Apelação Cível Nº 5002785-08.2018.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIA DE FATIMA DE SOUZA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante reconhecimento de tempo de serviço especial como farmacêutica.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão veiculada na petição inicial.
CONDENO a autora ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais, sopesados os critérios legais, fixo sobre o valor da causa atualizada até esta data, consoante Súmulas 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111 do Superior Tribunal de Justiça, nos percentuais mínimos de cada faixa prevista no art. 85, § 2º, do CPC, observado o valor do salário mínimo vigente na data da presente sentença.
Custas processuais e honorários advocatícios processuais pela parte autora, cuja execução remanescerá suspensa enquanto persistir a situação de hipossuficiência econômica da requerente, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.
A autora apela, pleiteando o reconhecimento da especialidade nos períodos de 24/08/2004 a 31/05/2008 e 24/07/2008 a 22/04/2016, em que laborou como farmacêutica, porque estava exposta a agentes biológicos nocivos à saúde (agentes de risco), bem como a reafirmação da DER para 30/12/2017, considerando que recebeu auxílio doença e verteu contribuições após a 2ª DER (07/04/2016).
Pede a procedência da ação.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n° 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios) em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor/frio, casos em que sempre será necessária a mensuração dos níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes). Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n° 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo II);
b) no período de 29/04/1995 a 05/03/1997 foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997 (período em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n° 9.032/95 (art. 57 da Lei de Benefícios)), é necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (com a ressalva dos agentes nocivos ruído e calor/frio, cuja comprovação depende de perícia). Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo I);
c) a partir de 06/03/1997, quando vigente o Decreto n° 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n° 1.523/96 (convertida na Lei n° 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos n° 2.172/97 (Anexo IV) e n° 3.048/99.
d) a partir de 01/01/2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (artigo 148 da Instrução Normativa nº 99 do INSS, publicada no DOU de 10-12-2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
Saliente-se, ainda, que é admitida a conversão de tempo especial em comum após maio de 1998, consoante entendimento firmado pelo STJ, em decisão no âmbito de recurso repetitivo, (REsp n.º 1.151.363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Por fim, observo que, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas.
Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03.
Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n° 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU de 30/06/2003).
AGENTES BIOLÓGICOS
De acordo com a Terceira Seção deste Tribunal, é possível o reconhecimento da especialidade do labor exercido sob exposição a agentes biológicos nocivos, conforme se depreende do julgado a seguir:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. - Tendo o embargante logrado comprovar o exercício de atividade em contato com agentes biológicos, de 01-03-1979 a 02-03-1987, 03-04- 1987 a 16-01-1989 e 15-02-1989 a 07-05-1997, faz jus ao reconhecimento da especialidade dos períodos, com a devida conversão, o que lhe assegura o direito à concessão do benefício da aposentadoria por tempo de serviço proporcional, desde a data do requerimento administrativo, efetuado em 08-05-1997. (TRF4, EIAC 1999.04.01.021460-0, 3ª S., Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJ 05/10/2005)
No mesmo sentido, julgado desta Turma: AC 5005415-63.2011.4.04.7009, TRS/PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 20/08/2018.
No que concerne especificamente às atividades desenvolvidas em contato com agentes biológicos, é possível o enquadramento nos códigos 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64 (germes infecciosos ou parasitários humanos-animais), código 1.3.4 do Anexo I do Decreto n. 83.080/79 (trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes) (atividades discriminadas entre as do código 2.1.3 do Anexo II: médicos, médicos-laboratoristas (patologistas), técnicos de laboratório, dentistas, enfermeiros), código 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99 (Micro-organismos e parasitas infecto-contagiosos vivos e suas toxinas).
Veja-se, nesse sentido, o respectivo item constante no anexo ao Regulamento da Previdência Social:
MICROORGANISMOS E PARASITAS INFECTO-CONTAGIOSOS VIVOS E SUAS TOXINAS 25 ANOS
a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;
b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;
c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia;
d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;
e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto;
f) esvaziamento de biodigestores;
g) coleta e industrialização do lixo.
TEMPO ESPECIAL NO CASO CONCRETO
Colaciono trecho da sentença de improcedência, que bem analisou a questão, cujos fundamentos transcrevo e adoto como razões de decidir, a saber:
A autora alega ter exercido atividades sob condições especiais, atuando como farmacêutica, mormente com exposição a agentes agressivos de ordem biológica.
Conforme já mencionado alhures, a controvérsia recai sobre os seguintes períodos:
PERÍODO | EMPRESA |
24/08/2004 a 31/05/2008 | Maxfarma - Drogaria e Perfumaria |
24/07/2008 a 26/01/2015 | Drogaria Silva Ltda |
27/01/2016 a 22/04/2016 | Drogaria Silva Ltda |
a) 24/08/2004 a 31/05/2008 - Maxfarma - Drogaria e Perfumaria
Na petição inicial, a autora aduz que no desempenho de sua função como farmacêutica estava exposta a microorganismos, parasitas infecciosos vivos e suas toxinas, bactérias, substâncias compostas e produtos químicos, decorrente do manuseio de produtos, aplicação de medicamentos e atendimento a clientes com patologias.
Como prova, apresentou Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (evento 01 - PPP12), com descrição das atividades no item 14.2:
"Realizam tarefas específicas de desenvolvimento, produção, dispensação, controle, armazenamento, distribuição de produtos da área farmacêutica tais como medicamentos, alimentos especiais, cosméticos, imunobiológicos, domissanitários e insumos correlatos, exercem fiscalização sobre estabelecimentos, produtos, serviços e exercício profissional; orientam sobre uso de produtos e prestam serviços farmacêuticos; aplicam medicamentos"
No item 15.3 consta como fator de risco a exposição a micoorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas o que, em tese, permitira o reconhecimento da especialidade com lastro no Código 2.1.3 do Decreto nº 83.080/79.
Contudo, o referido diploma legal faz uma distinção em relação às atividades exercidas pelos farmacêuticos, atribuindo a especialidade tão somente para os profissionais farmacêuticos-toxicologistas, o que não se coaduna com caso em tela.
O decreto também prevê como especiais a exposição a agentes biológicos a partir do item 1.3, como, por exemplo:
a) trabalhos permanentes em que haja produtos ou materiais infectados (médicos, veterinários, enfermeiros e técnicos de laboratório);
b) preparação de soros, vacinas e outros produtos (médicos-laboratoristas, técnicos de laboratórios, biologistas);
c) trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes (médicos, médicos-laboratoristas, patologistas, técnicos em laboratório, dentistas e enfermeiros);
d) trabalhos em gabinetes de autópsia, de anatomia e de anatomo-histopatologia (médicos-toxicologistas, técnicos de laboratório de anatomopatologia ou histopatologia, técnicos de laboratório de gabinete de necropsia).
Por fim, o Decreto nº 2.172/97, também dispõe sobre especialidade com lastro em agentes biológicos no item 3.0.1, em face de exposição a microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas - trabalhos em estabelecimento de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou com manuseio de materiais contaminados (trabalhos com animais infectados para tratamento ou para preparo de soro, vacinas e outros produtos; trabalhos em laboratórios de autópsia, de anotomia e anátomo-histologia; trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados; trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto; esvaziamento de biodigestores e coleta e industrialização de lixo).
Como visto, apesar da extensa lista de atividades discriminadas pelos decretos como especiais, em nenhuma das hipóteses encontram-se a profissão de farmacêutico, sem falar que as farmácias (drogarias) - apesar de haver fluxo de pessoas portadoras de patologias - não podem ser consideradas como estabelecimentos de saúde, posto que o ramo de atividade está precipuamente atrelado à comercialização de medicamentos, sem falar da novel configuração que também inclui ampla comercialização de cosméticos, perfumaria e até mesmo de certos produtos alimentícios.
Disso se extrai que a grande maioria da pessoas que ingressam no âmbito das farmácias não são portadoras de patologias, quiçá de doenças infectocontagiosas hábeis a expor os funcionários ao efetivo risco de contaminação, sem falar que, partindo dessa premissa, também poderia ser considerado como especial até mesmo para os atendentes de balcão e caixas, ampliando sobremaneira o número de segurados albergados por tal benesse, o que colidiria frontalmente com o princípio da prévia fonte de custeio.
Enfim, de longe não se pode comparar as atividades exercidas pelos farmacêuticos com aquelas desempenhadas por médicos, enfermeiros, laboratoristas, etc., cuja a possibilidade de exposição a agentes patológicos e pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas é infinitamente superior.
Outrossim, verifica-se que o PPP menciona no item 15.5 que a avaliação foi meramente qualitativa e não quantitativa, o que reforça o entendimento acima esposado.
O laudo técnico pericial juntado ao evento 28 (OUT3, pág. 08), apesar de indicar como fator de risco a exposição a microorganismos e parasitas infecciosos vivos e suas toxinas, faz referência aos trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados.
Conforme já mencionado, as farmácias (drogarias), não podem ser consideradas como estabelecimentos de saúde.
Ademais, o LTCAT indica como fonte geradora o contato direto com pacientes portadores de doenças ou com material biológico não previamente esterelizado.
Apesar de referir exposição de forma habitual e permanente, o próprio laudo se contradiz ao indicar a intensidade como sendo qualitativa e não quantitativa.
Outrossim, a autora juntou livro de registro de aplicação de injetáveis (evento 28 - OUT2), afeto ao período de janeiro/2016 a outubro/2018, indicando que no local havia 3 farmacêuticos, bem como as anotações referem que a aplicação de injetáveis não ocorriam de forma diária, sem falar da existência de um rodízio de turno entre os profissionais, o que certamente tornava a exposição ainda mais eventual.
Constata-se que no ano de 2016 houve apenas 32 procedimentos, nenhum nos meses de junho e setembro e apenas 1 para os meses de julho, agosto e outubro.
Assim, extrai-se uma média inferior a 3 aplicações mensais para o ano de 2016 e menos de 1 semanal.
Embora o documento aponte um aumento para os anos de 2017 e 2018, não apresenta um números significativos que possam configurar habitualidade.
Destarte, não há como concluir pelo contato o contato direto, habitual e permanente com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas ou com material biológico não previamente esterelizado. Situação diversa seria na hipótese da autora ter laborado como farmacêutica bioquímica.
Acerca do tema, colaciono os seguintes julgados:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. FARMACÊUTICO BIOQUÍMICO. AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS E QUÍMICOS. TEMPO ESPECIAL DE CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO. "(...) 3. As atividades de farmacêutico bioquímico exercidas até 28-04-1995 devem ser reconhecidas como especiais em decorrência do enquadramento por categoria profissional previsto à época da realização do labor. (...)" (TRF4, AC 5000566-33.2016.4.04.7119, SEXTA TURMA, Relatora MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, juntado aos autos em 06/02/2018)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CATEGORIA PROFISSIONAL. FARMACÊUTICO. RESPONSÁVEL TÉCNICO DE FARMÁCIA. NÃO ENQUADRAMENTO. 1. O item 2.1.3 do Anexo II ao Decreto 83.080/79 prevê o enquadramento por atividade dos farmacêuticos-toxicologistas ou bioquímicos, pela presunção de exposição a agentes nocivos. 2. A atividade do profissional de Farmácia que exerce a responsabilidade técnica pelo estabelecimento comercial na comercialização de medicamentos não é enquadrada como especial, salvo se comprovado que atuava como toxicologista ou bioquímico. 3. A exposição eventual a agentes nocivos não enseja o enquadramento da atividade como especial. (TRF4, AC 5002345-69.2010.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator PAULO PAIM DA SILVA, juntado aos autos em 16/02/2016)
Nesse contexto, deixo de reconhecer a especialidade do período de 24/08/2004 a 31/05/2008.
b) 24/07/2008 a 26/01/2015 e 27/01/2016 a 22/07/2016 - Drogaria Silva Ltda
No que pertine a tais períodos, a autora também atuou como farmacêutica, apresentando como prova Perfil Profissiográfico Previdenciário (evento 01 - PPP11), que sequer descreve as atividades exercidas por ela.
Outrossim, apesar do documento listar fatores de risco no item 15.3, nem mesmo consta se foram devidamente avaliados, de forma que não podem servir como parâmetro de aferição de especialidade pelo Juízo.
Após várias diligências, atendendo os pedidos formulados pela autora ao longo da instrução processual, a empregadora encaminhou laudo técnico pericial (evento 52 - LAUDO1, págs. 06-63), com avaliação das condições de trabalho efetuada em 05/02/2016.
Aqui, cabe abordar o pedido formulado pela autora na petição juntada ao evento 57, requerendo que a expedição de novo ofício no escopo de obter documentação para todo o período em que prestou serviços na Drogasilva.
Entendo que tal medida além de excessiva, certamente resultaria em diligência negativa, porquanto é consabido pelo Juízo que as empresas não dispõe de laudos com avaliações periódicas, sendo as perícias realizadas com grandes lapsos temporais. Assim, nada acrescentaria quanto à exposição aos agentes biológicos, posto que a rotina de trabalho seria a mesma. Situação diversa poderia ocorrer no caso de exposição ao agente agressivo ruído, por exemplo, em que a variação dos níveis poderia ocorrer num curto espaço de tempo.
Ademais, o documento encaminhado é bastante detalhado e não deixa de ser contemporâneo à prestação dos serviços pela autora.
Superada essa questão, nota-se que para a função de farmacêutico a descrição das atividades (evento 52 - LAUDO1, pág. 16) é praticamente idêntica àquela afeta à empresa Maxfarma:
"Realizam tarefas específicas de desenvolvimento, produção, dispensação, controle, armazenamento, distribuição de produtos da área farmacêutica tais como medicamentos, alimentos especiais, cosméticos, imunobiológicos, domissanitários e insumos correlatos, exercem fiscalização sobre estabelecimentos, produtos, serviços e exercício profissional; orientam sobre uso de produtos e prestam serviços farmacêuticos. Podem realizar pesquisa sobre os efeitos de medicamentos e outras substâncias sobre os órgãos, tecidos e funções vitais dos seres humanos e dos animais."
Na verdade, essa descrição não se refere exatamente às tarefas exercidas pela autora, pois se trata de uma transcrição da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), afeta ao Código 2234-05.
O item 6.2.4 do LTCAT (pág. 31), indica a exposição a riscos ergonômicos (trabalhos eventualmente realizados em posições incômodas), que sequer existe previsão legal para reconhecimento com esteio em tal fator, sem falar que, caso houvesse, abrangeria inúmeras atividades e poderia até mesmo inviabilizar o próprio sistema previdenciário.
Também consta indicação de exposição a riscos biológicos (contato com pacientes e materiais não previamente esterelizados.
"Laborando o profissional qualificado em estabelecimento destinado aos cuidado da saúde humana como farmácias qua realizam procedimentos que exijam contato habitual com pacientes, ou materiais utilizados por esses sem a prévia esterelização, desempenha atividade insalubre..."
Na mesma linha argumentativa já delineada no capítulo anterior, atinente à empresa Maxfarma, observo que as farmácias (drogarias) - apesar de haver fluxo de pessoas portadoras de patologias - não podem ser consideradas como estabelecimentos de saúde, posto que o ramo de atividade está precipuamente atrelado à comercialização de medicamentos, sem falar que também inclui ampla comercialização de cosméticos, perfumaria e até mesmo de certos produtos alimentícios, de forma que a função dos farmacêuticos não pode ser comparada às atividades exercidas por médicos, enfermeiros, laboratoristas, etc., cuja a possibilidade de exposição a agentes patológicos e pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas é infinitamente superior.
Outrossim, o próprio laudo pericial indica que no local de trabalho havia 5 farmacêuticos, o que torna a exposição aos fatores de riscos biológicos mais eventual do que em relação ao antigo empregador.
Nesse contexto, considerando os elementos acima, deixo de reconhecer a especialidade nos períodos de 24/08/2004 a 31/05/2008, 24/07/2008 a 26/01/2015 e 27/01/2016 a 22/07/2016.
Pois bem.
A caracterização da especialidade por exposição a agentes biológicos não se dá unicamente pelo local de prestação do trabalho (hospital, por exemplo). Exige-se que as atribuições do segurado envolvam contato com pacientes ou materiais não previamente esterilizados. Nesse contexto, não basta a indicação de potencial exposição a agentes biológicos sem demonstrar que a exposição era inerente ao trabalho desempenhado.
O trabalho em ambiente hospitalar, por exemplo, enseja o enquadramento como especial no caso de trabalhadores que mantenham contato habitual com pacientes portadores de doenças contagiosas e agentes biológicos, como é o caso dos profissionais da saúde (médicos, enfermeiros). Esse, todavia, não é o caso daqueles que realizam apenas atividades administrativas em hospital, sem manter contato habitual com pacientes em tratamento.
Saliento que o Anexo 14 da NR-15 da Portaria MTb 3.214/78 (Agentes Biológicos), ao dispor sobre as atividades insalubres em grau máximo, refere os trabalhos ou as operações que se dão em contato permanente com: pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados; carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pêlos e dejeções de animais portadores de doenças infectocontagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose); esgotos (galerias e tanques); e lixo urbano (coleta e industrialização).
No caso, as atividades desempenhadas pela autora na condição de farmacêutica, ou seja, fora de ambiente hospitalar, não a expõem necessariamente a agentes biológicos nos moldes previstos nos decretos regulamentadores da matéria.
Ademais, a atividade fim é alcançar medicamentos aos clientes e, ainda que eventualmente também tivesse por atribuição aplicar injeções e fazer curativos, essa não é a sua função principal. Portanto, não há contato direto e habitual com pessoas portadores de doenças infecto-contagiosas ou material contaminado.
Em casos semelhantes, precedentes deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. ATENDENTE DE FARMÁCIA. AGENTES BIOLÓGICOS. DIREITO NÃO CONFIGURADO. PEDIDO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO PROVIDA. . A atividade de balconista de farmácia não pode ser considerada especial, porque não envolve contato direto e habitual com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas ou material contaminado, pois sua atividade fim é alcançar remédios aos clientes. Precedentes deste Tribunal. . Apelação provida, para julgar improcedente a ação. Inversão da sucumbência. (TRF4, AC 5000909-80.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 17/02/2022)
PREVIDENCIÁRIO. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AVERBAÇÃO DE TEMPO ESPECIAL. BALCONISTA E VENDEDOR DE FARMÁCIA. AGENTES BIOLÓGICOS. EXPOSIÇÃO OCASIONAL E INTERMITENTE. ESPECIALIDADE AFASTADA 1. A sentença que contém fundamentos suficientes para esclarecer por quais motivos o julgador decidiu a causa, demonstrando a sua convicção, não é nula por ausência de fundamentação. 2. A atividade de oficial de farmácia provisionado, ou de farmacêutico prático licenciado, desempenhada para fins de comércio de produtos farmacêuticos a varejo não se confunde com o exercício da profissão de farmacêutico bioquímico ou toxicologista. Precedentes. (...) (apelação civil 2003.71.00.029399-9; Relator Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 23/102007). 3. A atividade de balconista de farmácia não pode ser considerada especial pela simples alegação de que havia contato com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas, pois a atividade-fim desse profissional é alcançar remédios aos clientes. Precedentes. (...) (TRF4 5001214-75.2013.4.04.7003, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 05/09/2017). 4. A atividade de responsável técnica farmacêutica desenvolvida pela autora em estabelecimento comercial de venda de medicamentos não permite o seu enquadramento por categoria profissional. Com efeito, a atividade de farmacêutico licenciado, desempenhada para fins de comércio de produtos farmacêuticos a varejo não se confunde com o exercício da profissão de farmacêutico bioquímico ou toxicologista, enquadrável como especial de acordo com o Código 2.1.3 do Quadro Anexo II do Decreto nº 83.080/79. (Apelação Civil 5010096-97.2016.4.04.7107,. Relator Des. João Batista Pinto Silveira; 04/09/2019). (TRF4, AC 5004102-14.2018.4.04.7012, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/08/2021)
PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO TEMPO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. Não é possível o enquadramento, como nocivo, do labor prestado pela parte autora se não configura exposição a agentes biológicos, na forma exigida pela legislação previdenciária. A atividade de atendente de farmácia, ainda que ocorra a aplicação de injetáveis, não se caracteriza como insalubre, salvo se comprovado que atuava como toxicologista ou bioquímico. (TRF4, AC 5015819-78.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 11/10/2021)
Conclusão: deve ser mantida a sentença de improcedência.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios, fixados na sentença nos percentuais mínimos previstos nos incisos do §3º do artigo 85 do CPC sobre o valor atualizado da causa, em 50% sobre o valor apurado em cada faixa, de modo que, sobre a primeira faixa, são majorados de 10% para 15%, e assim proporcionalmente se a liquidação apurar valores sobre as faixas mais elevadas, considerando o artigo 85, § 2º, incisos I a IV, e §11, do CPC. Contudo, resta mantida a suspensão da exigibilidade da verba em razão da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da autora: improvido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
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Apelação Cível Nº 5002785-08.2018.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIA DE FATIMA DE SOUZA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. concessão. aposentadoria por tempo de contribuição. tempo especial. farmacêutica/atendente de farmácia. enquadramento por agentes biológicos. direito não configurado. sentença de improcedência mantida. sucumbência recursal.
. A atividade de balconista de farmácia não pode ser considerada especial, porque não envolve contato direto e habitual com pessoas portadoras de doenças infecto-contagiosas ou material contaminado, pois sua atividade fim é alcançar remédios aos clientes. Precedentes deste Tribunal.
. Honorários advocatícios majorados em razão da sucumbência recursal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 02 de agosto de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 26/07/2022 A 02/08/2022
Apelação Cível Nº 5002785-08.2018.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: MARIA DE FATIMA DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: VALDELICE DE LOURDES PALMIERI (OAB PR035671)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/07/2022, às 00:00, a 02/08/2022, às 16:00, na sequência 501, disponibilizada no DE de 15/07/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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