
Apelação Cível Nº 5024780-07.2014.4.04.7201/SC
RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
APELANTE: ANADIR TELLES RODRIGUES BUENO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 18-11-2015, em que o magistrado a quo julgou improcedente o pedido de declaração de inexistência da relação jurídica que obrigue a outora a restituir os valores relativos ao benefício previdenciário de nº 41/139.603.437-1, por ela recebidos indevidamente no período de 04-12-2006 a 30-09-2012, condenando-a ao pagamento de honorários advocatícios, cuja satisfação restou suspensa em razão de a parte ser beneficiária da AJG.
Em suas razões de apelação, a parte autora sustenta que jamais fraudou documentos ou solicitou a terceiros que o fizessem, não tendo responsabilidade sobre a declaração da FUNAI que embasou o ato concessório. Alega que, em nenhum momento, agiu de má-fé, a qual, aliás, não pode ser presumida. Defende que, tendo agido de boa-fé, e tendo em conta o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, é inexigível a devolução de qualquer valor.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
Para tanto, encontra autorização legal nos artigos 115 da Lei 8.213/91 e 154 do Decreto 3.048/99, in verbis:
Lei nº 8.213/91
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido; (...)
§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
Decreto nº 3.048/99
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
I - contribuições devidas pelo segurado à previdência social;
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser feita de uma só vez, atualizada nos moldes do art. 175, independentemente de outras penalidades legais.
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma. (...).
Logo, para a manutenção do equilíbrio financeiro do regime geral, tão caro à sociedade brasileira, o princípio da supremacia do interesse público deve ser invocado pela Autarquia Previdenciária para fazer retornar ao sistema da seguridade social valores que foram indevidamente pagos.
De outro lado, não se desconhece a remansosa jurisprudência pátria consolidada no sentido de que, havendo por parte da Autarquia má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada e erro da administração, não se autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados. Afora isso, tais valores são considerados de natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
Nesse sentido, os seguintes julgados do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
No caso concreto, a autora foi beneficiária de aposentadoria por idade rural (NB 41/139.603.437-1), com DIB em 04-12-2006, tendo utilizado, para a obtenção do referido benefício, declaração da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, emitida pelo servidor Jorge Luiz Bavaresco, então chefe do Posto indígena da FUNAI em Ibirama/SC, dando conta que a autora era indígena, residente na Aldeia Sede na Terra indígena de Ibirama/Município de José Boiteux/SC.
Chamada a prestar declarações na via administrativa, a autora, no dia 06-07-2012, afirmou que: mora há 27 anos em Joinville, sendo que antes disso morou em Florianópolis; que é casada com José Bueno há mais de 35 anos, que tinha por profissão encarregado de britagem, hoje aposentado pelo RGPS; que sempre exerceu as atividades do lar; os pais, já falecidos, eram agricultores e moravam em Campo Erê; que um senhor chamado Adelino, que frequentava a maesma Igreja que a autora, perguntou se ela gostaria de se aposentar, tendo tomado cópia de seus documentos; que compareceu pessoalmente à Agência da Previdência Social em Ibirama/SC somente para receber o primeiro pagamento, sendo que seu esposo e seu genro a acompanharam; que jamais residiu na aldeia de José Boiteaux, no município de Ibirama/SC; que não é índia; não conhece ninguém do Posto indígena da FUNAI; que efetuou o pagamento do primeiro benefício à esposa de Adelino, pois ele já era falecido à época da concessão.
O INSS cancelou o benefício e efetuou a cobrança administrativa dos valores indevidamente recebidos, tendo sido a autora notificada em 25-10-2012.
Em depoimento pessoal colhido no presente processo, na data de 12-05-2015 (evento 39), a autora basicamente repetiu os os termos do depoimento anterior, afirmou, ainda, que trabalhou na agricultura apenas até seus 17 anos, aproximadamente. Ressaltou que não estranhou em momento algum ter recebido benefício sem contribuir, bem como não ter sido chamada a comparecer ao INSS durante o procedimento de concessão, tampouco o benefício ter sido concedido pela Agência da Previdência Social de Ibirama/SC, embora residisse em Joinville/SC há muitos anos.
Logo, pelo conjunto probatório carreado aos autos, verifico que o benefício foi concedido tão somente em razão da declaração falsa de que a requerente era indígena. Por outro lado, restou evidenciado que ela exerceu atividades rurais apenas quando era menor de idade, assim como não é indígena ou residente em terras da Reserva Indígena, bem como que tinha conhecimento de que não tinha recolhido contribuições à Previdência.
Assim, resta evidente a má-fé da demandante e a utilização de fraude para obter benefício previdenciário indevido, impondo-se a restituição do montante que recebeu indevidamente, independente de tratar-se de verba de natureza alimentar, uma vez que não pode o direito servir a favor daqueles que se utilizam de irregularidade para a concessão de benefício previdenciário.
Desse modo, deve ser mantida a sentença, inclusive quanto aos ônus da sucumbência.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000880643v3 e do código CRC ad4da247.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Data e Hora: 7/2/2019, às 13:27:13
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:59:55.

Apelação Cível Nº 5024780-07.2014.4.04.7201/SC
RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
APELANTE: ANADIR TELLES RODRIGUES BUENO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
DEVOLUÇÃO DE VALORES LEVANTADOS A MAIOR PELA PARTE EXEQUENTE. MÁ-FÉ RECONHECIDA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO.
Quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 30 de janeiro de 2019.
Documento eletrônico assinado por GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000880644v4 e do código CRC eb3b5cf7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Data e Hora: 7/2/2019, às 13:27:13
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:59:55.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/01/2019
Apelação Cível Nº 5024780-07.2014.4.04.7201/SC
RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ANADIR TELLES RODRIGUES BUENO (AUTOR)
ADVOGADO: JOÃO NORBERTO COELHO NETO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/01/2019, na sequência 427, disponibilizada no DE de 14/01/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Votante: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Votante: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:59:55.