Apelação Cível Nº 5031495-71.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ARLETE DA SILVA PEDRO
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada por Maria Arlete da Silva Pedro, em face do INSS, reivindicando a pensão por morte do Sr. Valmor Manoel João Pedro, falecido em 01-08-2017. Julgada procedente a ação, recorre o INSS alegando que não restou comprovada a união estável entre a autora e o de cujus, de modo que seria indevido o benefício. Postula, em caso de manutenção da sentença, pela aplicação integral da Lei 11.960/09 para fins de correção dos atrasados.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.
A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).
Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)
No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.
1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.
2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.
4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).
Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.
Da Pensão por Morte
A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a ocorrência do evento morte, a condição de dependente de quem objetiva a pensão e a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.
Além disso, conforme o disposto no art. 26, I, da Lei nº 8.213/1991, referido benefício independe de carência, regendo-se pela legislação vigente à época do falecimento.
O evento óbito está evidenciado pela certidão do evento 02, OUT4, datando o falecimento de 01-08-2017.
A requerente faz prova da condição de segurado do instuidor da pensão, porquanto o mesmo era aposentado por invalidez desde 2012 (ev. 2, OUTR7).
Passo a enfrentar o ponto controvertido, o qual diz respeito à existência de união estável.
Relativamente à união estável, o Título III, Da União Estável, do Código Civl, assim disciplina o instituto:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.(grifei).
A fim de comprovar a existência da união estável, a autora juntou nos autos do processo administrativo a certidão de habilitação para casamento, datada de 12-07-2017 (ev.2 - OUT5), na qual consta que ambos os requerentes moravam no mesmo endereço. Sinale-se que a autora foi casada com o de cujus de 17-03-1967 a 24-02-2017, sendo que as testemunhas foram uníssonas ao informar que o casal se separou por curto período de tempo (quando do divórcio) mas que retomou o vínculo conjugal pouco tempo depois, mantendo a união estável até a data do óbito do segurado.
Colhida a prova testemunhal, o magistrado que proferiu a sentença entendeu que a hipótese retrata verdadeira união estável, nas seguintes linhas:
Acerca disso, a prova dos autos desponta no sentido de que efetivamente houve a relação de companheirismo entre a demandante e o segurado.
Os documentos que acompanharam a inicial denotam que a autora e Valmor foram casados por quase 50 anos em 17/03/1967, tendo se divorciado em 24/02/2017 (fl. 19). Além disso, as certidões de fls. 12 e 14 demonstram que logo após o divórcio do casal, as partes resolveram contrair novas núpcias, a qual estava agendada para o dia 03/08/2017, contudo Valmor acabou por vir a óbito dois dias antes, em 01/08/2017 (fl. 11).
Aliado a isso, a prova oral judicializada, por seu turno, esclarece satisfatoriamente que o casal permaneceu por um curtíssimo período de tempo afastado tendo, logo após o divórcio, retomado a vida conjugal, o que é corroborado pela prova prova documental, que evidencia que o casal estava tomando as medidas necessárias para regularizar a situação conjugal, com a contração de novas núpcias.
Nesse sentido, verifico que a testemunha Afonso dos Santos alegou que conhece a autora faz aproximadamente 10 anos, já que eram vizinhos próximos. Afirmou conhecer tanto a autora quanto seu marido, Valmor, da igreja, sendo que à época já eram casados e vivam sempre juntos. Disse que havia um comentário que estariam separados, mas que nunca viu. Argumentou, ademais, que foi ao enterro de Valmor e que a autora estava lá, não sabendo se este estaria doente, pois tudo ocorreu de repente. Por fim, arguiu que o Sr. Valmor cantava nas igrejas de vez enquanto, às vezes no domingo e às vezes em dias de semana. (conforme mídia de fl. 127).
Por sua vez, a testemunha Manoel Figueredo, ao ser ouvido em Juízo, explicou que era amigo do esposo da autora e que o conhecia faz uns 35 anos; eram amigos de infância, sendo que faz 2 anos que voltaram a ter contato porque frequentavam a igreja e se encontravam nas programações. Disse não saber se o Sr. Valmor estava doente. Afirmou que ele lhe relatou por telefone que tinha se separado e que se arrependeu muito e queria casar novamente. Afirmou, por fim, que frequentava a igreja do bairro Vila Lourdes e ele aquela do bairro Ouro Negro, e que nesta sua esposa o acompanhava ao local. (conforme mídia de fl.127).
Já Valdir dos Santos, inquirido na qualidade de testemunha, também argumentou que a autora era casada com o Sr. Valmor e que morava perto deles. Afirmou que a igreja que eles frequentavam era na mesma vila em que residia, sendo que ano passado via eles indo para a igreja antes de ele morrer. Afirmou não ter conhecimento se ele estava doente. Ainda, explicitou que soube pelos filhos do Sr. Valmor que este e a autora chegaram a se separar por poucos dias, mas que continuaram residindo na mesma casa. Frisou, por fim, que ambos são conhecidos na região e que no período em que o Sr. Valmor morreu eles estariam juntos. (conforme mídia de fl. 127).
Portanto, diante da prova material, devidamente corroborada por prova testemunhal, que sendo uníssina e clara, leva à convicção quanto à existência de união estável entre a segurada e o falecido retomada logo após o divórcio e mantida até a data do óbito.
Bem examinados os autos, entendo que deve prevalecer a solução adotada na origem, não prosperando a insurgência do apelante diante da comprovação da existência de união estável, motivo pelo qual deve ser mantida, na íntegra, a sentença.
Correção monetária e juros moratórios
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, em 03-10-2019, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, até 29-06-2009 devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987, aplicável, analogicamente, aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte. A partir de 30-06-2009, por força da Lei n. 11.960, de 29-06-2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5031495-71.2018.4.04.9999/SC
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APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ARLETE DA SILVA PEDRO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. QUALIDADE DE DEPENDENTE COMPROVADA. PROVA TESTEMUNHAL ESCLARECE CONDIÇÃO DE COMPANHEIRA DA AUTORA.
1. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte.
2. Prova material suficiente, devidamente corroborada por prova testemunhal, que sendo uníssina e clara, leva à convicção quanto à existência de união estável entre a segurada e o falecido.
3. Direito reconhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 09 de março de 2020.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001608249v3 e do código CRC 4b3870fd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 02/03/2020 A 09/03/2020
Apelação Cível Nº 5031495-71.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA ARLETE DA SILVA PEDRO
ADVOGADO: THIAGO MANFREDINI ZANETTE (OAB SC028751)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 02/03/2020, às 00:00, a 09/03/2020, às 14:00, na sequência 670, disponibilizada no DE de 18/02/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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