Apelação Cível Nº 5005870-20.2014.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: CARLOS ALBERTO WEBBER (RÉU)
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social ajuizou ação contra Carlos Alberto Webber, com pedidos de reconhecimento de enriquecimento sem causa e de condenação do réu ao ressarcimento de valores referentes a benefício previdenciário, sacados indevidamente. Explica que o réu, após o óbito de Alclides Agostinho Ribeiro, continuou efetuando saques de valores de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, de titularidade do "de cujus". Aduziu que o réu auxiliava Alclides para o recebimento dos pagamentos mensais e, por isso, possuía procuração e portava o cartão bancário do beneficiário.
O réu ofertou contestação. Contudo, após ser intimado em duas oportunidades para regularizar sua representação processual, sem se manifestar a esse respeito, foi decretada a sua revelia e determinado o desentranhamento da defesa apresentada.
Sobreveio sentença (julho de 2015) na qual a MM. juíza federal reconheceu a prescrição relativamente aos valores recebidos de 26.8.2005 a 28.2.2009, tomando-se como marco interruptivo o ajuizamento da presente ação, em 28.2.2014, e julgou parcialmente procedentes os demais pedidos para condenar o réu ao ressarcimento dos valores que recebeu no período de 1.3.2009 a 31.1.2010, referentes ao benefício 42/076.425.977-6, com o abatimento do valor de R$ 4.122,26, já devolvido pela Instituição Bancária. Para apuração do valor a ser ressarcido foi determinada a aplicação de correção monetária pelo IPCA-E, desde o recebimento de cada prestação, e de juros de mora à traxa de 6% ao ano, a contar da citação. Foi determinada, ainda, a compensação da verba honorária entre as partes.
O INSS apelou. Pede o afastamento da prescrição reconhecida. Fundamenta que, em razão do silêncio da Lei de Benefícios quanto a esse particular, deve ser aplicado, por simetria, o artigo 103, "caput" e parágrafo único, da Lei 8.213/91, que trata acerca do prazo decadencial e prescricional para o segurado requerer revisão de benefício e o recebimento de valores não pagos. Sustenta que o marco para o cômputo da prescrição deve estar "(...) relacionada com o término da inércia da Previdência Social (...)", ou seja, "(...) o início do procedimento de apuração do erro que originou o recebimento indevido (...)".
Processado o recurso, vieram os autos a este Tribunal.
VOTO
Conforme relato da inicial e os documentos constantes nos autos, após o óbito de Alclides Agostinho Webber, em 26.8.2005, o réu, Carlos Alberto Webber, portador de procuração e de cartão bancário do "de cujus", continuou a sacar valores referentes à aposentadoria por tempo de contribuição (DIB em 1.7.1983) do primeiro. Os valores recebidos pelo réu referem-se às competências de 1.8.2005 a 31.1.2010.
Na sentença houve o reconhecimento de que, de fato, os valores foram sacados indevidamente e, por isso, o réu foi condenado ao ressarcimento. Acerca desse tópico não cabe mais discussão, especialmente em razão de o réu não ter oferecido recurso.
Por outro lado, a apelação do INSS também não veicula discussão acerca da imprescritibilidade para a obtenção do ressarcimento dos valores, a partir na ponderação acerca da ilicitude, ou não, do ato praticado pelo réu.
O que pretende o INSS, pela via recursal, é que se considere como marco para a contagem retroativa da prescrição, o início do procedimento administrativo, no qual se verificou a irregularidade quanto à perpetuação do pagamento do benefício após o óbito do segurado.
Inicialmente, é entendimento já acolhido no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, para a hipótese de ação em que se visa à devolução de prestações de benefício previdenciário recebidas indevidamente, deve ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto 20.910/1932, por simetria ao direito de ação relativamente às dívidas passivas da União, dos Estados e Municípios. Nesse sentido, destaco precedente abaixo:
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE APOSENTADORIA. MÁ-FÉ. NÃO COMPROVAÇÃO. PRESCRIÇÃO. 1. Hipótese em que não houve comprovação efetiva da má-fé da parte autora relativamente à concessão indevida de benefício previdenciário. 2. Aplicação do prazo quinquenal de que trata o Decreto 20.910/1932 para ações movidas pelo INSS contra os segurados, onde se objetiva ressarcimento ao erário. (TRF4, AC 5000318-06.2016.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 27/09/2019)
A insurgência do INSS, como já dito, não diz respeito ao prazo prescricional adotado, mas ao marco eleito para para a sua interrupção. Afirma que esse marco deve ser o início do procedimento administrativo em que se apurou a ocorrência dos pagamentos e saques indevidos de prestações de benefício.
Contudo, à míngua de disposição especial para a hipótese em discussão, deve ser observada regra geral, qual seja, o artigo 202 do Código Civil, cujo teor transcrevo:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Não se verifica em nenhuma das hipóteses descritas nos incisos do artigo 202 do Código Civil, a possibilidade de se enquadar o início de procedimento administrativo, como pretende o INSS, como marco interruptivo do prazo prescricional.
Ao contrário, a única hipótese aplicável ao caso em tela é a do inciso I, a qual foi adotada na sentença. Deve se levar em conta que, conforme o artigo 219, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 1973, a citação válida retroage à data da propositura da ação.
Por outro lado, se algum fato impedir o exercício da pretensão, o curso do prazo de prescrição fica obstado. Na hipótese em que, após o início do prazo prescricional, sobrevém um fato que impossibilite a continuidade da persecução do direito, cessa a contagem do prazo enquanto perdurar a causa suspensiva.
A legislação específica sobre a prescrição para o exercício do direito de ação contra a Fazenda Pública, prevê hipótese de suspensão do prazo, conforme consta no art. 4º do Decreto nº 20.910/1932:
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
Por simetria, à míngua de regra expressa, quando se tratar da hipótese de o INSS (Fazenda) exercer o direito de ação com o fim de ver devolvidos valores de natureza previdenciária (ou seja, valores que não ostentam natureza tributária, administrativa ou punitiva), pagos indevidmaente, deve ser aplicada a regra de suspensão do prazo prescricional, previsto no artigo 4º do Decreto 20.910/1932.
Nesse passo, em 17.10.2011, o réu recebeu carta de comparecimento, emitida pelo INSS (aviso de recebimento: evento 1, PROCADM5, p. 47), com o fim de tratar acerca dos pagamentos do benefício cujo titular era Alclides Agostinho Webber. A partir daquela, prosseguiu-se na tramitação do procedimento administrativo. Ou seja, a partir de 17.10.2011 o réu estava ciente de que havia assunto a ser tratado, perante o INSS, acerca dos saques de benefício que estava efetuando.
Logo, é devido que se reconheça que, de 17.10.2011 até 2.5.2013, data da informação no sentido de que o réu não apresentou recurso administrativo no prazo regulamentar (evento 1, PROCADM6, p.6), deve ser suspenso o cômputo do prazo prescricional, voltando a correr a partir de 3.5.2013.
Assim, no momento em que suspenso o prazo prescricional, em 17.10.2011, já haviam sido atingidas pela prescrição as parcelas anteriores a 17.10.2006, voltando a ser computada em 3.5.2013, e, finalmente, interrompida a contagem em 28.2.2014, restando, desse modo, atingidos pela prescrição, os valores anteriores a 11 de agosto de 2007.
Com efeito, merece ser parcialmente provida a apelação do INSS, para reconhecer a prescrição do direito de exigir o ressarcimento das prestações pagas anterioremente a 11 de agosto de 2007 e, assim, condenar o réu à devolução dos valores que sacou indevidamente no periodo de 11 de agosto de 2007 a 31 de janeiro de 2010.
Não obstante o parcial provimento da apelação, tenho que ainda está presente a reciprocidade e equivalência das sucumbências de ambas as partes, razão pela qual deve ser mantida a compensação da verba honorária.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS para reconhecer a prescrição do direito de exigir o ressarcimento das prestações pagas até 10 de agosto de 2008 e condenar o réu à devolução das prestações de benefício sacadas indevidamente, de 11 de agosto de 2008 a 31 de janeiro de 2010.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001618528v49 e do código CRC a9397ed2.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5005870-20.2014.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: CARLOS ALBERTO WEBBER (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE PRESTAÇÕES de benefício previdenciÁrio INDEVIDAMENTE LEVANTADAS PELO SEGURADo. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/1932. MARCO INTERRUPTIVO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO.
1. O ressarcimento de valores de prestações de benefício previdenciário, levantados indevidamente pelo segurado, está sujeito à prescrição quinquenal, considerada cada parcela mensal, aplicando-se, por simetria, o Decreto 20.910/1932.
2. À míngua de disposição especial, deve ser considerado como marco interruptivo da prescrição a decisão que ordena a citação do réu, nos termos do artigo 202, I, do Código Civil, a qual retroage à data da propositura da ação, conforme preceitua o artigo 219, § 1º, do Código de Processo Civil de 1973.
3. Iniciado o procedimento administrativo para apuração do eventual saque indevido de prestações de benefício, o prazo prescricional se suspende a partir da notificação do autor que, supostamente, recebe os valores de forma indevida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS para reconhecer a prescrição do direito de exigir o ressarcimento das prestações pagas até 10 de agosto de 2008 e condenar o réu à devolução das prestações de benefício sacadas indevidamente, de 11 de agosto de 2008 a 31 de janeiro de 2010, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de março de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001618529v8 e do código CRC e3b3d2a4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 10/03/2020
Apelação Cível Nº 5005870-20.2014.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)
APELADO: CARLOS ALBERTO WEBBER (RÉU)
ADVOGADO: Alexandre de Vargas Graff (OAB RS079731)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 10/03/2020, na sequência 159, disponibilizada no DE de 26/02/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS PARA RECONHECER A PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE EXIGIR O RESSARCIMENTO DAS PRESTAÇÕES PAGAS ATÉ 10 DE AGOSTO DE 2008 E CONDENAR O RÉU À DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES DE BENEFÍCIO SACADAS INDEVIDAMENTE, DE 11 DE AGOSTO DE 2008 A 31 DE JANEIRO DE 2010.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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