE
:
JACIRA MARIA ODER CRAMER
ADVOGADO
:
MEBEL WOLFF SALVADOR
APELADO
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/11/2016, na seqüência 467, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PROVIMENTO AO APELO DE JACIRA MARIA ODER CRAMER, CONSOANTE A FUNDAMENTAÇÃO SUPRA.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
VOTANTE(S)
:
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria


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