Apelação Cível Nº 5008569-25.2021.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: LUCIANA BARBOSA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: MARTA BARBOSA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta pela menor impúbere Luciana Barbosa da Silva, representada por sua mãe, Marta Barbosa da Silva, em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, na qual a parte autora postula a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 300 salários mínimos. Para tanto, argumentou que seu familiar, Luciano Severo da Silva, falecido em 9 de maio de 2021, era pessoa doente e incapaz para o labor, que necessitava do amparo previdenciário para prover o sustento do lar, razão pela qual estava recebendo auxílio-doença desde 2019. Contudo, o benefício foi cancelado em 5 de janeiro de 2021, o que considera um ato ilícito porque, diante da presunção de legitimidade do ato que reconheceu previamente o direito do segurado, o cancelamento só poderia ocorrer "diante de prova inequívoca de ilegalidade, consubstanciado pelo contraditório". Disse que a decisão do réu de cessar o benefício foi "totalmente irresponsável", pois o quadro de saúde do beneficiário era grave e sua incapacidade laboral foi inclusive reconhecida na ação nº 5001949-94.2021.4.04.7208.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou procedente o pedido para condenar o INSS a pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 50.000,00, atualizado de acordo com o manual de cálculos da Justiça Federal. A sentença condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação. Não houve condenação em custas.
Irresignado, o INSS apelou. Em suas razões recursais, argumentou que não houve qualquer omissão de sua parte, pois agiu e conduziu o processo administrativo da forma mais transparente, cientificando a todo momento o segurado. Teceu considerações sobre os pressupostos para a condenação em danos morais e pontuou que, na espécie, a própria parte autora não soube, ou não pôde esclarecer em que residiu tal espécie de dano, o qual, assinalou, não pode ser presumido. Registrou que a sentença fundamentou-se no fato de que a perícia do INSS errou ao entender que o falecido não mais apresentava incapacidade. No entanto, prosseguiu, nada nos autos indica que o diagnóstico do perito estava equivocado no momento em que realizado o exame. Assim, se no momento da perícia o segurado não apresentava incapacidade, a qual veio a aparecer somente em momento posterior, em decorrência do agravamento da doença, tal circunstância não pode ser entendida como erro de diagnóstico, pois a medicina não é uma ciência exata e as patologias evoluem ou regridem no tempo. Em suma, concluiu que o perito é profissional habilitado e não há qualquer prova de que tenha errado em sua conclusão, de modo que não há conduta lesiva a ser imputada ao INSS. Ao final, destacou que o pleito de compensação por danos morais não pode ser banalizado em face da autarquia previdenciária de modo a gerar condenações indevidas, notadamente quando amparadas em indeferimentos legais de benefícios. Colacionou precedentes e requereu o provimento da apelação para que a sentença seja reformada, com o julgamento de improcedência do pedido e a inversão dos ônus da sucumbência.
A parte autora, de sua vez, interpôs recurso adesivo no qual requereu a majoração do montante indenizatório para 300 salários mínimos, haja vista que o ato "negligente" e "omissivo" da autarquia que "resultou na perda de um ente querido", causando danos imensurável às demandantes.
Com contrarrazões, foi feita a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS e pelo desprovimento do recurso adesivo.
É o relatório.
VOTO
Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).
Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1º-8-2016)
Dito isso, saliente-se que o indeferimento e o cancelamento de benefício previdenciário pelo INSS não constituem fatos por si só aptos a gerar o dever de indenizar. Além de a decisão administrativa decorrer de interpretação dos fatos e da legislação pela autarquia – que eventualmente pode não ser confirmada na via judicial –, somente se cogita de dano moral indenizável quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral em decorrência de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública, e não de simples falha no procedimento de concessão do benefício.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal é uníssona quanto ao tema:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, COM BASE NO ACERVO FÁTICO DA CAUSA, CONCLUIU PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Omissis.
II. Na origem, trata-se de demanda proposta pelo ora agravante em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, na qual requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente da indevida cassação temporária de benefício previdenciário.
III. No caso, o Tribunal a quo - mantendo a sentença de improcedência - concluiu, à luz das provas dos autos, que "não restou provado dano moral, não sendo passível de indenização o mero aborrecimento, dissabor ou inconveniente, como ocorrido no caso dos autos. Além da comprovação da causalidade, que não se revelou presente no caso concreto, a indenização somente seria possível se efetivamente provada a ocorrência de dano moral, através de fato concreto e específico, além da mera alegação genérica de sofrimento ou privação, até porque firme a jurisprudência no sentido de que o atraso na concessão ou a cassação de benefício, que depois seja restabelecido, gera forma distinta e própria de recomposição da situação do segurado, que não passa pela indenização por danos morais". Ainda segundo o acórdão, a parte autora "não juntou cópias do processo administrativo ou do outro processo judicial em que litiga contra o INSS, a fim de que este Juízo pudesse analisar se a conduta da autarquia previdenciária foi desarrazoada em algum momento (seja na época da análise administrativa de sua aposentadoria, seja atualmente, na suposta demora em pagar os valores atrasados)". Assim, não há como reconhecer, no caso - sem revolver o quadro fático dos autos -, o direito à indenização por danos morais. Incidência da Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ.
IV. Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no AREsp 960.167/SP, 2ª Turma, rel.ª Ministra Assusete Magalhães, DJe 10-4-2017)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA VIA ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A instância de origem, com esteio nas circunstâncias fático-probatórias da causa, concluiu que o nexo de causalidade e os danos morais em razão do indeferimento do benefício previdenciário não foram comprovados. No caso, a alteração de tal conclusão encontra óbice na Súmula 07/STJ. 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 862.633/PB, 1ª Turma, rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 29-8-2016)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. INDEFERIMENTO. DANO MORAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA.
1. Omissis. 2. A reforma do acórdão impugnado, que fixou a ausência de caracterização de danos morais proveniente de falha do ente previdenciário no procedimento de concessão do benefício postulado, demanda reexame do quadro fático-probatório dos autos, o que não se demonstra possível na via estreita do Recurso Especial. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes do STJ. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 1666363/RS, 2ª Turma, rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 16-6-2017)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATO ILÍCITO, NEXO CAUSAL E DANO GRAVE INDENIZÁVEL. INEXISTÊNCIA. São três os elementos reconhecidamente essenciais na definição da responsabilidade civil - a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. O indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, não se prestam para caracterizar dano moral. Somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração, o que no caso concreto inocorreu. (TRF4, Apelação Cível 5043842-21.2014.404.7108, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 29-4-2016)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEFERIMENTO POR MEDIDA JUDICIAL. O indeferimento do benefício previdenciário, na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização, ainda que venha a ser restabelecido judicialmente. Isso porque a administração age no exercício de sua função pública, dentro dos limites da lei de regência e pelo conjunto probatório apresentado pelo segurado. Assim, uma vez que não apresentado erro flagrante no processo administrativo que indeferiu o benefício, tem-se que a autarquia cumpriu com sua função. (TRF4, Apelação Cível 5003404-04.2015.404.7112, 4ª Turma, rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 13-7-2017)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA E DE DANO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não causa dano moral, a menos que haja procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública. 2. Não havendo ilícito no agir do INSS, pois no exercício regular de um direito (poder-dever de autotutela), nem demonstrado o dano, não merece prosperar o pedido de indenização por danos morais em decorrência do indeferimento de benefício previdenciário. Precedentes. (TRF4, AC 5009514-04.2019.404.7201, 3ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 28-1-2020)
Com essas considerações iniciais, passa-se ao exame do caso concreto.
Caso Concreto
A tese da parte autora é no sentido de que, ainda que o de cujus tivesse demonstrado que estava acometido de inúmeras enfermidades (arroladas à página 6 da inicial), o réu cessou indevidamente a benesse que promovia o sustento do lar. Diz-se que Luciano tentou trabalhar na construção civil, ramo de atuação que lhe era familiar, porém, dado o caráter fatigante do labor, ao retornar às lides após a cessação do auxílio-doença passou mal e teve de ser conduzido ao hospital, onde faleceu, pouco mais de dois meses após a alta previdenciária.
O quadro fático é triste e não se nega que o trabalho de servente de pedreiro é penoso, principalmente para alguém com a saúde tão debilitada como o familiar das autoras. Mas é preciso pontuar que o nexo de causalidade, em casos como o presente, não é de fácil demonstração, muito pelo contrário. Há de ficar caracterizado que o falecimento teve relação com a cessação do benefício e que esta decorreu de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da autarquia previdenciária, a extrapolar a simples falha no procedimento de concessão ou renovação do benefício. Nesta hipótese, cogita-se de dano moral indenizável. Recentemente, a 4ª Turma deste Tribunal Regional Federal, em composição ampliada (artigo 942 do Código de Processo Civil), decidiu nesse sentido:
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO QUE TEM POR OBJETO A CONDENAÇÃO DO INSS AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM FACE DO FALECIMENTO DE SEGURADO, VÍTIMA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO NO TRABALHO, APÓS NEGATIVA DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PELO INSS, O QUAL CONSIDEROU O SEGURADO CAPAZ DE EXERCER A ATIVIDADE PROFISSIONAL DE MOTORISTA. POSTERIOR CONCESSÃO JUDICIAL DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NEGATIVA DO INSS. CONFIGURAÇÃO DE ATO ILEGAL. NEXO CAUSAL. RETORNO AO TRABALHO E ACIDENTE. PREVISIBILIDADE E ADEQUAÇÃO DO RESULTADO. TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA. DANO SOFRIDO. DEVER DE INDENIZAR. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (TRF4, AC 5006744-97.2017.4.04.7107, 4ª Turma, rel. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, juntado aos autos em 7-4-2022)
No caso sob exame, porém, a situação não é similar ao do precedente citado.
Explica-se.
Houve divergência entre a perícia administrativa e a judicial, cuja distância temporal entre uma e outra é de dois meses. Em fevereiro de 2021 Luciano foi considerado apto pelo perito autárquico, ao passo que em abril fora considerado temporariamente incapaz pelo perito do juízo, com previsão de retomada da capacidade em outubro de 2021.
No laudo do perito autárquico, juntado nos autos da ação nº 5001949-94.2021.4.04.7208 (evento 6, LAUDO1), constou que Luciano deambulava sem dificuldades, sem apoio e sem claudicação; que sentava e levantava sem dificuldades, sem uso de órteses; que manuseava documentos com agilidade e destreza com ambas as mãos; que seus membros superiores e inferiores moviam-se de forma livre; que estava normocorado, hidratado, afebril, eupneico, anictérico, acianótico; que seu abdome era plano, flácido, indolor à palpação; que não havia massas palpáveis, ascite, nem edemas; que sua força muscular e trofismo estavam preservados para todos os segmentos dos membros. Mencionou-se que ele não referira quaisquer efeitos adversos da medicação; que estava clinicamente estável, sem apresentar sinais clínicos sugestivos de hepatopatia grave ou descompensada. Diante dessa condição, Luciano foi considerado apto ao labor, não tendo o perito constatado novos elementos objetivos ou alterações que justificassem a reativação do benefício anterior ou a concessão de novo amparo por motivo diverso.
A seu turno, o perito judicial anotou que Luciano sofria de hepatite C crônica com insuficiência hepática por necrose e diabetes, razão por que respondera mal ao primeiro ciclo de tratamento. Estava finalizando o segundo ciclo quando examinado pelo auxiliar do juízo, ocasião em que o experto destacou que o periciado demonstrava bom estado geral, lucidez, estava orientado, coerente; sua marca denotava lentidão ao sentar e levantar; apresentava icterícia nas escleras e perda de força global em grau IV.
Como se vê, em que pese a proximidade dos laudos, tudo leva a crer que houve rápido agravamento do quadro clínico de Luciano, não necessariamente em razão do labor, até porque não há relação de causa e efeito entre o trabalho e a doença conforme explicou o perito do juiz. O que se quer dizer é que não há demonstração cabal entre a cessação do benefício e a morte de Luciano. É inegável que o quadro clínico do ex-segurado era bastante delicado. Como saber, então, se ele sobreviveria caso estivesse em auxílio-doença no mês de abril de 2021? Como saber que influencia teve o retorno ao labor para o resultado óbito, já que a atividade laborativa não guarda relação com as patologias? São perguntas que os elementos de convicção não respondem. Luciano sofria com as doenças desde 2018 e havia deixado de laborar em janeiro de 2019. Permaneceu dois anos em auxílio-doença, tratando-se e, infelizmente, respondendo mal ao tratamento mesmo enquanto dispensado de laborar. Teria o retorno ao labor funcionado como um catalizador para o agravamento de sua saúde, como consta na sentença ("fato que o obrigou a buscar retorno, sem sucesso, às suas atividades penosas de pedreiro, o que, por consequência, agravou rapidamente seu estado de saúde, causando-lhe a morte")? Não há certeza disso. E sem essa certeza, ou ao menos boa probabilidade de que assim tenha sido, resta inviável a condenação da autarquia.
Como corretamente ponderou o órgão do Ministério Público Federal, o ato administrativo de indeferimento foi, de fato, incorreto, tanto que cassado em juízo, porém relacioná-lo diretamente com a morte do segurado, como se esta tivesse decorrido do cancelamento do benefício, requereria provas além daquelas que constam nos autos. Em outras palavras, o fato de ter sido cassado não denota irregularidade no agir administrativo, pois nada revela que houve abuso ou ilegalidade cometida pelo médico da autarquia. Mesmo quando o benefício cancelado vem a ser restabelecido judicialmente não altera essa compreensão, pois faz parte da atuação da administração conceder, indeferir, manter, revisar e fazer cessar seus próprios atos, o que não enseja por si só direito à indenização por danos morais.
Enfim, não há demonstração de que o INSS tenha desbordado dos limites legais de sua atuação.
Ausente o nexo causal entre a conduta da autarquia e o resultado danoso, deve ser afastado o dever de indenizar.
Com o julgamento de improcedência do pedido, reputa-se prejudicado o recurso adesivo que requer a majoração do montante compensatório.
Honorários Advocatícios
Considerando a improcedência do pedido, os honorários ficam a cargo da parte autora, os quais vão fixados em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil.
Fica suspensa a exigibilidade dos valores enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o § 3º do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e julgar prejudicado o recurso adesivo.
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Apelação Cível Nº 5008569-25.2021.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: LUCIANA BARBOSA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: MARTA BARBOSA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA POR PARTE DO INSS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. Segundo entendimento jurisprudencial, o indeferimento e o cancelamento de benefício previdenciário pelo INSS não constituem fatos por si só aptos a gerar o dever de indenizar. Além de a decisão administrativa decorrer de interpretação dos fatos e da legislação pela autarquia – que eventualmente pode não ser confirmada na via judicial –, somente se cogita de dano moral indenizável quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral em decorrência de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública, e não de simples falha no procedimento de concessão do benefício.
2. Não havendo ilícito no agir do INSS ao cessar benefício previdenciário diante da constatação de que o segurado recuperou a capacidade laborativa, carece o pedido indenizatório de nexo causal entre a conduta da autarquia e o resultado danoso, afastando-se, consequentemente, a responsabilidade civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e julgar prejudicado o recurso adesivo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003220537v3 e do código CRC fa8599b1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 30/05/2022 A 07/06/2022
Apelação Cível Nº 5008569-25.2021.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: LUCIANA BARBOSA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: MARTA BARBOSA DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: EDEMIR AGUIAR (OAB SC018521)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/05/2022, às 00:00, a 07/06/2022, às 14:00, na sequência 484, disponibilizada no DE de 19/05/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E JULGAR PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:40:21.