
Apelação Cível Nº 5000983-62.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: SADI PAULO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 07/04/2020 (e.6.1), que declarou prescrita a pretensão de concessão do benefício por incapacidade indeferido há mais de cinco anos contados do ajuizamento da ação e, liminarmente, julgou improcedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 332, §1º, c/c o art. 487, II, do CPC.
Nas razões recursais, o autor sustenta, em síntese, que, no que toca aos benefícios previdenciários, a prescrição não atinge o direito ao benefício em si, mas apenas o direito à percepção das prestações não requeridas dentro de determinado interregno (cinco anos). Em razão disso, pede seja afastada a prescrição decretada em sentença, com a determinação de retorno dos autos para a análise acerca da possibilidade da concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (e.12.1).
Com as contrarrazões (e.16.1), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A sentença foi proferida nos seguintes termos (e.6.1):
"A parte-autora pretende a concessão de auxílio-doença e/ou aposentadoria por invalidez (NB 604.870.939-4, DER 27.01.2014).
Observo, contudo, que o e. STJ sedimentou, recentemente, o entendimento de que prescreve a pretensão de revisão do ato de indeferimento ou de cancelamento do benefício, após transcorrido o quinquênio de que trata o art. 1º do Decreto n.º 20.910/32. Veja-se, a propósito:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. DIREITO NEGADO PELA ADMINISTRAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO APÓS CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. SÚMULA N. 85/STJ.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
II - A parte recorrente objetiva, no recurso especial, que o benefício retroaja aos requerimentos administrativos anteriores cessados pela autarquia previdenciária em 38.2.2002, 11.7.2005, 15.11.2006 e em 30.4.2007, o que não é possível.
III - Isso porque, conforme entendimento jurisprudencial desta Corte, entende-se que a revisão do ato administrativo que indeferiu o auxílio-doença está sujeita à prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32. No caso dos autos, a presente ação foi ajuizada, em 14.5.2013, após o decurso do prazo prescricional de cinco anos a contar do quarto requerimento administrativo, formulado em 30.4.2007, o que torna inviável a retroação do benefício a essa data e aos requerimentos anteriores. Precedentes: REsp n.
1.756.827/PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 11/12/2018, DJe 17/12/2018; e AgInt no REsp n. 1.744.640/PB, Rel.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe 19/12/2018.
IV - Recurso especial improvido.
(REsp 1764665/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO NEGADO PELA ADMINISTRAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE AÇÃO APÓS CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO.
1. A parte autora teve o pagamento de seu benefício previdenciário suspenso em 25/10/2007. Somente em 20/11/2014, mais de 5 anos depois, decide ingressar na Justiça para reivindicá-lo. Contudo, a prescrição em relação ao pedido de concessão formulado, no caso sob exame, ocorreu em 25/10/2012.
2. A jurisprudência desta Segunda Turma tem feito, porém, uma diferenciação. Quando se trata de restabelecimento de auxílio-doença cessado pelo INSS, e, decorridos mais de cinco anos da negativa, pela cessação do referido benefício, ocorre a prescrição do direito de ação de obter o restabelecimento daquele específico benefício, sem prejuízo, todavia, de que o segurado possa formular novo pedido de benefício. Embora o direito material à concessão inicial do benefício seja imprescritível, na medida em que representa direito fundamental indisponível, o direito processual de ação, cujo objetivo é reverter o ato administrativo que suspendeu o benefício, estará sujeito à prescrição do art. 1º do Decreto 20.910/32, surgindo o direito de ação ou a actio nata com a suspensão, no caso, do auxílio-doença (REsp 1.725.293/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25.5.2018). Na mesma linha, cito as seguintes decisões: REsp 1.682.130/PB, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 29.6.2018; AREsp 1.230.663/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 3.4.2018; EDcl no AREsp 1.186.680/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.3.2018; REsp 1.536.501/PB, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 29.5.2017; e STF, ARE 1.093.474/RN, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 28.11.2017.
3. Verifica-se, portanto, a ocorrência da prescrição em relação ao pedido de concessão do benefício, porquanto decorridos mais de 5 (cinco) anos do fato gerador da indigitada obrigação de pagar, de modo a atingir o próprio fundo de direito, nos termos do contido no caput do art. 103, da Lei 8.213/1991, c/c art. 1º, do Decreto 20.910/1932, art. 2º, do Decreto-Lei 4.597/1942.
4. Entretanto, fica ressalvada a possibilidade de a autora pleitear novo benefício de auxílio-doença, que é benefício previdenciário de duração certa e renovável a cada oportunidade em que o segurado dele necessite. Nesse panorama, havendo os pressupostos exigidos, nada impedirá o segurado de formular novo pedido, na via administrativa.
5. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1744640/PB, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 19/12/2018)
Precedente recente do e. TRF da 4ª Região adota o mesmo entendimento:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTABELECIMENTO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO. VALOR DA CAUSA. COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. 1. Prescreve em cinco anos a pretensão de restabelecimento de benefício por incapacidade, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/1932. 2. Para fins de atribuição do valor da causa, devem ser consideradas as parcelas vencidas a contar do último requerimento administrativo, o qual não restou atingido pela prescrição. 3. Consequentemente, em sendo o somatório das parcelas vencidas e das 12 parcelas vincendas inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, impõe-se o processamento do feito perante o Juizado Especial Federal, considerando sua competência absoluta. (TRF4, AG 5040207-40.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 19/02/2020)
Assim, declaro prescrita a pretensão de restabelecimento/concessão do benefício cessado/indeferido há mais de cinco anos contados do ajuizamento da ação, e LIMINARMENTE, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do art. 332, §1º, c/c o art. 487, II, do CPC."
Nas razões de apelação, o autor alega que não incide, in casu, a prescrição do fundo do direito ou a decadência, mas apenas a prescrição das prestações não requeridas dentro do prazo de cinco anos.
Merece acolhida a insurgência.
O art. 1º do Decreto n. 20.910/32 assim dispõe:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Em se tratando de benefício previdenciário de prestação continuada, a prescrição não atinge o fundo do direito, mas somente os créditos relativos às parcelas vencidas há mais de 5 (cinco) anos, contados da data do ajuizamento da ação, consoante iterativa jurisprudência.
Este é o entendimento registrado na súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 85: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.
A prescrição quinquenal das prestações vencidas não reclamadas, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, historicamente sempre vigorou em ordenamento jurídico próprio, estando prevista atualmente no art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.
Dessarte, não sendo hipótese de revisão de benefício previdenciário já concedido, mas de pedido de concessão de benefício que restou indeferido ou extinto na seara administrativa, não incide a regra de decadência do art. 103, caput, da Lei 8.213/91, nos termos do decidido pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 626.489, em 16-10-2013.
Reporto-me à decisão proferida pela Terceira Seção desta Corte, na sessão de 05-12-2013, por ocasião dos Embargos Infringentes n.º 5004349-85.2010.404.7105/RS, de relatoria do Des. Federal Celso Kipper, no sentido de que, em se tratando de indeferimento do benefício, não há falar em decadência ou prescrição de fundo de direito. O referido acórdão está assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO INDEFERIDO NA VIA ADMINISTRATIVA. DECADÊNCIA. ART. 103, CAPUT, DA LEI 8.213/91. INEXISTÊNCIA.
"Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário". (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 626.489, julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 16-10-2013). (Embargos Infringentes n.º 5004349-85.2010.404.7105/RS, 3ª Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. em 05-12-2013).
Portanto, o fato de o autor ter ajuizado a presente demanda em 24/03/2020 objetivando a concessão de benefício por incapacidade desde 27/01/2014 apenas refletirá nos efeitos financeiros da eventual condenação, a qual será afetada pela incidência do prazo prescricional.
Registro, por oportuno, que, ao recente acórdão deste TRF - destacado na sentença -, foram opostos embargos de declaração, os quais restaram providos, com efeitos infringentes, resultando na seguinte ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. SÚMULA 85 STJ. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. AFASTAMENTO. VALOR DA CAUSA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL COMUM. EFEITOS INFRINGENTES. 1. Verificada a ocorrência de omissão no julgado, no tocante ao disposto na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, impõe-se seja suprida a lacuna. 2. Os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar, razão pela qual não se admite a tese de prescrição do fundo de direito. 3. Consequentemente, devem ser computadas, para fins de valor da causa, as parcelas vencidas desde o primeiro requerimento administrativo. 4. Considerando que o cômputo dessas parcelas com as doze prestações vincendas resulta em montante superior a 60 salários mínimos no momento do ajuizamento da ação, a competência para o julgamento da ação é do Juízo Federal Comum, e não do Juizado Especial Federal. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para o fim de dar provimento ao agravo de instrumento interposto pela parte autora. (TRF4, AG 5040207-40.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 02/07/2020) (negritei)
Este entendimento está na linha sinalizada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal:
“RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 626.489, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 23.09.2014).
De outro lado, ressalto que, com o advento da Medida Provisória n. 871, de 18-01-2019, convertida na Lei n. 13.846, de 18/06/2019, a redação do art. 103 da Lei n. 8.213/91 foi alterada, passando a constar:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
No entanto, as referidas Medida Provisória n. 871 e Lei n. 13.846 foram objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6096, a qual restou julgada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos: "O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei nº 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Roberto Barroso e Luiz Fux (Presidente), que julgavam improcedente o pedido. Plenário, Sessão Virtual de 2.10.2020 a 9.10.2020".
No que toca à hipótese dos presentes autos, qual seja, de revisão do ato de indeferimento de benefício, o voto do Relator da ADI 6096, Ministro Edson Fachin, assim consignou:
"(...)
Em acréscimo ao prazo de decadência previsto pela redação prévia do art. 103 da Lei 8.213/1991 para revisão do ato concessório, a modificação do dispositivo pela MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, estendeu sua aplicação ao ato administrativo de indeferimento, cancelamento e cessação de benefício previdenciário, nestes termos:
“Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.”
Nessa acepção, tendo em vista que atingida pelo prazo decadencial a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício (em última análise, o exercício do direito à sua obtenção), noto que nas hipóteses é alcançado pela decadência o próprio fundo do direito fundamental à previdência social, em afronta ao art. 6º da Constituição da República e à jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal.
A decisão administrativa que indefere o pedido de concessão ou que cancela ou cessa o benefício dantes concedido nega o benefício em si considerado, de forma que, inviabilizada a rediscussão da negativa pela parte beneficiária ou segurada, repercute também sobre o direito material à concessão do benefício a decadência ampliada pelo dispositivo.
Ao contrário do que expõem o i. Presidente da República e a douta Advocacia-Geral da União, a possibilidade de formalização de um outro requerimento administrativo para sua concessão, não assegura, em toda e qualquer hipótese, o fundo do direito, porque, modificadas no tempo as condições fáticas que constituem requisito legal para a concessão do benefício, pode, em termos definitivos, ser inviabilizado o direito de tê-lo concedido.
É nesse sentido a interpretação doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio Savaris, colacionada abaixo:
“Poder-se-ia objetar à alegação de inconstitucionalidade que, sem embargo do transcurso do interregno decadencial, o fundo do direito não seria fulminado, visto que o segurado poderia renovar pedido de concessão do mesmo benefício. Desse modo, segue o raciocínio, apenas o direito às parcelas mensais que derivariam do direito afetado pelo indeferimento é que seria extinto pela decadência.
De fato, aparentemente, seria possível conciliar o entendimento da Suprema Corte, de não extinção do fundo do direito pelo transcurso do tempo, com uma tal compreensão sobre os limites do alcance da nova regra decadencial.
Ocorre que a argumentação não se presta a salvar a “nova decadência” do vício de inconstitucionalidade, porque um novo requerimento administrativo de concessão não asseguraria, para todo e qualquer caso, o recebimento do benefício, em face das alterações das condições de fato que constituem requisitos legais para a sua concessão.
Isso fica ainda mais claro no caso dos atos de cessação ou cancelamento de benefício previdenciário, dado que o restabelecimento do benefício seria inviabilizado, em qualquer hipótese, em termos definitivos.”
(SAVARIS, José Antônio. Inconstitucionalidade da decadência previdenciária da MP 871/2019. Alteridade, 2019. Disponível em: https://www.alteridade.com.br/artigo-inconstitucionalidade-da-alteração-do-art-103-da-lei-8-213-91-mp-871-2019/)
Ora, com o fim de afastar a hipótese de que eventual perda da qualidade de segurado sirva de óbice à concessão do benefício negado ou à obtenção de novo benefício, deve ser garantida à parte beneficiária ou segurada a revisão do ato administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação anterior.
A título de exemplificação, não questionada a negativa da aposentaria por idade ou por tempo de contribuição no decorrer do prazo decadencial, em face da perda da qualidade de segurado, pode a concessão da pensão por morte aos dependentes do beneficiário necessitar da revisão da negativa para reconhecimento, tanto da qualidade de segurado ao tempo do pedido de concessão quanto do direito adquirido ao benefício.
Além disso, ainda que mantida a qualidade de segurado, a concessão de novo benefício pode depender, para fins de satisfação do período de carência, da revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, porquanto a reconsideração fática da negativa serve ao cômputo do lapso temporal em que se deveria estar em gozo de benefício.
O entendimento jurisprudencial prevalecente é no sentido de que o período de recebimento do benefício por incapacidade, intercalado com períodos de contribuição, pode ser computado para efeito de carência. Nesse sentido, veja-se o teor da Súmula 73 editada pela TNU:
“ O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social.”
Dessa forma, não questionada a negativa da concessão do benefício por incapacidade, pode a concessão de novo benefício, a exemplo da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, demandar a revisão da negativa para reconsideração fática de que havia incapacidade à época do pedido e, devida sua concessão, para cômputo do período em que se deveria estar em gozo do benefício como tempo de carência.
Portanto, assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício implicaria comprometer o exercício do direito à sua obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua fruição futura e a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do trabalhador e de sua família.
Com efeito, o direito à previdência social é direito fundamental, expressamente previsto pelo art. 6º da Constituição da República, que, fundado no direito à vida, na solidariedade, na cidadania e nos valores sociais do trabalho e consubstanciado nos objetivos da República em construir uma sociedade livre, justa e solidária, em erradicar a pobreza e a marginalização e em reduzir as desigualdades sociais e regionais, caracteriza-se como instrumento assegurador da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
A propósito, confira-se trecho da lição doutrinária do i. Juiz Federal José Antônio Savaris quanto ao tema:
“Um bem jurídico previdenciário corresponde à ideia de uma prestação indispensável à manutenção do indivíduo que a persegue em juízo. Essa primeira noção é reconhecidamente basilar, mas extremamente importante: uma prestação previdenciária tem natureza alimentar; destina-se a prover recursos de subsistência digna para os beneficiários da previdência social que se encontrem nas contingências sociais definidas em lei; destina-se a suprir as necessidades primárias, vitais e presumivelmente urgentes do segurado e às de sua família , tais como alimentação, saúde, higiene, vestuário, transporte, moradia etc. O que está em jogo em uma ação previdenciária são valores sine qua non para a sobrevivência de modo decente. É o direito de não depender da misericórdia ou auxílio de outrem.
O direito à previdência social é um direito humano fundamental. Não é vão lembrar que a proteção previdenciária corresponde a um direito intimamente ligado às noções de mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. Ao referir a existência de normas de proteção social em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, é curial reconhecer que nada obstante à diversidade de nações e de culturas, a preocupação com os estados de necessidade é ínsita à percepção de que a humanidade é o valor dos valores. A seguridade social, enquanto meio de tutela da vida humana em situações de risco de subsistência, é um instrumento de salvaguarda deste valor de singular importância.
(...)
A expressão da dignidade humana não será aperfeiçoada sem um esquema de proteção social que propicie ao indivíduo a segurança de que, na hipótese de cessação da fonte primária de sua subsistência, contará com proteção social adequada.
Quando discutimos em juízo o direito a um benefício previdenciário, não é demais recordar, estamos em face de uma sensível questão: o autor alega fazer jus a direito de elevada magnitude. Dizer-lhe que não detém o direito invocado é recusar-lhe o gozo de direito fundamental aos meios de subsistência em situação de adversidade. E esse direito não perde tal natureza ainda que as causas se multipliquem ou ainda que a máquina judiciária se encontre congestionada. O sofrimento humano não pode ser banalizado.
O direito à proteção previdenciária é, com efeito, um direito constitucional fundamental. Sua fundamentalidade não decorre apenas de uma determinação topológica, pelo fato – importante, reconheça-se – de a previdência social estar expressa na Constituição da República como um direito social inscrito no título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (CF/88, art. 6º).
Em uma estrutura assentada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III) e com objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3º, I), de erradicação da pobreza e a marginalização, e de redução das desigualdades sociais e regionais (CF/88, art. 3º, III), parece lógico que um sistema de proteção social seja uma peça necessária. Pretende-se dizer com isso que não apenas a partir de uma perspectiva individual, senão igualmente a partir de uma perspectiva institucional, isto é, dos objetivos primeiros a que nossos arranjos institucionais devem necessariamente confluir, faz-se indispensável um sistema de seguridade social e, mais especificamente, um sistema previdenciário adequado. Aliás, emprestar consideração social ao trabalho (CF/88, art. 1º, IV) é entregar ao trabalhador recompensa em termos sociais, a devolutiva dos reflexos sociais de seu trabalho. Os efeitos constitucionais de bem-estar e justiça sociais passam por esse caminho (CF/88, art. 193).”
(SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário – 7. ed. – Curitiba: Alteridade Editora, 2018, pp. 56-57, grifei)
À vista disso, consoante consignado pelo i. Relator Ministro Roberto Barroso quando da apreciação do processo supratranscrito, o núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário.
Entendo que este Supremo Tribunal Federal admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito.
No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção.
Em outras palavras: na medida em que modificadas as condições fáticas que constituem requisito legal quando da entrada de um novo requerimento administrativo para a concessão do benefício negado ou de novo benefício que possa depender da reconsideração fática da negativa, a revisão do ato administrativo que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício é mecanismo de acesso ao direito à sua obtenção, motivo pelo qual o prazo decadencial, ao fulminar a pretensão de revisar a negativa, compromete o núcleo essencial do próprio fundo do direito
Nesse sentido, como bem assinalou o i. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, da leitura da Exposição de Motivos da MP 871/2019, conclui-se que a medida, em objeção à compreensão jurisprudencial estabelecida em acepção diversa da qual se pretende conferir à norma contestada, teve por finalidade estender a incidência do instituto a toda decisão administrativa relativa ao pedido de benefício do Regime Geral da Previdência Social, de forma a restabelecer, em menor grau, o entendimento previamente fixado na Súmula 64 da TNU, revogada quando da edição da Súmula 81 da TNU com fundamento em decisões emitidas pelo Superior Tribunal de Justiça e no assentado por esta Corte ao tempo do julgamento do RE 626.489/SE. A propósito, confira-se:
“Inconformado com a interpretação conferida pelo Poder Judiciário ao enunciado normativo em análise, a MP nº 871/19, decidiu ampliar os contornos do instituto da decadência. Conforme o revelado pelo item 24 da exposição de motivos da MP nº 871/2019: “Com objetivo similar, propõe-se definir o prazo de decadência de decisões do INSS em dez anos. Há decisões judiciais reiteradas no sentido de que apenas haveria prazo decadencial para os benefícios deferidos, permitindo a rediscussão de processos administrativos de indeferimento do pedido ou cancelamento do benefício mesmo após o prazo fixado. O objetivo é deixar claro que há prazo de decadência para qualquer decisão administrativa referente a pedidos de benefícios previdenciários do RGPS. ” De fato, a nova redação do dispositivo em análise abrange o indeferimento, cessação, cancelamento ou revisão de benefício. Em síntese, o que se pretende – com menor amplitude, pois os benefícios assistenciais não estão abrangidos – é a ressurreição da Súmula nº 64 da TNU. ”
(Rocha, Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 17. ed. - São Paulo: Atlas, 2019.)
Com efeito, na clássica lição do professor Agnelo Amorim Filho, as ações declaratórias não se submetem aos institutos da prescrição e da decadência, haja vista que não pretende o autor obter bem da vida assegurado pela lei, mas tão somente a certeza jurídica da existência de determinada relação jurídica ou da autenticidade de um determinado documento (e, portanto, não consiste a ação em meio de reclamar uma prestação, tampouco em meio de exercício do direito à criação, modificação ou extinção de um estado jurídico). Confira-se:
“Conceituando as ações declaratórias e, simultaneamente, distinguindo-as das condenatórias e das constitutivas, diz CHIOVENDA:
O autor que requer uma sentença declaratória não pretende conseguir atualmente um bem da vida que lhe seja garantido por vontade da lei, seja que o bem consista numa prestação do obrigado, seja que consista na modificação do estado jurídico atual; quer, tão-somente, saber que seu direito existe ou quer excluir que exista o direito do adversário; pleiteia no processo a certeza jurídica e nada mais. (Instituições, 1/302 e 303).
(...)
A "certeza jurídica" surge, assim, como efeito, não apenas imediato, mas também único, das ações e sentenças declaratórias, e é precisamente o que acentua CHIOVENDA quando afirma que a sentença declaratória "... não ensarta (sic) outro efeito que o de fazer cessar a incerteza do direito..." (op. cit., 1º vol., pág. 286).
(...)
Por conseguinte, pode-se dizer que as sentenças declaratórias não dão, não tiram, não proíbem, não permitem, não extinguem e nem modificam nada. Em resumo: não impõem prestações, nem sujeições, nem alteram, por qualquer forma, o mundo jurídico. Por força de uma sentença declaratória, no mundo jurídico nada entra, nada se altera, e dele nada sai. As sentenças desta natureza, pura e simplesmente, proclamam a "certeza” a respeito do que já existe, ou não existe, no mundo jurídico. É exatamente o principio consagrado no nosso Código de Processo Civil quando trata de tais ações: "O interesse do autor poderá limitar-se à declaração da existência, ou inexistência de relação jurídica ou à declaração da autenticidade ou falsidade de documento" (art. 3º).
Fixado o conceito, pergunta-se: as ações declaratórias estão ligadas à prescrição ou à decadência? Parece-nos que nem a uma coisa nem a outra, conforme se passa a demonstrar.
(…)
Ora, as ações declaratórias nem são meios de reclamar uma prestação, nem são, tampouco, meios de exercício de quaisquer direitos (criação, modificação ou extinção de um estado jurídico). Quando se propõe uma ação declaratória, o que se tem em vista, exclusivamente, é a obtenção da "certeza jurídica", isto é, a proclamação judicial da existência ou inexistência de determinada relação jurídica, ou da falsidade ou autenticidade de um documento. Daí é fácil concluir que o conceito de ação declaratória é visceralmente inconciliável com os institutos da prescrição e da decadência: as ações desta espécie não estão, e nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais. Realmente, como já vimos, o objetivo da prescrição é liberar o sujeito passivo de uma prestação, e o da decadência, o de liberá-lo da possibilidade de sofrer uma sujeição. Ora, se as ações declaratórias não têm o efeito de realizar uma prestação, nem tampouco o de criar um estado de sujeição, como ligar essas ações a qualquer dos dois institutos em análise? Se o único efeito de tais ações é a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de um documento, qual a finalidade da fixação de um prazo para o seu exercício? E quais seriam as conseqüências do decurso do prazo sem propositura da ação? A relação inexistente passaria a existir? E a existente deixaria de existir? O documento falso passaria a autêntico? E o autêntico passaria a falso? Mesmo admitindo-se, para argumentar, a possibilidade de conseqüências tão absurdas, a ação não seria, nestes casos, declaratória, e sim constitutiva.”
(Amorim Flho, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São Paulo: RT, out. 1961)
Ora, o dispositivo impugnado, ao estender a incidência do prazo decadencial ao direito ou à ação da parte segurada ou beneficiária em face de qualquer decisão administrativa negativa que tenha por objeto a concessão do pedido relativo a pedido de benefício previdenciário, obstaculiza a entrada de ação revisional para confirmação da certeza jurídica quanto ao direito ou à pretensão da parte beneficiária ou segurada no decorrer do lapso temporal que o prazo atinge.
Enfatiza-se que, nesse caso, não tem a ação o fim de realizar o direito, quer dizer, não tem o fim de criar ou restaurar um estado de sujeição ou o de realizar uma prestação, a exemplo da consecução retroativa de parcelas devidas ao autor ao tempo em que deveria estar em gozo de benefício, mas o de reconhecer a certeza jurídica relativa às condições fáticas da parte beneficiária ou segurada ao tempo do pedido, por exemplo.
Portanto, não obstante a declaração judicial em sentido diverso ao da relação jurídica firmada, os efeitos jurídicos dela decorrentes mantêm-se incólumes no decurso do lapso decadencial e prescricional, revelando sua natureza declaratória.
Entender diversamente e assentir a extinção do direito ou da ação para revisão de ato administrativo de indeferimento, cancelamento ou cessação, implica instituir prazo decadencial ou prescricional para a ação declaratória, que, como sublinhado pelo i. Professor Agnelo Amorim Filho, tem natureza imprescritível:
“Para ficar ainda mais acentuada a incompatibilidade entre as ações declaratórias e os institutos da prescrição e da decadência, basta atentar para o seguinte: Diz CHIOVENDA que as sentenças declaratórias podem ter por objeto qualquer direito, inclusive de natureza potestativa (Instituições, 1/331; e Ensayos de Dere,cho Procesal Civil, pág. 127). Dai pode-se concluir que os direitos, objeto das ações declaratórias, são, também, objeto de uma das outras duas categorias de ações (condenatórias ou constitutivas), e tal conclusão dá origem a mais um argumento favorável ao ponto de vista que sustentamos. Realmente, desde que as situações jurídicas que se colocam no campo de atuação das ações declaratórias já são tuteladas por um dos outros dois tipos de ações cuja finalidade precípua é a realização do direito (condenatórias ou constitutivas) e se estas, por sua vez, já se encontram ligadas a um prazo extintivo (prescricional ou decadencial), seria absurdo admitir outro prazo de igual natureza para a ação declaratória que tivesse por objetivo a mesma situação jurídica. Se se entender de outra forma, qual dos dois prazos deve prevalecer? O da ação declaratória ou o outro? Levando em consideração o ponto assinalado, acentuam CHIOVENDA (Ensayos de Derecho Procesal Civil, 1/129 da trad. cast.) e FERRARA (A Simulação dos Negócios Jurídicos, pág. 458 da trad. port.), que quando a ação condenatória está prescrita, não é razão para se considerar também prescrita a correspondente ação declaratória, e sim para se considerar que falta o interesse de ação para a declaração da certeza.
E se se levar em conta que a prescrição e a decadência têm uma finalidade comum, que é a paz social, ainda ficará mais evidenciada a desnecessidade de se fixar prazo para as ações declaratórias, pois, não produzindo elas (e as respectivas sentenças), como de fato não produzem, qualquer modificação no mundo jurídico (mas apenas a proclamação da certeza jurídica), seu exercício, ou falta de exercício, não afetam, direta ou indiretamente, a paz social.
Além do mais, se se quisesse fixar um prazo extintivo para as ações declaratórias, de que natureza seria este prazo? Prescricional ou decadencial? O legislador que pretendesse fazer uma escolha se depararia com um obstáculo intransponível: como as ações declaratórias não têm por finalidade a restauração, nem tampouco o exercício de direitos, elas não podem ser atreladas nem ao instituto da prescrição nem ao da decadência.
Diante de tudo isso, a conclusão que se impõe é a seguinte: as ações declaratórias devem ser classificadas como ações imprescritíveis. E é esta, realmente, a classificação dada pela maioria dos doutrinadores. Entre muitos outros: CHIOVENDA (Instituições, 1/62; Ensayos, 1/32); PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Privado, vol. 6º, págs. 129, 130 e 285) e FERRARA (Da Simulação dos Negócios Jurídicos, pág. 458).”
(Amorim Flho, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, vol. 300. São Paulo: RT, out. 1961)
Ainda que se reconhecesse, para argumentar, que tem a ação natureza constitutiva, porque do reconhecimento da relação jurídica se pretende que decorram efeitos, o prazo decadencial, em ambas as hipóteses, implica impossibilidade de reconhecer condições fáticas que podem ser necessárias à concessão futura de benefício previdenciário e, assim, implica impossibilidade de requerer benefício a que se teria direito acaso não indevidamente indeferido o requerimento.
O prazo decadencial pode até fulminar a pretensão ao recebimento retroativo de parcelas previdenciárias ou à revisão de sua graduação pecuniária, mas jamais cercear integralmente o acesso e a fruição futura do benefício, motivo pelo qual, como acima já sustentado, o art. 103 da Lei 13.846/2019, por fulminar a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, compromete o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6º da Constituição da República.
Do exposto, voto no sentido de conhecer parcialmente a ação direta e, na parte remanescente, pela procedência em parte do pedido, declarando a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991."
Assim sendo, merece acolhida a pretensão do apelante, para que seja anulada a sentença e determinado o regular prosseguimento do processo.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora, para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do processo.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002083799v30 e do código CRC f079e7e3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 23/11/2020, às 17:28:28
Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2020 04:00:59.

Apelação Cível Nº 5000983-62.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: SADI PAULO DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. concessão de benefício por incapacidade. prescrição do fundo do direito afastada. declaração de inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019, no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/91. sentença anulada para o regular prosseguimento do processo.
1. Este tribunal, na linha demarcada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, entende que, no processo previdenciário, o fundo de direito é imprescritível. "O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário" (RE 626.489, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 23.09.2014).
2. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei n. 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/1991 (ADI 6096) para estender o prazo decenal de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício previdenciário, consoante o voto judicioso do Ministro Fachin, reconheceu que "assentir que o prazo de decadência alcance a pretensão deduzida em face da decisão que indeferiu, cancelou ou cessou o benefício implicaria comprometer o exercício do direito à sua obtenção e, neste caso, cercear definitivamente sua fruição futura e a provisão de recursos materiais indispensáveis à subsistência digna do trabalhador e de sua família".
3. Anulada, in casu, a sentença e determinado o regular prosseguimento do processo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do processo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002083800v10 e do código CRC 66978fe4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 21/11/2020, às 10:15:46
Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2020 04:00:59.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/11/2020 A 17/11/2020
Apelação Cível Nº 5000983-62.2020.4.04.7210/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: SADI PAULO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: GABRIEL BALBINOT (OAB SC039165)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/11/2020, às 00:00, a 17/11/2020, às 16:00, na sequência 385, disponibilizada no DE de 28/10/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/12/2020 04:00:59.