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DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PELA P...

Data da publicação: 12/12/2024, 23:52:33

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PELA PARTE AUTORA. DANOS MATERIAIS. RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES IRREGULARENTE DESCONTADOS. DANOS MORAIS DEVIDOS. DESCONTO SOBRE VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRECEDENTES. 1. Com a aplicação do regime jurídico do CDC aos contratos bancários, há inversão do ônus da prova para facilitação da defesa dos direitos do consumidor. Hipótese em que a instituição bancária não logrou comprovar a contratação de empréstimo pela parte autora, obrigação de indenizar. 2. Danos materiais devidos, restituição simples dos valores descontados irregularmente do benefício previdenciário. Afastada a restituição em dobro, que somente é possível quando houver prova inequívoca da má-fé do credor, nos termos do entendimento da Turma. 3. Danos morais devidos, pois se trata de desconto sobre verba de natureza alimentar. Atendendo a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare o dano moral sem representar enriquecimento sem causa ao lesado, restou mantida a indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 4. Apelos improvidos. (TRF4, AC 5000497-57.2022.4.04.7000, 12ª Turma, Relatora GISELE LEMKE, julgado em 06/11/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000497-57.2022.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por M. D. L. M. S. e CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF no andamento do processo em que MARIA busca declaração de nulidade dos contratos descontados de seu benefício previdenciário, indenização por danos materiais na forma de restituição em dobro dos valores e indenização por danos morais no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).

Registre-se que, mesmo concedida a tutela antecipada em novembro de 2022, a CEF deixou de cumprir a determinação. Novamente oficiada em abril de 2023 (evento 81, OFIC1), comprovou a suspensão em junho de 2023 (evento 85, OFIC2).

​A sentença recorrida julgou parcialmente procedente o pedido, declarando a inexistência de relação jurídica entre MARIA e CEF, bem como a consequente inexigibilidade da dívida objeto dos contratos: a) nº 140997110001755715, no valor de R$ 1.804,70, 61 prestações de R$ 46,10; b) nº 140997110001755804, no valor de R$ 5.854,97, 60 prestações de R$ 153,80; e c) nº 140997110001755987, no valor de R$ 21.535,14, 61 prestações de R$ 560,18. Condenada a CEF ao pagamento de danos materiais, na ordem dos valores descontados indevidamente a título de tais empréstimos consignados, debitados do benefício de MARIA, desde o início do primeiro desconto até o último, inclusive no curso desta ação, acrescidos de juros e correção monetária, segundo os critérios definidos na fundamentação acima; ao pagamento de danos morais, fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizado monetariamente.

Condenada a CEF ao pagamento das custas processuais, na proporção de 75%), e de honorários de sucumbência em favor do advogado da parte autora, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, bem como condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, na proporção de 25%, bem como a pagar honorários advocatícios ao advogado da CEF, fixados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido pela CEF, nos termos do art. 85, § 2º do CPC.

A CEF apela no sentido de afastar a condenação por danos materiais, afastar a inexigibilidade dos contratos e, subsidiariamente, requerer a intimação da instituição financeira anterior para devolver-lhe os valores da quitação e restabelecer os contratos com a autora.

M. D. L. M. S. apela postulando o provimento integral de seu pedido, com a devolução em dobro dos descontos indevidos, na forma do art. 42, parágrafo único do CDC. Requer ainda a majoração da indenização por danos morais para o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais).

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

Nesta instância, parte autora informa (evento 4, PET1) reincidência de descontos suspensão em novembro de 2022 (​evento 54, DESPADEC1). Intimada, a parte ré comprovou a suspensão do consignado somente em 10/2024 (evento 11, COMP4 evento 11, COMP5 evento 11, COMP6).

É o relatório.

VOTO

MÉRITO

1. Da responsabilidade civil dos bancos.

Responde objetivamente o banco pelos danos causados por simples falha do serviço, em razão do risco inerente à atividade que exerce (artigos 186 e 927 do Código Civil, combinados com o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor). Logo, não importa se a instituição bancária agiu com ou sem culpa. Basta a existência de um defeito do serviço bancário (decorrente de ação ou omissão do agente) aliada à ocorrência de um dano, interligados por um nexo de causalidade. Vejamos o que dispõem as normas em questão:

Código Civil

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

O tema encontra-se sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça:

SÚMULA 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

O fortuito interno é conceituado como fato imprevisível e inevitável vinculado à organização da empresa e aos riscos da atividade desenvolvida. Incide, portanto, durante o processo de elaboração do produto ou execução do serviço. O fortuito externo, por sua vez, caracteriza-se como fato imprevisível e inevitável, porém estranho à organização do negócio, não possuindo ligação com a atividade exercida e respectivos riscos.

A responsabilização civil da instituição financeira por fortuito interno foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso representativo de controvérsia, no qual se assentou a responsabilidade objetiva das instituições bancárias pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, 2ª Seção, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 12-9-2011)

Por outro lado, conforme a súmula do STJ acima citada, o fortuito externo exclui a responsabilidade do banco, afastando o nexo de causalidade entre os riscos da atividade e eventuais danos causados a terceiros.

2. Dos fatos.

MARIA DE LOURDES narra que, ao consultar seu extrato de benefício do INSS, descobriu que estavam sendo descontados três empréstimos da CEF, os quais alega jamais ter solicitado, autorizado ou recebido.

Foi determinado à parte ré que apresentasse os contratos de empréstimo consignado assinados pela parte autora (evento 3, DESPADEC1). A CEF disse tratar-se de contratos de empréstimos consignados portados de outra instituição financeira, que a autora igualmente alega desconhecer. Foi determinado à CEF a juntada dos contratos originários, a qual não os trouxe aos autos (evento 83, PET1), deixando de comprovar que MARIA assinou os contratos de empréstimo consignado.

A Juíza Federal Vera Lúcia Feil concluiu que o banco não conseguiu demonstrar, indene de dúvidas, que a autora efetivamente contratou os empréstimo consignados, cujas parcelas estavam sendo debitadas de seu benefício previdenciário. Neste sentido, a magistrada sentenciante condenou a CEF à restituição dos valores descontados, atualizados monetariamente pela taxa SELIC desde a data do evento danoso (desconto), de forma simples, posto que não comprovada a má-fé do banco. Condenou ainda à indenização por dano moral no valor de R$ 10,000,00 (dez reais), atualizado pela SELIC desde a data da prolação da sentença (evento 93, SENT1).

As partes apelam.

3. Do apelo da CEF.

A CEF apela (evento 98, APELAÇÃO1), postulando o afastamento da condenação por danos materiais. Alega inexistência de falha no serviço bancário, pois se trata de contratos de empréstimo por portabilidade, conforme documentos firmados pela autora e juntados aos autos.

Sem razão

O juízo singular analisou diligentemente o conjunto probatório e elencou os fundamentos de seu entendimento, os quais adoto como razões de decidir e deixo aqui registrados para evitar tautologia (​evento 93, SENT1​ - grifei):

"(...)existe prova do que foi alegado na inicial, acerca da existência de empréstimos de R$ 1.804,70 (mil e oitocentos e quatro reais e setenta centavos) em 61 parcelas de R$ 46,10 (quarenta e cinco reais e dez centavos); R$ 5.854,97 (cinco mil e oitocentos e cinquenta e quatro reais e noventa e sete centavos) em 60 parcelas de R$ 153,80 (cento e cinquenta e três reais e oitenta centavos); e R$ 21.535,14 (vinte e um mil e quinhentos e trinta e cinco reais e quatorze centavos) em 61 parcelas de R$ 560,18 (quinhentos e sessenta reais e dezoito centavos).

O Contrato juntado pela CEF no evento 38, CONTR4 não tem relação com os empréstimos impugnados pela Autora, pois se refere ao valor contratado de R$ 36.745,87, cuja parcela é de R$ 751,71.

Também não coincidem os valores descritos no documento do evento 38, PLAN5 com as quantias que são impugnadas nesta ação.

(...)

Ademais, cabe ao agente financeiro a prova dos contratos que ensejam descontos em conta corrente do cliente, vez que deve demonstrar a aquiescência do cliente.

Por outro lado, plausível a tese de ausência de autorização aos contratos descontados.

É verossímil a alegação de ausência de contratação pela autora, diante da ausência de contrato, mesmo instado o réu a apresentar.

(...) verifica-se que a CEF não se desincumbiu de seu ônus probatório, deixando de comprovar que a Autora assinou os contratos de empréstimo consignado.

Na petição do evento 83, PET1 a CEF "informa que não foram localizados os contratos na agência. Os contratos só foram realizados devido à parceria com a HAD, correspondente da Caixa. Encaminhamos anexados os email trocados com a empresa solicitando um posicionamento referente a essas portabilidade. É importante sempre salientar que a Autora foi beneficiada coma portabilidade com a redução da taxa de juros e da prestação".

Entretanto, a CEF quedou-se inerte depois dessa manifestação, nada trazendo para comprovar que foi a Autora quem contratou os empréstimos.

Dessa forma, cabível presumir que a fraude foi praticada por terceiro no âmbito de operações bancárias, razão pela qual a parte ré responde objetivamente pelos danos gerados pelo fortuito interno, na forma do verbete sumular nº 479 do Superior Tribunal de Justiça.

Constata-se, assim, que o serviço prestado pela parte ré não correspondeu à segurança que o consumidor dele podia esperar, motivo pelo qual o considero defeituoso, nos termos do artigo l4, § 1º, do CDC.

Nesse contexto, deve ser responsabilizada pelos danos advindos do serviço prestado de forma defeituosa.

Também incide a Súmula 466 do STJ (REsp 1199782/PR), segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."

Portanto, comprovado o dano e o nexo causal em relação à conduta/atividade exercida pela instituição financeira, esta responde objetivamente, devendo devolver os débitos consignados no benefício previdenciário da parte autora."

Trata-se aqui de relação de consumo de natureza bancária, a qual é protegida pelo CDC. Com a aplicação do regime jurídico do CDC aos contratos bancários, há inversão do ônus da prova para facilitação da defesa dos direitos do consumidor.

A parte autora não tem acesso à documentação, cabia ao banco trazer a prova aos autos. Os documentos acostados não coincidem com o caso concreto. Não há prova de que a parte autora contratou os referidos empréstimos.

Não sendo possível verificar a assinatura posta em tais contratos, tenho que falhou o banco ao efetuar descontos no benefício previdenciário da autora em razão de contratos, em tese, fraudados, bem como por não ter logrado êxito em cuidar da documentação referente aos contratos assumidos por portabilidade.

Por diligência, ressalto que se trata aqui dos contratos nº 140997110001755715, no valor de R$ 1.804,70, 6 (um mil oitocentos e quatro reais e setenta centavos e sessenta centavos)1 prestações de R$ 46,10 (quarenta e seis reais e dez centavos); nº 140997110001755804, no valor de R$ 5.854,97 (cinco mil oitocentos e cinquenta e quatro reais e noventa e sete centavos), 60 prestações de R$ 153,80 (cento e cinquenta e três reais e oitenta centavos); e nº 140997110001755987, no valor de R$ 21.535,14 (vinte e um mil quinhentos e trinta e cinco reais e quatorze centavos), 61 prestações de R$ 560,18 (quinhentos e sessenta reais e dezoito centavos).

Em face do exposto, nego provimento ao apelo, mantendo ao condenação da CEF à restituição dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário da parte autora, corrigidos monetariamente, inclusive aqueles descontados irregularmente após a concessão da tutela antecipada.

4. Do apelo da parte autora.

A defesa de M. D. L. M. S. postula a restituição em dobro dos valores devidos. Entende que houve "conduta ardilosa" da instituição bancária (evento 104, APELAÇÃO1):

"(...) que os contratos não foram localizados na agência e que somente foram realizados devido a parceria com a HAD, correspondente da CEF. Além de não ter sido comprovada a relação jurídica da Apelante com a CEF, o Banco Apelado permaneceu mais de 01 ano e 04 meses, sem apresentar os contratos ao douto juízo a quo, agindo de forma temerária no processo, bem como não cumpriu a ordem judicial de paralisação dos descontos, tendo de ser enviado ofício ao INSS para paralisação dos descontos."

Pois bem.

Vejamos o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor:

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

As sanções civis estabelecidas no Código Civil (arts. 939 e 940) e no Código de Defesa do Consumidor (art. 42, parágrafo único) têm natureza punitiva, podendo ser aplicadas ainda que não se alegue qualquer prejuízo do devedor. Igualmente, têm natureza material ou substancial, que não se confundem com as sanções processuais ou aquelas geradoras de dano processual derivadas da litigância de má-fé (arts. 79 a 81 do Código de Processo Civil).

Neste sentido, a exigência do dolo, má-fé ou culpa para a aplicação das sanções civis previstas para a cobrança excessiva de dívida foi recorrentemente debatida nos tribunais brasileiros.

O STF tem entendido que, para evitar injustiças aos credores de boa-fé, é necessário o requisito subjetivo da comprovação do dolo ou má-fé do autor da ação de cobrança para incidir a sanção civil da restituição em dobro. Contudo, inexiste regra jurídica nos dois sistemas normativos (Código Civil e Código de Defesa do Consumidor) que obrigue a avaliação do elemento subjetivo do credor (dolo, má-fé ou culpa) para que a sanção civil prevista em lei relativa à cobrança indevida de dívida seja aplicada ao caso concreto.

Por seu turno, julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça afastam a necessária demonstração do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida. A Corte Especial do STJ assentou o entendimento de que o art. 42 do CDC “caracteriza a conduta como engano e somente exclui a devolução em dobro se ele for justificável. Ou seja, a conduta-base para a repetição de indébito é a ocorrência de engano, e a lei, rígida na imposição da boa-fé objetiva do fornecedor do produto ou do serviço, somente exclui a devolução dobrada se a conduta (engano) for justificável (não decorrente de culpa ou dolo do fornecedor)”. Acrescentou o colegiado que exigir a má-fé do fornecedor de produto ou de serviço equivaleria “a impor a ocorrência de ação dolosa de prejudicar o consumidor como requisito da devolução em dobro, o que não se coaduna com o preceito legal”.

Entretanto, o Tema 929 do STJ, relativo ao REsp. 1.823.218, relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, afetado em 14/05/2021, ainda pende de julgamento. Há restrição da ordem suspensão para que incida somente após a interposição de recurso especial ou agravo em recurso especial, permanecendo-se os autos nos respectivos Tribunais, para posterior juízo de retratação/conformidade, após o julgamento do Tema 929/STJ.

A jurisprudência predominante deste TRF4, à qual me alinho, reputa como necessária a comprovação da má-fé do fornecedor do serviço. Cito precedentes desta Turma (grifei):

ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE. DANO MATERIAL MORAL CONFIGURADO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. PRECEDENTES. 1. Comprovada a fraude, o evento danoso e o nexo causal, a instituição financeira é responsável pelos danos materiais e morais decorrentes dos descontos indevidos em benefício previdenciário causados por empréstimos consignados fraudulentos. 2. A devolução em dobro de valores pagos pelo consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e a má-fé do credor. Não demonstrada. (TRF4, AC 5010781-46.2021.4.04.7005, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 18/07/2024)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CAIXA. COBRANÇA DE DÉBITO OBJETO DE CESSÃO BANCÁRIA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO INDEVIDA. 1. Não restando identificado que o alegado sofrimento experimentado pela parte autora exceda o que se pode considerar mero dissabor, assim como não restou caracterizado qualquer evento constrangedor, severo abalo psíquico ou dor moral indenizável, não há falar em indenização por danos morais. 2. A repetição de indébito é cabível quando verificado o pagamento indevido, sem o cálculo do valor em dobro, que somente é possível quando houver prova inequívoca da má-fé da credora. 3. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5008136-26.2022.4.04.7001, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 21/06/2024)

A repetição do indébito disciplinada no Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre relação jurídica entre sujeitos desiguais, dotada naturalmente de cunho protetivo do sujeito vulnerável. O engano justificável seria a alternativa prevista legalmente para eximir o fornecedor da sanção civil da devolução em dobro do valor indevidamente pago pelo consumidor.

No caso concreto, a cobrança indevida ocorreu independentemente da natureza do elemento volitivo. A apuração do débito deriva da aplicação de cláusulas contratuais pactuadas.

Afasto a tese de restituição em dobro e mantenho a indenização por danos materiais nos termos da sentença.

Recorre ainda a parte autora (​evento 104, APELAÇÃO1​) buscando a majoração do quantum indenizatório por danos morais de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para R$ 20,000,00 (vinte reais):

"(...) a gravidade do ato ilícito que não pode ser banalizado, visto que o Recorrido manteve os descontos desde 2019, não cumprindo ordem judicial para paralisação dos descontos, agindo de modo temerário nos autos por mais de 01 ano e 04 para demonstrar a relação jurídica entre as partes, não tendo apresentado os contratos de empréstimos e ainda estampada a existência de fraude nas contratações."

Sem razão.

No que concerne à quantificação dos danos morais, cabe destacar que a lei não fixa parâmetros exatos para a valoração do quantum indenizatório, razão pela qual o juízo deve se valer do seu prudente arbítrio, guiado pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em análise caso a caso, com base no art.944 do Código Civil, conforme texto infracolacionado:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Por óbvio que nessa hipótese a indenização deve representar uma compensação ao lesado, diante da impossibilidade de recomposição exata da situação na qual se encontrava anteriormente, alcançando-lhe ao menos uma forma de ver diminuída suas aflições. Contudo, deve-se buscar o equilíbrio entre a prevenção de novas práticas lesivas à moral e as condições econômicas dos envolvidos, em respeito aos princípios de moderação e de razoabilidade, assegurando à parte lesada a justa reparação, sem incorrer em enriquecimento indevido e não deixando de observar o caráter pedagógico em relação aquele que cometeu o ato lesivo.

Inobstante falta de prova de ocorrência de evento constrangedor ou dor moral incomum ao caso, os valores foram descontados de verba de natureza alimentar, justificando a indenização.

Em que pese não ser prova de severo abalo psíquico decorrente exclusivamente dos fatos em análise, a parte autora traz ainda, em sede de apelo, atestado médico indicando síndrome depressiva ansiosa (evento 4, ANEXO3).

Ademais, veja-se que a tutela para suspensão dos descontos foi concedia em 11/11/2022 (evento 54, DESPADEC1), havendo sido suportados desde novembro de 2019 (evento 1, ANEXOSPET9).

Entendo que a indenização por dano moral é devida, sendo que o valor fixado não destoa do parâmetros adotados por esta Corte. Cito precedentes (grifei):

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PESSOA JURÍDICA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. CONSTRUTORA E AGENTE FINANCEIRO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. O benefício da gratuidade da justiça é devido à pessoa jurídica desde que demonstrada a impossibilidade de arcar com os encargos processuais, tal como definido pelo enunciado da Súmula 481 do Superior Tribunal de Justiça. 2. É consolidada a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a recuperação judicial demonstra a impossibilidade de arcar com as despesas processuais. 3. A gratuidade da justiça pode ser requerida a qualquer tempo, mas, uma vez concedida, não tem efeito retroativo, de modo que só se aplica aos atos posteriores ao deferimento do benefício. 4. Reconhecida a legitimidade da CEF para figurar no polo passivo, pois além de ser agente financeiro, é responsável pela fiscalização do empreendimento no prazo contratado, tendo poderes de substituição da interveniente construtora em caso de descumprimento injustificado dos prazos. 5. Resta caracterizada a solidariedade das rés, pois cabe à Construtora a efetivação das obras no prazo contratado e à CEF a fiscalização e acompanhamento de prazos e execução. 6. Atendendo a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare o dano sem representar enriquecimento sem causa ao lesado, é caso de redução do valor fixado pelo juízo a quo, para fixá-lo em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor adequado, razoável e que atende aos propósitos do instituto do dano moral no caso. (TRF4, AC 5004768-92.2016.4.04.7009, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 24/04/2024)

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PROCEDIMENTO COMUM. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. FRAUDE DOCUMENTAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. INSS. CAIXA. DANO MORAL. 1. O INSS é responsável pela alteração do banco pagador do benefício previdenciário do autor sem a sua autorização, tendo agido com negligência ao realizar a transferência sem analisar a regularidade do contrato, idoneidade dos documentos e veracidade da assinatura. Assim, não há que se falar em responsabilidade subsidiária, mas sim solidária da autarquia. 2. O valor arbitrado a título de danos morais pode ser reduzido quando exagerado, ao ponto de ocasionar o enriquecimento sem causa da vítima. No caso concreto, entendo razoável majorar o valor da indenização por danos morais para 10 mil reais para cada réu (INSS e CAIXA), uma vez que quantia inferior não seria suficiente para recompor o prejuízo e cumprir a função da respectiva condenação. 3. Apelação da parte autora parcialmente provida. Apelação do réu INSS desprovida. (TRF4, AC 5001219-89.2021.4.04.7109, TERCEIRA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 23/04/2024)

Em face do exposto, mantenho a indenização por danos morais fixada em sentença.

Nego provimento ao apelo da parte autora.

Honorários advocatícios

Deixo de majorar a verba honorária, porquanto inexistiu anterior condenação da parte autora neste sentido.

Desacolhido o recurso de apelação da CEF e em conformidade com o disposto no art. 85, § 2º c/c § 11º do CPC, majoro em 20% os ônus sucumbenciais fixados na sentença a título de honorários recursais. O banco arcará com honorários de 12% do valor da condenação.

Prequestionamento

Por diligência, a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria, nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Conclusão

Mantida a sentença e majorada a verba honorária.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento às apelações, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004727750v25 e do código CRC 692dfa8d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 29/10/2024, às 17:30:17


5000497-57.2022.4.04.7000
40004727750.V25


Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 20:52:32.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000497-57.2022.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. descontos em benefício previdenciário. inversão do ônus da prova. não comprovação da contratação de empréstimo pela parte autora. danos materiais. restituição simples dos valores irregularente descontados. danos morais DEVIDOS. desconto sobre verba de natureza alimentar. quantum indenizatório. precedentes.

1. Com a aplicação do regime jurídico do CDC aos contratos bancários, há inversão do ônus da prova para facilitação da defesa dos direitos do consumidor. Hipótese em que a instituição bancária não logrou comprovar a contratação de empréstimo pela parte autora, obrigação de indenizar.

2. Danos materiais devidos, restituição simples dos valores descontados irregularmente do benefício previdenciário. Afastada a restituição em dobro, que somente é possível quando houver prova inequívoca da má-fé do credor, nos termos do entendimento da Turma.

3. Danos morais devidos, pois se trata de desconto sobre verba de natureza alimentar. Atendendo a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare o dano moral sem representar enriquecimento sem causa ao lesado, restou mantida a indenização de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

4. Apelos improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 06 de novembro de 2024.



Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004727751v7 e do código CRC 9a91f1e3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GISELE LEMKE
Data e Hora: 7/11/2024, às 15:30:40


5000497-57.2022.4.04.7000
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/10/2024 A 06/11/2024

Apelação Cível Nº 5000497-57.2022.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal GISELE LEMKE

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/10/2024, às 00:00, a 06/11/2024, às 16:00, na sequência 512, disponibilizada no DE de 17/10/2024.

Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal GISELE LEMKE

Votante: Desembargadora Federal GISELE LEMKE

Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO

Votante: Juiz Federal ANTÔNIO CÉSAR BOCHENEK

SUZANA ROESSING

Secretária



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