Apelação/Remessa Necessária Nº 5003808-19.2014.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: ARTUR SARAIVA GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91, Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: ZILA VARGAS DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação pelo procedimento comum ajuizada por ARTUR SARAIVA GOMES e ZILÁ VARGAS DA SILVA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a declaração de inexigibilidade de devolução dos valores recebidos a título de pensão por morte pelo primeiro autor e a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais em relação à autora Zilá.
Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (
):Ante o exposto:
I - Preliminarmente, indefiro a inicial em relação à autora ZILÁ VARGAS DA SILVA, ante a ilegitimidade de figurar como parte autora, devendo, entretanto, permanecer na presente demanda apenas na condição de representante legal do autor remanescente.
II - No mérito, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado na inicial, para condenar o INSS a:
a) inexigir a devolução dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte nº 138.984.104-6;
b) pagar à parte autora, em juízo, após o trânsito em julgado, os valores já descontados no benefício 32/119.843.077-7, à título de débito para com o INSS;
Confirmo a tutela já antecipada nos autos.
Diante da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários advocatícios dos seus respectivos patronos.
Condeno cada uma das partes ao pagamento de 50% do valor das custas processuais, restando suspensa sua exigibilidade em relação à parte autora por estar ao amparo da assistência judiciária gratuita
A autarquia é isenta de custas (art. 4, I, da Lei 9.289/96).
Sentença sujeita ao reexame necessário.
Translade-se cópia da presente decisão para o processo 5003295-85.2013.404.7103.
Publicação e registro eletronicamente. Intimem-se.
O Autor Artur Saraiva Gomes, em suas razões recursais, sustenta a legitimidade ativa de Zilá Vargas da Silva, argumentando que esta pleiteia, por direito próprio, o arbitramento de indenização por danos morais reflexos. Defende a condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a quinze mil reais para cada um dos autores.
Por sua vez, o INSS pugna pela anulação da sentença, afirmando que ela violou a previsão do art. 265, IV, “a”, do Código de Processo Civil. Aduz que a matéria decidida nos presentes autos dependia da prolação de sentença no processo nº 5003295-85.2013.404.7103, no qual estaria evidente a má-fé da parte autora. Por fim, requer a improcedência da ação.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
O Ministério Público Federal emitiu Parecer (
), no sentido de negar provimento à remessa oficial e às apelações.O processo foi sobrestado em razão do tema 979 do STJ.
Destaco que este processo é parte integrante do acervo assumido a partir de 10/8/2022, conforme Ato nº 1304/2022.
É o relatório.
VOTO
Remessa Oficial
À luz do que preconiza o art. 475 do CPC/73 e atual art. 496 do CPC/2015 é cabível a remessa necessária contra as pessoas jurídicas de direito público. Excepciona-se a aplicação do instituto, quando por meros cálculos aritméticos é possível aferir-se que o montante da condenação imposta à Fazenda Pública é inferior àquele inscrito na norma legal (v.g. o art. 475, § 2º, do CPC/73 e art. 496, § 3º, do CPC).
Na espécie, trata-se de sentença publicada na vigência do CPC/73.
Assim, conheço da remessa necessária.
Em relação às preliminares, transcrevo excerto do Parecer emitido pelo MPF, cujos fudamentos adoto como razões de decidir:
Da nulidade da sentença
O INSS sustenta a nulidade da sentença objurgada. Segundo o recorrente, a sentença de mérito no presente processo dependia do julgamento da causa veiculada no processo nº 5003295- 85.2013.404.7103. Contudo, razão não lhe assiste. Como bem analisado pelo magistrado a quo as causas de pedir e os pedidos são diversos entre ambas as demandas, não havendo prejudicialidade deste processo em relação àquele em que se buscou o restabelecimento do benefício de pensão por morte. Diga-se, desde já, que a controvérsia em testilha limita-se à análise do cabimento de condenação do INSS a título de danos morais pelo indeferimento do benefício de auxílio-doença postulado na esfera administrativa.
Da (i)legitimidade
Escorreita a sentença no ponto em que não reconheceu a legitimidade ativa de Zilá Vargas da Silva, uma vez que, como consignou, “os benefícios discutidos nos autos (21/138.984.104-6 e 32/119.843.077-7) são recebidos exclusivamente pelo autor Artur Saraiva Gomes, sendo que Zilá é apenas sua representante legal”.
Dos danos morais
É firme o entendimento desta Corte no sentido de ser "incabível a indenização por dano moral se o segurado não comprova a ofensa ao seu patrimônio moral em razão do ato administrativo. O desconforto gerado pelo não-recebimento do benefício resolve-se na esfera patrimonial, através do pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária". (AC 2004.72.10.001590-6, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira).
A matéria já foi analisada por esta Corte, tendo o eminente Des. Federal João Batista Pinto Silveira assim lançado o bem arrazoado voto condutor da AC nº 0001781-76.2008.404.7001/PR:
"Como já referi em oportunidade anterior nesta Turma (AC nº 0002831-62.2011.404.9999, D.E. 19/07/2011), a indenização por dano moral, prevista no art. 5º, V, da Constituição Federal de 1988, objetiva reparar, mediante pagamento de um valor estimado em pecúnia, a lesão ou estrago causado à imagem, à honra ou estética de quem sofreu o dano.
A suspensão do pagamento do benefício ou o seu indeferimento não constitui ato ilegal por parte da Autarquia, ao contrário, se há suspeita de o segurado não haver preenchido os requisitos para a concessão do benefício, é seu dever apurar se estes estão ou não configurados. Este ato, que constitui verdadeiro dever do ente autárquico, não é capaz de gerar constrangimento ou abalo tais que caracterizem a ocorrência de dano moral. Para que isto ocorra, é necessário que o INSS extrapole os limites deste seu poder-dever. Ocorreria, por exemplo, se utilizado procedimento vexatório pelo INSS, o que não foi alegado pela parte autora.
No presente caso, a parte autora não comprovou qualquer lesão causada em seu patrimônio moral em razão do ato administrativo do INSS que indeferiu o benefício previdenciário, sendo incabível a pleiteada indenização.
Sobre o tema, assim já se pronunciou o Colendo STJ, in verbis:
CIVIL. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. (STJ, REsp nº. 215.666 - RJ, 1999/0044982-7, Relator Ministro César Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 1 de 29/10/2001, p. 208).(...)"
Desta forma, inexistindo comprovação de ter o ato administrativo sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral. O desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício resolve-se na esfera patrimonial, mediante o pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária
Nesse sentido, recentes julgados desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. DIREITO ADQUIRIDO. RUÍDO. POEIRA DE SÍLICA. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM ESPECIAL. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DER. AFASTAMENTO DA ATIVIDADE. TEMA 709 STF. DANOS MORAIS. IMPLANTAÇÃO. 1. Inexiste cerceamento de defesa na decisão que indefere a realização de perícia judicial quando constam nos autos elementos suficientes ao convencimento do julgador. 2. Comprovado o exercício de atividade especial, conforme os critérios estabelecidos na lei vigente à época do exercício, o segurado tem direito adquirido ao cômputo do tempo de serviço como tal. 3. Até 28/04/1995, é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29/04/1995, necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e, a contar de 06/05/1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 4. Conforme decidiu o STJ no Tema 546, "a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço". Com a edição da n.º Lei 9.032/95, somente passou a ser possibilitada a conversão de tempo especial em comum, sendo suprimida a hipótese de conversão de tempo comum em especial. 5. A aposentadoria especial é devida desde a DER. No entanto, uma vez implantado o benefício, deve haver o afastamento da atividade tida por especial, sob pena de cessação do pagamento (Tema 709 STF). 6. Reconhecido o direito à concessão do benefício de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição, com o pagamento das parcelas vencidas desde a DER; assegurado o direito a optar pelo cálculo que lhe for mais vantajoso. 7. O indeferimento ou cancelamento do benefício previdenciário na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização por dano moral, cogitada somente quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração. Precedentes. 8. Determinada a imediata implantação do benefício. (TRF4, AC 5002083-31.2015.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 16/09/2021)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E DEFINITIVA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. 1. É devida a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, desde da cessação do auxílio-doença, quando a perícia judicial e os demais elementos de prova permitem concluir que à época a parte autora estava definitivamente incapacitada para a sua atividade laboral, sem possibilidade de reabilitação profissional. 2. Os fatos apurados não extrapolam o nível de meros dissabores, não sendo aptos a abalar a psique ou a imagem da parte autora a ponto de configurarem dano moral. Anote-se que o desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício deve ser resolvido na esfera patrimonial, mediante o pagamento de todos os atrasados. 3. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos. 4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E. 5. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança. (TRF4, AC 5010435-51.2019.4.04.7107, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 12/07/2021)
PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. RETINOPATIA DIABÉTICA. CATARATA. INCAPACIDADE PERMANENTE. RESTABELECIMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA E POSTERIOR CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. 1. A renovação da instrução probatória só é necessária quando a matéria não parecer suficientemente esclarecida ao magistrado, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC. 2. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213. 3. O segurado não está obrigado a se submeter a intervenção cirúrgica, ainda que indicada em laudo pericial como meio de debelar a patologia diagnosticada (art. 101 da Lei n. 8.213 e art. 15 do Código Civil). 4. Evidenciada, por conjunto probatório, a incapacidade total e permanente, em razão de problemas oftalmológicos, deve-se converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez desde a data da do laudo pericial, quando constatada a condição definitiva da incapacidade. 5. Não há prova de prejuízo ou dano causado pelo INSS à parte autora a fim de possibilitar a condenação da Autarquia ao pagamento de danos morais. (TRF4, AC 5005649-29.2017.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 24/10/2020)
Assim, como bem apontou a sentença, "Quanto ao pedido, destaque-se que a parte autora não comprovou o abalo psicológico extraordinário, em decorrência do fato."
Logo, desprovido o recurso da parte autora.
Devolução de valores recebidos irregularmente
A respeito da devolução de valores de benefícios previdenciários recebidos indevidamente, assim dispõe o art. 115, inciso II, da Lei nº 8.213:
Art. 115: Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefícios além do devido.
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.
Partindo da literalidade do dispositivo, o INSS entende caber sempre a restituição dos valores pagos indevidamente por erro administrativo, abstraindo-se a boa-fé ou a má-fé do beneficiário. No primeiro caso, a restituição seria feita em parcelas; no segundo, de uma só vez, conforme estabelece o art. 154 do Decreto nº 3.048/1999.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu acerca da matéria em julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, em acórdão assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015. (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Essa é a redação da tese fixada:
Tema 979 - Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
O relator, Ministro Benedito Gonçalves, ponderou que, nos casos de interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária, é manifesta a boa-fé objetiva do beneficiário, seja porque o dever-poder de bem interpretar e aplicar a legislação é da administração, seja porque o cidadão comum não tem conhecimento jurídico para entender o complexo arcabouço normativo previdenciário.
Contudo, nas hipóteses de erro material ou operacional cometido pelo INSS, é preciso verificar se o beneficiário agiu com boa-fé objetiva, ou seja, tinha condições de compreender que o valor não era devido e se poderia ser dele exigido comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a administração previdenciária.
Cabe destacar que o precedente não leva em consideração a boa-fé subjetiva. De acordo com a distinção doutrinária, a boa-fé subjetiva refere-se aos aspectos psicológicos e anímicos do agente, sua convicção de que efetivamente fazia jus à vantagem, sem a intenção de auferir benefício indevido. Por erro escusável, não tinha conhecimento da situação que afastaria o seu direito. Já a boa-fé objetiva identifica-se com o padrão de conduta a ser tomado pelo cidadão em sociedade; logo, não tem relevância a intenção, mas apenas o modelo social de comportamento pautado pelos deveres de lealdade, moralidade e honestidade.
Na ocasião, os ministros da Primeira Seção do STJ modularam os efeitos da decisão, que será aplicada aos processos distribuídos na primeira instância a partir da publicação do acórdão, ou seja, 23/04/2021. Confira-se:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).
Considerando que o presente feito foi ajuizado em momento anterior, cabe ao INSS comprovar a má-fé. Hipótese diversa seria se a ação tivesse sido ajuizada depois de 23/04/2021, casos nos quais caberá à parte autora comprovar que agiu de boa-fé, conforme exige a tese firmada no Tema 979, acima transcrito.
Quanto ao ponto, a sentença, em fundamentação clara e coerente, concluiu que é indevida a restituição de valores ao erário, pois inexistente má-fé do segurado, mas equívoco do INSS, conforme trecho que transcrevo:
Conforme se observa do processo administrativo, a parte autora requereu a concessão do benefício na data de 13/12/2007, tendo sido concedido em seu favor, após larga instrução adminstrativa, inclusive com manifestação de diversos setores daquela autarquia acerca das questões fáticas envolvendo o caso.
Da melhor análise do processo administrativo, verifica-se que a participação do autor cingiu-se em cumprir com as cartas de exigências, apresentando os documentos solicitados e as infomações necessárias, sobre as quais não pairam qualquer controvérsia.
É possível observar que as questões envolvendo a concessão e o cancelamento do benefício são exclusivamente de ordem administrativa, ante a alteração de entendimento acerca do direito ao benefício com base nos mesmos fatos/documentos já apresentados.
Ou seja, no processo administrativo de revisão que determinou o cancelamento do benefício não houve a descoberta de nova informação ou elemento determinante para o indeferimento daquele benefício, mas tão somente a alteração do mérito, com base nos mesmos fatos e elementos que, em data anterior, autorizaram a concessão do benefício.
Aliás, registre-se a considerável controvérsia existente em relação ao direito ao benefício, discutido nos autos 5003295-85.2013.404.7103.
Assim, entendo o INSS que os elementos apresentados pelo requerente era insuficientes para a concessão do benefício deveria tê-lo indeferido desde logo, não o fazendo por questão de ordem exclusivamente administrativa, para a qual não concorreu o requerente.
Em suma, trata-se de questão exclusivamente administrativa, para o qual não concorreu o dependente, na medida em que prestou todas as informações necessárias para o adequado agir administrativo.
Nesse contexto, tenho por comprovada a legítima confiança ou justificada expectativa da parte autora de que os valores recebidos eram legais.
Portanto, diante de tais premissas, tenho por comprovada a boa-fé da parte autora, e ainda, que se trata de boa-fé objetiva, notadamente pela legítima confiança ou justificada expectativa de que os valores recebidos durante o períodoeram legais e que integravam em definitivo o seu patrimônio, o que torna irrepetível o valor recebido.
Por essas razões, deve ser inexigível a devolução dos valores recebidos a título do benefício de pensão por morte nº 138.984.104-6.
No caso presente, percebe-se que o INSS não se desincumbiu do ônus de comprovar a má-fé, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi proferida na vigência do CPC/73, mantidos os ônus sucumbenciais fixados na sentença, ficando suspensa a exigibilidade em relação à parte autora em razão da AJG deferida.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e às apelações.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003805482v12 e do código CRC eb67776c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 17/4/2023, às 11:46:29
Conferência de autenticidade emitida em 25/04/2023 04:01:03.
Apelação/Remessa Necessária Nº 5003808-19.2014.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: ARTUR SARAIVA GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91, Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: ZILA VARGAS DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PELO SEGURADO AO INSS. TEMA 979 STJ. ERRO ADMINISTRATIVO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA.
1. "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". (Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça).
2. Modulação dos efeitos: "Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão", ou seja, a partir de 23/04/2021.
3. Ausente prova em relação à má-fé por parte do beneficiário, é imprópria a devolução dos valores.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003805483v2 e do código CRC 11cabc89.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 17/4/2023, às 11:46:29
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2023 A 13/04/2023
Apelação/Remessa Necessária Nº 5003808-19.2014.4.04.7103/RS
RELATOR: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: ARTUR SARAIVA GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91, Sucessão) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: ZILA VARGAS DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO(A): RODRIGO DA SILVA GOMES (OAB RS091209)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2023, às 00:00, a 13/04/2023, às 16:00, na sequência 806, disponibilizada no DE de 23/03/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E ÀS APELAÇÕES.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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