APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001656-19.2015.4.04.7117/RS
RELATORA | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ALEX RIBEIRO VIEIRA |
ADVOGADO | : | CIELEN GRASIELE DE LIMA MIKULSKI |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ERRO IMPUTADO AO PRÓPRIO INSS. BOA-FÉ DO BENEFICIÁRIO CONFIGURADA. INDEVIDO O RESSARCIMENTO.
1. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, o pagamento indevido feito pela Administração, sem que o beneficiário tenha concorrido com má-fé para tal, é irrestituível.
2. Precedentes numerosos desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos quando configurada a boa-fé do segurado.
3. Além disso, é de se destacar o erro da autarquia ao manter o pagamento do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de setembro de 2016.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8527822v6 e, se solicitado, do código CRC E6B99FA2. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001656-19.2015.4.04.7117/RS
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença que julgou improcedente demanda proposta pelo INSS que visa à restituição de valores que teriam sido pagos indevidamente em favor do réu Alex Vieira por ser, então, titular de benefício previdenciário de pensão por morte. O juízo a quo negou o pedido da autarquia previdenciária em virtude de considerar não existente a má-fé na espécie e o erro da Administração na manutenção de pagamento de parcelas mensais do benefício então titularizado pelo réu.
Diante da decisão desfavorável, o INSS apela buscando a devolução dos valores pagos indevidamente, ainda que de boa-fé e por erro da Administração, alegando que decisões em sentido contrário não encontrariam respaldo em nosso ordenamento jurídico e citando o art. 115 da Lei 8.213/91. Defende que não se poderia exigir demonstração de má-fé. Cita trecho de decisão do STF sobre o tema, além de citar ementas de decisões sobre o tema de outros Tribunais. Menciona o princípio da vedação do enriquecimento ilícito, além de colacionar o art. 154 do Decreto 3.048/99 e os arts. 876, 884 e 885 do Código Civil. Conclui o INSS pela necessidade, legalidade e constitucionalidade da cobrança dos valores indevidamente pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, mesmo que recebidos de boa-fé. Por fim, pede a reforma da sentença para que o réu seja condenado ao ressarcimento dos valores recebidos indevidamente.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Regional para julgamento do apelo.
É o breve relatório.
Em pauta.
VOTO
Considerações iniciais
Inicialmente aponto que a decisão recorrida foi publicada antes de 18/03/2016 (evento 31 dos autos eletrônicos originários), de forma que devem ser aplicadas, ainda, as disposições previstas no Código de Processo Civil de 1973, especialmente no que toca, agora, ao recurso de apelação, sem exclusão das demais. Lembro, também, oportunamente, que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a data da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil é 18/03/2016 (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunicação/Notícias/Notícias/Pleno-do-STJ-define-que-o-novo-CPC-entra-em-vigor-no-dia-18-de-março).
Mérito recursal
No mérito, a questão em debate pertine à ação de ressarcimento proposta pelo INSS com fundamento, especialmente, no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
III - Imposto de Renda retido na fonte;
IV - pensão de alimentos decretada em sentença judicial;
V - mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados.
Trata-se de demanda por meio da qual o INSS pretende constituir judicialmente débito em desfavor de Alex Vieira, ao argumento de que esse teria recebido indevidamente parcelas de benefício previdenciário de pensão por morte, após já ter atingido a idade de 21 anos, o que impediria a continuidade de recebimento do benefício.
Compulsando os autos, e dada as peculiaridades do caso, tenho que a sentença impugnada apreciou com precisão a lide, estando de acordo com o entendimento deste Tribunal em feitos similares, merecendo, portanto, ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
"DO MÉRITO
II.2. Do caso dos autos
Como se evidencia, o fato que ensejou a revisão administrativa - e a consequente restituição determinada administrativamente - foi a apuração de irregularidades no recebimento do benefício de pensão por morte titularizado por Alex Ribeiro Vieira. Segundo o INSS, o demandando, mesmo após atingir a maioridade (23/10/2001), continuou, em ignorância indesculpável de erro administrativo, percebendo os valores da pensão indevidamente por quase 4 anos.
Diante da percepção indevida, o INSS notificou o requerido para pagar a quantia recebida indevidamente. Ao que se infere dos autos (evento 1, PROCADM2 e PROCADM3), também, o processo administrativo teve trâmite regular, com a cientificação e apresentação de defesa pelo demandando, inclusive em grau de recurso, fundamentando-se o cancelamento do benefício em decisão motivada do ente público.
Pois bem. É assente na jurisprudência que a Administração Pública pode rever seus próprios atos. Neste sentido, a Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
O artigo 115, inciso II da Lei nº 8.213/91, de sua parte, autoriza o desconto de benefícios pagos além do devido, conquanto seja feito em parcelas para beneficiários de boa-fé, verbis:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.
Partindo da literalidade de tal artigo, o INSS entende caber sempre a restituição dos valores pagos indevidamente por erro administrativo, independentemente de estar o segurado de boa-fé ou de má-fé. No primeiro caso, a restituição seria feita em parcelas; no segundo, de uma só vez, conforme estabelecido em regulamento (Decreto nº 3.048/99, art. 154).
Consolidou-se na jurisprudência, contudo, entendimento no sentido de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé (nesse sentido: EREsp nº 612.101, Terceira Seção, rel. Min. Paulo Medina, DJ 12.03.2007).
Tal entendimento - observo - não constitui novidade no âmbito da Administração Pública Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem assentado que o servidor não fica obrigado a restituir vantagens indevidas, senão a partir da ciência da declaração de ilegalidade do ato de concessão pela corte de contas, porque antes disso o servidor está de boa-fé (cf. TCU, Súmulas 106 e 249).
A aposição da boa-fé como limite às pretensões restituitórias da Administração, outrossim, se legitima na concepção de legalidade administrativa como parâmetro de juridicidade, que exige o cotejo da legalidade com os demais princípios norteadores do Estado de Direito, notadamente a segurança jurídica. Vale dizer, a legalidade, que orienta o dever de restituição à luz da vedação ao enriquecimento sem causa, deve ser compatibilizada com a proteção substancial da confiança do administrado que não contribui para o vício do ato (por todos: MAFFINI, Rafael. Principio da proteção substancial da confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 185).
Não dissente, a posição do nosso Regional:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. DECADÊNCIA. VEDADA CUMULAÇÃO DE PENSÕES. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. LEI 1.060/50. 1. Os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, têm, como termo incial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01.02.1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato. Em qualquer hipótese, o prazo decadencial é de dez anos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. É vedada a cumulação de pensões por morte, sendo garantida ao beneficiário a opção do benefício mais vantajoso, a teor do disposto no 124, VI, da Lei n. 8.213/91. 3. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 4. Havendo sucumbência recíproca, a gratuidade de justiça não obsta à compensação dos honorários advocatícios, embora a parte beneficiária da AJG não fique obrigada ao pagamento enquanto inalterada sua situação econômica. (TRF4, APELREEX 5029224-37.2010.404.7100, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, D.E. 16/02/2012)
PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. CUMULAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E AUXÍLIO-RECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. 1. O benefício assistencial não é acumulável com qualquer benefício previdenciário, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.71.99.003724-8, 6ª Turma, Des. Federal CELSO KIPPER, D.E. 01/10/2009)
PREVIDENCIÁRIO. DESCONTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS PAGOS A MAIOR. CESSAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. PEDIDO DE PAGAMENTO DE DANOS MORAIS. Em se tratando da devolução dos valores percebidos de boa-fé ou por equívoco administrativo, é de se ver que a jurisprudência pátria já consolidou entendimento no sentido de que deve ser acolhida a tese da impossibilidade de repetição das referidas prestações em face da natureza alimentar de que gozam os benefícios previdenciários. Não cabem danos morais pelo fato puro e simples de a administração previdenciária, no exercício de seu poder de autotutela, efetuar a revisão da renda mensal de benefício previdenciário. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.71.09.000154-3, 6ª Turma, Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, D.E. 05/08/2009)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SALÁRIO MÍNIMO. 1. Hipótese em que devida a remessa oficial.2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. 3. Em se tratando de benefício com proventos fixados em um salario mínimo, incabível qualquer desconto, sob pena de violação ao art. 201, § 2 º, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.14.000273-0, 5ª Turma, Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, POR UNANIMIDADE, D.E. 04/08/2009)
Nessa ótica, parece claro que a boa-fé é limite à pretensão do Estado obter a restituição de valores indevidamente pagos a beneficiários da Previdência Social, o que se fundamenta no caráter alimentar dos benefícios e na preservação dos efeitos pretéritos de atos nulos em favor de destinatários não causadores do vício.
Passo à análise da viabilidade da repetição e a definição exata do que seja boa-fé e má-fé.
Como se sabe, existem duas boas-fés no âmbito do Direito: uma objetiva, identificada em um padrão de conduta a ser tomado pelas partes; e outra subjetiva, pertinente a aspectos anímicos do agente. A fim de delimitar a restituição dos benefícios previdenciários pagos por erro, interessa-nos a segunda, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe a maior.
Os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado "A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos", inserido na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 11/122, verbis:
"(...) Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não." (grifos nossos)
Como se colhe de tal entendimento, ajustado às peculiaridades do direito previdenciário, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável extrai-se a ilação de que agira em boa-fé; inviabilizada estará, assim, a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável - v.g., quando o beneficiário passa a perceber benefício em valor dobrado, ou após a extinção do direito à prestação -, à primeira vista, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição.
Transpondo tais conclusões para o presente caso, não vejo como concluir que o requerido percebeu as parcelas de má-fé, vez que esta não pode ser presumida.
Com efeito, o pagamento do benefício previdenciário em discussão decorreu, inequivocadamente, de erro administrativo da autarquia, que não se valeu de seus sistemas para cessar os pagamentos após a maioridade do beneficiário.
Neste particular, é forçoso reconhecer que não há qualquer comprovação nos autos acerca de um eventual comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte do demandado, que acreditava estar agindo em conformidade com os ditames legais. Veja-se que a irregularidade diz respeito a aspecto técnico, não cessação do benefício após a data limite fixada pela Previdência Social e pela legislação de regência para sua percepção.
No caso, conforme esboçado na contestação e corroborado em seu depoimento pessoal, o demandando desconhecia o regramento aplicável à espécie do benefício, ademais, quando da sua concessão, era menor de idade - incapaz.
Portanto, se o INSS manteve o pagamento do benefício após a maioridade da beneficiário em razão de erro administrativo, não pode pretender, anos após, fazer as consequências de tal erro recaírem sobre o demandado que, de boa-fé, recebeu a prestação e consumiu os valores de natureza alimentar.
Não há, desse modo, demonstração inequívoca de que o benefício previdenciário foi recebido por má-fé, dolo ou fraude do demandado, os quais devem ser comprovados, porquanto não se presumem.
Tal entendimento, aliás, vem sendo sedimentado na jurisprudência pátria, como se observa nos seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES.1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (TRF4, APELREEX 5016752-38.2014.404.7108, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do VallePereira, juntado aos autos em 29/05/2015)
PREVIDENCIÁRIO. VALOR COBRADO PELO INSS. NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ PELO SEGURADO. SENTENÇA MANTIDA.Tendo havido pagamento indevido de valores a título de benefício previdenciário, sem que o segurado tenha concorrido com má-fé, incabível a restituição. Não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115, da Lei 8.213/91, o reconhecimento da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. A hipótese é de não incidência do dispositivo legal, porque não concretizado o seu suporte fático. Precedentes do STF (ARE 734199, Rel Min. Rosa Weber). (TRF4, APELREEX 5043281-64.2013.404.7000, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Lugon) Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 16/04/2015)
PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. ERRO ADMINISTRATIVO. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR. 1. A decisão do STJ em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.401.560), que tratou da repetibilidade de valores recebidos por antecipação da tutela posteriormente revogada (tendo em vista o caráter precário da decisão antecipatória e a reversibilidade da medida), não alcança os pagamentos decorrentes de erro administrativo, pois nesses casos está presente a boa-fé objetiva do segurado, que recebeu os valores pagos pela autarquia na presunção da definitividade do pagamento.2. Tratando-se de prestações previdenciárias pagas por erro administrativo, tem-se caracterizada a boa-fé do segurado, não havendo que se falar em restituição, desconto ou devolução desses valores ainda que constatada eventual irregularidade. 3. Incontroverso o erro administrativo, reconhecido pelo INSS na via administrativa e no curso da ação, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99.4. A ineficiência do INSS no exercício do poder-dever de fiscalização não afasta o erro da Autarquia, nem justifica o ressarcimento ao INSS, e menos ainda transfere ao segurado a responsabilidade e o ônus por pagamentos indevidos. (TRF4, APELREEX 5000659-33.2014.404.7000, Sexta Turma, Relatora p/ Acórdão Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 04/12/2014, Grifado)
Assim, mostra-se incabível a pretensão restituitória deflagrada pela autarquia já que decorrente de erro administrativo da administração."
O entendimento jurisprudencial no âmbito do STJ é firme ao reconhecer a irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário em caso de boa-fé do segurado/beneficiário, considerando, ainda, no caso dos autos, o erro da Administração. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DECISÃO ANTECIPATÓRIA. VERBAS ALIMENTARES. IMPOSSIBILIDADE.
1. Os valores recebidos em virtude de decisão judicial precária devem ser restituídos ao erário, via de regra. Todavia, nos casos de verbas alimentares, surge tensão entre o princípio que veda o enriquecimento sem causa e o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, fundado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
2. Esse confronto tem sido resolvido, nesta Corte, pela preponderância da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar, quando recebidas de boa-fé pelo agente público.
3. O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento, inclusive em recente decisão proferida sob a sistemática dos recursos repetitivos REsp 1.244.182/PB (Rel. Min. Benedito Gonçalves), no sentido de que os valores recebidos pelos administrados em virtude de erro da Administração ou interpretação errônea da legislação não devem ser restituídos, porquanto, nesses casos, cria-se uma falsa expectativa nos servidores, que recebem os valores com a convicção de que são legais e definitivos, não configurando má-fé na incorporação desses valores. (GRIFEI).
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1341308 / PB AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2012/0181375-6 Relator(a) Ministro CASTRO MEIRA (1125) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 18/12/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 08/02/2013)
Ressalto ser este também este o entendimento no TRF da 4ª Região, consoante recentes decisões que abaixo anoto:
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ERRO IMPUTADO AO PRÓPRIO INSS. BOA FÉ DO SEGURADO CONFIGURADA. INDEVIDO O RESSARCIMENTO Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, o pagamento indevido feito pela Administração, sem que o beneficiário tenha concorrido com má-fé para tal, é irrestituível. Precedentes da Terceira Seção desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos quando configurada a boa fé do segurado. (TRF4, AC 5025095-23.2014.404.7108, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 15/06/2016)
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ERRO IMPUTADO AO PRÓPRIO INSS. BOA FÉ DO SEGURADO CONFIGURADA. INDEVIDO O RESSARCIMENTO Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, o pagamento indevido feito pela Administração, sem que o beneficiário tenha concorrido com má-fé para tal, é irrestituível. Precedentes da Terceira Seção desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos quando configurada a boa fé do segurado. (TRF4, AC 5008167-97.2014.404.7204, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 26/02/2016)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. Não é devida a repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (TRF4, APELREEX 5002509-67.2015.404.7104, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/12/2015)
Diante do princípio acerca da presunção da boa-fé do segurado/beneficiário, o animus de se locupletar de valores da previdência social por meio de ato fraudulento ou que evidencie má-fé necessita ser devidamente demonstrado pelo demandante. Nesse sentido, colaciono precedentes também deste Regional:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. SUPRESSÃO DA PARCELA. CABIMENTO. DESCONTO NOS VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. Não se exige o esgotamento do processo na via administrativa para que o interessado ingresse com a ação correspondente. No seu sistema de autocontrole, a administração pública tem o poder-dever de suprimir o pagamento de parcela cujo pagamento foi considerado ilegal. Hipótese em que se constata a observância dos princípios da segurança jurídica e boa-fé, bem como do devido processo legal na atuação da Administração, que culminou com a redução nos proventos de aposentadoria. O recebimento da parcela com a alegada boa-fé, por si só, não obsta a supressão de parcela ilegal pela Administração. Não é cabível a repetição dos valores ao Erário quando o pagamento se tiver dado por erro da Administração Pública e o servidor estiver de boa-fé, máxime em se tratando de verba de natureza alimentar. É princípio geral do direito que a boa-fé se presume e a má-fé depende de prova, sendo que os elementos de convicção constantes dos autos não autorizam um juízo de certeza sobre a má-fé do autor, indispensável à determinação de restituição dos valores percebidos. (TRF4, AC 5000865-55.2012.404.7214, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Candido Alfredo Silva Leal Junior, D.E. 19/12/2012). (destaquei)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO ADMINISTRATIVA. PERCEPÇÃO CUMULATIVA DE DUAS APOSENTADORIAS. DECADÊNCIA CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INOCORRÊNCIA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA OBSERVADOS NO CURSO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. AUSÊNCIA DE FRAUDE OU MÁ-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. (...) 7. Nos termos do art. 115 da Lei n.° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já está consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis devido ao caráter alimentar do benefício. 8. Não havendo nos autos elementos capazes de evidenciar a má-fé do segurado ao receber o benefício, não é possível presumi-la. Em se tratando de verba de natureza alimentar, recebida de boa-fé, não há falar em restituição dos valores recebidos. (TRF4, APELREEX 2008.71.17.001099-8, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 07/12/2011). (destaquei)
Ora, não é possível exigir do requerido conhecimentos técnicos acerca de matéria previdenciária. O erro que ocasionou o recebimento indevido do benefício previdenciário se deu por parte do INSS, autarquia especializada, que detém conhecimento em matéria previdenciária e meios para detectar eventual não satisfação dos requisitos para a manutenção dos benefícios previdenciários já concedidos.
Assim, a improcedência da demanda é medida impositiva.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 13/09/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001656-19.2015.4.04.7117/RS
ORIGEM: RS 50016561920154047117
RELATOR | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
PRESIDENTE | : | Marga Inge Barth Tessler |
PROCURADOR | : | Dra. Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | ALEX RIBEIRO VIEIRA |
ADVOGADO | : | CIELEN GRASIELE DE LIMA MIKULSKI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 13/09/2016, na seqüência 220, disponibilizada no DE de 25/08/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
José Oli Ferraz Oliveira
Secretário de Turma
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| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | José Oli Ferraz Oliveira |
| Data e Hora: | 14/09/2016 17:55 |
