Apelação Cível Nº 5002435-93.2023.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: CINEIDI MOREIRA DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 30-04-2024, na qual o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de auxílio-acidente, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, os quais restaram suspensos em razão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões, a parte autora alega, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, sob o argumento de que seu quadro de saúde não foi avaliado adequadamente pelo perito judicial, bem como em razão do indeferimento do pedido de complementação da perícia judicial.
No mérito, sustenta, em síntese, ter restado comprovada a redução permanente de sua capacidade laborativa, em decorrência do acidente de qualquer natureza sofrido no ano de 2003. Nesse passo, alega que a documentação médica evidencia a existência de redução da capacidade laboral.
Dessa forma, requer seja concedido o benefício de auxílio-acidente a contar da cessação do auxílio-doença (01-02-2004).
Alternativamente, postula seja anulada a sentença para que se determine a complementação do laudo pericial ou realização de nova perícia judicial.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
VOTO
Preliminar
Cabe ressaltar que a simples discordância com as conclusões periciais, sem haver específica razão para tanto, não é suficiente para justificar a realização de nova perícia técnica e/ou complementação do laudo pericial. Aliás, as respostas do perito judicial (como adiante se verá) foram claras e fundamentadas.
Ademais, o perito do juízo analisou toda a documentação apresentada, procedeu ao exame físico e elucidou as condições clínicas da parte autora.
Além disso, cumpre destacar que a pericia foi realizada por especialista em ortopedia e traumatologia, possuindo este aptidão para avaliar o quadro clínico da parte autora.
Considerando, então, que há nos autos elementos probatórios suficientes ao deslinde da questão, tem-se por desnecessária a produção de demais provas.
Mérito
A controvérsia cinge-se à possibilidade de concessão do benefício de auxílio-acidente.
O benefício de auxílio-acidente é devido ao filiado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas permanentes que impliquem a redução da capacidade de exercer a sua ocupação habitual.
Sua concessão está disciplinada no art. 86 da Lei nº 8.213/91, que assim dispõe:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
São quatro os requisitos necessários à sua concessão: a) a qualidade de segurado; b) a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza; c) a redução permanente da capacidade de trabalho; d) a demonstração do nexo de causalidade entre o acidente e a redução da capacidade.
Contemplada pelo inciso I do art. 26 da Lei de Benefícios, esta prestação independe de carência.
No caso concreto, a autora possui 53 anos e exercia a atividade de agricultora quando sofreu acidente de qualquer natureza no ano de 2003.
Resta, pois, averiguar a existência de sequelas - após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza - que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia a parte autora.
A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
Foi realizada perícia médica judicial, por especialista em ortopedia e traumatologia, em 15-02-2024 (evento 19).
Na ocasião, o perito judicial manifestou-se no sentido de que, embora a autora apresente bursite do ombro (CID M75.5), não houve qualquer redução de sua capacidade laborativa para a atividade habitual.
Nesse passo, percebe-se que não houve constatação de redução da capacidade laborativa pelo perito judicial:
Histórico/anamnese: Autor adentra consultório medico deambulando sem dificuldades.
Histórico de queda da própria altura em 2003, com trauma em ombro esquerdo.
Alega ter fraturado este ombro, mas não apresentou exames de imagem ou prontuário relacionado ao fato.
Traz radiografia de ombro esquerdo de 17/07/23 apontando redução de espaço subacromial
Apresenta atestado medico de 18/10/23 solicitando repouso por 120 dias CID M545 M75 G560
Tabagista. Hipertensão arterial em tratamento
Documentos médicos analisados: Todos juntados ao processo
Exame físico/do estado mental: Apresenta-se lúcida, atenta, coerente e orientada quanto ao tempo e espaço
Peso 73kg
Altura 1,75m
Destra
OMBRO ESQUERDO
- Ausência de cicatrizes
- Ombros simétricos
- Amplitude de movimentos preservada
- Força motora preservada
- Teste do supra negativo
Diagnóstico/CID:
- M75.5 - Bursite do ombro
Causa provável do diagnóstico (congênita, degenerativa, hereditária, adquirida, inerente à faixa etária, idiopática, acidentária, etc.): Multifatorial
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: - Lembro que toda a complexidade do Ato Médico Pericial ora realizado foi sintetizado nas conclusões descritas abaixo, que todos os elementos juntados ao Autos do Processo foram levados em consideração e que a Perícia Médica ora realizada é regida pelas prerrogativas e normas do CFM (Conselho Federal de Medicina), ABMLPM (Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas) e CPC.
- Como Médico Perito do Juízo, afirmo que a perícia ora realizada avaliou todos os documentos juntados ao processo. Dessa forma, no corpo do laudo pericial foram nominados ou descritos documentos médicos considerados relevantes por esse Perito para tecer suas conclusões, e se não foram nominados é porque estão devidamente juntados ao processo e são do conhecimento de todos os envolvidos no processo.
- Autora com histórico de um possível trauma em ombro esquerdo, sem documentação para comprovar nexo causal. Ao exame, apresenta amplitude de movimentos preservada no ombro esquerdo. Testes irritativos negativos para lesão no manguito rotador. Não há sinais de sequelas do tratamento realizado. Assim, não encontrei elementos para afirmar que há diminuição da capacidade laboral, tampouco dispêndio de maior esforço para a função descrita após a DCB em 31/01/2004
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
(...)
5 - A partir do conhecimento técnico do Perito, e observados os ditames da Resolução nº 2.183/2018 do CFM, diga o Perito Judicial se o Demandante apresenta 100% da capacidade laborativa? É possível afirmar que o(a) Periciando(a) não apresenta qualquer limitação funcional atualmente, se comparado com o desempenho da atividade de habitual em período anterior ao requerimento administrativo?
Não há limitações.
6 - Na hipótese de ter ocorrido acidente de qualquer natureza (mesmo que fora do ambiente de trabalho), diga se as sequelas do mesmo geraram algum tipo de limitação para as atividades laborativas habituais, ainda que se trate de limitação em grau mínimo? Descreva minuciosamente quais são as sequelas.
Não encontrei elementos que indiquem acidente.
7 - Em razão das patologias e sequelas descritas, pode o Sr. Perito afirmar se há necessidade de qualquer esforço maior para o exercício de sua atividade habitual?
Não há sequelas.
8 - Se positiva a resposta, quais são as dificuldades encontradas pelo(a) periciado(a) para continuar desempenhando suas funções habituais? Tais sequelas são permanentes, ou seja, não passíveis de cura?
Não se aplica.
9 - Houve alguma perda anatômica? A força muscular está mantida?
Não houve, e a força está preservada.
10 - A mobilidade das articulações está preservada?
Sim.
11- A sequela ou lesão porventura verificada se enquadra em alguma das situações discriminadas no Anexo III do Decreto 3.048/1999?
Não há sequelas.
12 - Face à sequela, ou doença, o(a) periciado(a) está: a) com sua capacidade laborativa reduzida, porém não impedindo de exercer a mesma atividade; b) impedido de exercer a mesma atividade, mas não para outra; c) inválido para o exercício de qualquer atividade?
Não há sequelas. (grifei)
Verifica-se, portanto, que ausente a redução permanente da capacidade de trabalho.
Cumpre ressaltar que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Logo, a meu juízo, embora seja certo que o juiz não fica adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente - o que não ocorreu no presente feito.
Com efeito, em que pese o apelo da parte autora, compulsando os autos, observo que, embora tenham sido juntados exames médicos (eventos 1, 8, 9 e 27), inexiste qualquer documento que ateste a redução permanente da capacidade laborativa.
Os documentos médicos presentes nos autos, não são, por certo, suficientes para infirmar as conclusões do expert do juízo, o qual avaliou adequadamente a situação fática, procedeu ao exame físico e elucidou as condições clínicas da autora de forma fundamentada.
Cabe reiterar que o perito do juízo, ao realizar exame físico, não constatou qualquer restrição de movimento e/ou força em membros superiores e que não há nenhum documento médico acostado nos autos que indique tal condição.
Por fim, julgo importante referir que não foram juntados documentos para comprovar a ocorrência de acidente de qualquer natureza no ano de 2003, havendo somente o relato da parte autora de queda da própria altura naquela época.
Considerando, pois, que não restaram atendidos os requisitos para a concessão do benefício do art. 86 da Lei nº 8.213/91, em virtude da não comprovação da redução permanente da capacidade para o trabalho que exercia, é indevido o benefício de auxílio-acidente.
Por tais razões, deve ser mantida a sentença de improcedência.
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem como recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g.ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 19-04-2017), majoro a verba honorária de 10% para 12% sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a satisfação respectiva, por ser a parte beneficiária da AJG.
Por fim, vale dizer que os honorários periciais e custas processuais também devem ficar sob encargo da parte autora, a qual ficou vencida na lide, cuja exigibilidade, porém, resta suspensa em virtude do benefício de AJG.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5002435-93.2023.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: CINEIDI MOREIRA DA SILVA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. REDUÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. MANTIDA.
1. O benefício de auxílio-acidente é devido ao filiado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas permanentes que impliquem a redução da capacidade de exercer a sua ocupação habitual.
2. A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
3. Não comprovada a redução permanente da capacidade laboral da parte autora, conclui-se que não faz jus ao benefício de auxílio-acidente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de agosto de 2024.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/08/2024 A 08/08/2024
Apelação Cível Nº 5002435-93.2023.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
APELANTE: CINEIDI MOREIRA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO(A): JEAN CARLOS VENTURI (OAB SC024035)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/08/2024, às 00:00, a 08/08/2024, às 16:00, na sequência 660, disponibilizada no DE de 23/07/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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