APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5052415-43.2012.4.04.7100/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | WALKIRIA BEATRIZ CARVALHO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ALOISIO JORGE HOLZMEIER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA PARA ADMINISTRAÇÃO REVISAR. INOCORRÊNCIA. PENSÃO POR MORTE DE CÔNJUGE E COMPANHEIRO. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE.
1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF).
2. A MP 138 (de 19/11/03, publicada no DOU de 20/11/03, quando entrou em vigor), instituiu o art. 103-A da Lei 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários.
3. Considerando que antes de decorrer os cinco anos estabelecidos pela Lei nº. 9.784/99 entrou em vigor a MP 138/03, na prática todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei 9.784/99, passaram a observar o prazo decadencial de dez, anos aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada.
4. Indevido o recebimento conjunto de pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
5. Indevida a restituição e/ou desconto/desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos.
6. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 30 de novembro de 2016.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8641369v6 e, se solicitado, do código CRC 2D929653. | |
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| Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
| Data e Hora: | 01/12/2016 18:40 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5052415-43.2012.4.04.7100/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | WALKIRIA BEATRIZ CARVALHO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ALOISIO JORGE HOLZMEIER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e apelação interposta pela parte autora contra sentença (evento 60 - 20-03-2014) com o seguinte dispositivo:
ANTE O EXPOSTO, afastando a preliminar suscitada, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS deduzidos nestes autos, tão-somente para o efeito de condenar o INSS a restabelecer o benefício de pensão por morte da autora (NB 21/133.244.155-3), com o pagamento da renda mensal respectiva, desde a data de seu indevido cancelamento, em 01-06-2012, procedendo, simultaneamente, ao cancelamento da pensão NB 21/107.565.208-9. Em razão disso, deverá o INSS, ainda, recalcular o montante das parcelas a serem objeto de restituição pela autora, em razão do recebimento indevido das prestações.
Considerando, de outra parte, o valor ínfimo da diferença devida desde junho/2012, bem assim a necessidade de compensação das parcelas eventualmente devidas à requerente nestes autos com aquelas ainda a serem objeto de restituição em razão do recebimento administrativo simultâneo de prestações inacumuláveis entre si, tenho que eventuais créditos decorrentes da presente decisão deverão ser objeto de abatimento imediato com o montante daquela dívida, a ser descontada, pelo valor remanescente assim apurado, da renda mensal do benefício NB 21/133.244.155-3, nos termos da fundamentação.
Restando o INSS minimamente sucumbente, condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, monetariamente atualizado desde o ajuizamento, em conformidade com o § 3º do artigo 20 e com o parágrafo único do artigo 21, ambos do Código de Processo Civil, condenação esta que fica suspensa, nos termos do artigo 12 da Lei 1.060/50.
Demanda isenta de custas.
Sustentou a parte autora ter sido notificada em 2012 acerca do desconto mensal sob alegação de que recebera indevidamente o benefício de pensão por morte de Waldemar da Silveira Teixeira no período de 21-06-2006 a 31-05-2012, devendo devolver o montante de R$ 84.267,27.
Disse que era casada com o ferroviário estatutário Waldemar da Silveira Teixeira, falecido em 16-08-2004, tendo se habilitado junto ao IPE e a INSS, dividindo a pensão com Manoelita Natalina Cardoso Ferreira, que faleceu em 25-05-2012.
Afirmou que constitui união estável com Jovino Trombini, tendo ajuizado ação contra o INSS em 1998 (processo n. 98.001456-2), a qual foi julgada procedente, concedendo-lhe pensão por morte do companheiro, com trânsito em julgado em 16-08-2001. Afirmou, ainda, ser possível a cumulação de pensão de ex-ferroviário com pensão comum previdenciária.
Alegou ter decorrido o prazo decadencial de cinco anos, previsto no artigo 54 da Lei n. 9.784/99 para o INSS revisar seus atos, sendo que percebia as pensões de forma acumulada há mais de cinco anos.
Asseverou, ainda, a impossibilidade de desconto dos valores recebidos de boa-fé.
Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
A parte autora ajuizou ação contra o INSS objetivando a anulação do ato administrativo que cancelou benefício de pensão por morte de ferroviário, asseverando ser possível a cumulação com pensão previdenciária, bem como ter decorrido o prazo decadencial para a Administração rever seus atos. Afirmou, também, que não deve ser compelida a devolver os valores recebidos de boa-fé.
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora recebeu benefício de pensão por morte previdenciária (NB 107.565.208-9, instituidor Jovino Trombini - companheiro) com DIB em 31-08-1996, DIP em 01-12-2001, DDB em 29-01-2002, concedida em ação judicial (evento 1, INFBEN11, p. 1) e pensão por morte (NB 133.244.155-3), ramo de atividade ferroviário, com DIB em 19-08-2004, DDB em 20-09-2004 (evento 1, INFBEN12, p. 1 - instituidor Waldemar da Silveira Teixeira, pensão desdobrada NB 133.996.855-7 - esta recebida pela companheira do ex-segurado).
Em 21-07-2011 (evento 1, PROCADM30, p. 1-2), o INSS iniciou processo de revisão, em virtude de não ser devido o recebimento conjunto de mais de uma pensão deixada por cônjuge e companheiro, facultando ao dependente optar pela mais vantajosa.
A autora optou pelo recebimento da pensão NB 107.565.208-9, tendo o INSS passado a efetuar o desconto do benefício em decorrência da pensão por morte cancelada (NB 133.244.155-3), os quais foram cessados em virtude de determinação desta Corte nos autos do agravo de instrumento 50171313120124040000 (sessão de 18-12-2012).
As questões relativas ao exame do prazo decadencial, bem como à possibilidade de recebimento conjunto das pensões, foram devidamente analisadas na sentença, conforme fundamentos abaixo transcritos, os quais adoto como razões de decidir:
A autora pretende obter o restabelecimento do benefício de pensão por morte deixado pelo ex-segurado Waldemar da Silveira Teixeira, bem assim o cancelamento dos descontos procedidos na renda mensal de seu benefício de pensão por morte remanescente, com a condenação da autarquia-ré a restituir integralmente os montantes que foram objeto de tal desconto.
Inicialmente, cumpre referir que não se operou a decadência do direito da Administração à revisão do ato concessivo da pensão por morte da parte autora.
Isso porque a Administração Pública tem a faculdade de anular seus próprios atos quando eivados de vícios ou ilegalidades. Tenho que, não obstante efetivamente se presuma a regularidade dos atos administrativos praticados, sobretudo as concessões de aposentadorias e pensões, tal fato não impede o exercício do poder-dever da Administração Pública rever seus atos a fim de conformá-los à legalidade, assim considerada a interpretação que o Poder Público retira das normas jurídicas.
Não há falar em decadência da faculdade de a Administração Pública revisar o ato de concessão do benefício da autora, pois o prazo fatal previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 somente pode ser contado a partir da entrada em vigor dessa lei, não se tendo esgotado até a data em que o INSS iniciou o procedimento administrativo de revisão da aposentadoria da demandante (ano de 2012). Com efeito, tal prazo foi redimensionado em matéria previdenciária pela MP nº 138/03, que estabeleceu o lapso de 10 anos para a anulação dos 'atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis' aos segurados do RGPS (vide art. 103-A da Lei nº 8.213/91), ou seja, quando iniciado o curso do prazo qüinqüenal da Lei nº 9.784/99, adveio novo diploma ampliando o prazo para 10 anos.
Com relação à matéria enfocada, notável a lição do Exmo. Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, 'in verbis':
'Ao lado do tema da decadência do direito do beneficiário da Previdência Social à revisão do ato de concessão ou de negativa de benefício, assunto que vem de ser tratado, existe o da decadência do poder da Administração Previdenciária de anular os atos administrativos de que decorrem efeitos favoráveis aos destinatários, desde que tais atos estejam eivados de ilegalidades, seja por fraude, seja por erro administrativo (Súmula 473 do STF).
...
Agora, as hipóteses a considerar são as seguintes:
a) se o ato é anterior à publicação da Lei nº 9.784 (D.O.U. de 01.02.99), aplica-se o prazo decadencial de cinco anos nela previsto (art. 54), a partir da sua vigência, observado o termo inicial previsto em lei, mas, como seu termo final ocorrerá na vigência da MP nº 138 (D.O.U. de 20.11.2003), fica dilatado para dez (10) anos, conforme prevê a última norma, computando-se o tempo decorrido sob a Lei n.º 9.874.' (in 'A Decadência no Âmbito do Direito Previdenciário: Questões de Direito Intertemporal', Revista do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, ano 18, n. 65, 2007, pp.68-9).
No mesmo sentido inclina-se a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme bem demonstra a ementa a seguir transcrita:
'PREVIDENCIÁRIO. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CANCELAMENTO. LIMITES AO DESFAZIMENTO DE ATO CONCESSÓRIO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
1. Há e sempre houve limites para a Administração rever atos de que decorram efeitos favoráveis para o particular, em especial aqueles referentes à concessão de benefício previdenciário.
2. O cancelamento de benefício previdenciário pressupõe devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
3. A Administração não pode cancelar um benefício previdenciário com base em simples reavaliação de processo administrativo perfeito e acabado.
4. A Lei 6.309/75 previa em seu artigo 7º que os processos de interesse de beneficiários não poderiam ser revistos após 5 (cinco) anos, contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo. Assim, em se tratando de benefício deferido sob a égide da Lei 6.309/75, ou seja, até 14/05/92 (quando entrou em vigor a Lei 8.422, de 13/05/92, que em seu artigo 22 revogou a Lei 6.309/75), caso decorrido o prazo de cinco anos, inviável a revisão da situação, ressalvadas as hipóteses de fraude, pois esta não se consolida com o tempo
5. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, para os benefícios deferidos antes do advento da Lei 9.784/99 o prazo de decadência deve ser contado a partir da data de início de vigência do referido Diploma, ou seja, 01/02/1999. Mesmo nestas situações, todavia, há necessidade de respeito ao princípio da segurança jurídica, à luz das circunstâncias do caso concreto.
6. Com o advento da lei 9.784/99 (art. 54), foi instituído expressamente prazo decadencial de cinco anos para desfazimento de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, incluídos os atos de concessão de benefício previdenciário.
7. A MP 138 (de 19/11/03, publicada no DOU de 20/11/03, quando entrou em vigor), instituiu o art. 103-A da Lei 8.213/91, estabelecendo prazo decadencial de dez anos para a Previdência Social anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários.
8. Como quando a Medida Provisória 138 entrou em vigor não haviam decorrido cinco anos a contar do advento da Lei 9.784/99, os prazos que tiveram início sob a égide desta Lei foram acrescidos, a partir de novembro de 2003, quando entrou em vigor a MP 138/03, de tanto tempo quanto necessário para atingir o total de dez anos. Assim, na prática todos os casos subsumidos inicialmente à regência da Lei 9.784/99, passaram a observar o prazo decadencial de dez, anos aproveitando-se, todavia, o tempo já decorrido sob a égide da norma revogada
9. O prazo decadencial somente será considerado interrompido pela Administração quando regularmente notificado o segurado de qualquer medida de autoridade administrativa para instaurar o procedimento tendente a cancelar o benefício.
10. Em toda situação na qual se aprecia ato de cancelamento de benefício previdenciário, (em especial para os benefícios deferidos entre a revogação da Lei 6.309/75 e o advento da Lei 9.784/99), há necessidade de análise do caso concreto, considerando-se, por exemplo, o tempo decorrido, as circunstâncias que deram causa à concessão do amparo, as condições sociais do interessado, sua idade, e a inexistência de má-fé, tudo à luz do princípio constitucional da segurança jurídica.
11. Nos processos de restabelecimento de benefício previdenciário compete ao INSS o ônus de provar a ocorrência de fraude ou ilegalidade no ato concessório, pois este se reveste de presunção de legitimidade
12. No caso dos autos, o procedimento adotado pela autarquia afrontou a denominada 'coisa julgada administrativa', não tendo sido demonstrada qualquer ilegalidade ou fraude no ato concessório. Deve, portanto, ser restabelecido o benefício do autor, com o pagamento das parcelas correspondentes desde a data da indevida suspensão. (TRF4, AC 2003.04.01.026599-6, Turma Suplementar, Relator o Exmo. Sr. Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 16/05/2008)'
Cabe consignar, ainda, que a Administração, por decorrência do princípio da legalidade e da indisponibilidade do interesse público ao que está submetida, tem não somente o poder, mas o dever de proceder à revisão dos seus próprios atos administrativos quando eivados de vícios que os tornem írritos, consoante de há muito assentado no verbete nº 473 do STF, sempre observando o dogma do 'due process of law' e seus consectários implícitos, a teor da Súmula nº 160 do extinto TFR, o que ocorreu no caso concreto (evento 10, PROCADM1, pp. 41-76).
Superada a discussão referente à questão formal-procedimental do cancelamento do benefício de pensão por morte da requerente, impõe-se analisar a possibilidade de restabelecimento do benefício NB 21/133.244.155-3, bem assim de pagamento conjunto com a prestação ora em manutenção (NB 21/107.565.208-9) e a regularidade dos descontos procedidos na renda mensal desta prestação.
E, neste aspecto, tenho que não há como ser acolhido o pedido deduzido pela parte autora.
Com efeito, conforme reconhecido na própria exordial, a autora efetivamente recebeu, concomitantemente, benefícios de pensão por morte deixados pelos ex-segurados Jovino Trombini (NB 21/107.565.208-9) e Waldemar da Silveira Teixeira (NB 21/133.244.155-3), o que é legalmente vedado, a teor do disposto no artigo 124, inciso VI, da Lei n.º 8.213/91, 'in verbis':
'Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
...
VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.'
Nestas condições, tenho que, inequivocamente, não há como se autorizar o restabelecimento da prestação cancelada administrativamente conjuntamente ao pagamento do benefício ora em manutenção, porquanto tal provimento contrariaria frontalmente a legislação de vigência. Cumpre ressaltar, de outra parte, que o só fato do ex-segurado Waldemar da Silveira Teixeira ter exercido a profissão de ferroviário anteriormente a seu jubilamento - recebendo, possivelmente, a complementação de aposentadoria de que trata a Lei n.º 3.887/61 - não tem qualquer repercussão no caso concreto, não havendo, ao contrário do alegado na inicial, qualquer exceção ao regramento de inacumulabilidade antes mencionado em razão desta circunstância profissional.
De outra parte, ainda que o benefício decorrente do falecimento do Sr. Jovino Trombini (NB 21/107.565.208-9) tenha sido implantado na via administrativa em razão de decisão judicial transitada em julgado, isto igualmente não impede que o INSS, constatando o duplo recebimento de benefícios inacumuláveis entre si, venha a cancelar alguma das prestações, porquanto, ainda conforme reconhecido pela autora em sua peça vestibular, tal fato não foi aventado naqueles autos. Não desconheço que, a fim de aparelhar a correta execução daquele julgado, incumbia ao órgão administrativo comunicar ao Juízo daquele feito a situação concreta da postulante, com o que se evitaria, inclusive, a atual situação de cobrança de parcelas indevidamente recebidas. Não o fazendo, contudo, não há como afastar a possibilidade de revisão administrativa do pagamento da prestação, até porque, de outro lado, poderia e deveria a autora também, mencionar o fato naqueles autos.
Com relação ao prazo decadencial, acrescente-se que o segundo benefício de pensão por morte foi concedido administrativamente em 2004, tendo o INSS iniciado a revisão em 2011, não transcorrendo, portanto, o prazo decadencial de dez anos.
Quanto à necessidade de devolução de valores indevidos, entendo que merece reforma a sentença.
A Lei nº 8.213/1991, na hipótese de descontos de valores indevidamente pagos indevidamente a título de benefício, estabelece o seguinte:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Por sua vez, o Regulamento da Previdência - Decreto nº 3.048/1999 reza que:
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES PAGOS ADMINISTRATIVAMENTE POR ERRO DO INSS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. REDUÇÃO DA SENTENÇA AOS LIMITES DO PEDIDO. (REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 5000961-52.2015.404.9999, Rel. Juiz Federal Paulo Paim da Silva, julgado em 08/04/2015)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO POR ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não cabe descontos, no benefício previdenciário, a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, cujo recebimento deu-se de boa-fé, face ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. Precedentes do STJ. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0002740-88.2014.404.0000, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 16/07/2014)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CANCELAMENTO. DESCONTOS ADMINISTRATIVOS. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 5014356-74.2012.404.7200, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 01/07/2014)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê da ementa a seguir:
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO.VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Agravo Regimental não provido (AgRg no AREsp 470.484/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 22/05/2014)
No mesmo sentido, as decisões proferidas nos seguintes precedentes: REsp Nº 1.588.526 RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 16/05/2016, e REsp 1561814 , Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 27/10/2015.
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com a fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei)
Como já referido, o recebimento conjunto das pensões deu-se por erro da Autarquia Previdenciária, uma vez que, quando da concessão do segundo benefício, já tinha condições de verificar que a autora percebia benefício de pensão por morte, este primeiro, deferido judicialmente.
Efetivamente, examinando os autos, perquiro não ter ficado devidamente comprovado qualquer comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé da demandante. Aliás, o entendimento monocrático encontra-se alinhado ao posicionamento deste Regional e do STJ para a espécie.
Mantidos os ônus sucumbenciais conforme fixados na sentença.
Conclusão
O apelo da autarquia e a remessa oficial restam improvidos, sendo dado parcial provimento à apelação da parte autora para que o INSS se abstenha de efetuar descontos no benefício NB 107.565.208-9, em virtude dos valores recebidos a título do NB 133.244.155-3.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial e dar parcial provimento à apelação da parte autora.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/11/2016
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5052415-43.2012.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50524154320124047100
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Geral da República Juarez Mercante |
APELANTE | : | WALKIRIA BEATRIZ CARVALHO TEIXEIRA |
ADVOGADO | : | ALOISIO JORGE HOLZMEIER |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/11/2016, na seqüência 422, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA OFICIAL E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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