Apelação Cível Nº 5002831-64.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: TIAGO SOARES ONORATO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A parte autora ajuizou ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez desde a Data de Entrada do Requerimento na via administrativa (DER) em 15/10/2014.
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 18/10/2016, por meio da qual o Juízo a quo julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos (ev. 60 - SENT1):
"Pelas razões expostas, nos termos do artigo 487, I, CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial."
Em suas razões recursais (ev. 66 - PET1), a parte autora requer a reforma da sentença, sustentando, em síntese, que preenche os requisitos para a concessão do benefício postulado, alternativamente pede a anulação da sentença para instrução processual para comprovação da qualidade de segurado, sob pena de caracterização de cerceamento de defesa, pois defende que o requisito da qualidade de segurado não era ponto controvertido nos autos.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Aposentadoria por Invalidez/Auxílio-Doença
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extraem-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
Tendo em vista que a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente, cabe ao juízo se cercar de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, mormente com a realização de perícia médica.
Aos casos em que a incapacidade for temporária, ainda que total ou parcial, caberá a concessão de auxílio-doença, que posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (se sobrevier incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa) ou extinto (com a cura do segurado).
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Decorrido o período de graça, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, conforme o caso, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido (ao tempo da vigência do art. 24, § único, da Lei 8.213/91) ou metade daquele número de contribuições (nos termos do art. 27-A da Lei n.º 8.213/91, incluído pela Lei nº 13.457, publicada em 27.06.2017).
A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação, por meio de exame médico-pericial, da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto essa condição persistir. Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.
Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
Caso Concreto
São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
A parte autora, segurada especial, nascida em 23/09/1993, residente e domiciliada em Guaraqueçaba/PR, pede o benefício previdenciário alegando encontrar-se incapacitada para as atividades laborativas em face das moléstias que a acometem.
A sentença julgou improcedente o pedido entendendo que a parte autora não demonstrou a qualidade de segurado.
A controvérsia cingiu-se desde o início à questão da incapacidade da parte autora, que foi resolvida pelo laudo pericial (ev. 51 - LAUDPERI1), de 05/08/2016, que apontou as seguintes patologias: amaurose (cegueira) do olho esquerdo e visão subnormal no olho direito (CID10 H54.1), advindas de sequelas de meningite ocorridas na infância, aos oito anos de idade, constando ainda que a parte autora "(...) relatou nunca ter trabalhado. Descontinuou suas atividades escolares precocemente (...)", concluindo enfim que a parte autora apresenta incapacidade total e permanente, com data de início da doença (DID) e data de início da incapacidade (DII) no ano de 2001.
De fato, o requisito da qualidade de segurado especial, inexistiu controvérsia, tanto que em sede de contestação (ev. 18 - CONT1) o INSS não impugna pontualmente a qualidade de segurado da parte, bem como a decisão do evento 30 (DEC1) fixou como único ponto controvertido a incapacidade laborativa. Observe-se:
"3- Fixo como ponto controvertido a incapacidade laborativa da parte autora."
Todavia a sentença, alicerçada nas conclusões e observações periciais, indeferiu o pleito do autor em função da ausência da qualidade de segurado, restando assim fundamentada:
"Contudo, não logrou êxito o autor em demonstrar a condição de segurado especial na data de início da incapacidade ou em momento imediatamnete anterior ao requerimento do administrativo, sendo desnecessária, por outro lado, a comprovação do período de carência, nos termos do artigo 26, II, da Lei 8213/91.
É cediço na jurisprudência que para confirmar a qualidade de segurado especial, deve a parte juntar início de prova material, a qual deve ser corroborado por prova testemunhal. No caso em apreço, o autor não juntou qualquer início de prova material aos autos, muito menos deixou de postular pela produção de prova oral, inviabilizando a análise quanto ao exercício da atividade pesqueira.
Destarte, tem-se que o autor não se desincumbiu do ônus probatório que recaia sobre si, previsto no artigo 373, I, do CPC. Importante mencionar que apesar do requerimento ter sido indeferido na via administrativa, tal fato se deve ao entendimento do INSS, segundo o qual o demandante não possuía incapacidade para o trabalho, de modo que sequer foi analisada a condição de segurado especial alegada pelo autor.
Ainda, entendo que não há que se falar, no presente caso, em fato incontroverso quanto à qualidade de segurado, porquanto não há indícios mínimos de labor na atividade pesqueira, devendo os
requisitos para concessão da aposentadoria por invalidez/ benefício auxílio-doença, serem rigorosamente comprovados, o que não ocorreu no presente caso.
Por outro lado, poderá o autor, caso se enquadre nos requisitos, pleitear em outra demanda o benefício assistência ao deficiente, nos termos da Lei 8.742/93.
Nestes termos, ante a ausência dos requisitos necessários para a concessão de aposentadoria por invalidez, é de rigor a improcedência da ação."
Impende reconhecer que não houve nos autos discussão nem oferecimento de oportunidade probatória acerca da qualidade de segurado, anterior ao decisum do Julgador singelo.
Malgrado a parte autora pudesse ter trazido junto da petição inicial prova do alegado labor da parte autora, é preciso convir que não o fez em concordância com sua tese de que o requisito era incontroverso desde o âmbito administrativo, quando o benefício foi negado por ausência da comprovação de incapacidade tão somente.
Portanto, entendo que houve ofensa ao contraditório substancial, tendo a parte autora sido surpreendida pelo julgado que acabou por ofender o art. 9º do CPC e o art. 5º, LV, da CF/1988, motivo pelo dou provimento à sua apelação para anular a sentença de primeiro grau e determinar o retorno dos autos à primeira instância para instrução processual com o fim de dirimir o preenchimento da qualidade de segurado pelo autor e assim garantir plenamente o contraditório e ampla defesa.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação: provida para anular a sentença de primeiro grau e determinar o retorno dos autos à primeira instância para conclusão da instrução processual.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por anular a sentença de primeiro grau e determinar o retorno dos autos à primeira instância.
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Apelação Cível Nº 5002831-64.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: TIAGO SOARES ONORATO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. constitucional. processual civil. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. garantias do contraditório substancial e ampla defesa.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, salvo nos casos excepcionados por lei; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Nos termos do art. 9º do CPC e do art. 5º, LV, da CF/1988, a parte não pode ser surpreendida por decisão que se embasa em matéria que não foi fixada como ponto controvertido e por isso não foi expressamente discutida nos autos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença de primeiro grau e determinar o retorno dos autos à primeira instância, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 05 de fevereiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000816756v3 e do código CRC fb82efa9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/02/2019
Apelação Cível Nº 5002831-64.2017.4.04.9999/PR
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: TIAGO SOARES ONORATO
ADVOGADO: PEDRO FRATUCCI SAVORDELLI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/02/2019, na sequência 666, disponibilizada no DE de 21/01/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
SUZANA ROESSING
Secretária
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