Apelação Cível Nº 5002509-24.2016.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
APELANTE: MARIA BORGES MOTTA (Curador) (AUTOR)
APELANTE: JOSE POLYCARPO BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
VOTO-VISTA
Cuida-se de ação movida por José Polycarpo Borges, representado por sua curadora, com o objetivo de concessão do benefício previdenciário de pensão por morte em razão do falecimento de seu genitor, pretensão que restou indeferida no âmbito administrativo sob o fundamento de ausência de qualidade de dependente do autor em relação ao segurado instituidor.
Da sentença de improcedência apelou o demandante, reiterando os termos da inicial. Iniciado o julgamento, o eminente Relator manifestou-se pelo desprovimento do recurso, tendo dissentido, na mesma assentada, o preclaro Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz.
Pedi vista para melhor examinar a controvérsia sub judice e, após fazê-lo, rogando vênia ao Desembargador Federal Jorge Antonio Maurique, concluo por acompanhar a divergência.
A justificativa do ente autárquico para o indeferimento da prestação previdenciária, deveras, não se sustenta. A orientação pretoriana encontra-se sufragada no sentido de que o filho inválido faz jus à pensão por morte, independentemente do momento em que ocorreu a maioridade, sendo imprescindível tão somente que a incapacidade seja anterior ao óbito (STJ, AgInt no REsp n. 1689723, 1ª Turma, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe 05-12-2017).
Note-se, a propósito, que a circunstância de o autor receber aposentadoria por invalidez desde 10-09-1961 (ev. 1, PROCADM8, fl. 17) evidencia, inquestionavelmente, tratar-se de filho inválido quando do óbito do genitor, ocorrido em 07-02-1990 (ev. 1, PROCADM8, fl. 8). Ademais, o laudo da perícia médica realizada em Juízo foi conclusivo quanto ao litigante apresentar, em decorrência de tramatismo craniano ocasionado por ferimento com projétil de arma de fogo no ano de 1955, hemiplegia esquerda e afasia estando restrito a cadeira de rodas e necessitando de terceiros para a realização de suas tarefas básicas de higiene e alimentação (ev. 116, LAUDO1). Também o especialista que o examinou na ação de interdição foi expresso ao indicar ser ele portador de lesão auditiva e deficiência mental decorrentes do referido infortúnio (ev. 1, OUT10, fls. 8-9).
Superado o óbice reconhecido pela autarquia, prosseguindo no enfrentamento da questão pertinente à qualidade de dependente, é cediço que a legislação de regência não estabelece presunção absoluta de dependência econômica do filho maior de idade inválido, mas, sim, relativa, razão pela qual pode ser elidida por provas em sentido contrário. Esta é a inteligência do § 4º do artigo 16 da Lei 8.213/1991.
Pois bem, na tentativa de desincumbir-se desse mister, alega o réu (tese, inclusive, encampada pelo magistrado sentenciante) que o fato de o autor encontrar-se aposentado por invalidez desde antes do óbito de seu pai afastaria a dependência econômica alegada. Todavia, a jurisprudência orienta-se no sentido de que, ainda que o filho inválido tenha rendimentos, como no caso dos autos, em que o autor é beneficiário de aposentadoria por invalidez, esta circunstância não exclui automaticamente o direito à pensão, uma vez que o art. 124 da Lei nº 8213-91 não veda a percepção simultânea de pensão e aposentadoria por invalidez. Além disso, a dependência comporta conceito amplo, muito além daquele vinculado ao critério meramente econômico. (TRF4, AC n. 5025006-29.2016.4.04.7108, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal Artur César de Souza, julg. 18-07-2018). Nesta exata linha de intelecção, tenho reserva a sustentar que a só circunstância de recebimento de aposentadoria por invalidez constitui óbice à concessão da pensão por morte.
Na espécie, em que pese o autor receba benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, evidencia-se a insuficiência desta quantia para a sua manutenção, considerando-se que morava com o pai e é portador de comorbidades que o tornam totalmente dependente da ajuda de terceiros para os atos da via diária desde a trágica ocorrência de que foi vítima na década de 1950 (ev. 1, FOTO13, fls. 1-7). Veja-se, demais disso, que os gastos mensais demonstrados com fraldas, alimentação especial, remédios e transporte (ev. 15, PROCADM1, fls. 20-23) superam significativamente - em aproximadamente 65% - o montante da prestação previdenciária que lhe foi deferida, de tal sorte que os dispêndios para seu sustento não poderiam ser suportados, apenas, com o benefício por invalidez de que é titular.
Ainda que as aposentadorias tanto do instituidor quanto de seu dependente fossem de valor mínimo, restou nitidamente caracterizada, por assim dizer, uma espécie de mútua dependência, de tal modo que os rendimentos auferidos por ambos, pela modicidade e dimensão dos dispêndios, mostravam-se imprescindíveis à mantença do lar e da vida em família, somando-se na busca da digna subsistência.
Outrossim, as testemunhas Almira Pereira de Souza, José Arcenio de Souza e Osair Trombim (ev. 73, 74 e 75), ao serem ouvidas em Juízo, confirmaram, ainda que sem riqueza de detalhes, o relevante auxílio prestado em vida pelo genitor, bastante para a outorga do pensionamento.
Portanto, em resumo, os elementos trazidos aos autos permitem concluir não apenas que a invalidez é prévia ao óbito do pai, mas também que não foram apresentados quaisquer elementos capazes de elidir a presunção legal de dependência econômica, sendo de rigor a concessão da pensão por morte, desde a data do óbito.
Ademais, vale consignar que, embora a sentença tenha sido proferida após a edição da Lei n. 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - que considera como relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, nos termos do artigo 4º, III, do Código Civil, de forma que contra eles passa a correr o prazo prescricional estabelecido no artigo 198, I, do referido diploma -, na hipótese dos autos, em se tratando a parte autora de pessoa portadora de deficiência mental, não há prescrição alguma a ser declarada, na esteira do entendimento desta Turma Julgadora:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. INCAPAZ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO INCIDÊNCIA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INTERPRETAÇÃO.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente(incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Embora a redação do art. 3º do Código Civil tenha sido alterada pela Lei 13.146/2015 ("Estatuto da Pessoa com Deficiência"), para definir como absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil apenas os menores de 16 anos, e o inciso I do art. 198 do Código Civil disponha que a prescrição não corre contra os incapazes de que trata o art. 3º, a vulnerabilidade do indivíduo portador de deficiência psíquica ou intelectual não pode jamais ser desconsiderada pelo ordenamento jurídico, ou seja, o Direito não pode fechar os olhos à falta de determinação de alguns indivíduos e tratá-los como se tivessem plena capacidade de interagir em sociedade em condições de igualdade. Assim, uma interpretação constitucional do texto do Estatuto deve colocar a salvo de qualquer prejudicialidade o portador de deficiência psíquica ou intelectual que, de fato, não disponha de discernimento, sob pena de ferir de morte o pressuposto de igualdade nele previsto, dando o mesmo tratamento para os desiguais.
3. Sob pena de inconstitucionalidade, o "Estatuto da Pessoa com Deficiência" deve ser lido sistemicamente enquanto norma protetiva. As pessoas com deficiência que tem discernimento para a prática de atos da vida civil não devem mais ser tratados como incapazes, estando, inclusive, aptos para ingressar no mercado de trabalho, casar etc. Os portadores de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil persistem sendo considerados incapazes, sobretudo no que concerne à manutenção e indisponibilidade (imprescritibilidade) dos seus direitos.
4. In casu, tendo restado comprovado que a parte autora não possui discernimento para a prática dos atos da vida civil, deve ser rigorosamente protegida pelo ordenamento jurídico, não podendo ser prejudicada pela fluência de prazo prescricional ou decadencial.
5. Preenchidos os requisitos legais, faz jus a parte autora à concessão do benefício assistencial desde a data do requerimento administrativo. (TRF4, AC n. 5002546-30.2016.4.04.7211, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, julg. 03-10-2018).
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação imediata do benefício.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000724049v5 e do código CRC a7dc8370.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002509-24.2016.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
APELANTE: JOSE POLYCARPO BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
APELANTE: MARIA BORGES MOTTA (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE GENITOR. FILHo INVÁLIDo. INCAPACIDADE PREEXISTENTE AO ÓBITO. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. O filho inválido atende aos requisitos necessários à condição de dependência econômica para fins previdenciários, nos termos do art. 16, inc. I, da Lei de Benefícios, mesmo que a invalidez seja posterior ao advento dos 21 anos de idade, desde que tal condição seja preexistente ao óbito do instituidor da pensão. Precedentes.
3. In casu, tendo restado comprovado que a parte autora estava inválida na época do falecimento do genitor, faz jus à concessão do benefício de pensão por morte desde a data do óbito, uma vez que o autor é absolutamente incapaz.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o relator e o Desembargador Márcio Antonio Rocha, dar provimento à apelação e determinar a implantação imediata do benefício. Participaram do julgamento, na forma do art. 942 do NCPC, o Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA acompanhando a divergência e o Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA acompanhando o Relator, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 07 de novembro de 2018.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000774478v4 e do código CRC e0d410bc.Informações adicionais da assinatura:
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Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:59:35.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/10/2018
Apelação Cível Nº 5002509-24.2016.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JOSE POLYCARPO BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
APELANTE: MARIA BORGES MOTTA (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/10/2018, na sequência 77, disponibilizada no DE de 28/09/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto do Desembargador Federal CELSO KIPPER no sentido de dar provimento à apelação e determinar a implantação imediata do benefício, o julgamento foi sobrestado nos termos do art. 942 do CPC/2015, ficando as partes desde já intimadas, inclusive para o fim de eventual pedido de sustentação oral, do seu prosseguimento na sessão de 07/11/2018.
VOTANTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:59:35.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/11/2018
Apelação Cível Nº 5002509-24.2016.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
SUSTENTAÇÃO ORAL: MARLON ANDRE ABATTI por JOSE POLYCARPO BORGES
APELANTE: JOSE POLYCARPO BORGES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º, II e III CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
APELANTE: MARIA BORGES MOTTA (Curador) (AUTOR)
ADVOGADO: MARLON ANDRE ABATTI
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS AS RATIFICAÇÕES DE VOTO PROFERIDOS ORIGINALMENTE A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR E O DESEMBARGADOR MÁRCIO ANTONIO ROCHA, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO. PARTICIPARAM DO JULGAMENTO, NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC, O DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO QUADROS DA SILVA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA E O DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO ANTONIO ROCHA ACOMPANHANDO O RELATOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 19:59:35.