Apelação/Remessa Necessária Nº 5009537-41.2014.4.04.7001/PR
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LOURDES GARIGNAN VERGILIO FERMINO |
ADVOGADO | : | PAULO ANCHIETA DA SILVA |
: | LEANDRO BENFATTI PEREIRA |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE GENITOR. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão.
2. Preenchidos os requisitos legais, faz jus a parte autora à pensão por morte do genitor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e determinar a implantação imediata do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de outubro de 2016.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8608128v4 e, se solicitado, do código CRC 9A84C6A5. | |
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| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 19/10/2016 13:55 |
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009537-41.2014.4.04.7001/PR
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LOURDES GARIGNAN VERGILIO FERMINO |
ADVOGADO | : | PAULO ANCHIETA DA SILVA |
: | LEANDRO BENFATTI PEREIRA |
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa oficial e apelação interposta pelo INSS em face de sentença (09/03/2016) que julgou parcialmente procedente ação objetivando a concessão do benefício de pensão por morte.
Sustenta, em síntese, que não restou comprovada a qualidade de segurado do indígena falecido. Alega, ainda, que o benefício não deve ser pago desde a data de nascimento da autora (06/03/1998), mas deve ser observada a sua habilitação tardia, sendo devida a pensão apenas a partir da DER (26/03/2014). Por fim, pede a observância dos critérios da Lei 11.960/2009 na atualização das diferenças apuradas.
Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da remessa oficial
Conheço da remessa necessária, visto que sua dispensa apenas tem lugar quando a sentença líquida veicular condenação não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (STJ, Súmula nº 490, EREsp nº 600.596, Corte Especial, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 23/11/2009).
Saliente-se, por oportuno, que não incide o limite de 1.000 (mil) salários mínimos previsto no art. 496, § 3º, inciso I, do NCPC, porquanto a r. sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de PENSÃO POR MORTE, prevista no art. 74 da Lei nº 8.213/91, a qual depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte, (b) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus e (c) a condição de dependente de quem objetiva o benefício, os quais passam a ser examinados a seguir.
Exame do caso concreto
Na hipótese sub judice, restou demonstrado que o óbito de FRANCISCO VETEN FERMINIO ocorreu em 08/07/1997, consoante registro administrativo de óbito de índio feito pela FUNAI e anexado ao evento 1 (certobt6).
A qualidade de dependente da autora LOURDES GARIGNÃN VERGÍLIO FERMINO, como filha do de cujus (nascida em 06/03/1998), restou demonstrada pelo registro administrativo de nascimento de índio feito pela FUNAI e anexado no evento 1 (certnasc4), sendo que a dependência econômica dos filhos menores de 21 anos de idade é presumida por força de lei (art. 16, § 4º, da Lei 8.213/91).
A controvérsia restringe-se, pois, à comprovação da qualidade de segurado especial de Francisco, tendo em vista que, na petição inicial, a autora alega que o falecido era trabalhador rural indígena residente na Reserva Indígena Apucaraninha, no município de Tamarana/PR.
Na esfera administrativa, o benefício de pensão por morte requerido em 26/03/2014 foi indeferido "em virtude de ausência de prova contemporânea de filiação do mesmo à Previdência Social na época do óbito, conforme Lei 8.213/1991. Também indefere-se o presente requerimento em virtude de falta de documentos civis do 'de cujus'" (evento 1, indeferimento10).
Consoante é cediço, a caracterização do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei 8.213/91) fica condicionada à comprovação do exercício de atividade rural, sendo dispensável o recolhimento de contribuições.
Ademais, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporâneo do período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, em princípio, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Cabe salientar que, embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Na hipótese dos autos, para comprovar a condição de segurado especial do de cujus, a autora trouxe aos autos, como início de prova material, os seguintes documentos (evento 6):
a) Registro Administrativo de Óbito de Índio - RAOI do instituidor da pensão, Franscisco Veten Fermino, pertencente à tribo Kaingang, em 08/07/1997;
b) Registro Administrativo de Nascimento de Índio - RANI, que certifica o nascimento do instituidor da pensão, Fransciso Vetãn Fermino, na Terra Indígena Queimadas, município de Ortigueira/PR, em 08/03/1973);
c) Registro Administrativo de Nascimento de Índio - RANI, que certifica o nascimento da autora na Terra Indígena Apucaraninha, municío de Londrina, em 06/03/1998, filha de Franscisco Vetãn Fermino e Janete Serenjé;
d) ofício emitido pela Coordenadoria Técnica da FUNAI em Londrina, dando conta, entre outras informações, que a principal atividade desenvolvida pelo falecido Franscisco Vetan Fermino foi a lavoura de subsistência;
e) certidão de exercício de atividade rural, emitida pela Coordenação Técnica Local da Funai em Londrina, dando conta de que a atividade desenvolvida pelo autor era de "plantação de lavouras de subsistência" e que os produtos cultivados compreendiam "milho, arroz, feijão, mandioca para o sustento familiar".
De outro lado, na audiência realizada em 03/03/2015, foi tomado o depoimento pessoal da genitora da autora e ouvidas três testemunhas, as quais confirmaram que conheciam o falecido Francisco Vetãn Fermino e que ele convivia maritalmente com a genitora da autora, residia na Terra Indígena Apucaraninha (na aldeia-sede), trabalhava na lavoura de subsistência familiar, sem o auxílio de terceiros, e ostentava essa condição na época do falecimento. Asseveraram também que o falecido não desempenhou atividades fora da aldeia e que toda a produção era direcionada ao consumo próprio, sem comercialização do excedente.
Analisando o conjunto da prova produzida nos autos, verifico ter restado comprovado que o falecido Francisco exercia a atividade rural em regime de economia familiar até a data do seu falecimento.
Por oportuno, no que tange ao modo de organização dos grupos indígenas, transcrevo trecho da sentença:
"Vale rememorar que a Constituição Federal de 1988 reconhece o modo de organização tradicional dos grupos indígenas em seu art. 231, caput:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
As peculiaridades socioculturais dos integrantes do grupo indígena Kaingang, que extraem seu sustento a partir de práticas agrícolas de subsistência tradicionalmente situadas, devem ser tomadas em conta na análise dos preenchimentos dos requisitos legais para o gozo do benefício pretendido. Nesse sentido prevêem os arts. 14 e 55 da Lei 6.001/1973 (Estatuto do Índio):
Art. 14. Não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores,aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social.
Art. 55. O regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas.
Esse compromisso de promover medidas no sentido de assegurar os direitos conferidos aos membros dos povos indígenas foi assumido pelo Estado brasileiro ao firmar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que prevê o seguinte:
Artigo 2º
1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade.
2. Essa ação deverá incluir medidas:
a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população;
b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições;
c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as diferenças sócio-econômicas que possam existir entre os membros indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira compatível com suas aspirações e formas de vida.
De modo mais específico, prevê o art. 20 da referida Convenção:
Artigo 20
2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes ao povos interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a:
(...)
c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados do emprego, bem como a habitação;
(...)
3. As medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que:
a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusive os trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na agricultura ou em outras atividades, bem como os empregados por empreiteiros de mão-de-obra, gozem da proteção conferida pela legislação e a prática nacionais a outros trabalhadores dessas categorias nos mesmos setores, e sejam plenamente informados dos seus direitos de acordo com a legislação trabalhista e dos recursos de que dispõem;
Atenta a esses comandos normativos e à dificuldade na produção de provas materiais do desempenho da atividade rural, inerente à própria forma de organização dos grupos indígenas, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem assentado:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. INDÍGENA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. PERÍCIA CONCLUDENTE. CORREÇÃO MONETÁRIA ADEQUADA DE OFÍCIO. 1. A comprovação do exercício de atividade rural do segurado especial de etnia indígena é feita mediante certidão fornecida pela FUNAI, atestando a condição do índio como trabalhador rural. 2. É devida a aposentadoria por invalidez, a contar da data da perícia judicial, quando resta comprovado que a segurada se encontra definitivamente incapacitada para o trabalho.3. Com relação à correção monetária, não incide a Lei nº 11.960/2009 (correção equivalente à poupança) porque declarada inconstitucional (ADIs 4.357 e 4.425/STF), com efeitos erga omnes e ex tunc. (TRF4, REOAC 0003435-18.2014.404.9999, Sexta Turma, Relator Paulo Paim da Silva, D.E. 17/10/2014)
PREVIDENCIÁRIO SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENA. TRABALHADORA RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ART. 7º, XXXIII, DA CF DE 1988.1. Para fins previdenciários, os trabalhadores rurais indígenas recebem o mesmo tratamento conferido aos trabalhadores rurais boias-frias, devendo o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149 do STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 2. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, tem direito a autora à percepção do salário-maternidade. 3. Incabível a evocação da proibição do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988, para indeferir o pedido da autora, ante o caráter protetivo da norma. (TRF4, APELREEX 0015575-21.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 30/10/2013)
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNICIDADE RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDÍGENAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. REQUISITO ETÁRIO. IDADE MÍNIMA. DESCONSIDERAÇÃO. MULHERES INDÍGENAS. ETNIA KAINGANG. SEGURADAS ESPECIAIS. PROTEÇÃO SOCIAL CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MULHER INDÍGENA. DISCRIMINAÇÃO POR ETNIA, SEXO E IDADE. DISCRIMINAÇÃO MÚLTIPLA OU INTERSECCIONAL. DIREITOS CULTURAIS. DIVERSIDADE CULTURAL. DIREITO AO RECONHECIMENTO. DIREITO PROBATÓRIO. DISCRIMINAÇÃO INDIRETA. PODER JUDICIÁRIO. LEGISLADOR NEGATIVO. ATUAÇÃO CONCRETIZADORA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. APLICAÇÃO IMEDIATA. DIREITOS SOCIAIS DERIVADOS. PRESTAÇÃO SOCIAL POSITIVA. PROIBIÇÃO DO TRABALHO. MENORES DE DEZESSEIS ANOS. NORMA PROTETIVA. TRATAMENTO DIFERENCIADO. POSSIBILIDADE. (...) 4. A Constituição da República reconhece "aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam" (art. 231). O Estatuto do Índio prevê que "o regime geral da previdência social será extensivo aos índios, atendidas as condições sociais, econômicas e culturais das comunidades beneficiadas" (art. 55). 5. A Constituição de 1988, atenta às diferenças culturais presentes na sociedade brasileira, previu tratamento específico quanto às culturas e etnias indígenas. Toda a legislação infraconstitucional deve ser interpretada conforme o comando do artigo 231, que prevê verdadeiro direito ao reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições indígenas. 6. Inaplicabilidade ao caso do art. 11, VII, "c", da Lei n.º 8.213/1991, que estipula a idade de 16 anos, para o filho ou quem for a este equiparado, como segurado obrigatório da Previdência Social, porque não se trata de condição de segurada decorrente da qualidade de filha, mas sim de cônjuge ou companheira de segurado especial, uma vez que a mulher indígena em questão estabelece relação conjugal. 7. Mesmo no paradigma do Código Civil, direito legislativo próprio da cultura não-indígena, permite-se o casamento aquém dos 16 anos de idade, em caso de gravidez (CC, art. 1520). Se assim é em norma jurídica cuja aplicação divorciada da cultura indígena seria inadequada - e que poderia levar à condição de segurada, como cônjuge, abaixo dos 16 anos -, com muito mais razão diante do mandamento constitucional de respeito às diferenças culturais. 8. No plano dos fatos, a literatura especializada não deixa dúvida quanto à idade de casamento na cultura kaingang ser não só inferior aos 16 anos, como serem consideradas adultas e, portanto, aptas para casarem desde a menarca (que ocorre entre os 9 e 15 anos, acontecendo em média aos 12 anos; dentre os Kaingang, há registro científico de 13 anos como idade média. 9. Na cultura indígena em questão, como em geral nas culturas indígenas espalhadas pelo Brasil, por volta dos 12 anos surgem não somente a menarca, como também a vida adulta. Junto com a vida adulta, não há como não reconhecer, igualmente, a participação ativa e relevante destas indígenas nas atividades vitais para o desenvolvimento de sua comunidade, expressão que utilizo objetivando aproximar-me da categoria "trabalho", como entendida desde a modernidade. 10. Não bastasse a proibição constitucional de discriminação sexista quanto à compreensão do que seja trabalho, a proibição de discriminação étnica também incide, fazendo ver que as atividades desempenhadas por mulheres indígenas casadas e mães, independentemente de idade, são culturalmente relevantes e valorizadas na cultura kaingang. É preciso, portanto, evitar qualquer tentação colonialista de desprezar o trabalho indígena, sob pena de violação da proibição de discriminação por motivo étnico, bem como em face do artigo 231 da CF/88. 11. Assim, ficam superadas alegações quanto à falta de comprovação de trabalho ou, do "costume de trabalhar" (sic). Tal argumentação parece padecer, ainda que involuntariamente, das representações preconceituosas, decorrentes do etnocentrismo, em particular, quanto às atividades produtivas na cultura indígena, e, mais ainda, quando se entrecruzam etnia, sexo e idade. 12. Diante de fatos históricos, passados e presentes, bem como da organização social da cultura indígena, estamos diante de fato púbico e notório, que não pode se confundir somente com aquilo que é disseminado no senso comum e, mais grave ainda, no senso comum da cultura branca ocidental. A dificuldade probatória decorrente da chamada discriminação institucional indireta, vale dizer, de efeitos discriminatórios involuntários originados da dificuldade que a cultura dominante e os grupos privilegiados tem para perceber a sua posição de vantagem e a naturalização, como se neutra fosse, sua visão de mundo. 13. A jurisprudência, inclusive aquela do Supremo Tribunal Federal, assentou que não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à Constituição e à lei, no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho. O limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em prol do menor, vale dizer, norma protetiva do menor norteadora da legislação trabalhista e previdenciária. A mesma norma editada para proteger o menor não pode, no entanto, prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou. 14. Não se sustenta o argumento de que o Estatuto do Índio apenas estende aos índios o regime previdenciário em vigor, o que significaria tornar letra morta o art. 55. Fosse correta tal interpretação, bastaria ao Estatuto dizer que a Previdência Social deve abranger os índios, sem necessidade de atender suas condições sociais, econômicas e culturais. Este argumento não ultrapassa, ainda pelo menos duas ordens de razões. A primeira diz respeito mesmo à letra da lei, aplicada no contexto cultural em causa. A mulher indígena aqui não é filho nem menor a tanto equiparada. Ela é, no mínimo, cônjuge, quando não trabalhadora segurada especial. A segunda, a partir e mesmo além da letra da lei, pelo chamado "espírito da lei", no caso, a sua finalidade protetiva. 15. De outro lado, não se está a aplicar tratamento diferenciado com base em critérios não razoáveis. Pelo contrário, o critério de diferenciação é perfeitamente razoável, tendo em vista as peculiaridades da cultura indígena, em especial da etnia Kaingang, e está expressamente previsto em Lei (Estatuto do Índio). Trata-se de normativa, a propósito, que deve ser vista como especial, prevalecendo diante das disposições da Lei n.º 8.213/1991, que ignoram os costumes das comunidades indígenas. 16. É superável igualmente o argumento de que a permissão da concessão de benefício a menores de dezesseis anos equivale a política assistencialista, cuja atribuição é da FUNAI. Não se trata de política propriamente assistencialista, mas sim de conceder benefício previdenciário também a menores de dezesseis anos, assim como já é concedido às maiores, desde que satisfeitos os demais requisitos. 17. Também não se sustenta o argumento de que a flexibilização do limite etário incentivará o trabalho infantil e a gravidez precoce. A um, porque tais elementos já ocorrem há muito tempo, fazendo parte da cultura dos índios, havendo ou não cobertura previdenciária; a dois, porque não se concebe a impossibilidade de se conceder qualquer benefício previdenciário ao argumento de que poderá abstratamente incentivar alguém a preferir a situação de risco coberta pela Previdência. A possibilidade de recebimento de salário-maternidade de forma alguma incentivará a gravidez precoce e muito menos pode servir de argumento para flexibilizar o requisito etário. 18. Não se trata de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo. Primeiro, porque o artigo 231 da CF/88, que é norma de direito fundamental, a proteger liberdade e igualdade fundamentais aos povos indígenas, bem como a reconhecer sua dignidade, tem eficácia direta e imediata. Ainda que não se empreste tal eficácia direta e aplicabilidade imediata do direito de igualdade, estamos diante de direito fundamental derivado a não-ser discriminado no sistema previdenciário. Deste modo, o tribunal está agindo não como legislador positivo, não está inovando. Ele está aplicando a clássica proteção antidiscriminatória, de natureza negativa, ao dizer o que o legislador, no sistema que ele mesmo erigiu, não pode fazer: ele não pode excluir direito derivado à proteção social para uns e favorecer outros. Dito de outro modo: não há espaço para opção legislativa que viole o dever de observância à igualdade, seja diretamente, seja, como no caso, de direito derivado a prestação social. 19. Apelação e remessa necessária desprovidas, mantendo-se a sentença que determinou ao INSS que admita o ingresso no RGPS e se abstenha de indeferir benefício de salário-materinidade em razão do requisito etário para mulheres indígenas residentes em comunidades Kaingang abrangidas pela Subseção Judiciária de Passo Fundo/RS. (TRF4, APELREEX 5004029-67.2012.404.7104, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 25/11/2014)
De outro lado, no tocante à suposta ausência de documentos de identificação, a atuação do INSS carece de respaldo legal, uma vez que o RANI, encartado aos autos do processo administrativo, tem plena eficácia para efeito de concessão do benefício previdenciário. A conduta de negar fé a esse documento apresentado viola o disposto no art. 13 do Estatuto do Índio:
Art. 13. Haverálivros próprios, no órgão competente de assistência, para o registro administrativo denascimentos e óbitos dos índios, da cessação de sua incapacidade e dos casamentoscontraídos segundo os costumes tribais.
Parágrafoúnico. O registro administrativo constituirá, quando couber documento hábil para proceder ao registro civil do ato correspondente, admitido, na falta deste, como meiosubsidiário de prova.
Nesse sentido, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de ação civil pública:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE. REGISTRO CIVIL E ADMINISTRATIVO DE INDÍGENA. RANI. VALIDADE E EFICÁCIA PARA FINS DE HABILITAÇÃO A BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. A Defensoria Pública tem legitimidade para a defesa coletiva de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. (STF, ADI 3.943, Rel. Min. Cármen Lúcia), ainda que os beneficiários da ação não sejam exclusivamente pessoais hipossuficientes. O legislador brasileiro, no plano constitucional e infraconstitucional partiu do pressuposto de que tal instituição, assim como o Ministério Público, tem aptidão para defender os interesses da coletividade, sendo seu representante adequado, não sujeito portanto, salvo disposição legal expressa, ao controle de pertinência temática. Os nascimentos, óbitos e os casamentos civis dos índios serão registrados, a pedido do interessado ou da autoridade administrativa competente, de acordo com a legislação comum, atendidas as peculiaridades de sua condição quanto à qualificação do nome, prenome e filiação (art. 12 da Lei 6.001/73). Haverá, porém, livros próprios, no órgão competente de assistência - FUNAI - para o registro administrativo de tais eventos, segundo os costumes respectivos, que constituirá, quando houver interesse do indígena, documento hábil para que se proceda ao registro civil, sendo admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova (art. 13 da Lei 6.001/73). Não é lícito ao INSS, a pretexto de que o indígena não obteve Registro Civil, a recusa ao Registro Administrativo de Nascimento do Indígena - RANI como prova de sua condição, ao examinar os pressupostos para a obtenção de benefício previdenciário, como nascimento, casamento, idade, óbito, dependência, entre outros. Os direitos dos indígenas deverão ser preservados, promovidos e consagrados pelo Estado, nada justificando que sejam interpretados de forma restritiva, excludente, ou discriminatória.Assegurado o direito dos indígenas de fazer prova de sua condição civil por meio do RANI, cabendo ao Estado facilitar o respectivo registro civil. (TRF4, APELREEX 5044199-05.2012.404.7000, Quinta Turma, Rel. (auxílio Favreto) Taís Schilling Ferraz, D.E. 02/09/2015)"
Termo inicial
Tendo em vista que o óbito de Francisco ocorreu em 08/07/1997, que a autora nasceu em 06/03/1998 e que o requerimento administrativo da pensão deu-se em 26/03/2014, quando a autora contava 16 anos de idade, o marco inicial do benefício deve ser fixado na data do óbito, nos termos do art. 74, inciso I, da Lei 8.213/91, pois o requerimento administrativo ocorreu antes de decorridos 30 dias da data em que a autora completou 16 anos de idade, quando deixou de ser absolutamente incapaz.
Dos consectários
Correção Monetária e Juros
Não obstante a determinação do artigo 491 do NCPC no sentido de que "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso", tal deliberação resta inviabilizada, neste momento, em razão da pendência do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 pelo STF e dos recursos representativos de controvérsia (Resp 1495146/MG, 1495144/RS e 1492221/PR) pelo STJ (Tema 905).
Por conseguinte, ainda que o percentual de juros e o índice de correção monetária devam ser aqueles constantes da legislação em vigor em cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública (INSS), difere-se, excepcionalmente, para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária, no ponto, nos termos da deliberação proferida pelo STJ (EDcl no MS 14.741/DF , Rel. Ministro JORGE MUSSI, Terceira Seção, DJe 15/10/2014).
Honorários Advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC [A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada].
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Confirma-se a sentença que condenou o INSS a conceder o benefício de pensão por morte desde a data do nascimento da autora (06/03/1998).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e à remessa oficial e determinar a implantação imediata do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/10/2016
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009537-41.2014.4.04.7001/PR
ORIGEM: PR 50095374120144047001
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dra. Márcia Neves Pinto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | LOURDES GARIGNAN VERGILIO FERMINO |
ADVOGADO | : | PAULO ANCHIETA DA SILVA |
: | LEANDRO BENFATTI PEREIRA |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/10/2016, na seqüência 316, disponibilizada no DE de 27/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI | |
: | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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