Apelação Cível Nº 5001189-96.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ORIVAL LEMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: TEREZINHA APARECIDA LEMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença publicada em 22.02.2023 (evento 15), que acolheu o pedido, de modo a resolver o mérito com base no art. 487, I, do CPC, para condenar o INSS a pagar à parte autora, a título da Pensão por Morte nº 195.646.955-6, instituída por DIZOLINA SILVÉRIO LEMES, os valores referentes ao período de 02.09.2016 a 02.03.2021 e, a título da Pensão por Morte nº 186.151.253-5, instituída por JORESTAL LEMES, os numerários atinentes ao intervalo de 02.09.2016 a 04.04.2021, descontadas as parcelas recebidas pela parte autora em decorrência do Benefício de Prestação Continuada nº 548599160-9, por requisição de pagamento, com juros de mora e atualização monetária. O INSS foi condenado ao pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atualizado das parcelas vencidas até a publicação da sentença. O INSS é isento das custas processuais.
Em suas razões (evento 25), o INSS sustenta, em síntese, que, não requerida a pensão dentro de 30 dias após o óbito, o benefício deve ser pago a partir do requerimento administrativo, não se confundindo essa exigência com o afastar da prescrição em relação a incapazes. Afirma que deve o tutor suportar os prejuízos suportados pelo beneficiário, mas não o INSS, sendo indevidos quaisquer valores relativamente a período antecedente ao requerimento administrativo. Subsidiariamente, defende que a interdição não opera efeitos ex tunc. Ainda, sustenta que, com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência apenas os menores de 16 anos são absolutamente incapazes e que ao atingir 21 anos de idade o filho perde a qualidade de dependente previdenciário. Afirma não haver dependência econômica do filho maior inválido em relação aos pais quando já recebia aposentadoria por invalidez em razão de trabalho com renda própria ou benefício assistencial para manutenção de seu sustento, sendo pensão inacumulável com benefício assistencial. Pugna pela improcedência do pedido.
Com as contrarrazões (evento 28), subiram os autos a esta Corte para julgamento.
O MPF aviou parecer, opinando pelo desprovimento da apelação (evento 5, nesta instância).
É o relatório.
VOTO
Na presente ação, ORIVAL LEMES, civilmente incapaz representado por sua curadora, busca o recebimento dos valores referentes ao período de 02.09.2016 a 02.03.2021 a título da Pensão por Morte nº 195.646.955-6, instituída por sua genitora, e de 02.09.2016 a 04.04.2021, a título da Pensão por Morte nº 186.151.253-5, instituída por seu genitor, por padecer de paralisia cerebral infantil (CID-10 G 809) desde seu nascimento, em 24.07.1966. Teve interdição decretada em 2002.
Por estar a sentença recorrida em conformidade com a compreensão desta Relatoria, confirmo-a pelos seus próprios fundamentos, os quais transcrevo, adotando-os como razões de decidir, in verbis:
O benefício previdenciário de pensão por morte possui previsão constitucional no art. 201, V, da CF (na redação da EC n. 20/98), encontrando-se disciplinado pela Lei n. 8.213/91, notadamente em seus artigos 74 a 79, e regulamentado nos artigos 105 a 115 do Decreto n. 3.048/99.
Em síntese, a concessão da pensão por morte exige a presença de três requisitos: a) ser o falecido segurado da Previdência Social ou aposentado; se houve perda de qualidade de segurado, deverá ter havido o preenchimento dos requisitos para a obtenção da aposentadoria (art. 102, § 2º, da Lei n. 8.213/91); b) óbito do instituidor; e c) comprovar a parte autora a condição de dependente do falecido, nos termos do art. 16 da Lei n. 8.213/91.
Diz o art. 16 da Lei n. 8.213/91:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; [...]
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
No caso em análise, a qualidade de segurado de cada uma das pessoas falecidas é incontroversa, tanto que os benefícios foram concedidos. Como se observa nos processos administrativos, os instituidores, Dizolina Silvério Lemes (falecida em 02/09/2016) e Jorestal Lemes (falecido em 21/09/2006), recebiam, respectivamente, as Aposendarorias por Idade NB 115350953-6 (Dizolina) e NB 49211891-4 (Jorestal) (evento 1, PROCADM11-12).
Também o fato de o autor ser pessoa com deficiência grave desde o nascimento não é objeto de questionamento. Veja-se que ambas as perícias realizadas na via administrativa concluíram que a doença que acomete o autor (paralisia cerebral) e a incapacidade são congênitas, pois indicaram a data de seu nascimento (12/05/1972) como data de início da invalidez (evento 1, PROCADM11, p. 66, e PROCADM12, p. 25).
O ponto controvertido é questão de direito: saber se, tendo as pensões por morte sido requeridas em 03/03/2021 e 05/04/2021, época consideravelmente posterior à morte de Dizolina Silvério Lemes (falecida em 02/09/2016), os efeitos financeiros retroagem à data do óbito.
E a resposta é positiva. Em se tratando de pessoa com séria deficiência cognifiva, o benefício é devido desde a data do óbito, ainda que o requerimento tenha sido formulado depois do transcurso do prazo previsto no 74, I, da Lei n. 8.213/91.
Isso porque, tal como não é prejudicado pela fluência da prescrição a teor do art. 198, I, do Código Civil (numa interpretação extensiva), combinado com o art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91, a pessoa com deficiência intelectual (a exemplo do tratamento dispensado pela lei ao menor absolutamente incapaz) não pode ser penalizada pela inércia de seu representante legal em pleitear o benefício no prazo legalmente assinalado para o direito à retroação.
Nesse sentido, entre outros precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. PRESCRIÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O artigo 80 da Lei nº 8.213/1991 estabelece que o auxílio-reclusão é devido aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão. 2. No caso de absolutamente incapazes, não tem aplicação o disposto no artigo 74, inciso II, da Lei nº 8.213/1991, por não estarem sujeitos aos efeitos da prescrição, conforme disposto nos artigos 79 e 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991, e no artigo 198, inciso I, do Código Civil. Ademais, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal, não se pode admitir que o direito do menor seja prejudicado pela inércia de seu representante legal. 3. Constatada a sucumbência recíproca, os honorários advocatícios são devidos pela metade por cada uma das partes, observando-se a base de cálculo ("parcelas vencidas do benefício") e os "percentuais mínimos" referidos na sentença. (TRF4, AC 5004184-80.2020.4.04.7204, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 19/05/2022);
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. MENOR ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A regra que regula a concessão do auxílio-reclusão é a vigente na época do recolhimento do segurado à prisão. 2. Na vigência da Lei 8.213/91, antes da Emenda Constitucional nº 20, são requisitos à concessão do auxílio-reclusão: a) efetivo recolhimento à prisão; b) demonstração da qualidade de segurado do preso; c) condição de dependente de quem objetiva o benefício; d) prova de que o segurado não está recebendo remuneração de empresa ou de que está em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou abono de permanência em serviço. 3. Ao menor absolutamente incapaz, o entendimento é de que não se aplica o prazo previstos no art. 74 da Lei 8.213/91, considerando o art. 198, I, do Código Civil e arts. 79 e 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91. (TRF4, AC 5060083-21.2019.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 05/05/2022);
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. DEPENDENTE MENOR. DATA DE INÍCIO DE BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS. 1. Condições para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-reclusão são idênticas às estabelecidas para a pensão por morte, regendo-se pela lei vigente à época do recolhimento do segurado à prisão. 2. O termo inicial do benefício previdenciário de auxílio-reclusão, tratando-se de dependente absolutamente incapaz, deve ser fixado na data da prisão do segurado, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 da Lei n.º 8.213/91, instituído pela Lei n.º 9.528/97. 3. Consoante entendimento predominante nesta Corte, o absolutamente incapaz não pode ser prejudicado pela inércia de seu representante legal, até porque contra ele não corre prescrição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único da Lei de Benefícios. 4. (…) (TRF4, AC 5003599-20.2018.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 18/09/2020)
É certo que o Estatudo da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015) promoveu modificações no art. 3º Código Civil de forma a não mais considerar absolutamente incapaz quem é maior de idade. Foram suprimidas, como se sabe, as disposições do art. 3º no sentido de que aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tivessem o necessário discernimento para prática dos atos da vida civil (inciso II) e os que não pudessem exprimir sua vontade, mesmo por causa transitória (inciso III), eram absolutamente incapazes.
Essa alteração, contudo, sob pena de subversão à razoabilidade, à lógica, não pode vir em prejuízo àqueles que sabidamente merecem cuidados especiais e aos quais o novo regramento a rigor buscou conferir maior proteção, ao editar lei "destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania" (art. 1º da Lei n. 13.146/2015). Como bem observou o MPF, a Lei n. 13.146/2015 positivou determinação no sentido de que a pessoa com deficiência receba tratamento digno e como tal seja respeitada em sua vontade "com relação aos aspectos familiares, sociais, amorosos e de atividades laborativas". Busca-se preservar a autonomia da vontade de tais pessoas, suas peculiaridades, formas de perceber a vida e exercer os afetos, o que resulta em maior integração à sociedade e em melhor qualidade de vida. A alteração não veda, entrementes, que se levem a efeito as medidas necessárias à proteção material de tais pessoas, a que, por sua condição peculiar, não sejam prejudicadas em termos de patrimônio e negócios. Pelo contrário: os §§ 1º e 2º do art. 84 do Estatuto preveem, respectivamente, que quando necessário a pessoa com deficiência será submetida à curatela conforme a lei, afeta a atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial (art. 85), e que lhes é facultada a adoção de processo de tomada de decisão apoiada (regulada pelo art. 1.783-A, do Código Civil).
Diante dessa realidade, precedentes do Superior Tribunal de Justiça orientam no sentido de que a prescrição não deve ser aplicada às pessoas com deficiência nos casos em que elas não dispõem de discernimento para a tomada de iniciativa para exercer os próprios direitos, que a teor desses precedentes deve ser tido como pressuposto da fluência da prescrição. Constou da decisão monocrática por meio da qual o Ministro Benedito Gonçalves não conheceu do REsp n. 1866906/RS:
A Lei 13.146/2015, embora editada com o propósito de promover uma ampla inclusão das pessoas portadoras de deficiência, no caso da prescrição, acabou por prejudicar aqueles que busca proteger, rompendo com a própria lógica.
Ao deixar de reconhecer como absolutamente incapazes as pessoas portadoras de deficiência psíquica ou intelectual, o Estatuto pretendeu incluí- las na sociedade e não lhes restringir direitos.
A possibilidade de fluência da prescrição pressupõe discernimento para a tomada de iniciativa para exercer os próprios direitos, de forma que a melhor alternativa para solucionar a antinomia criada pela alteração legislativa é assegurar-se, por analogia, em situações como a presente, a regra reservada aos absolutamente incapazes, pelo art. 198, I, do Código Civil, ou seja: contra eles não corre a prescrição. Assim, a DIB da pensão se mantém na data do óbito e não há parcelas prescritas.
Depreende-se do acórdão que o julgador a quo ao afastar a prescrição das parcelas vencidas lastreou a sua convicção na legislação previdenciária vigente à data do óbito, ou seja, na Lei 8.213/91 e no Código Civil/2002. Assim, a Lei n. 13.146/2015, embora citada pelo julgador a quo não serviu como suporte para afastar a prescrição, portanto, verifica-se que a controvérsia não foi apreciada pela Corte de origem sob o viés pretendido pela recorrente. (Decisão proferida em 08/07/2020. Grifos não-originais)
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, decidiu, tratando especificamente do termo de início de pensão por morte devida a incapaz:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE PAI. FILHO MAIOR INVÁLIDO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA. TERMO INICIAL. PRESCRIÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APRESENTAÇÃO DE CÁLCULOS PELO INSS. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. 2. No caso de filho inválido, é irrelevante, como premissa para a concessão da prestação previdenciária, que a invalidez seja posterior à data de sua maioridade, desde que preexistente ao óbito do instituidor. 3. A retroação dos efeitos financeiros à data do óbito é justificada quando o incapaz não é favorecido pela percepção da pensão por parte de outro beneficiário. 4. Não corre o prazo prescricional contra aquele cuja incapacidade para todos os atos da vida civil foi decretada por sentença em ação de interdição, nos termos do art. 198 do Código Civil e art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213. 5. Honorários advocatícios majorados para o fim de adequação ao disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil. 6. Não é ônus do INSS a apresentação de liquidação de sentença, cabendo-lhe apenas, quando requisitado, apresentar os elementos para cálculos que estejam em seu poder. (TRF4, AC 5048910-68.2017.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 25/03/2022)
No mesmo sentido, mutatis mutandis:
REVISÃO. PENSÃO POR MORTE. HABILITAÇÃO TARDIA. RECEBIMENTO PELO MESMO NÚCLEO FAMILIAR. 1. A habilitação tardia do absolutamente incapaz não produz efeitos pretéritos quando outro dependente já recebeu a pensão por morte. 2. O recebimento do benefício integralmente pela genitora para manutenção do núcleo familiar afasta a possibilidade de percepção posterior pelo absolutamente incapaz. Situação que caracterizaria flagrante bis in idem para a administração pública e enriquecimento ilícito do beneficiário. Precedentes. (TRF4, AC 5000618-79.2018.4.04.7112, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 06/04/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR INVÁLIDO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. 1. Contra o absolutamente incapaz não corre prescrição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios. 2. A formalização tardia da inscrição de dependente absolutamente incapaz não impede a percepção dos valores que lhe são devidos desde a data do óbito. (TRF4, AC 5004403-61.2019.4.04.7129, QUINTA TURMA, Relator RODRIGO KOEHLER RIBEIRO, juntado aos autos em 14/02/2023)
Observe-se que os julgados da Corte Regional apenas ressalvam da retroação do benefício à data do óbito a hipótese em que o incapaz já foi favorecido em função do recebimento da pensão por outro beneficiário, vale dizer, nas situações em que outro dependente já recebeu o benefício e este reverteu em favor do incapaz.
No caso, a parte autora beneficiou-se da pensão instituída por seu pai, morto em 21/09/2006, no período em que ela era recebida por sua mãe, com quem, ao que tudo indica, convivia. Tal circunstância já foi, contudo, considerada na inicial, em que pleiteada a retroação de ambos os benefícios à dada do passamento da mãe do autor (02/09/2016).
No mais, no caso do inválido ou do portador de deficiência grave, vale destacar que a dependência econômica é presumida, a teor do art. 16, § 4º, da Lei. n. 8.213/91.
Evidentemente, a presunção é relativa, cabendo ao réu provar a inexistência da dependência econômica. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. DECADÊNCIA. FILHO MAIOR DE 21 ANOS INVÁLIDO. PROVA. PRESCRIÇÃO. 1. Afastada a preliminar de decadência suscitada, com base no art. 103, caput, da Lei n. 8.213/91, uma vez que o referido dispositivo prevê prazo extintivo de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão do benefício, inexistindo prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito 3. O parágrafo 4º do art. 16 da Lei 8.213/1991 estabelece uma presunção relativa de dependência econômica do filho maior, inválido ou portador de deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave, que pode ser elidida por prova em sentido contrário. Não se exige que a condição tenha se implementado após sua maioridade, sendo essencial apenas que ocorra antes do óbito do instituidor. 4. Comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais, a parte autora faz jus ao benefício de pensão por morte. 5. São atingidas pela prescrição as parcelas vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação, conforme nos termos da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 85, do Superior Tribunal de Justiça. (TRF4, AC 5014220-75.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 17/12/2020) (grifei)
Na situação em exame, não há elementos a infirmarem a presunção da dependência econômica, pois não ficou demonstrado nos autos -- e tal ônus cumpria ao INSS a teor do art. 373, II, do Código de Processo Civil -- que o autor goze de condição econômica privilegiada (como patrimônio elevado).
Por fim, justamente em função de não incidir prescrição em face de pessoa com deficiência intelectual, não se aplica ao caso a prescrição quinquenal prevista no parágrafo único do art. 103 da Lei n. 8.213/91.
Vale anotar, em arremate, que os dispositivos do Código Civil que impõem deveres aos tutores não alteram tal compreensão, que se pauta igualmente no Código Civil (o já mencionado 198, I), em preceitos constitucionais protetivos das pessoas com deficiência (como, por exemplo, o art. 7º, XXXI, o art. 37, VIII, e os arts. 203, IV, e 208, III) e, como bem pontuado na inicial, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto n. 6.949/2009). Esta, como se sabe, em virtude do estabelecido no § 3º do art. 5º da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional n. 45/2004 ("§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais"), foi incorporada ao direito brasileiro com status de emenda constitucional. Isso demonstra ter havido opção do legislador pela primazia da proteção dos direitos humanos, a referendar as interpretações que, sem se afastarem do razoável, sejam mais tendentes à sua implementação, como, salvo melhor juízo, é o caso da ora adotada.
Portanto, faz jus a parte autora à retroação, à data do óbito de sua mãe, dos efeitos financeiros de ambas as pensões por morte de que é beneficiário, de modo que o pedido comporta acolhimento.
Sendo a incapacidade congênita, não há como acolher as irresignações da autarquia, pois contra os absolutamente incapazes não há prescrição, não servindo o Estatuto da pessoa com deficiência de instrumento para supressão de direitos desses indivíduos vulneráveis.
Destaco, ainda, que a inacumulabilidade das pensões com o benefício assistencial já foi devidamente consignada em sentença, que destacou no dispositivo o período em que BPC foi pago. Portanto, não se conhece do recurso do INSS no tópico, por ausência de interesse.
Anoto, por fim, que o termo inicial do benefício encontra-se alinhado com a jurisprudência do STJ, pois a sentença o fixou na data do óbito da genitora, evitando-se a dupla condenação da autarquia em relação ao período em que o benefício devido pelo óbito do pai já fora pago ao grupo familiar. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. HABILITAÇÃO TARDIA. MENOR. EXISTÊNCIA DE BENEFICIÁRIO HABILITADO. EFEITOS FINANCEIROS. DATA DO REQUERIMENTO. PRECEDENTES.
1. Discute-se nos autos a percepção de parcelas atrasadas referentes à pensão por morte compreendida no período entre a data do óbito do instituidor e a efetiva implementação do benefício, no caso de habilitação tardia de menor.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento segundo o qual o termo inicial da pensão por morte, tratando-se de dependente absolutamente incapaz, deve ser fixado na data do óbito do segurado, mesmo em caso de habilitação tardia, não incidindo, portanto, o disposto no art. 76 da Lei 8.213/91.
3. Contudo, a Segunda Turma do STJ iniciou um realinhamento da jurisprudência do STJ no sentido de que o dependente incapaz que não pleiteia a pensão por morte no prazo de trinta dias a contar da data do óbito do segurado (art. 74 da Lei 8.213/91) não tem direito ao recebimento do referido benefício a partir da data do falecimento do instituidor, considerando que outros dependentes, integrantes do mesmo núcleo familiar, já recebiam o benefício, evitando-se a dupla condenação da autarquia previdenciária.
4. Precedentes: AgRg no REsp 1.523.326/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015; REsp 1.513.977/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/6/2015, DJe 5/8/2015.
Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.590.218/SP, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 2/6/2016, DJe de 8/6/2016.)
Desprovido o recurso do INSS, majoro a condenação em honorários sucumbenciais em 10% (artigo 85, § 11, do CPC), fixando-os definitivamente em 11% do valor da condenação, mantidas as demais disposições sentenciais no tópico.
Diante do exposto, voto por conhecer em parte da apelação e, nesse âmbito, negar-lhe provimento.
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Apelação Cível Nº 5001189-96.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ORIVAL LEMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: TEREZINHA APARECIDA LEMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE DE GENITORES. FILHO MAIOR INVÁLIDO. dependência econômica presumida. habilitação tardia.
1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. No caso de filho maior inválido, a dependência econômica em relação aos genitores é presumida, sem qualquer ressalva, por força do disposto no art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, cabendo ao INSS desconstituí-la.
2. No caso dos autos, tendo restado comprovado que a invalidez da parte autora é congênita e, portanto, preexistente ao óbito dos instituidores, faz jus a pensões por morte dos genitores. Havendo habilitação tardia, o termo inicial da pensão relativa ao pai é a data do óbito da mãe, evitando-se a dupla condenação da autarquia previdenciária. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, conhecer em parte da apelação e, nesse âmbito, negar-lhe provimento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de março de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/03/2024 A 12/03/2024
Apelação Cível Nº 5001189-96.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: ORIVAL LEMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO(A): ELTON STEINER BECKER (OAB SC016069)
ADVOGADO(A): DEIVID LOFFI BECKER (OAB SC028955)
REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: TEREZINHA APARECIDA LEMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/03/2024, às 00:00, a 12/03/2024, às 16:00, na sequência 182, disponibilizada no DE de 23/02/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER EM PARTE DA APELAÇÃO E, NESSE ÂMBITO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 21/03/2024 04:01:07.