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PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TEMA 692 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LI...

Data da publicação: 21/08/2024, 07:01:00

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TEMA 692 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LIMITES DA LIDE. 1. A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago (Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça). 2. O ressarcimento à autarquia previdenciária deverá ocorrer por meio de desconto nas prestações mensais ou, para os casos em que não há benefício em manutenção, mediante inscrição em dívida ativa, não se admitindo a cobrança nos próprios autos, à míngua de previsão no título judicial. (TRF4, AC 5001314-77.2024.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/08/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001314-77.2024.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: DANIEL CRISTOVAM CASTANHO

RELATÓRIO

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (hum mil reais), suspensa a exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita (evento 42, SENT1).

Opostos embargos de declaração pelo ora apelante, a sentença foi complementada nos seguintes termos (evento 56, DESPADEC1, grifos originais):

Recebo os embargos, pois tempestivos.

No mérito, desacolho-os.

Porquanto, os efeitos da tutela de urgência, quando da improcedência da ação, revogam-se, de forma expressa ou tácita, pois a tutela antecipada perde seu objeto, com a negativa dos pedidos.

Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ASTREINTES. NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REVOGAÇÃO DA MULTA DIÁRIA. EFEITOS EX TUNC. I – A sentença de improcedência revoga, expressa ou tacitamente, a tutela de urgência inicialmente concedida, pouco importando os efeitos nos quais foi recebido o recurso de apelação, cujo eventual provimento não tem o condão de repristinar os efeitos da multa diária revogada pela sentença de improcedência. II – É nula, por ausência de título executivo, a execução provisória de astreintes quando o mérito da ação de conhecimento é julgado improcedente, porquanto a sentença de improcedência importa a revogação, com efeitos ex tunc, da multa diária fixada na decisão que havia deferido a tutela de urgência. III – Deu-se provimento ao recurso.6ª Turma Cível.TJDF. AGRAVO DE INSTRUMENTO 0718057-29.2018.8.07.0000.Desembargador JOSÉ DIVINO. Acordão 1153756.

Do pedido de determinação dos valores recebidos pela autora, deixo de analisá-lo, eis que, como sabido, os embargos declaratórios não se prestam à rediscussão da matéria objeto dos autos, mas sim para sanar obscuridade, contrariedade ou omissão na decisão atacada, devendo a parte autora manejar o recurso cabível para a rediscussão do mérito da decisão.

Neste sentindo, o STJ no julgamento do REsp nº 1.619.606/RS determinou que "o inconformismo da parte com o resultado do julgamento não se amolda ao conceito de omissão, obscuridade ou contradição".

Assim, permanece hígida a decisão atacada.

PROSSEGUIMENTO DO FEITO.

Diante da decisão relativa aos embargos, resta reaberto o prazo recursal às partes.

Intimação eletrônica agendada.

Alegou que o autor recebeu indevidamente valores a título de benefício previdenciário, devido à revogação da tutela provisória. Defendeu a possibilidade de cobrança dos valores nos próprios autos, com fundamento nos artigos 300 a 302, e 520, do Código de Processo Civil, e no Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça (evento 62, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões, subiram os autos.

VOTO

Devolução de valores de benefícios previdenciários

A respeito da devolução de valores de benefícios previdenciários recebidos indevidamente, assim dispõe o art. 115 da Lei nº 8.213:

Podem ser descontados dos benefícios:

(...)

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846. de 2019) - grifei

(...)

§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.

(...)

§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019) - grifei

§ 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º deste artigo, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, de dolo ou de coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 5º O procedimento de que trata o § 4º deste artigo será disciplinado em regulamento, nos termos da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e no art. 27 do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

Em precedente submetido ao regime dos recursos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) examinou a questão referente à devolução dos valores recebidos em decorrência de reforma de decisão judicial precária que concede benefício previdenciário. A tese fixada recebeu a seguinte redação:

Tema 692 - A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

(REsp n. 1.401.560/MT, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 12/2/2014, DJe de 13/10/2015.).

Nos embargos de declaração opostos no REsp 1.401.560, o STJ esclareceu que, apesar de o art. 115, inciso II, da Lei nº 8.213 autorizar apenas o desconto no benefício de pagamento além do devido, cabe o ressarcimento dos valores recebidos em razão de antecipação da tutela revogada.

Na proposta de revisão do Tema n.º 692, o Superior Tribunal de Justiça manteve o entendimento acerca do dever jurídico da parte autora de ressarcir o prejuízo na hipótese de reforma da antecipação de tutela, sem distinção quanto ao momento em que foi concedida ou revogada. Acrescentou à tese a possibilidade de o INSS valer-se do desconto no benefício para obter a devolução dos valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário. Essa é a nova redação da tese:

Tema 692 - A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.

O acórdão examinou exaustivamente as questões discutidas, conforme a ementa do julgado:

PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256-T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.
1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
2. O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por conta disso que sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.
3. O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral elencada na legislação processual.
4. A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.
5. A partir de então, começou a amadurecer a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.".
6. Em 2018, esta Relatoria propôs a questão de ordem sob exame, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à existência de alguns precedentes em sentido contrário no STF, mesmo não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.
7. À época, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 - que regulamenta a matéria no direito previdenciário - trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção ao rejeitar os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT fazendo menção a tal fato.
8. Foi essa redação pouco clara que gerou dúvidas e terminou ocasionando, em 2018, a propositura da questão de ordem ora sob julgamento.
9. A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.
10. Se o STJ - quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas - já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.
11. Trata-se, pois, de observância de norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, a meu sentir, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.
12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.
13. O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.
14. O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.
15. A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral (ARE 722.421/MG, j. em 19/3/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. No mesmo sentido, vide o RE 1.202.649 AgR (relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 20/12/2019), e o RE 1.152.302 AgR (relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 28/5/2019).
16. Ao propor a questão de ordem, esta Relatoria citou as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.
17. Quanto a elas, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.
18. Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.
19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.
20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.
21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.".
(Pet n. 12.482/DF, relator Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 11/5/2022, DJe de 24/5/2022.)

No caso presente, cuida-se de tutela de urgência que foi posteriormente revogada pelo julgamento final de improcedência (evento 3, PROCJUDIC2, fl. 10 e evento 42, SENT1). Assim, aplica-se a tese que foi fixada no Tema n.º 692 do Superior Tribunal de Justiça, sem necessidade de que tenha havido a previsão expressa acerca da necessidade de ressarcimento no título judicial que transitou em julgado.

Ocorre, todavia, que o art. 115, no inciso II, da Lei nº 8.213, além de instituir uma forma de autotutela a ser exercida pela autarquia previdenciária, autorizando o desconto sobre o benefício em valor que não exceda a 30%, inclusive na hipótese de antecipação de tutela revogada, segundo a tese fixada no Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça, também dispôs, no § 3º, a respeito da forma de cobrança dos benefícios pagos indevidamente.

Com efeito, malgrado já tenha partilhado do entendimento de que a autarquia previdenciária poderia exigir a devolução de quantia indevidamente paga, a título de antecipação de tutela posteriormente revogada, nos próprios autos da ação ou, ainda, em cumprimento de sentença a ela associada, com fundamento no art. 302 do Código de Processo Civil, anote-se que, reestudando a questão, adiro à posição de que a disposição geral contida no capítulo que trata das tutelas de urgência cede espaço ao que está disposto no art. 115, §3º, da Lei n.º 8.213, por se tratar esta de norma especial.

Assim, a liquidação dos prejuízos causados pela concessão indevida de benefício previdenciário em tutela provisória, embora seja legítima, não pode acontecer nos próprios autos da ação.

Deveras, o ressarcimento à autarquia previdenciária deverá dar-se por meio de desconto nas prestações mensais, de acordo com a previsão do art. 115, II, da Lei n.º 8.213, com observância ao devido processo legal e das garantias do contraditório e da ampla defesa, ou, para os casos em que não há benefício em manutenção, deverá ocorrer mediante inscrição em dívida ativa, com a consequente forma de cobrança que lhe é correspondente, conforme dispõe o art. 115, §3º, da Lei n.º 8.213.

Seguem, nesse sentido, julgados da 5ª e da 11ª Turma deste Tribunal:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. TEMA 692 STJ. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO ART. 115, II E § 3º, DA LEI 8.213/91. NECESSIDADE. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 11/05/2022, reafirmou a tese firmada no Tema Repetitivo nº 692, com acréscimo redacional, nos seguintes termos: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago. 2. Reafirmada a tese, o INSS faz jus à devolução de quantia indevidamente paga, a título de antecipação de tutela posteriormente revogada, nos termos do artigo 115, II, da Lei n.º 8.213/1991, seja na sua redação original, seja na redação da Lei n.º 13.846/2019. 3. Considerando que a questão foi tratada à luz do artigo 115, II, da Lei 8.213/91, seja quando do julgamento REsp n. 1.401.560/MT ou da questão de ordem Pet nº 12482/ DF, verifica-se que prevaleceu o entendimento de que a questão permanece tratada por lei especial. 4. Assim, não tendo sido fixado quando do julgamento do Tema 692 do STJ critérios processuais para a execução dos valores a serem repetidos, a repetição deve observar o disposto na Lei 8.213/91. 5. Cabe ao INSS veicular a cobrança dos valores que entende devidos na forma do artigo 115, II e § 3º da Lei nº 8.213/91, ou seja: i) através de descontos, nos termos do art. 115, II, da Lei 8.213/91; ou ii) deverá proceder a inscrição do crédito em dívida ativa, nos termos do § 3º acima transcrito. (TRF4, AC 5007043-55.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 29/06/2023)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. TEMA 692/STJ. AUSÊNCIA DE DECISÃO DETERMINANDO A DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA PROVISÓRIA REVERTIDA. PROCESSUALMENTE INVIÁVEL O PEDIDO DE DEVOLUÇÃO NOS PRÓPRIOS AUTOS. AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DO DÉBITO. 1. É processualmente inviável a devolução de valores recebidos a título de tutela provisória revogada nos casos em que não houve determinação nos próprios autos do processo da ação previdenciária. 2. No caso dos autos, conquanto obrigatória a devolução, o INSS deve proceder em conformidade com os critérios fixados, pois não houve nos autos da ação originária nenhuma determinação para que seja devolvida a quantia recebida no período de vigência da tutela antecipatória. (TRF4 5032156-84.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 07/12/2023)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. EXECUÇÃO PROMOVIDA NOS PRÓPRIOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cabe a repetição dos valores recebidos por conta de antecipação de tutela posteriormente revogada, pois, além de tais montantes não serem definitivos, o segurado tem ciência da precariedade de seu recebimento, sabendo que as importâncias percebidas não integram seu patrimônio até o provimento final nos autos do processo. 2. Existem as seguintes situações passíveis de análise quanto à aplicação do Tema 692 do STJ: a) há título para cobrança das diferenças, devendo ser observado pelo INSS em sua aplicação o limite do salário-mínimo, observando que: a.1) se o segurado percebe benefício previdenciário, o desconto poderá ocorrer diretamente na via administrativa, respeitados o limite legal de 30% e também o limite do salário-mínimo; a.2) se segurado não percebe benefício, deverá a autarquia efetuar a inscrição na dívida ativa do crédito que pretende obter; b) não há título executivo formado nesse sentido, devendo o INSS formar título próprio se assim desejar a execução judicial dos valores, com respeito ao contraditório e ampla defesa. 3. Hipótese em que a sentença transitada em julgado não determinou a devolução dos valores recebidos, sendo descabida a cobrança nos próprios autos. (TRF4, AC 5021241-68.2020.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 18/12/2023)

Por fim, anote-se que nem a tese que foi fixada no Tema n.º 692 do STJ nem a legislação de regência, ao disporem sobre o desconto no limite de 30%, não estabeleceram o valor do salário mínimo como patamar a ser observado, razão pela qual são permitidos os descontos mesmo que se trate de benefício em valor mínimo.

Assim, dá-se parcial provimento à apelação, para autorizar o ressarcimento dos valores recebidos pela parte autora, devendo a cobrança ocorrer nos termos da fundamentação.

Conclusão

A liquidação dos prejuízos causados pela concessão indevida de benefício previdenciário em tutela provisória, embora seja legítima à luz do Tema n.º 692 do STJ, não pode acontecer nos próprios autos da ação, à míngua de previsão no título judicial.

O ressarcimento à autarquia previdenciária deverá dar-se, portanto, por meio de desconto nas prestações mensais, de acordo com a previsão do art. 115, II, da Lei n.º 8.213, ou, para os casos em que não há benefício em manutenção, deverá ocorrer mediante inscrição em dívida ativa, com a consequente forma de cobrança que lhe é correspondente, conforme dispõe o art. 115, §3º, da Lei n.º 8.213.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004435353v7 e do código CRC afa08158.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 4/7/2024, às 16:12:37


5001314-77.2024.4.04.9999
40004435353.V7


Conferência de autenticidade emitida em 21/08/2024 04:00:59.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3118 - Email: gabhermes@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5001314-77.2024.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: DANIEL CRISTOVAM CASTANHO

VOTO DIVERGENTE

Pelo Exmo. Desembargador Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior:

Apresento voto para dissentir da solução alvitrada pelo Exmo. Relator.

Revogação de tutela de urgência - Aplicação do Tema 692 do STJ

Cinge-se a controvérsia à obrigatoriedade de devolução dos valores, percebidos pelo segurado do INSS a título de tutela antecipada, porém com revogação a posteriori mediante decisão judicial superveniente.

Sobre a questão se debruçou o Tema 692 do STJ, cuja tese assim restou definida em sua primeira versão, firmada em 13/10/2015:

A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

Posteriormente, em revisão ao referido Tema, já em 11/05/2022, nova tese assim foi firmada pela Corte Cidadã:

A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.

É oportuno salientar que, na Questão de Ordem levada a julgamento ao STJ, por ocasião da revisão em comento, foram submetidos os seguintes tópicos à apreciação, relevantes ao detalhamento da tese vertida no tema 692:

a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida;

b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida;

c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida;

e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância;

f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância;

g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente;

h) tutela de urgência concedida e cassada, a seguir, seja em juízo de reconsideração pelo próprio juízo de primeiro grau, ou pela segunda instância em agravo de instrumento ou mediante pedido de suspensão;

i) tutela de urgência cassada, mesmo nas situações retratadas anteriormente, mas com fundamento expresso na decisão de que houve má-fé da parte ou afronta clara a texto de lei, como no caso das vedações expressas de concessão de medida liminar ou tutela antecipada.

A revisão da tese considerou, ainda, a alteração legislativa levada a efeito pela Lei n.º 13.846/19 – que modificou a redação do art. 115, II, da Lei 8213/91 – a dissipar qualquer dúvida em termos de base legal para o decidido pelo STJ. Segundo o Relator da revisão, a mudança do diploma legal sufragou o entendimento vinculante anterior, consubstanciado no julgamento original do Tema 692/STJ.

Cediço, portanto, que a extensão da aplicação do tema é abrangente, devendo incidir nos diversos casos previstos tanto em seu julgamento original quanto naqueles que ensejaram a revisão da jurisprudência, suuprarreferidos. Aplica-se o Tema 692 ao caso ora em análise, portanto.

Em acréscimo, tenho que, mesmo havendo aplicação do julgado vinculante, seus efeitos não incidem sobre todo o valor percebido a título de benefício previdenciário, uma vez que a autorização para devolução não deve se constituir em autorização prévia para invasão das esferas dos direitos fundamentais dos segurados, garantidos pelo texto constitucional e pela legislação previdenciária de modo amplo.

Nesse sentido, trago os fundamentos muito bem lançados pelo eminente Desembargador Roger Raupp Rios, nos autos da ação n.º 50074628820124047101, julgada por unanimidade na 5ª Turma deste Tribunal:

Interpretação conforme a Constituição do artigo 115, III, da Lei n.º 8.213/1991: repetibilidade e natureza alimentar

É diante de todo o ordenamento jurídico, em suas disposições materiais e processuais, a começar dos ditames constitucionais, que deve se orientar a aplicação do Tema n.º 692, contexto adequado e mais amplo em que se insere a responsabilidade pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa e o regime de ressarcimento de dano processual, quadro em que se ler o parágrafo único do artigo 302 do CPC (“a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”).

A tutela de urgência, em especial nos litígios previdenciários e assistenciais, além de resguardar a utilidade do processo, configura antecipação da satisfação do direito material perseguido. Como se sabe, benefícios previdenciários e assistenciais, percebidos antecipadamente ou ao final do processo, são prestações positivas derivadas da legislação securitária, direitos subjetivos da legislação de desenvolvimento dos direitos fundamentais sociais, visando à cobertura de riscos sociais e, por conseguinte, à garantia das condições materiais de vida dos segurados; eles correspondem àquilo que o cidadão tem direito, cuja percepção, por circunstâncias de vulnerabilidade social, não alcança condições de aferir no mercado de trabalho, cujo fundamento radica, em última instância, no mínimo existencial, como desdobramento do direito à vida, à dignidade, no Estado Social e na igualdade matéria (nesse sentido, SARLET, Ingo Wolfgang; ZOCKUN, Carolina Zancaner. “Notas sobre o mínimo existencial e sua interpretação pelo STF no âmbito do controle judicial das políticas públicas com base nos direitos sociais”. Revista de Investigações Constitucionais, v. 3, n. 2, p. 115-141, maio/ago. 2016).

Com efeito, saliente-se que eventual reforma de provimento provisório que antecipe o direito material requerido não altera a natureza (no caso, alimentar) daquilo que se percebeu temporariamente (nesse sentido, por todos, Ovídio Araújo Baptista da Silva, cujo rigor e precisão sempre deixaram claro que o provisório e o definitivo gozam da mesma natureza, e que o temporário, ainda que com efeitos limitados no tempo, tem a mesma natureza do definitivo, Do Processo Cautelar, 3 ed. Rio de janeiro: Forense, 2006. p. 86; no mesmo sentido, NERY JÚNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil: A Reforma do Código de Processo Civil Brasileiro de dezembro de 1994. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995, p. 52;).

Nessa linha, não se revela logicamente correta objeção que conclua que o recebido por força de liminar reformada não se trataria de alimentos, porquanto a decisão final assim não os considerou. Isso porque, não obstante a conclusão expresse afirmação correta (a decisão final afastou o direito à percepção do requerido), ela se vale de uma premissa incorreta (que o percebido, ainda que provisoriamente, não tivesse natureza alimentar). Raciocínio assim estruturado pode ser qualificado como silogismo erístico, ou seja, baseado em premissas falsas.

O conteúdo do provimento provisório não perde, por eventual reforma posterior, a legitimidade e a juridicidade que dimanam da jurisdição prestada, cujo regular exercício lhe conferiu, enquanto vigente, os atributos de validez, da vigência e da eficácia, inerentes à jurisdição exercida na forma da Constituição e das leis. A norma legal que prevê eventual reforma como causa autorizadora da contraparte ao ressarcimento de prejuízos decorrentes da efetivação da tutela de urgência, como qualquer norma jurídica, não pode ser lida isoladamente, mas somente considerando todo o ordenamento jurídico, nem como norma desqualificadora da juridicidade do provimento reformado. Acaso se entendesse que a reforma de determinado ato judicial, por instância revisora, retirasse do ato recorrido sua juridicidade, sobraçariam o devido processo legal e a própria jurisdição, uma vez que a prevalência da decisão da instância recursal sobre a decisão recorrida resulta da relação de coordenação entre os órgãos judiciais encarregados de aplicar o direito, e não de subordinação.

Postas essas premissas - (1) a nomodinâmica das regras jurídicas que não existem isoladamente, senão no ordenamento jurídico como um todo; (2) a natureza alimentar de benefícios previdenciários e assistenciais recebidos em virtude de provimentos provisórios, ainda que posteriormente reformados e (3) a hierarquia das normas constitucionais, em especial as de direitos fundamentais -, passa-se à definição quanto ao modo de aplicação, em concreto, do artigo 115, III, da Lei n.º 8.213/1991.

De fato, trata-se de tarefa que se coloca no julgamento de cada caso concreto, por diversas razões: (1) seja porque a competência constitucional atribuída ao STJ não adentra em matéria fática; (2) seja porque, consequentemente, as razões e o debate desenvolvidos no julgamento donde extraída a diretriz jurisprudencial em aplicação (REsp n.º 1.401.560/MT) não se ocuparam deste tópico (vale dizer, sobre os limites materiais e processuais a serem observados na execução, em concreto, do dever de ressarcir); (3) seja porque o tematizado centrou-se na afirmação da incidência do artigo 115, sem descompasso com o regime do código de processo civil e as hipóteses explicitadas nos respectivos embargos de declaração; (4) sem, consequentemente, avançar na interpretação sistemática do conteúdo do artigo 115 em si mesmo considerado e, por fim, (5) seja porque é imperiosa a consideração dos ditames constitucionais no “mecanismo legal de devolução de valores” (conforme desenvolvido no voto do Ministro Herman Benjamin, ponto que acabou não sendo cogitado pelos demais votos, nem sendo objeto do decidido).

Diante deste quadro, há que se fixar, no mecanismo de devolução de valores desencadeado pela aplicação do aludido artigo 115, inciso III, interpretação conforme a Constituição que, ao mesmo tempo que afirma sua harmonia com o direito processual codificado, concretiza os limites de tal mecanismo em concordância prática com os direitos fundamentais do mínimo existencial, do direito à vida, à dignidade, à igualdade material e à previdência e assistência social, bem como atento ao princípio do Estado Social.

Daí a necessidade de dispor sobre interpretação do texto legal que conduza à sua aplicação em conformidade com a Constituição, afastando-se outras interpretações conflitantes (Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 474; Virgílio Afonso da Silva “Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial.”, Revista Direito GV, v. 2, n. 01 – 2010, jan-jun. 2006, p. 201); este trabalho hermenêutico, que se faz incidir conteúdos constitucionais na determinação do modo de aplicação da norma infraconstitucional, restringe a aplicação da norma vigente a determinados casos e a mantem em relação a outros, não se identificando com declaração de inconstitucionalidade, fazendo impertinente invocação de reserva de plenário (nesse sentido, RE 184093, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 29/04/1997, DJ 05-09-1997 PP-41894 EMENT VOL-01881-05 PP-00862; RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2-2007, Primeira Turma, DJ de 30-3-2007; MENDES, G.; BRANCO, P. G. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1411 a 1413).

Neste diapasão, e com direto desdobramento na devolução dos valores discutidos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "...a dignidade da pessoa humana e a proteção à família exigem que se ponham ao abrigo da constrição e da alienação forçada determinados bens..." (diretriz repetida em outros julgados do Supremo Tribunal Federal - por exemplo, AgReg no RE. 1.304.844/SP; RE 605709/SP; ARE 1.038.507/PR), com incidência direta e explícita quando da aplicação do artigo 115:

EMENTA. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 19.12.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (ARE 729.449 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 11-11-2013 PUBLIC 12-11-2013, grifei)

Esta diretriz, fundada em interpretação conforme a Constituição na aplicação da norma discutida, ademais, vai ao encontro da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, mesmo relativizando a regra geral de impenhorabilidade de verbas alimentares para satisfação de crédito não-alimentar, nunca deixa de observar que é de rigor preservar-se montante capaz de guarnecer a dignidade do devedor e sua família (nesse sentido: AREsp 2.086.603, EDCl no AEResp 2.06.804, julgados em 2022; AgInt no AREsp n. 1.77.483, julgado em 2021).

Com efeito, conforme a jurisprudência sedimentada do STJ, "a regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2° do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família" (AgInt no REsp 1407062/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 08/04/2019).

No mesmo sentido, exemplificativamente: AgInt no REsp 1892698/PR, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2021, DJe 10/03/2021; AgInt no REsp 1888552/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/12/2020, DJe 01/02/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1645585/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/11/2020, DJe 24/11/2020; AgInt no AgInt no AREsp 1640504/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 21/10/2020).

Nesse contexto, considerando que o teto dos benefícios previdenciários é pouco menos de R$ 7.090,00 mensais, montante pouco acima do valor apurado como expressão monetária real daquilo para o que é destinado o salário mínimo (para tanto, toma-se como referência a edição, mensal, da “Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos – Salário mínimo nominal e necessário” do DIEESE - https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html - que alcançou em junho de 2022 o patamar de R$ 6.527,67), pode-se concluir que o desconto, nos próprios autos, de qualquer parcela do benefício, a título de reparação por dano processual (CPC, art. 302), além da inaplicabilidade expressa no julgamento dos embargos de declaração (tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante), não pode divorciar-se de interpretação conforme a Constituição, coerente com a interpretação sistemática do direito vigente e harmônica às diretrizes jurisprudenciais consagradas.

Em suma, por (1) fundamentos constitucionais, relativos aos direitos à vida, à dignidade, à igualdade material e ao direito fundamental à previdência e à assistência social, cuja (2) repercussão nas normas processuais infraconstitucionais requer observância ao se definir o modo de sua aplicação, (3) em interpretação conforme a Constituição e interpretação sistemática do direito vigente, em harmonia com as diretrizes jurisprudenciais sedimentadas, (4) conclui-se que a correta aplicação do Tema n.º 692 do STJ, quanto ao modo de se exigir o cumprimento do dever de ressarcir valores percebidos a título de antecipação de tutela posteriormente revogada, nos próprios autos da ação julgada improcedente ou, ainda, em cumprimento de sentença a ela associada, requer que se preservem montantes capazes de guarnecer a dignidade do devedor e sua família, a serem demonstrados concretamente em cada litígio concreto; para tanto, o juízo processante há de proceder como entender de direito (por exemplo, oportunizando manifestação prévia do devedor à decisão sobre eventual pedido de desconto ou, acaso dispuser de elementos, desde o início afastando a pretensão, por constatada a imprescindibilidade dos valores para a subsistência digna do devedor e sua família).

Desde já, portanto, conclui-se pela impossibilidade de desconto quando se tratar de benefício de valor mínimo; na hipótese em que forem constatados recursos disponíveis além do mínimo existencial, a definição do percentual a ser descontado quando houver recursos disponíveis além do mínimo existencial, não deverá restringir desproporcionalmente o padrão de vida do segurado e sua família.

Caso se trate de cumprimento de sentença de pagar quantia certa, na hipótese em que não houver benefício ativo, devem ser observadas as regras gerais de impenhorabilidade previstas na legislação processual.

Convém referir, por oportuno, o julgamento havido nos autos da Ação Rescisória 50202323220194040000/PR, em Juízo de retratação apreciado pela 3ª Seção deste Tribunal, que em 26 de abril de 2023 decidiu por maioria a confirmar a tese de interpretação conforme a constituição acima exposta:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO CITRA PETITA. TUTELA PROVISÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. TEMA 692 STJ. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Sendo citra petita a decisão no feito originário, cabe a procedência da ação rescisória, em juízo rescindendo, e a análise do apelo em questão, tal como já fora feito no acórdão objeto de retratação. 2. Caso em que cabe efetivamente a aplicação do tema 692 do STJ, o que permite a retratação, porque, no juízo rescisório, está-se analisando o apelo interposto contra sentença que, no processo de conhecimento originário, obrigara a segurada, ora autora, a devolver os valores recebidos. 3. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 11/05/2022, acolheu questão de ordem para reafirmar a tese jurídica contida no Tema Repetitivo nº 692, com acréscimo redacional, nos seguintes termos: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago". 4. Delimitado o âmbito de incidência do tema, resta examinar sua incidência e fundamentação. O que se decidiu no Tema n.º 692 diz respeito à obrigação do exequente, nos termos da legislação processual, de ressarcir prejuízos sofridos pelo executado decorrente de reforma de tutela provisória, dever que subsiste em virtude do artigo 15, III, da Lei n.º 8.213/1991, seja na sua redação original, seja na redação da Lei n.º 13.846/2019. 5. É diante de todo o ordenamento jurídico, em suas disposições materiais e processuais, a começar dos ditames constitucionais, que deve se orientar a aplicação do Tema n.º 692, contexto adequado e mais amplo em que se insere a responsabilidade pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa e o regime de ressarcimento de dano processual, quadro em que se ler o parágrafo único do artigo 302 do CPC (“a indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”). 6. Em suma, por (1) fundamentos constitucionais, relativos aos direitos à vida, à dignidade, à igualdade material e ao direito fundamental à previdência e à assistência social, cuja (2) repercussão nas normas processuais infraconstitucionais requer observância ao se definir o modo de sua aplicação, (3) em interpretação conforme a Constituição e interpretação sistemática do direito vigente, em harmonia com as diretrizes jurisprudenciais sedimentadas, (4) conclui-se que a correta aplicação do Tema n.º 692 do STJ, quanto ao modo de se exigir o cumprimento do dever de ressarcir valores percebidos a título de antecipação de tutela posteriormente revogada, nos próprios autos da ação julgada improcedente ou, ainda, em cumprimento de sentença a ela associada, requer que se preservem montantes capazes de guarnecer a dignidade do devedor e sua família, a serem demonstrados concretamente em cada litígio concreto; para tanto, o juízo processante há de proceder como entender de direito (por exemplo, oportunizando manifestação prévia do devedor à decisão sobre eventual pedido de desconto ou, acaso dispuser de elementos, desde o início afastando a pretensão, por constatada a imprescindibilidade dos valores para a subsistência digna do devedor e sua família). 7. Desde já, portanto, conclui-se pela impossibilidade de desconto quando se tratar de benefício de valor mínimo; na hipótese em que forem constatados recursos disponíveis além do mínimo existencial, a definição do percentual a ser descontado quando houver recursos disponíveis além do mínimo existencial, não deverá restringir desproporcionalmente o padrão de vida do segurado e sua família. Caso se trate de cumprimento de sentença de pagar quantia certa, na hipótese em que não houver benefício ativo, devem ser observadas as regras gerais de impenhorabilidade previstas na legislação processual. 8. Em juízo de retratação, a ação rescisória é parcialmente procedente para, em juízo rescindendo, rescindir o julgado por citra petita. E, em juízo rescisório, apelação da parte autora parcialmente provida nos autos originários, para reconhecer a repetibilidade dos valores recebidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, observada a necessidade de garantia do mínimo existencial. (TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA (SEÇÃO) Nº 5020232-32.2019.4.04.0000, 3ª Seção, Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS, POR MAIORIA, VENCIDOS A RELATORA, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/04/2023)


Repisa-se, outrossim, que a mais escorreita aplicação do Tema 692 deve observar o respeito ao valor integral, líquido, do salário-mínimo em cada competência a ser descontada, em Interpretação conforme a constituição do artigo 115, III, da Lei n.º 8.213/1991, nos exatos termos dos textos supracitados, os quais adoto como razões de decidir, na íntegra, quanto aos limites da devolução. Em outras palavras, não pode haver desconto nos termos do Tema 692 que reduza o valor percebido abaixo do salário-mínimo vigente na competência.

Critérios processuais para devolução

Definido o limite para os descontos, devem ser fixados também os critérios processuais para efetivação da devolução dos valores. Nesse sentido, a Lei 8.213/91 assim trata a questão, em sua redação atual:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

(...)

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento;

(...)

§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.

§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II.

§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial.

§ 4º Será objeto de inscrição em dívida ativa, para os fins do disposto no § 3º deste artigo, em conjunto ou separadamente, o terceiro beneficiado que sabia ou deveria saber da origem do benefício pago indevidamente em razão de fraude, de dolo ou de coação, desde que devidamente identificado em procedimento administrativo de responsabilização. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

A seu turno, o Código de Processo Civil, em seu art. 302, assim dispõe:

Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

(...)

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

O que se depreende, do cotejo entre as normas citadas, é que a norma especial, no caso a Lei 8.213/91, dever ser aplicada em detrimento do CPC; ainda, é possível afirmar que a possibilidade referida no diploma processual se obsta pela determinação clara do art. 115 da lei de benefícios, supracitado, ao retirar expressamente a habilitação dada pela lei de processo para liquidação da dívida nos próprios autos. É de relevo notar que a legislação previdenciária efetua um comando, ao afirmar que serão inscritos em dívida ativa os débitos formados.

Não outra é a conclusão do ilustre Desembargador Alexandre Lippel, em voto de sua relatoria, apresentado em 27/04/2023, que colaciono, por oportuno (5011954-68.2013.4.04.7108/RS):

Entrementes, à vista do aparente conflito entre as leis, deve prevalecer o disposto na Lei 8.213/91, seja em razão do princípio da especialidade, seja em razão da expressão sempre que possível constante do diploma processual, uma vez que o cumprimento, na hipótese, encontraria óbice no parágrafo 3º do art. 115 da Lei de Benefícios, que dispõe que os valores Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (grifei)

Dessa forma, cabe ao INSS veicular a cobrança dos valores que entende devidos na forma do artigo 115, II e parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, ou seja: i) através de descontos, nos casos de benefício em manutenção (artigo 115, II, da Lei 8.213/91); ou ii) inexistindo benefício em manutenção, deverá proceder a inscrição do crédito em dívida ativa (artigo 115, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).

Entendimento diverso importaria no afastamento do art. 115, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, como bem ressaltou o STJ na ementa acima transcrita, em relação ao inciso II do mesmo artigo, também alterado pela Lei 13.846/2019: (12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.)

Sob a perspectiva exposta, portanto, deve ser respeitada a legislação previdenciária quanto ao modo de recuperação dos valores nos casos em que a devolução é autorizada, nesses termos:

a) quando o benefício estiver ativo, deverá ocorrer o desconto dos valores na via administrativa, de forma direta, respeitado o limite constitucional do salário-mínimo (artigo 115, II, da Lei 8.213/91);

b) não havendo benefício percebido pelo segurado, deverá proceder a autarquia na inscrição do crédito em dívida ativa (artigo 115, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).

Necessidade de formação de título - contraditório e ampla defesa

Em acréscimo, nos casos em que, em sede cumprimento de sentença há pedido de execução dos valores a que teria direito em aplicação ao Tema 692, quando o INSS pretende o processamento nos próprios autos onde houve a reforma, entendo que, além do óbice acima colacionado, dentro dos limites do art. 115 da Lei 8.213/91, haveria a necessidade de constar do título judicial a determinação de devolução dos valores, porquanto já transitada em julgado a demanda. Deveras, "A mera revogação da tutela provisória não equivale ao reconhecimento da obrigação de devolução das parcelas recebidas, razão pela qual o pedido de cumprimento de sentença feito nesses termos excede os limites da coisa julgada e, por isso, não é possível." (TRF4, AG 5022337-79.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 27/09/2019)

Nesta linha são os seguintes julgados desta Casa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RESSARCIMENTO DE VALORES. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA PARCIALMENTE REVOGADA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. Não prevendo o título judicial a condenação do segurado ao ressarcimento, ao INSS, dos valores pagos a título de antecipação da tutela posteriormente revogada, mesmo que em parte, resta à Autarquia Previdenciária buscar, em ação própria, a restituição que alega devida, na qual será discutido, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o cabimento da devolução postulada. (TRF4, AG 5050426-15.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 26/04/2021)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO NOS PRÓPRIOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência desta Corte não admite a cobrança dos valores pagos por força de medida antecipatória nos próprios autos da ação de concessão do benefício ou o desconto dos valores devidos em cumprimento de sentença, mormente quando o título judicial transitou em julgado sem nada estabelecer acerca da necessidade de devolução. 2. Deve o INSS buscar em ação própria, com as garantias inerentes ao contraditório e à ampla defesa, a restituição dos valores que entende devidos. (TRF4, AC 5014930-61.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 25/03/2022)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PELO INSS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PRÓPRIA. 1. Em que pese a parte autora ter recebido valores em razão de tutela antecipada, posteriormente revogada, o título executivo não previu o respectivo ressarcimento ao INSS, razão pela qual não é possível que a autarquia dê início ao cumprimento de sentença. 2. Agravo de instrumento desprovido. (TRF4, AG 5015817-35.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 22/06/2022)

ADMINISTRATIVO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. AUSÊNCIA DE MENÇÃO NO TÍTULO EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA DE TÍTULO. 1. Não havendo menção no título executivo judicial transitado em julgado no sentido da devolução dos valores percebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada, inexistente título executivo apto a fundamentar sua execução nos próprios autos, porquanto a revogação da tutela provisória não corresponde ao reconhecimento automático de obrigação de restituição das quantias recebidas. (TRF4, AC 5065567-27.2013.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 07/07/2022)

Em não se divisando nenhuma determinação expressa de devolução dos valores pelo segurado no título judicial, sequer existe respaldo para a execução promovida, dada a evidente ausência de título executivo.

Concluindo, em síntese, existem as seguintes situações passíveis de análise quanto à aplicação do Tema 692:

i) Há título para cobrança das diferenças, devendo ser observado pelo INSS em sua aplicação o limite do salário-mínimo, nos termos acima expostos;

ii) No caso I, e quando o segurado perceber benefício previdenciário, existindo título para desconto dos valores, o INSS poderá efetuar diretamente na via administrativa, respeitado o limite legal de 30% e o limite do salário-mínimo;

iii) No caso I, em sendo o caso de segurado que não percebe benefício, e existindo título judicial, deverá a autarquia efetuar a inscrição na dívida ativa do crédito que pretende obter;

iv) Não há título executivo formado nesse sentido; Nesse caso, deve o INSS formar título próprio se assim desejar a execução judicial dos valores, com respeito ao contraditório e ampla defesa;

No caso dos autos, trata-se de ação do autor onde foi revogada sua tutela de urgência por sentença improcedente, motivo pelo qual o INSS apela para buscar o ressarcimento dos valores alcançados a título precário na própria ação. Nesse caso, consirando que o autor não percebe benefício previdenciário no momento, e considerando a situação dos autos, é forçoso que se reconheça a possibilidade de devolução do numerário, a incidir a hipótese "iii", suprarreferida, devendo o INSS ter direito ao ressarcimento, porém mediante inscrição na dívida ativa, de posse do título judicial ora formado, e não nos próprios autos da demanda.

Dispositivo.

Diante do acima exposto, voto por divergir do relator e dar parcial provimento ao recurso do INSS, em menor extensão, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004551162v2 e do código CRC 737afe76.Informações adicionais da assinatura:
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5001314-77.2024.4.04.9999
40004551162.V2


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001314-77.2024.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: DANIEL CRISTOVAM CASTANHO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. TEMA 692 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LIMITES DA LIDE.

1. A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago (Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça).

2. O ressarcimento à autarquia previdenciária deverá ocorrer por meio de desconto nas prestações mensais ou, para os casos em que não há benefício em manutenção, mediante inscrição em dívida ativa, não se admitindo a cobrança nos próprios autos, à míngua de previsão no título judicial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR e PAULO AFONSO BRUM VAZ, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de agosto de 2024.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004435354v4 e do código CRC 5c1aa321.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 14/8/2024, às 11:20:7


5001314-77.2024.4.04.9999
40004435354 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 21/08/2024 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/06/2024 A 27/06/2024

Apelação Cível Nº 5001314-77.2024.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: DANIEL CRISTOVAM CASTANHO

ADVOGADO(A): CATIUSCIA LUIZA SOUZA PEIXOUTO (OAB RS068306)

ADVOGADO(A): FRANCISCO ANTONIO DA SILVA PEIXOUTO (OAB RS086508)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/06/2024, às 00:00, a 27/06/2024, às 16:00, na sequência 3, disponibilizada no DE de 11/06/2024.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, COM RESSALVA, E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS, EM MENOR EXTENSÃO, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Divergência - GAB. 51 (Des. Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR) - Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR.

Ressalva - GAB. 54 (Des. Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL) - Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL.

Considerando o caso concreto, acompanho o eminente Relator.



Conferência de autenticidade emitida em 21/08/2024 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/07/2024 A 05/08/2024

Apelação Cível Nº 5001314-77.2024.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: DANIEL CRISTOVAM CASTANHO

ADVOGADO(A): CATIUSCIA LUIZA SOUZA PEIXOUTO (OAB RS068306)

ADVOGADO(A): FRANCISCO ANTONIO DA SILVA PEIXOUTO (OAB RS086508)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/07/2024, às 00:00, a 05/08/2024, às 16:00, na sequência 2, disponibilizada no DE de 18/07/2024.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL ALTAIR ANTONIO GREGORIO ACOMPANHANDO O RELATOR, E O VOTO DO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A 5ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES FEDERAIS HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR E PAULO AFONSO BRUM VAZ, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha a Divergência - GAB. 91 (Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ) - Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ.

Com a vênia da relatoria, acompanho a divergência no sentido de dar parcial provimento ao recurso do INSS, em menor extensão, nos termos da fundamentação.

Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 64 (Des. Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO) - Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO.

Acompanho o(a) Relator(a)



Conferência de autenticidade emitida em 21/08/2024 04:00:59.

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