Remessa Necessária Cível Nº 5001742-29.2020.4.04.7015/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PARTE AUTORA: ARMANDO MANGOLIN (AUTOR)
PARTE RÉ: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)
PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada contra a União, o estado do Paraná e o município de Lunardelli, na qual a parte autora objetiva o fornecimento dos medicamentos e insumos ACTOSORB SILVER 220, PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO, PROMOGRAN PRISMA, TIELLE NON ADHESIVE LIQUALOCK, REMEDY PHYTOPLEX, SNAP THERAPY, PIELSANA POLIHEXANIDA GEL e VUELO SPRAY BARREIRA para tratamento de Úlcera dos membros inferiores, não classificada em outras partes (CID 10 L97).
Sentenciando, o Juízo a quo julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:
III - Dispositivo:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, caput, inciso I, do Código de Processo Civil, para DETERMINAR aos réus ESTADO DO PARANÁ e UNIÃO o fornecimento dos medicamentos ACTISORB® Silver 220 Cobertura de Carvão Ativado com Prata (Systagenix Wound Management Limited); PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO AQUOSA (DBS Indústria e Comércio Ltda); PROMOGRAN PRISMA® MATRIZ DE EQUILÍBRIO PARA FERIDAS (Systagenix Wound Management Limited); TIELLE NON ADHESIVE Cobertura de hidropolímero não adesiva com tecnologia LIQUALOCK (Systagenix Wound Management Limited); Remedy PHYTOPLEX® Nourishing Skin Cream; CONJUNTO DE CURATIVO AVANÇADO SNAP™ (KCI USA INC); Pielsana polihexanida gel (DBS®); e Vuelo spray barreira (Vuelo Pharma®) à parte autora, na posologia, periodicidade e duração recomendadas por orientação médica, pelo prazo de 30 (trinta) dias, a partir da realização da perícia médica (20.10.2020).
Cabe ao réu ESTADO DO PARANÁ o fornecimento dos medicamentos à parte autora, sem prejuízo da obrigação solidária da ré UNIÃO. Além disso, cabe à ré UNIÃO o ressarcimento ao ente estadual de eventual ônus financeiro suportado em razão da aquisição do medicamento a ser fornecido.
Caso seja encontrada outra marca ou genérico do mesmo princípio ativo, poderá ser adquirido para cumprimento desta decisão. Esta determinação visa possibilitar a aquisição e o fornecimento de medicamento, da melhor forma que aprouver à administração e sem beneficiar laboratórios específicos, nos termos dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
Ao final do prazo fixado nesta sentença, o paciente deverá devolver os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados ao órgão estadual de saúde que disponibilizou, sob as penas da lei, no prazo de 15 (quinze) dias.
Antecipo os efeito da tutela para que o ESTADO DO PARANÁ continue a fornecer os medicamentos pleiteados à parte autora (caso ainda esteja fornecendo), ou volte a fornecê-los (caso tenha cessado o fornecimento) em quantidade suficiente para utilização pelo prazo fixado nesta sentença (trinta dias a partir da realização da perícia médica), no prazo de 05 (cinco) dias, sem prejuízo da obrigação solidária da ré UNIÃO, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) pelo descumprimento, nos termos do art. 500 do CPC (Tema 98/STJ).
Sem condenação ao pagamento das custas; porque isentos a União e os Estados (art. 4º, caput, inciso I, da Lei nº 9.289/1996 e art. 24-A, caput, da Lei nº 9.028/1995). Condeno os réus ESTADO DO PARANÁ e UNIÃO a solidariamente ressarcir os honorários periciais antecipados pela Seção Judiciária do Paraná (evento 172) (art. 428 da Consolidação Normativa da Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região de 2017).
Condeno os réus ESTADO DO PARANÁ e UNIÃO ao pagamento solidário de honorários advocatícios ao advogado da parte adversa, os quais fixo em R$ 3.000,00 (três mil reais) (Tese 2, Edição nº 129: Dos Honorários Advocatícios - II da Jurisprudência em Teses do STJ), por não ser possível mensurar o proveito econômico obtido (art. 85, § 8º, do CPC), principalmente por se tratar de demanda que trata de prestação de serviço à saúde (TRF4, AC 5009252-72.2019.4.04.7001, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 16.07.2020). Não se desconhece que a fixação do valor em juízo de equidade será debatida no Tema 1.046/STJ. Todavia, como não há determinação de suspensão nacional de todos os processos, possível a fixação por este juízo. Correção monetária na forma prevista no Manual de Cálculos da Justiça Federal, tendo como termo inicial a data da presente sentença. Já os juros moratórios somente serão devidos a partir do trânsito em julgado (art. 85, § 16, do Código de Processo Civil), à razão de 1% ao mês, não capitalizados.
Sentença sujeita à remessa necessária, porque sucumbente ente público (art. 496, caput, inciso I, do CPC) e ilíquida a sentença (Súmula 490/STJ).
Interposta apelação, intime(m)-se o(s) recorrido(s) para contra-arrazoar. Caso suscitada em contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento que não desafie agravo de instrumento, intime(m)-se o(s) recorrente(s) para se manifestar(em). Depois, remeta-se o processo ao TRF4.
Sentença publicada e registrada com a juntada no processo eletrônico. Intimem-se. Oportunamente, baixem-se.
Não houve a interposição de recursos voluntários.
Exclusivamente por força da remessa necessária, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
MÉRITO
LEGITIMIDADE PASSIVA
A jurisprudência dos Tribunais superiores e desta Corte já consolidou o entendimento de que, sendo o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS de responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios, quaisquer desses Entes têm legitimidade para figurar no polo passivo da ação em que se postula o fornecimento de medicamentos ou de tratamentos médicos.
Outrossim, tal responsabilidade solidária implicaria em litisconsórcio facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele Ente contra o qual deseja litigar, sem a obrigatoriedade de inclusão dos demais.
Nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O pólo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso e Marco Aurélio. Não se manifestou a Ministra Cármen Lúcia. (Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 855.178, Plenário, Relator Ministro Luiz Fux, j. 05/03/2015)
Posteriormente, em sessão de 22/05/2019, o Plenário do STF, julgando os embargos de declaração opostos no referido Recurso Extraordinário (RE 855.178, Tema 793), fixou a seguinte tese:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Outrossim, conforme salientado pelo Min. Edson Fachin, o texto, em sua primeira parte, reafirma a solidariedade e, ao mesmo tempo, atribui poder-dever à autoridade judicial para direcionar o cumprimento. A tese não trata da formação do polo passivo. Caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimento da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. (in Informativo nº 89, de 05/2019 do STF (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoInformativoTema/anexo/Informativomensalmaio2019.pdf)
Sendo assim, está caracterizada a legitimidade passiva dos entes públicos réus que integram a presente demanda.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O direito à saúde encontra-se assegurado, enquanto direito social fundamental de todo o cidadão, nos artigos 6º e 196 da CF/1988, sendo dever do Estado garantir, por meio de políticas públicas, "o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Contudo, não se trata de direito absoluto, uma vez que o Estado não pode custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, tendo em vista as restrições de caráter orçamentário e financeiro, sob pena de inviabilizar o próprio funcionamento do Sistema Único de Saúde-SUS.
Nesse contexto, em que pese ser atribuição dos Poderes Executivo e Legislativo a formulação e implantação de políticas públicas que visem à defesa da saúde da população em geral, incumbe ao Poder Judiciário viabilizar a promoção do mínimo existencial, sendo que o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo.
Nesse sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
"Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direito individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
[...]
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.(fls. 110 e 114)" (Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, julgado em 17/03/2010).
Dessa maneira, embora a atuação do Poder Judiciário seja exceção à regra, os pedidos de fornecimento de medicamentos, de tratamentos, de procedimentos e de aparelhos e afins, devem ser analisados caso a caso, com base no contexto fático, mesmo diante das limitações que cercam o direito à saúde.
Registre-se, ainda, que no referido julgado, o STF definiu alguns parâmetros para a solução judicial dos casos que envolvam direito à saúde, nos termos do voto proferido pelo Relator, Ministro Gilmar Mendes:
"(...) o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.
Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.
Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).
Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.
(...)
Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.
Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.
(...)
O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS. Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações distintas: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da "Medicina com base em evidências". Com isso, adotaram-se os "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas", que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.
Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.
Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.
Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.
Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.
(...)
Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia administrativa.
Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.
Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".
De acordo com essas premissas, devem ser considerados os seguintes fatores quando da avaliação do caso concreto:
a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;
b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;
c) a aprovação do medicamento pela ANVISA;
d) a não configuração de tratamento experimental.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1657156/RJ, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, firmou o seguinte entendimento:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
(REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018, grifei)
Outrossim, ao acolher os embargos de declaração opostos pelo Estado do Rio de Janeiro, o colegiado esclareceu que, no caso do fornecimento de medicamentos fora da lista do SUS, conforme precedente estabelecido no citado repetitivo, o requisito do registro na ANVISA afasta a obrigatoriedade de que o poder público forneça remédios para uso off label - aquele prescrito para um uso diferente do que o indicado na bula - salvo nas situações excepcionais autorizadas pela agência, modificando um trecho do acórdão a fim de substituir a expressão existência de registro na Anvisa para existência de registro do medicamento na Anvisa, observados os usos autorizados pela agência.
O Relator do recurso, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou que o esclarecimento em embargos de declaração é necessário para evitar que o sistema público seja obrigado a fornecer medicamentos que, devidamente registrados, tenham sido indicados para utilizações off label que não sejam reconhecidas pela Anvisa nem mesmo em caráter excepcional.
Segundo o Relator, ainda que determinado uso não conste do registro na ANVISA, na hipótese de haver autorização, mesmo precária, para essa utilização, deve ser resguardado ao usuário do SUS o direito de também ter acesso ao medicamento.
Destaque-se, no entanto, que, quando da modulação dos efeitos do julgado, foi definido que tais critérios somente seriam exigidos para os processos distribuídos a partir da conclusão do referido julgamento (04/05/2018).
No entanto, conforme entendimento que vem sendo adotado nesta Corte, tal julgado não se aplicaria aos medicamentos oncológicos, de livre escolha dos estabelecimentos credenciados junto à Rede de Atenção Oncológica, os quais não estão incluídos em protocolos pré-estabelecidos pelo Ministério da Saúde, distinguindo-se, assim, daqueles afetados ao Tema 106 do STJ, que versa especificamente sobre o Programa de Medicamentos Excepcionais (AI nº 5012401-64.2018.404.0000, 3ª Turma, Rel. Des.Fed. Vânia Hack de Almeida, j. 21/08/2018; AI nº 5020159-94.2018.404.0000, 3ª Turma, Rel. Des.Fed. Rogério Favreto, j. 25/09/2018; AI nº 5017247-27.2018.4.04.00, 3ª Turma, rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, j. 31/07/2018).
CASO CONCRETO
Infere-se, dos documentos juntados nos autos, que a parte autora requer o fornecimento de medicamentos e insumos (ACTOSORB SILVER 220, PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO, PROMOGRAN PRISMA, TIELLE NON ADHESIVE LIQUALOCK, REMEDY PHYTOPLEX, SNAP THERAPY, PIELSANA POLIHEXANIDA GEL e VUELO SPRAY BARREIRA) para tratar lesões decorrentes de insuficiência arterial crônica nos membros inferiores, exacerbada no membro inferior direito, conforme relatório médico constante do evento 1 (INIC1, p. 49-62).
A fim de evitar tautologia, transcrevo a decisão proferida pelo magistrado a quo, que abordou com propriedade a questão e cujos fundamentos adoto como razões de decidir:
No caso dos autos, por ocasião da decisão que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela (evento 17), este Juízo assim se manifestou, in verbis:
"Analisando os documentos anexados com a exordial, verifico que a parte autoria é portadora de insuficiência arterial crônica nos membros inferiores, exacerbada no membro inferior direito, conforme relatório médico constante do evento 1 (INIC1, p. 36/37).
Teve a indicação de uso dos medicamentos e insumos ACTOSORB SILVER 220, PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO, PROMOGRAN PRISMA, TIELLE NON ADHESIVE LIQUALOCK, REMEDY PHYTOPLEX, SNAP THERAPY, PIELSANA POLIHEXANIDA GEL e VUELO SPRAY BARREIRA, constantes da prescrição médica de evento 1 (INIC1/p. 32/35), feita pelo médico assistente que afirmou não ter identificado qualquer produto ou medicamento similar na lista do rename para as lesões de pele do autor, que atendam as indicações clínicas de seu caso.
O médico assistente informou também que o autor utilizou os medicamentos AGE, sulfadiazina de prata, colagenase e neomicina, fornecidos pelo SUS, sem sucesso. (OUT3/evento 1)
Por oportuno, relevante transcrever as conclusões do parecer técnico apresentado pelo NAT-JUS Nacional em relação aos medicamentos e insumos pleiteados (evento 13):
Outras Tecnologias Disponíveis:
Tecnologia:
Actsorb Silver 220 + Pielsana Polihexanida Solução e Gel + Promogran Prisma + Tielle Non Adhesive Liqualock + Remedy Phytoplex + Snap Terapy + Vuelo Spray Barreira + Gaze e Atadura
Descrever as opções disponíveis no SUS/Saúde Suplementar:
Ácidos graxos essenciais ou triglicerídeos de cadeia média, papaína, hidrocolóide, carvão ativado, sulfadiazina de prata, antisépticos tópicos, óleo mineral, bota de unna e oxigenioterapia hiperbárica.
(...)
Conclusão Justificada:
Não favorável
Conclusão:
CONSIDERANDO-SE ao diagóstico de insuficiência arterial crônica há mais de 04 anos segundo dados de relatório médico anexados ao processo.
CONSIDERANDO-SE o diagnóstico de doença arterosclerótica acentuada envolvendo artérias tibiais anterior e posterior segundo us doppler arterial de fevereiro de 2017; e o paciente apresentar segundo relatório médico boa perfusão do membro.
CONSIDERANDO-SE tratar-se de doença crônica, sistêmica e multifatorial. CONSIDERANDO-SE que os produtos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) se usados de forma correta, com orientação adequada e seguimento periódico, apresentam boa resposta e sucesso na cicatrização das úlceras crônicas. CONCLUI-SE que NÃO há elementos técnicos para indicar o uso dos produtos solicitados no presente caso.
Há evidências científicas?
Sim
Justifica-se a alegação de urgência, conforme definição de Urgência e Emergência do CFM?
Não"
Da análise da nota técnica, extrai-se que existem diversos medicamentos disponíveis no SUS para o trato da moléstia que acomete o autor (Ácidos graxos essenciais ou triglicerídeos de cadeia média, papaína, hidrocolóide, carvão ativado, sulfadiazina de prata, antisépticos tópicos, óleo mineral, bota de unna e oxigenioterapia hiperbárica).
Apesar do laudo médico, apresentado pelo assistente, informar que o autor utilizou os medicamentos ácidos graxos essenciais, sulfadiazina de prata, colagenase e neomicina, fornecidos pelo SUS, sem sucesso, existem outros medicamentos constantes do protocolo do SUS para o tratamento da doença.
O autor não comprovou o esgotamento das opções disponíveis no SUS para o tratamento de sua doença, nem a ineficácia destes métodos terapêuticos no trato de sua moléstia.
Deste modo, não havendo comprovação sobre eventual falha "terapêutica" ou ineficácia de todos os fármacos previstos no protocolo clínico e oferecidos gratuitamente pelo SUS, não há direito ao fornecimento do medicamento pleiteado.
Ademais, conforme é cediço na jurisprudência dos Tribunais, a determinação judicial de fornecimento de medicamentos não usualmente disponibilizados pelos SUS, depende, dentre outros aspectos, da existência de evidencias científicas da superioridade da medicação almejada frente aos fármacos usualmente fornecidos pelo sistema público.
Considerando a Nota Técnica apresentada pelo NATJUS, não há demonstração nos autos da ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS para o tratamento da doença do autor, tampouco da superioridade da medicação almejada frente aos fármacos usualmente fornecidos pelo sistema público, requisito indispensável para a concessão do medicamento pleiteado.
Ressalto, ainda, que constou, no mencionado parecer, ser injustificada a alegação de urgência, conforme definição do Conselho Federal de Medicina.
4. Em razão do acima exposto, ausente a probabilidade do direito indefiro o pedido de tutela de urgência, deixando, portanto, de ratificar a decisão que concedeu a antecipação de tutela, proferida pelo Juízo Estadual".
Destaco que a decisão liminar teve por fundamento, precipuamente, a Nota Técnica juntada no evento 13 (LAUDOPERIC1), a qual indica a existência de produtos disponíveis no SUS que, se usados de forma correta, apresentam boa resposta e sucesso no tratamento. Tal informação, aliada à ausência de prova do esgotamento das opções disponíveis no SUS conduziram ao indeferimento da tutela antecipada.
No entanto, realizada a instrução processual, com a elaboração da prova pericial, verifico que existem provas suficientes para o deferimento do pedido.
De início, cumpre esclarecer que a parte autora teve acesso ao tratamento com os fármacos receitados em decorrência da decisão liminar proferida pela Justiça Estadual, que impôs ao Estado do Paraná o fornecimento dos produtos (PET1, evento 78), os quais ainda estavam sendo utilizados por ocasião da perícia médica.
Quanto à comprovação da necessidade dos medicamentos, o médico do autor, Dr. Gustave Camargos de Oliveira, elaborou relatório médico circunstanciado, atestando que o demandante sofre de insuficiência arterial crônica nos membros inferiores, apresentando feridas extremamente exsudativas (umidade) em ambos os pés, com colonização crítica por bactérias e biofilmes, necessitando de diversas trocas de curativos durante o dia. Acrescentou que as lesões apresentam purulência e odor fétido e expõem o paciente ao risco de infecção generalizada, sepse e óbito. Asseverou que não obteve resposta clínica adequada a nenhum dos tratamentos anteriores, apesar de terem sido realizadas todas as operações terapêuticas oferecidas pelo SUS (PROCJUDIC3, pags. 49 a 55, evento 1).
No referido relatório, o profissional justificou, ainda, o uso de cada um dos produtos receitados, apontando os benefícios de cada medicamento, bem como os motivos pelos quais os tratamentos ofertados pelo SUS não são aplicáveis ao caso (PROCJUDIC3, pags. 56 a 67, evento 1).
Oportuno destacar que o médico declarou que o tratamento ofertado pelo SUS, consistente na utilização de "câmara hiperbárica", embora possa contribuir para a melhora do paciente, não substitui o uso dos fármacos receitados (PRCJUDIC3, pags. 37 e 38, evento 1), uma vez que ela é utilizada com outras técnicas de cuidado (limpeza, curativos específicos, etc).
Para confirmar o relatório médico apresentado pelo profissional que acompanha a parte autora, o resultado da perícia realizada por determinação judicial (LAUDOPERIC1, evento 68) concluiu que os medicamentos receitados de fato são eficazes no tratamento da enfermidade, tanto que foram observadas melhoras evidentes no caso do requerente, recomendando-se a sua utilização por mais 30 (trinta) dias a partir da data da perícia.
Do Laudo Pericial apresentado, merecem destaque os seguintes trechos:
(...)
F. QUAL O TRATAMENTO INDICADO PARA A DOENÇA? DIZER, ESPECIFICAMENTE, SE OS MEDICAMENTOS PLEITEADOS SÃO INDISPENSÁVEIS PARA O TRATAMENTO DA AUTORA?
R. Entendo que a medicação solicitada seja importante, para o mesmo, por mais um ciclo (um mês), pois os resultados de melhora são evidentes. Acredito que a partir deste tempo possa-se utilizar outros medicamentos, inclusive os disponíveis pelo sus, principalmente papaína e hidrocoloides.
G. o(S) MEDICAMENTO(S) PRETENDIDO(S) PELA PARTE AUTORA PODEM SER SUBSTITUÍDO POR OUTROS FORNECIDOS PELO SUS?
R. Entendo que ainda num primeiro momento não, mas em um segundo tempo, com uma melhora mais significativa sim.
H. OS MEDICAMENTOS REQUERIDOS SÃO COMPROVADAMENTE EFICAZES NO TRATAMENTO DA ENFERMIDADE DA PARTE AUTORA?
R. Sim. São considerados eficaz. Com reconhecimento -registro na ANVISA.
Com relação à ineficácia dos fármacos utilizados no âmbito do SUS, verifico que tal circunstância também ficou comprovada por intermédio da prova técnica, porquanto o Sr. Perito foi enfático ao esclarecer que a doença arterial periférica, que requer o tratamento prescrito, teve como causa originária a diabetes que acomete o requerente há anos, sendo que tal comorbidade também acarreta maior dificuldade na cicatrização das feridas, o que, somado à própria condição atual do autor, em que se observa um processo infeccioso persistente, exigem um tratamento mais agressivo, com produtos não fornecidos pelo SUS, de onde se extrai a conclusão de que a utilização de qualquer dos medicamentos disponíveis pela rede pública de saúde não surtirá o efeito necessário.
Nesse ponto, vale a transcrição do trecho a seguir (LAUDOPERIC1, evento 68):
E. A PARTE AUTORA FOI SUBMETIDA A TODAS AS ETAPAS DO TRATAMENTO CONVENCIONALMENTE APLICADO PARA A SEU TIPO DE MOLÉSTIA? APARTE AUTORA ESGOTOU TODAS AS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS FORNECIDAS PELO SUS PARA O TRATAMENTO DE SUA DOENÇA?
R. Entendo que o raciocínio no caso em tela,deva partir da condição atual de seu pé, ou seja, este já foi amputado,e o mesmo anda (pisa) apenas com parte do medio pé e do retro pé, e portanto qualquer processo mais agressivo , infeccioso, neste membro pode lhe custar uma amputação mais ampla.E a perda da parte do pé que lhe restou.Portanto o tratamento deve também ser mais agressivo, do ponto de vista das terapias. O mesmo relata ter feito diversos tratamentos, mas estes não trouxeram resultados bons, o que culminou com as amputações, visto o mesmo ter um agravante, que é o diabetes.Uma vez o diabetes estando descompensado e havendo feridas, ulcerações em minferiores, estas são muito difíceis de cicatrização e até mesmo com certa frequência acabam em amputações. Existem possibilidades no sus, contudo já usadas.
Mesmo com relação à utilização da chamada "câmara hiperbárica", tenho que não há elementos nos autos que façam supor que a sua utilização, por si só, será eficiente para a melhora da parte autora, pois como atestou o médico do requerente, configura um tratamento adjuvante e, como tal, necessita ser ministrado juntamente a com outras técnicas de cuidado, sobretudo se considerarmos as condições específicas do paciente (portador de diabetes).
Soma-se a isso o fato de que o próprio Perito concluiu que o tratamento utilizado com os fármacos receitados vem surtindo o efeito esperado, não aconselhando a utilização de nenhum dos procedimentos do SUS por pelo menos mais 30 (trinta) dias.
Por fim, ainda quanto à ineficácia dos medicamentos utilizados pelo SUS, tenho que ela fica evidente, também, pelo fato de que o requerente passou mais de 04 (quatro) anos realizando tratamentos na rede pública sem a obtenção de melhora. Pelo contrário, houve sim um agravamento da situação. Ora, se realmente existissem outros medicamentos eficazes, eles já deveriam ter sido utilizados, e se não foram, não há como se exigir da parte autora que aguarde indefinidamente a vontade dos profissionais em utilizar outros produtos disponíveis, sob pena de comprometimento de suas condições e risco à sua própria vida.
Com relação à incapacidade financeira da parte autora em arcar com os custos dos medicamentos prescritos, observo que ela está suficientemente demonstrada. O autor alega ter como única fonte de renda o auxílio-doença previdenciário, no valor de um salário mínimo, juntando aos autos extrato bancário para confirmar o recebimento de tal verba (PROCJUDIC1, p. 44, evento 1). Anexou, ainda, três orçamentos com os valores dos medicamentos prescritos (PROCJUDIC2, pags. 38 e 39, e PROCJUDIC3, pags. 1 a 7, evento 1), os quais evidenciam a sua total impossibilidade financeira de adquiri-los.
Por fim, foi comprovado o registro de cada um dos itens receitados na ANVISA (PROCJUDC2, pags. 28 a 37, evento 1). Ainda, restou demonstrado que eles não são experimentais e são indicados para cuidados de pacientes com doença arterial periférica (LAUDOPERIC1, evento 68).
Não ignoro a alegação da União (CONTES1, evento 16) no sentido de que a prescrição apresentada pela parte autora foi emitida por médico particular, fora do âmbito do SUS, de modo que o poder Público não estaria obrigado a atender tal exigência sob pena de violação ao princípio da isonomia, privilegiando o paciente em detrimento da comunidade e do interesse público.
Não é, entretanto, o que se extrai dos autos. Embora o relatório médico e a prescrição dos medicamentos tenham sido emitidos de fato por profissional particular, o requerente passou mais de 4 (quatro) anos em tratamento pelo SUS, sem melhoras, e só procurou um médico particular quando sua doença se agravou, inclusive com risco de novas amputações nos membros inferiores.
Além disso, segundo entendimentos recentes proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça a prescrição pode ser emitida tanto por profissional particular quanto um da rede pública. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS. MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO INICIAL EM RAZÃO DA SUPOSTA AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. LAUDO DE MÉDICO DE REDE PARTICULAR. MESMA CREDIBILIDADE DO MÉDICO DA REDE PÚBLICA. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem manteve a sentença que indeferiu liminarmente a petição inicial do mandamus em razão de suposta ausência de prova pré-constituída, por entender que " na espécie, a utilização do medicamento foi sugerida por laudos médicos (documento n° 3), que não demonstraram, de forma clara, a eficácia do fármaco prescrito em detrimento dos fornecidos pelo sistema estatal. Compreendo que o direito à saúde prestado não significa a livre escolha do tratamento a ser custeado pelo ente público, motivo pelo qual, nos casos em que medicamento não faz parte das listas do SUS, é de extrema importância submeter a prescrição médica ao efetivo contraditório .Diante da impossibilidade de formação de juízo acerca do direito almejado, tenho firme posicionamento pela necessidade de produção de prova pericial tendente a demonstrar a eficácia do tratamento indicado e a ineficácia do tratamento fornecido pelo SUS". (fl.109, e-STJ). 2. Segundo a jurisprudência do STJ, a escolha do medicamento compete a médico habilitado e conhecedor do quadro clínico do paciente, podendo ser tanto um profissional particular quanto um da rede pública. 3. No caso dos autos, conforme relatório que instrui a inicial o médico que assiste a substituída atestou a necessidade de uso do medicamento e informou que as drogas disponíveis no SUS são ineficazes, "nessa extensão de membrana e de edema macular" (fl. 18, e-STJ). Também afirma não haver medicamento substituto no SUS. Ressalta-se que as informações médicas foram corroboradas por parecer técnico da Câmara de Avaliação Técnica de Saúde do Centro Operacional de Saúde do MPGO. 4. Nos termos da jurisprudência do STJ, é admissível prova constituída por laudo médico elaborado por médico particular atestando a necessidade do uso de determinado medicamento, para fins de comprovação do direito líquido e certo capaz de impor ao Estado o fornecimento gratuito. 5. Recurso Ordinário provido. (ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 61891 2019.02.86312-2, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/12/2019 ..DTPB:.) (grifei)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGAÇÃO DO JUÍZO AUXILIAR DA VICE-PRESIDÊNCIA. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DE FÁRMACO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE. DESNECESSIDADE DE QUE A PRESCRIÇÃO DO MEDICAMENTO SEJA SUBSCRITA POR MÉDICO DO SUS. AGRAVO INTERNO DO ENTE FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2). 2. Conforme a tese fixada pelo STF em sede de Repercussão Geral, a responsabilidade dos Entes Federados pelo direito à saúde é solidária, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente (RE 855.178/PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16.3.2015, Tema 793). Deste modo, a determinação para o fornecimento do fármaco pode ser dirigida à UNIÃO - já que, existindo solidariedade passiva, qualquer dos devedores pode ser chamado a cumprir a obrigação. 3. A substituição ou complemento do fármaco inicialmente pleiteado, após a prolação da sentença, não configura inovação do pedido ou da causa de pedir, mas mera adequação do tratamento para a cura da enfermidade do paciente (AgInt no REsp. 1.503.430/SP, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 22.11.2016). No mesmo sentido: AgRg no REsp. 1.577.050/RS, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 16.5.2016; AgRg no AREsp. 752.682/RS, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 9.3.2016. 4. É possível a determinação judicial ao fornecimento de medicamentos com base em prescrição elaborada por médico particular, não se podendo exigir que a receita seja subscrita por profissional vinculado ao SUS. Julgados: REsp. 1.794.059/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 22.4.2019; AgInt no REsp. 1.309.793/RJ, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 7.4.2017; AgInt no AREsp. 405.126/DF, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 26.10.2016. 5. A alegada incompetência do Juiz Auxiliar fundamenta-se no fato de o Magistrado ter deferido nova tutela antecipada, ao acatar a substituição do fármaco pleiteado. Entretanto, como já exposto, a modificação empreendida consiste em simples ajuste do tratamento, sem qualquer alteração objetiva na demanda. 6. Agravo Interno do Ente Federal a que se nega provimento. (AIRMS - AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 47529 2015.00.23405-0, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:25/06/2019 ..DTPB:.) (grifei)
Dessa forma, entendo cabível a determinação de fornecimento dos medicamentos ACTISORB® Silver 220 Cobertura de Carvão Ativado com Prata (Systagenix Wound Management Limited); PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO AQUOSA (DBS Indústria e Comércio Ltda); PROMOGRAN PRISMA® MATRIZ DE EQUILÍBRIO PARA FERIDAS (Systagenix Wound Management Limited); TIELLE NON ADHESIVE Cobertura de hidropolímero não adesiva com tecnologia LIQUALOCK (Systagenix Wound Management Limited); Remedy PHYTOPLEX® Nourishing Skin Cream; CONJUNTO DE CURATIVO AVANÇADO SNAP™ (KCI USA INC); Pielsana polihexanida gel (DBS®); e Vuelo spray barreira (Vuelo Pharma®), na posologia e periodicidade recomendadas por orientação médica.
Observo, no entanto, que a perícia médica atestou que os medicamentos devem ser mantidos somente por mais um ciclo de 30 (trinta) dias, após o que o autor poderá utilizar os medicamentos fornecidos pelo SUS (LAUDOPERIC1, evento 68). Assim, entendo que os fármacos receitados devem ser fornecidos pelo prazo de 30 (trinta) dias a partir da realização da perícia (20.10.2020).
Há responsabilidade solidária dos réus ESTADO DO PARANÁ e UNIÃO pelo fornecimento do medicamento, nos termos do art. 23, caput, inciso II, e art. 196 da CF. Entretanto, trata-se de solidariedade de índole constitucional, de abrangência, natureza e regime integralmente diversos daqueles adotados sob o instituto privado de Direito Civil, o que impõe, para otimizar a compensação entre os entes federados, o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. É o que foi definido no Tema 793/STF:
Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
No caso dos autos, compete à União, através do Ministério da Saúde, excluir e incorporar novos medicamentos a serem fornecidos no âmbito do Sistema Único de Saúde (art. 19-Q, da Lei nº 8.080/1990). Além disso, trata-se do fornecimento de medicamentos de alto custo. Desse modo, entendo que cabe à União arcar com as despesas pelo fornecimento dos fármacos não incluídos, ressarcindo o ente federado que o fizer em seu lugar.
Assim, caberá à União arcar com os custos da aquisição dos medicamentos, devendo repassar os valores necessários ao Estado do Paraná, a quem, por intermédio de sua Secretaria de Saúde, caberá adquirir e fornecer o medicamento e insumo na forma determinada.
Ressalto que a obrigação do Estado do Paraná independe do repasse da União, evitando-se, assim, que formalidades burocráticas coloquem em risco a vida e a saúde da parte demandante.
Sendo o caso, o reembolso dos custos deverá ser feito posteriormente pela União, nos termos da legislação pertinente, cabendo ao Estado do Paraná requerer diretamente àquela ré o atendimento dessa obrigação, porquanto trata-se de medida a ser solvida administrativamente, sem necessidade de intervenção judicial.
Portanto, cabe ao réu ESTADO DO PARANÁ o fornecimento dos medicamentos ACTISORB® Silver 220 Cobertura de Carvão Ativado com Prata (Systagenix Wound Management Limited); PIELSANA POLIHEXANIDA SOLUÇÃO AQUOSA (DBS Indústria e Comércio Ltda); PROMOGRAN PRISMA® MATRIZ DE EQUILÍBRIO PARA FERIDAS (Systagenix Wound Management Limited); TIELLE NON ADHESIVE Cobertura de hidropolímero não adesiva com tecnologia LIQUALOCK (Systagenix Wound Management Limited); Remedy PHYTOPLEX® Nourishing Skin Cream; CONJUNTO DE CURATIVO AVANÇADO SNAP™ (KCI USA INC); Pielsana polihexanida gel (DBS®); e Vuelo spray barreira (Vuelo Pharma®) à parte autora, nos termos da prescrição médica, sem prejuízo da obrigação solidária da ré UNIÃO. Além disso, cabe à ré UNIÃO o ressarcimento ao ente estadual de eventual ônus financeiro suportado em razão da aquisição dos medicamentos a serem fornecidos.
Caso sejam encontradas outras marcas ou genéricos do mesmo princípio ativo, poderão ser adquiridos para cumprimento desta decisão. Esta determinação visa possibilitar a aquisição e o fornecimento de medicamento, da melhor forma que aprouver à administração e sem beneficiar laboratórios específicos, nos termos dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
B) Antecipação de tutela
Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a probabilidade do direito reflete-se nos termos acima elencados.
Evidente também o perigo de dano, já que a parte autora sofre de doença grave, que lhe causa problemas de saúde e pode ser seriamente prejudicado caso não receba o tratamento objeto desta lide em prazo.
Assim, diante dos elementos dos autos, especialmente o Laudo Médico Pericial (LAUDOPERIC1), acostado no evento 68, concedo a antecipação dos efeitos da tutela, agora em análise aprofundada da lide.
Tendo em vista que a decisão encontra-se em consonância com a jurisprudência e as circunstâncias do caso concreto, não vejo motivos para alterar o posicionamento adotado, restando improvida a remessa necessária.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Remessa necessária improvida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa necessária.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002482751v8 e do código CRC 0459df91.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA
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Remessa Necessária Cível Nº 5001742-29.2020.4.04.7015/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PARTE AUTORA: ARMANDO MANGOLIN (AUTOR)
PARTE RÉ: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)
PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
EMENTA
DIREITO À SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. REMESSA NECESSÁRIA improvida.
1. A responsabilidade dos Entes Federados configura litisconsórcio passivo, podendo a ação em que se postula fornecimento de prestação na área da saúde ser proposta contra a União, Estado ou Município, individualmente ou de forma solidária, podendo a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Eventual acerto de contas em virtude do rateio estabelecido, deve ser realizado administrativamente ou em ação própria. (Recurso Extraordinário (RE 855.178, Tema 793).
2. A saúde é um direito social fundamental de todo o cidadão, nos termos dos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, sendo dever do Estado garantir “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
3. Remessa necessária improvida, mantendo-se a sentença por seus próprios fundamentos, uma vez que restou demonstrada a imprescindibilidade e a adequação dos medicamentos e insumos postulados ao caso concreto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 04 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por ARTUR CÉSAR DE SOUZA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002482752v5 e do código CRC 16dfbc35.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/04/2021 A 04/05/2021
Remessa Necessária Cível Nº 5001742-29.2020.4.04.7015/PR
RELATOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PARTE AUTORA: ARMANDO MANGOLIN (AUTOR)
ADVOGADO: RODOLFO MIRANDA SIENA (OAB PR075597)
ADVOGADO: ANDRESSA LUISE GOMES VECTORE (OAB PR060584)
PARTE RÉ: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)
PARTE RÉ: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/04/2021, às 00:00, a 04/05/2021, às 16:00, na sequência 298, disponibilizada no DE de 15/04/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 14/05/2021 04:01:10.