Apelação Cível Nº 5000077-70.2019.4.04.7222/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000077-70.2019.4.04.7222/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: MARIA CUSTODIO DA ROSA (AUTOR)
ADVOGADO: JAQUELINE KALUSNY AUGUSTIN (OAB SC057579)
ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Adoto o relatório da sentença e, a seguir, complemento-o:
Trata-se de procedimento comum em que a parte autora postula o benefício da aposentaria por idade híbrida, requerendo o reconhecimento e averbação do exercício de atividade rural exercida nos seguintes períodos: anos de 1962 a 1984 e anos de 1993 a 2009, computado ao tempo de atividade urbana exercida entre maio de 1984 a 1993 (já reconhecido administrativamente pelo INSS) desde a DER (26.9.2013). Atribuiu à causa o valor de R$ 63.914,20 (sessenta e três mil novecentos e quatorze reais e vinte centavos). Juntou documentos (evento 1).
Foi concedido o benefício da gratuidade de justiça e determinada a regularização da representação processual (evento 9), o que foi cumprido no evento 12.
Citado, o INSS apresentou contestação, suscitando preliminar de falta de interesse processual, diante da ausência de prévio requerimento administrativo de cômputo de tempo rural. Pediu a extinção do processo, sem apreciação do mérito . Prejudicialmente, pelo princípio da eventualidade, pediu o reconhecimento da prescrição quinquenal (evento 15).
Houve réplica (evento 18).
Por meio da decisão do evento 20, foi determinada a comprovação de indeferimento administrativo, tendo a autora se manifestado pela suficiência dos documentos já apresentados, bem como, arguindo desnecessidade de esgotamento das vias administrativas (evento 24).
O INSS juntou o inteiro teor do processo administrativo de concessão do benefício pleiteado (evento 25).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
O dispositivo da sentença tem o seguinte teor:
III - Dispositivo
Ante o exposto, declaro a falta de interesse processual da parte autora, com relação aos pedidos de contagem de tempo rural, alegadamente prestado sob o regime de economia familiar, para fins de carência, e de concessão da aposentadoria híbrida, julgando extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, conforme a fundamentação.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §§ 2º e 3º e inciso III do § 4º, do CPC, ficando suspensa sua exigibilidade em razão da gratuidade de justiça, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC.
O autor, em suas razões, sustenta que não apresentou provas referentes ao período de labor rural no bojo do processo administrativo pela falta de orientação dada pelos servidores da autarquia previdenciária, que, em nenhum momento, informaram corretamente os procedimentos e a provas que deveriam ser apresentadas pela apelante.
Aduz que, por força da instrução normativa nº 45, é dever da autarquia previdenciária analisar a possibilidade de concessão do melhor benefício a que tem direito o segurado, não se devendo transferir-lhe a obrigação de saber qual benefício adequado a sua situação.
Assinala que quem deixou de agir na via administrativa, em prol da segurada, foi a própria autarquia previdenciária, que sequer prestou as orientações necessárias para que a autora alcançasse o benefício que faz jus.
Pontua que, mesmo que não haja expresso requerimento, deve a autarquia conceder o benefício mais vantajoso para o segurado.
Pontua, ainda, que em nenhum dos processos administrativos a apelante foi notificada/intimada para apresentar provas no tocante ao exercício de atividade rural, descumprindo a autarquia previdenciária os deveres decorrentes da boa-fé objetiva, não apenas deixando de orientar corretamente a segurada, como indeferindo o benefício pleiteado infundadamente.
Refere, ademais, que, mesmo que o processo administrativo não tenha sido instruído com os documentos suficientes à comprovação do exercício da atividade rural, está presente (por duas vezes) o interesse de agir, visto que a negativa ao requerimento de concessão do benefício é suficiente para caracterizar a pretensão resistida.
Giza que não é necessário que ocorra o exaurimento da via administrativa, revelando-se desproporcional a imposição administrativa, impondo-se sua reforma.
Com as contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
A sentença assim motivou suas conclusões:
Falta de interesse processual
A autarquia arguiu a falta de interesse processual do autor com relação ao pedido de reconhecimento do labor rural.
Assiste razão à autarquia.
Analisando a íntegra do processo administrativo (evento 25), vê-se que a contagem de tempo rural, alegadamente prestado sob o regime de economia familiar, para fins de carência e obtenção da aposentadoria híbrida, não foi objeto de requerimento administrativo.
Além de não ter indicado quais seriam os períodos de exercício de atividade rural durante o tramitar do processo administrativo, também não apresentou nenhum documento apto a constituir início de prova material do labor rural.
A autarquia previdenciária não teve acesso a nenhum documento na fase administrativa, o que a impediu de apreciar, na totalidade, os fatos alegados na inicial.
A dificuldade de obter os documentos ao tempo do processo administrativo não pode ser creditada ao INSS. Não há como condenar a autarquia por algo que ela não poderia deferir, ou melhor, que ela nem sequer teve oportunidade de analisar com todos os elementos que se tem agora. Não se deve esquecer que o princípio da lealdade e boa-fé aplicam-se no âmbito administrativo, por força do artigo 4º, II, da Lei n.º 9.784/99.
Observo que o INSS editou a Resolução Conjunta n.º 1, de 25/01/2013, que prevê a conciliação no âmbito administrativo, o que reforça a idéia de que o processo administrativo bem instruído tende a favorecer o autor. Dessa feita, eventual discurso de que o INSS iria indeferir de qualquer maneira o pedido não convence. Se assim fosse, nenhum benefício seria deferido administrativamente. Como também não convence a alegação de que ao contestar o pedido está demonstrada a resistência do órgão previdenciário. Entender dessa maneira é confundir competências, vez que a Procuradoria Federal não tem competência para deferir ou não o benefício, tem apenas atuação processual.
Além disso, a Lei n.º 9.784/99 impõe o óbvio, isto é, que o interessado forneça todos os documentos que a administração pública exija:
Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:
[...]
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos.
A jurisprudência pátria se consolidou no sentido de que o não requerimento administrativo ou a deficiência instrutória intencional do mesmo constituem forma de ofensa à competência administrativa:
"No âmbito dos Juizados Especiais Federais, a jurisprudência consolidou-se no sentido de exigir prévio requerimento administrativo, com indeferimento expresso do pedido ou demora injustificável para sua apreciação, como forma de comprovar a existência de lide, ou seja, para demonstrar o interesse processual. Entendimento contrário importaria no aumento de demandas desnecessárias no âmbito dos Juizados Especiais Federais, comprometendo a celeridade queles processos onde realmente haja lide e necessidade da intervenção do Poder Judiciário. Além disso, estar-se-ia usurpando uma atividade tipicamente administrativa atribuída ao INSS, impedindo-o de fazer a prévia análise do preenchimento dos requisitos necessários à concessão dos benefícios previdenciários e assistenciais (TRPR, 201070560008530, Ana Carina Busato Darós, 31.08.2010)."
"Com efeito, o Judiciário não substitui, mas apenas controla a legalidade dos atos praticados pela Administração. Havendo procedimento administrativo específico e regulado em lei para a sua pretensão, o postulante obriga-se a percorrê-lo e somente em face do indeferimento ou da demora injustificada é que se pode bater às portas do Judiciário, isso porque não há se falar em lide sem pretensão resistida, caracterizadora de lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso XXXV). Assim, necessária a postulação administrativa e a prova da recusa da autarquia, a fim de outorgar à parte o manifesto interesse em agir (TRF4 - AG 5012448-14.2013.404.0000, 5a. T, JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, 12. 06. 2013)".
Destaco o posicionamento do Supremo Tribunal Federal admitindo, em sede de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, que tal exigência é legítima e não fere a garantia do livre acesso ao Judiciário (RE 631.240, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, plenário, 27.8.2014).
O pedido de conversão em comum de períodos supostamente laborados em condições especiais não pode ser analisado judicialmente sem que antes a parte autora oportunize ao INSS a apreciação do seu pleito com os mesmos elementos de prova apresentados neste processo.
Não havendo prévio requerimento administrativo, falta à parte autora interesse processual no que tange a contagem de tempo rural, alegadamente prestado sob o regime de economia familiar, para fins de carência e obtenção da aposentadoria híbrida.
Observa-se que a questão constitui o objeto da presente ação.
Por essa razão, o feito deve ser extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.
A apelante sustenta que possui interesse de agir, motivo pelo qual não há falar em ausência de interesse processual quanto ao seu pedido de concessão de aposentadoria por idade híbrida.
Em seus dizeres, não se deve exigir que o interessado esgote as vias administrativas, somente depois, então, ingressar com a ação.
A sentença, como consta da fundamentação acima transcrita, não apontou a necessidade de exaurimento da via administrativa para o ajuizamento da ação.
Apontou que não foi formulado pedido de contagem do tempo rural na condição de segurada especial, sendo este o motivo pelo qual reconheceu a falta de interesse de agir da parte autora.
Isso porque foi somente em juízo, diante do indeferimento do pedido de aposentadoria por idade, que a autora pleiteou a contagem do labor rural para fins de concessão da aposentadoria por idade híbrida.
O pedido de aposentadoria por idade híbrida, compreendendo a contagem do trabalho no campo não foi apresentado administrativamente.
Administrativamente, o pedido formulado foi o de concessão de aposentadoria por idade urbana.
Aliás, em nenhum dos dois requerimentos administrativos protocolados pela apelante (evento 1 - PROCADM23 e PROCADM25), mencionou-se que a autora havia laborado no campo, muito menos se referiu o período em que teria se dedicado a tais lidas.
Ao revés, a autora limitou-se, em ambas oportunidades, a trazer elementos probatórios referentes ao labor urbano (certidão de tempo de serviço público municipal e carteira de trabalho).
Veja-se que a análise administrativa é dependente da provocação do segurado, que deve trazer, ao menos, indícios mínimos de sua pretensão, para ser possível proceder-se ao exame da viabilidade de concessão dos benefícios previdenciários.
Tal prova, relativamente aos vínculos urbanos, foi trazida na seara extrajudicial pela autora, que juntou, como já referido, sua CTPS e a certidão do tempo de contribuição referente ao vínculo com o Município de São Bento do Sul, em que descritos os períodos de início e fim de cada contrato de trabalho.
Já em relação ao vínculo rural como segurada especial não se pode dizer o mesmo, eis que a autora silenciou quanto ao desempenho do labor campesino.
Outrossim, a juntada de sua certidão de casamento em que seu marido está qualificado como lavrador (evento 1 - PROCADM23), não equivale a um pedido de cômputo do labor rural como segurada especial.
Primeiro, porque não há apontamentos na esfera administrativa de que a autora acompanhasse o marido nas lidas rurais; segundo, porque não foi referido a que título se daria essa prática, se como empregado rural, como diarista, como segurada especial, empregador rural, meeiro, ou arrendatário e terceiro, porque sequer mencionado o lapso em que este teria trabalho rural teria sido desenvolvido, não se podendo dessumir uma prática e uma condição somente reveladas em juízo.
Nessas condições, como a apelante não formulou pleito de contagem do labor rural quando apresentou seus pedidos administrativos, apenas o fazendo em juízo, está-se diante da hipótese de que trata o Recurso Extraordinário n. 631.240/MG, que, em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido de ser necessário, como regra geral, o prévio requerimento administrativo antes do ajuizamento de ações de concessão de benefícios previdenciários.
Consequentemente, tem-se que a insurgência não merece prosperar, devendo ser confirmada a sentença por seus próprios fundamentos.
Não acolhida a insurgência recursal, cumpre fixar honorários recursais em desfavor da autora. Arbitro-os em 10% sobre o valor apurado a título de honorários sucumbenciais, devidamente atualizados pelos índices legais, observada a AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001910772v7 e do código CRC 05ce9a92.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5000077-70.2019.4.04.7222/SC
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EMENTA
previdenciário. cômputo do tempo rural. ausência de pedido administrativo. interesse de agir. ausência. confirmação da sentença.
1. Como a apelante não formulou pleito de contagem do labor rural quando apresentou seus pedidos administrativos, apenas o fazendo em juízo, está-se diante da hipótese de que trata o Recurso Extraordinário n. 631.240/MG, que, em sede de repercussão geral, assentou entendimento no sentido de ser necessário, como regra geral, o prévio requerimento administrativo antes do ajuizamento de ações de concessão de benefícios previdenciários.
2. Hipótese em que reocnhecida a ausência de interesse de agir da autora.
3. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001910773v3 e do código CRC 9f8844c6.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020
Apelação Cível Nº 5000077-70.2019.4.04.7222/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: MARIA CUSTODIO DA ROSA (AUTOR)
ADVOGADO: JAQUELINE KALUSNY AUGUSTIN (OAB SC057579)
ADVOGADO: CEZAR AUGUSTO DOS SANTOS (OAB SC033279)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 1344, disponibilizada no DE de 03/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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