Apelação Cível Nº 5003429-61.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: ANA CAROLINA CORREA PINOS (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF
APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Ana Carolina Correa Pinos contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT objetivando o pagamento de indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes, em decorrência de extravio/roubo de mercadoria que estava sob a responsabilidade da ré.
A sentença julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que foram fixados em 10% sobre o valor da causa (R$ 57.211,96), a ser atualizado pelo IPCA-E nos termos do §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Irresignada, a parte autora apelou. Em suas razões de apelação requereu, preliminarmente, a gratuidade de justiça e, no mérito, defendeu a responsabilidade da ECT, distinguindo o fortuito interno do externo e dizendo que, como o transporte de objetos é a atividade-fim da recorrida, a qual é vítima constante de roubos (tanto que junta gráficos do roubo de cargas no estado de São Paulo para determinados períodos), "é impossível configurar o fato ocorrido com algo inesperado ou estranho à atividade", sendo de responsabilidade da ECT "o estudo logístico e a aplicação de métodos que possam evitar o ocorrido ou minimizar os prejuízos que possam ocorrer".
Com contrarrazões, subiram os autos.
Nesta instância a apelante apresentou memoriais (evento 6).
O julgamento estava aprazado para a sessão do dia 12-11-2019, mas foi adiado.
É o relatório.
VOTO
Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).
Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1º-8-2016)
No caso da ECT, a Lei 6.538/78, em seu artigo 2º, § 1º, delimita o objeto de atuação da empresa pública, do qual se destacam o planejamento, a implantação e a exploração do serviço postal:
Art. 2º - O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.
§ 1º - Compreende-se no objeto da empresa exploradora dos serviços:
a) planejar, implantar e explorar o serviço postal e o serviço de telegrama;
Já o artigo 3º da mesma lei vincula a ECT à necessidade de manter índices de qualidade na prestação do serviço postal, leitura que dialoga com o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, os quais se transcreve:
Art. 3º - A empresa exploradora é obrigada a assegurar a continuidade dos serviços, observados os índices de confiabilidade, qualidade, eficiência e outros requisitos fixados pelo Ministério das Comunicações.
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Acerca da responsabilidade objetiva da ECT, pertinente reproduzir o seguinte acórdão:
ECT. NÃO ENTREGA DE MATERIAL DE CAMPANHA DE CANDIDATO AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. 1.- A ECT responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, por força do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal e nos arts. 14 e 22 do CDC. 2.- Inadimplido o contrato, merece ser mantida a sentença que desobrigou o autor ao pagamento do valor estabelecido como contraprestação. (TRF4, AC 5010489-28.2011.404.7000, 3ª Turma, rel. p/ acórdão Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, D.E. 15-6-2012).
Com estas considerações iniciais, passa-se à análise do caso concreto.
Caso Concreto
O extravio do objeto postado pela apelante na data de 16-1-2017 – uma peça angular multiplicadora para cirurgia do tipo Koncept 1:2, utilizada por implantodontistas –, com código de rastreamento PL057232055BR (evento 1, OUT10), é fato reconhecido pela empresa postal, que, no entanto, alega em sua defesa a ocorrência de força maior (roubo de carga). O extravio decorreu de roubo a veículo da ECT ocorrido no dia 23-1-2017, na estrada Fazendinha, área rural do município de Carapicuíba/SP. Consta nos autos ocorrência policial descrevendo as circunstâncias do fato e a lista de mercadorias roubadas (evento 22, OUT2), na qual não consta o objeto postado pela apelante.
A sentença consignou que da narrativa dos fatos não se extrai pudesse o funcionário dos Correios ter previsto ou evitado a ocorrência do assalto, ou que não tenha adotado as cautelas necessárias para a entrega das mercadorias, razão pela qual a magistrada singular enquadrou o caso no inciso I do artigo 17 da Lei 6.528/78, que prevê:
Art. 17. A empresa exploradora do serviço postal responde, na forma prevista em regulamento, pela perda ou danificação de objeto postal, devidamente registrado, salvo nos casos de:
I - força maior;
(...)
A lei, de fato, prevê a força maior como causa excludente do dever de indenizar. No entanto, o caso em exame tem particularidades que antecedem o exame do fortuito externo invocado pela sentença e que conduzem o julgamento a resultado diverso.
Explica-se.
A apelante, quando do envio da encomenda, demonstrou que não foi devidamente orientada pelo funcionário dos Correios a respeito da possibilidade de declarar o seu valor, mesmo que o preposto soubesse o que estava sendo despachado, já que vendeu à recorrente embalagem apropriada para o envio do produto e, mais, teve vista da nota fiscal, pois enviada juntamente com a encomenda. Tratava-se de um equipamento de uso por implantodontistas que estava sendo remetido para a fábrica em razão de defeitos, logo, para fins de garantia, a nota fiscal foi remetida em conjunto com o produto. Noutro dizer, o preposto dos Correios sabia que estava por enviar um objeto cujo valor era significativo (R$ 1.505,90); razoável, pois, que recomendasse à cliente a declaração de conteúdo e valor, cabendo lembrar que a recorrente, ao que tudo indica, não é pessoa familiarizada com os procedimentos da empresa postal.
A declaração de conteúdo e valor das encomendas postadas é uma forma de garantia aos usuários dos serviços prestados pela ECT. Feita a declaração, resguarda-se ao emitente o direito de ser indenizado em caso de extravio. Em outros precedentes, este juízo assinalou que a ECT não tem como presumir o conteúdo da correspondência/encomenda e dela não se exige que demonstre o que nela constava, em razão da inviolabilidade das correspondências assegurada pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso XII). Nesses casos, se não declarado o conteúdo e o respectivo valor da encomenda, a indenização corresponderá apenas às despesas de postagem. Mas, na hipótese em concreto, o funcionário dos Correios tomou conhecimento de que estava por despachar produto com valor significativamente alto, pois o embalo foi feito na própria agência postal. Esta circunstância é suficiente para ensejar a condenação da ECT por falha no serviço que prestou.
Procedente a pretensão indenizatória, examina-se os danos decorrentes do infortúnio.
Danos Materiais - Lucros Cessantes e Danos Emergentes
Os lucros cessantes, que não se presumem nem podem ser imaginários, são indenizáveis na medida daquilo que o credor razoavelmente deixou de ganhar. São os ganhos que eram certos e que restaram frustrados por ato alheio ou fato de outrem, de maneira que a indenização deve se limitar àquilo que representou de concreto prejuízo ao autor ou ao que deixou este de ganhar no período da inatividade forçada. Exigem, pois, demonstração de sua ocorrência.
É esta, a propósito, a dicção do artigo 402 do Código Civil:
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Nesse sentido a jurisprudência deste Tribunal Regional Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LUCROS CESSANTES. PROVA. DANO. - O lucro cessante não se presume, nem pode ser imaginário. A perda indenizável é aquela que razoavelmente se deixou de ganhar. A prova de existência do dano efetivo constitui pressuposto ao acolhimento da ação indenizatória. - Arts. 1059 e 1060 do Código Civil. Interpretação. - Incumbe àquele que alega a lesão ao seu patrimônio o ônus de demonstrar a existência dessa lesão, propiciando ao julgador as provas que tornem convincente a frustração do lucro que teria ocorrido, não fosse o advento do fato danoso. - Improvimento das apelações e da remessa oficial. (TRF4, AC 1999.71.03.001538-8, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJU 29-5-2002)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LIQUIDAÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. LUCROS CESSANTES RESULTANTES DE COGITADO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO FRUSTRADO. DANOS HIPOTÉTICOS. ARTS. 402 E 403 DO CC/2002. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE CARÁTER PROTELATÓRIO. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/1973 AFASTADA. 1 e 2. Omissis. 3. Os artigos 402 e 403 do Código Civil estabelecem que o cálculo dos lucros cessantes deve ser efetuado com razoabilidade, devendo corresponder à perda do lucro que resulte direta e imediatamente da inexecução do pacto. 4. A jurisprudência do STJ não admite a indenização de lucros cessantes sem comprovação, rejeitando os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria os lucros que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada. Precedentes. 5 e 6. Omissis. (STJ, AgInt no AREsp 964.233, 4ª Turma, rel.ª p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe 23-5-2017)
Já os danos emergentes, conforme a redação do mesmo artigo, representam aquilo que o lesado efetivamente perdeu.
Para serem indenizados, os danos materiais precisam ser comprovados mediante documentos aptos a demonstrar as despesas alegadas pela parte lesada.
A começar pelos lucros cessantes, observa-se que o equipamento foi postado nos Correios em 16-1-2017 para que a fabricante nele efetuasse reparos, em razão de defeitos que apresentou, e o roubo ocorreu dias depois, em 23-1-2017. Para repor a perda, a apelante adquiriu outro equipamento em 8-2-2017 pelo valor de R$ 2.004,07 (evento 6, NFISCAL5). Não há como saber se a garantia seria acolhida pela fabricante nem, em caso positivo, por quanto tempo o equipamento permaneceria no conserto. Não se pode perder de vista que a fábrica está localizada no interior do estado de São Paulo, a significar que alguns dias ou talvez semanas demorasse para que ficasse pronto, considerando-se tanto o tempo de conserto como o de envio de volta para a destinatária. Nessa perspectiva, as imagens juntadas no evento 6 (OUT2, 3 e 4) revelam que havia pacientes agendados para serem atendidos pela apelante nos dias 24, 30 e 31 de janeiro, além de outros na primeira semana de fevereiro. Não parece crível que em fins de janeiro e início de fevereiro a peça estivesse reparada e em mãos da recorrente, nem os autos fornecem elementos para que esta conclusão desde já seja firmada. Também nada indica não pudesse a apelante remarcar tais pacientes. De realce que no dia 8-2-2017 ela já havia adquirido outro aparelho em substituição ao extraviado, com o qual pôde seguir trabalhando normalmente na função de implantodontista.
Assim, indefere-se o pedido de indenização por lucros cessantes.
A respeito dos danos emergentes, estes equivalem a R$ 1.505,90, valor pago pelo equipamento furtado, mais R$ 27,60, importância paga a título de postagem. Em tempo: se na inicial a parte recorrente pediu a condenação da ECT a reparar também o montante pago pelo aparelho comprado em substituição ao que foi roubado, na apelação o pedido limitou-se à reparação deste (o que se extraviou), do que se conclui que a parte desistiu em parte de sua pretensão.
Com essas considerações, passa-se aos danos morais.
Indenização por Danos Morais
O direito à indenização por danos morais encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais (artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal):
Art. 5º. (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Meros transtornos não são suficientes para dar ensejo à ocorrência de danos morais, os quais demandam, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, a ponto a criar situações de constrangimento, humilhação ou degradação, e não apenas dissabores decorrentes de intercorrências do cotidiano.
Visando demonstrar os danos morais, na inicial afirmou-se que
o dano moral resta consubstanciado no transtorno decorrente do furto da mercadoria in vigilando, o sentimento de insegurança relativo a negativa na prestação assistencial devida pela Empresa Pública, e, principalmente a sensação constrangedora de incapacidade e abalo a imagem profissional pela falta do equipamento e, posteriormente, o cancelamento das cirurgias odontológicas, que podem afastar os pacientes definitivamente.
Embora este juízo reconheça os percalços e aborrecimentos experimentados pela apelante, tais não parecem ter sido suficientes para causar-lhe graves abalos psicológicos, tampouco há elementos de convicção que denotem que ela teve sua imagem profissional arranhada pelo episódio.
Assim, tratou-se de um aborrecimento, sem dúvida, mas insuficiente para provocar danos à esfera extrapatrimonial da parte.
Rejeita-se o recurso no particular.
Privilégios da ECT - Equiparação à Fazenda Pública
A ECT goza dos mesmos privilégios concedidos à Fazenda Pública por conta do artigo 12 do Decreto 509/69, que dispõe:
Art. 12 - A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.
O Supremo Tribunal Federal entende que o artigo em questão foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, conforme se depreende do seguinte julgado:
1. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos: execução (CF, art. 100; C. Pr. Civil, arts. 730 e 731): recepção pela Constituição de 1988 do art. 12 do Decreto-Lei 509/69, que estendeu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo a execução fazer-se mediante precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição da República: precedente (AI 243250 AgR, 1ª Turma, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJU 23-4-2004)
Dessa forma, a execução contra a ECT deve observar o regime de precatório, sob pena de ofensa ao artigo 100 da Constituição Federal. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇAO. TERMO "A QUO" DA REVISÃO CONTRATUAL. JUROS E CORREÇÃO. COMPENSAÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. NÃO CONFIGURADA 1. Se o título executivo judicial determinou a equiparação da agência comercial do tipo I da exequente com as agências franqueadas da ECT a partir da data da vigência da Lei n.º 10.577/02 (27/11/2002), não cabe mais discussão a respeito do termo "a quo" da revisão contratual. 2. Se o título judicial não determina a incidência de correção, juros e da multa previstas no contrato de franquia para a hipótese de inadimplência da permissionária, não cabe, a pretexto de prestigiar o princípio da boa-fé objetiva, alterar a coisa julgada para incluir parcelas que não estão previstas no título executivo. 3. De acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, os juros de mora devem obeceder à SELIC entre janeiro/2003 e junho/2009, e, a partir da vigência da Lei 11.960/2009, deve ser utilizado o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, que atualmente correspondem a 0,5%, capitalizados de forma simples. Já a correção monetária, pelo mesmo manual, deve ser o IPCA-E no período entre jan/2001 e jun/2009, data a partir da qual é cabível a TR. 4. A execução contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT deve, obrigatoriamente, observar o regime de precatório, sob pena de vulneração ao que dispõe o art. 100 da Constituição Federal. 5. Não há como equiparar o valor devido à embargante como crédito de natureza alimentícia, pois não está diretamente relacionado à subsistência de qualquer pessoa natural, senão ao faturamento de pessoa jurídica, nem se enquadra em qualquer das hipóteses do art. 100, §1º, da Constituição Federal (salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez). (TRF4, AC 5019581-41.2013.4.04.7200, 4ª Turma, rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 6-10-2015)
Consequência desse entendimento é o direito da ECT à isenção do pagamento das custas do processo e, ainda, a observância dos parâmetros a seguir fixados a respeito dos consectários da condenação.
Juros Moratórios e Correção Monetária
De início, importa esclarecer que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
Em 03/10/2019, o STF concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema nº 810), em regime de repercussão geral, rejeitando-os e não modulando os efeitos do julgamento proferido em 20/09/2017.
Com isso, ficou mantido o seguinte entendimento:
1. No tocante às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
2. O artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra.
Assim, considerando que é assente nas Cortes Superiores o entendimento no sentido de ser inexigível, para a observância da tese jurídica estabelecida no recurso paradigma, que se opere o trânsito em julgado do acórdão, a pendência de publicação não obsta a aplicação do entendimento firmado em repercussão geral.
Por fim, saliente-se que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda nº 62/2009 nas ADIs nºs 4.357 e 4.425 aplica-se exclusivamente aos precatórios expedidos ou pagos até a data da mencionada manifestação judicial, não sendo o caso dos autos, em que se trata de fase anterior à atualização dos precatórios.
Portanto, de ofício, afasta-se a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, com relação à correção monetária, determinando-se a incidência do IPCA-E.
Concessão do Benefício da Gratuidade Judiciária
Requer as parte apelante a concessão do benefício da gratuidade judiciária.
A Corte Especial deste Tribunal Regional Federal uniformizou o entendimento acerca da questão referente aos parâmetros a serem observados por ocasião da concessão do benefício da justiça gratuita nos seguintes termos:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI 1.060/50. ART. 4ª. ESTADO DE MISERABILIDADE. PRESUNÇÃO PELA SIMPLES AFIRMAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PARTE CONTRÁRIA. 1. Para a concessão da assistência judiciária gratuita basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. 2. Descabem critérios outros (como isenção do imposto de renda ou renda líquida inferior a 10 salários mínimos) para infirmar presunção legal de pobreza, em desfavor do cidadão. 3. Uniformizada a jurisprudência com o reconhecimento de que, para fins de Assistência Judiciária Gratuita, inexistem critérios de presunção de pobreza diversos daquela constante do art. 4º da Lei nº 1060/50. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência na Apelação Cível nº 5008804-40.2012.404.7100, rel. para acórdão Des. Federal Néfi Cordeiro, julgado em 22-11-2012)
Na mesma linha, aliás, o novo Código de Processo Civil passou a disciplinar a concessão da gratuidade da justiça em seu artigo 98 e seguintes, estabelecendo, em relação à pessoa física, uma presunção iuris tantum de veracidade da alegação de insuficiência de recursos.
Cumpre referir que tal presunção pode ser ilidida ao exame do conjunto probatório. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA. PRESUNÇÃO PELA SIMPLES AFIRMAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. PARTE CONTRÁRIA. Conforme dispõem os arts. 98 e 99 do CPC/2015, a concessão do benefício da gratuidade da justiça não está condicionada à comprovação da miserabilidade do requerente, mas, sim, à impossibilidade de ele arcar com os custos e as despesas do processo (inclusive a verba honorária). A simples afirmação da condição de hipossuficiente basta para o deferimento do benefício, contudo, a presunção de veracidade da respectiva declaração não é absoluta, devendo ser sopesada com as demais provas constantes nos autos. (TRF4, AG 5012393-24.2017.404.0000, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 9-6-2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. 1. A Corte Especial deste Tribunal, no julgamento da apelação civil nº 5008804-40.2012.404.7100, decidiu que, para concessão da assistência judiciária gratuita, basta que a parte declare não possuir condições de arcar com as despesas do processo sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, cabendo à parte contrária o ônus de elidir a presunção de veracidade daí surgida - art. 4º da Lei nº 1060/50. 2. Os elementos constantes nos autos, bem como o fato de o agravante perceber mensalmente quantia superior ao limite de isenção do IRPF, não são suficientes para afastar a presunção de veracidade oriunda da declaração de hipossuficiência apresentada. 3. O novo Código de Processo Civil estabeleceu no art. 99, § 3º, que se presume verdadeira a alegação de insuficiência deduzida pela pessoa natural, o que vem ao encontro do entendimento antes exposto da Corte Especial deste Tribunal. 4. Agravo de instrumento provido para conceder a assistência judiciária gratuita à parte agravante. (TRF4, AG 5042823-90.2016.404.0000, 4ª Turma, rel. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, juntado aos autos em 17-3-2017)
Assim, para o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa física basta a declaração da parte requerente no sentido de que não possui condições de arcar com os ônus processuais, descabendo outros critérios para infirmar a presunção legal de pobreza, restando à contraparte a comprovação em sentido contrário.
Nesse contexto, diante da declaração apresentada com a petição inicial (evento 1, DECLPOBRE3), defere-se o benefício.
Porém, o deferimento tem efeito ex nunc, não retroagindo a situações processuais pretéritas já atingidas pela preclusão.
Nesse sentido a jurisprudência:
PROCESSO CIVIL E CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POUPANÇA. COBRANÇA DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. REPETIÇÃO DAS RAZÕES LANÇADAS EM ACÓRDÃO ANTERIOR. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA. AJG. 1. A parte embargante repete as razões apresentadas anteriormente nos embargos de declaração quanto ao prequestionamento e, como já examinadas no acórdão embargado, impõe-se a rejeição dos mesmos. 2. Deve ser concedido o benefício da Justiça Gratuita, posto que a requerente informou não possuir condições de arcar com as custas processuais sem causar prejuízo a sua própria subsistência e de sua família, conforme comprovante de rendimentos, e o valor que pleiteia é considerado pequeno. Ressalve-se que a concessão do benefício da assistência judiciária produz efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos, não tendo o condão de fazê-lo retroagir e alcançar os atos já consumados, dentre eles a condenação nas custas e honorários sucumbenciais. 3. Embargos de declaração rejeitados e deferido o pedido de Assistência Judiciária Gratuita. (TRF4, Embargos de Declaração em Embargos de Declaração em Agravo em Apelação 5033835-71.2012.404.7000, 3ª Turma, rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 16-5-2013)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. DEFERIMENTO. EFEITOS EX NUNC. CONCESSÃO RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. O precedente atendimento de despesas processuais pretéritas não constituiu por si só, óbice a concessão da gratuidade. Como resulta dos arts. 6º, 7º e 8º, da Lei nº 1060/50, o benefício pode ser conferido (ou revogado) a qualquer tempo e em qualquer grau, não presumindo a lei a inalterabilidade das condições financeiras do interessado. Entretanto, a decisão não opera retroativamente, de modo que a benesse só alcançará despesas futuras. Precedentes do STJ e do TJRS. (TJRS, AI 70049746043, 9ª Câmara Cível, Rel. Desembagador Tasso Caubi Soares Delabary, DJ 6-7-2012)
Assim, os efeitos da gratuidade judiciária passam a valer para os atos posteriores à data da interposição da apelação.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.
Ante a sucumbência recíproca, as partes arcarão com o pagamento dos honorários advocatícios, os quais, considerando a natureza da demanda e o tempo de tramitação do feito (ajuizamento aos 13-3-2017, sem necessidade de instrução), vão arbitrados em R$ 1.000,00 para cada parte, vedada a compensação, conforme § 14 do referido artigo 85. Anota-se que a fixação dos honorários em percentual sobre a condenação implicaria valores irrisórios, ao passo que a aplicação dos parâmetros estabelecidos pelo artigo 85, § 3º, sobre o valor da causa (R$ 57.211,96) resultaria em honorários exorbitantes, pelo que, em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a verba há de ser fixada por apreciação equitativa.
O réu é isento do pagamento das custas, na forma da Lei.
Fica suspensa a exigibilidade dos valores em relação à parte autora enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o § 3º do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação para condenar a ECT ao pagamento dos danos emergentes no valor de R$ 1.505,90 (valor da mercadoria furtada) e R$ 27,60 (valor da postagem), bem como para deferir à apelante o benefício da gratuidade judiciária.
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Apelação Cível Nº 5003429-61.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: ANA CAROLINA CORREA PINOS (AUTOR)
APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)
VOTO DIVERGENTE
Peço vênia para divergir da solução apresentada pela eminente Relatora.
Reputo ponto essencial ao deslinde deste caso a circunstância de a autora ter omitido na documentação de postagem o conteúdo e seu valor respectivo.
Deixo de considerar relevante eventual omissão do preposto da agência postal em recomendar de forma particularizada para a autora que lançasse essas informações na documentação postal. A cautela na indicação dessas informações é comunicada e viabilizada pelo serviço regular da ECT, além de sinalizada de forma suficiente nos elementos informativos do serviço, dispensando a individualizada advertência por parte do preposto da ECT.
Assim, tendo a autora deixado de informar o conteúdo e o valor da mercadoria postada, carece o feito de elementos seguros a atribuir a responsabilidade da ECT pelo roubo do bem apontado na exordial. Ademais, tendo a requerente carreado aos feito elementos insuficientes à formação da convicção pela procedência de seu pleito, inviabilizou condições para eventual aferição indireta acerca do conteúdo e valor da carga roubada.
Assim, a pretensão merece julgamento pela sua improcedência, conclusão reforçada pelos precedentes a seguir transcritos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA EM DECORRÊNCIA DE ROUBO. CONTEÚDO NÃO DECLARADO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL OU MORAL INDEVIDA. 1. A não contratação de seguro com declaração do conteúdo e/ou valor do objeto remetido pela via postal afasta a responsabilidade da ECT por danos materiais e morais, quando o extravio da correspondência decorrer de roubo. 2. Recurso dos Correios provido e prejudicado o recurso da parte autora. (RECURSO CÍVEL 5048048-72.2018.4.04.7000, MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA, TRF4 - PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR, 09/07/2019.);
RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS/ECT. EXTRAVIO DE SEDEX. POSTAGEM SEM DECLARAÇÃO DE CONTEÚDO OU VALOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA, SENDO IMPRESCINDÍVEL A COMPROVAÇÃO DO NEXO CAUSAL. INEXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS A SEREM INDENIZADOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Trata-se de ação de indenização interposta em 21/7/2011 por LUIZ ALBERTO DUARTE DA COSTA com vistas à condenação da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT ao pagamento de quantia a ser arbitrada pelo Juízo, a título de dano moral. Alega que, estando prestes a se aposentar, realizou em 20/9/2010 postagem de SEDEX convencional, cujo destinatário era seu advogado situado no Rio de Janeiro, contendo os seguintes documentos necessários para as providências cabíveis. Afirma que, diante do não recebimento do Aviso de Recebimento - AR, registrou manifestação junto à ECT em 6/10/2010, obtendo a resposta de que a correspondência havia sido extraviada, em razão de roubo, tendo lhe sido pago o valor de R$ 78,10 referente às taxas postais pagas pelo autor e seguro automático. Discorre que, diante da situação narrada, foi lavrado Boletim de Ocorrência. Assevera que a falha na prestação de serviço lhe causou prejuízos, uma vez que alguns registros existentes em sua CTPS se perderam, não podendo ser utilizados para a contagem de tempo de serviço para a concessão de sua aposentadoria. 2. É certo que a responsabilidade da EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS/ECT, na condição de empresa pública prestadora de serviços delegados pela União (artigo 21, X, CF) é objetiva (artigo 37, § 6º, CF) e isso retira do prejudicado pela má (ou nenhuma) prestação do serviço (contratado sob regime oneroso) a necessidade de comprovar qualquer "culpa" daquela, cabendo ao usuário demonstrar somente que a má prestação do serviço provocou-lhe um dano. Nesse sentido: TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1833478 - 0001843-73.2008.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, julgado em 15/03/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2017; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1287278 - 0000661-86.2007.4.03.6119, Rel. JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, julgado em 15/02/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/02/2017; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1708027 - 0000586-56.2007.4.03.6116, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 26/01/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/02/2017; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2164513 - 0001498-45.2014.4.03.6104, Rel. JUIZ CONVOCADO PAULO SARNO, julgado em 26/01/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/02/2017; TRF-1, AC 0003009-18.2009.4.01.4000, SEXTA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, j. 3/5/2013, e-DJF1 16/5/2013; TRF-2, AC 2000.51.01.023815-1, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO REGUEIRA, j. 28/2/2007, DJU 13/4/2007. Portanto, a circunstância de a responsabilidade da ECT ser objetiva apenas afasta do autor a necessidade de comprovar a existência de culpa daquela, mas não lhe retira o ônus de provar a existência do dano e o nexo de causalidade. 3. Ainda, constitui entendimento deste Tribunal que é irrelevante o fato de não ter sido efetuada a declaração do valor da correspondência postada, diante da comprovação do nexo de causalidade entre o serviço defeituoso e os prejuízos efetivamente comprovados. Nesse sentido: AC 0018616-85.2010.4.03.6100, SEXTA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, j. 4/8/2016, e-DJF3 16/8/2016; AC 0004234-56.2003.4.03.6125, QUARTA TURMA, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, j. 18/5/2016, e-DJF3 3/6/2016. Novamente se destaca a imprescindibilidade da comprovação do nexo causal entre a má prestação do serviço e os prejuízos dela resultantes, ainda que despicienda a comprovação da existência de culpa. 4. Ocorre que no caso dos autos não consta nenhuma comprovação de que o conteúdo do SEDEX (postado sem declaração de conteúdo ou valor) efetivamente correspondia aos documentos cujo extravio se alega, o que inviabiliza a necessária verificação do nexo causal. E como bem destacado na r. sentença, "a demandante não fez nenhuma prova quanto a ter deixado de se aposentar, ou mesmo de ter requerido qualquer benefício previdenciário, o que não se presume". O dano deve ser certo, e não provável (TRF3, AC 0007979-72.2001.4.03.6106/SP, SEGUNDA TURMA, JUÍZA CONVOCADA ANA LÚCIA IUCKER, j. 28/6/2011, e-DJF3 7/7/2011). Destaca-se jurisprudência desta Egrégia Corte: TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2000753 - 0005938-77.2011.4.03.6108, Rel. JUIZ CONVOCADO SILVA NETO, julgado em 19/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/07/2017. 5. Não tendo o autor logrado êxito em demonstrar sua frustração em relação à eventual direito à obtenção de benefício previdenciário, em razão do extravio discorrido nos presentes autos, não há que se cogitar da ocorrência de dano moral. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria ao apelante, consoante bem fundamentado na r. sentença: "Em relação ao dano moral, se de fato os documentos extraviados são aqueles elencados na folha 04, o que não se comprovou, pode ter levado o requerente a peregrinar pelas empresas onde trabalhou para que anotassem os contratos em nova CTPS, trazendo transtorno à sua vida pessoal. No entanto, o extravio se deu em viatura da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, resultante de roubo declarado perante o Departamento de Polícia Federal - Superintendência Regional no Estado do Rio de Janeiro, configurando força maior, circunstância que exclui a responsabilidade civil da parte ré". 6. Apelação improvida. (ApCiv 0005074-27.2011.4.03.6112, DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2017.)
Em virtude da sucumbência recursal, atribuo acréscimo aos honorários de advogado fixados, que passam para 12% sobre o valor da causa atualizado.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.
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Apelação Cível Nº 5003429-61.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: ANA CAROLINA CORREA PINOS (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF
APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA. ROUBO DE CARGA. ENCOMENDA DE VALOR SIGNIFICATIVO. PREPOSTO DA EMPRESA POSTAL QUE, EMBORA SOUBESSE O CONTEÚDO E O VALOR DO OBJETO A SER POSTADO, NÃO ORIENTOU A CLIENTE A DECLARAR O VALOR. FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE CIVIL RECONHECIDA. DANOS EMERGENTES. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. EFEITO EX NUNC.
1. O artigo 17, inciso I, da Lei 6.528/78, prevê que a ECT responde, na forma prevista em regulamento, pela perda ou danificação de objeto postal devidamente registrado, salvo nos casos de força maior.
2. A declaração de conteúdo e valor das encomendas postadas é uma forma de garantia aos usuários dos serviços prestados pela ECT. Feita a declaração, resguarda-se ao emitente o direito de ser indenizado em caso de extravio. A ECT não tem como presumir o conteúdo da correspondência/encomenda e dela não se exige que demonstre o que nela constava, em razão da inviolabilidade das correspondências assegurada pela Constituição Federal. Todavia, se o funcionário dos Correios, ao tomar conhecimento de que estava por despachar produto com valor significativo, tem o dever de orientar a cliente, pessoa física, a respeito da possibilidade de declarar o valor.
3. Ausente comprovação de que o equipamento extraviado, que fora enviado à fábrica para consertos, estaria em mãos da parte autora a tempo de atender os pacientes nas datas apontadas na agenda juntada aos autos, dada a proximidade entre o evento danoso e as consultas, indefere-se o pedido de indenização por lucros cessantes. Nesse caso, toma-se em consideração o fato de a parte autora não ter demonstrado haver impossibilidade de remarcar as consultas, já que, dias depois, adquiriu outro equipamento para seguir trabalhando na função de implantodontista.
4. Ainda que o extravio do equipamento despachado tenha provocado percalços e aborrecimentos à parte, quando tais não forem suficientes para causar-lhe graves abalos psicológicos, tampouco para arranhar sua imagem profissional, os danos morais ficam descaracterizados.
5. Para o deferimento do benefício da justiça gratuita à pessoa física, basta a declaração da parte requerente no sentido de que não possui condições de arcar com os ônus processuais, descabendo outros critérios para infirmar a presunção legal de pobreza.
6. A gratuidade da justiça pode ser requerida a qualquer tempo, mas, uma vez concedida, não tem efeito retroativo, de modo que só se aplica aos atos posteriores ao pedido deferido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencida a Des. Federal MARGA BARTH TESSLER, dar parcial provimento à apelação para condenar a ECT ao pagamento dos danos emergentes no valor de R$ 1.505,90 (valor da mercadoria furtada) e R$ 27,60 (valor da postagem), bem como para deferir à apelante o benefício da gratuidade judiciária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de junho de 2020.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001400843v12 e do código CRC 4cc7ec71.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 19/11/2019
Apelação Cível Nº 5003429-61.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: ANA CAROLINA CORREA PINOS (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF
APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA CONDENAR A ECT AO PAGAMENTO DOS DANOS EMERGENTES NO VALOR DE R$ 1.505,90 (VALOR DA MERCADORIA FURTADA) E R$ 27,60 (VALOR DA POSTAGEM), BEM COMO PARA DEFERIR À APELANTE O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA, DA DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELA DES. FEDERAL MARGA BARTH TESSLER NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E O VOTO DO DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO ACOMPANHANDO A RELATORA. O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC.
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:29.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 23/06/2020
Apelação Cível Nº 5003429-61.2017.4.04.7107/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: ANA CAROLINA CORREA PINOS (AUTOR)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF (OAB RS042375)
ADVOGADO: ELIANE PATRICIA BOFF
APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 23/06/2020, na sequência 78, disponibilizada no DE de 10/06/2020.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DO DES. FEDERAL RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA E O VOTO DA DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA TAMBÉM NO SENTIDO DE ACOMPANHAR ACOMPANHAR A RELATORA. A TURMA AMPLIADA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDA A DES. FEDERAL MARGA BARTH TESSLER, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA CONDENAR A ECT AO PAGAMENTO DOS DANOS EMERGENTES NO VALOR DE R$ 1.505,90 (VALOR DA MERCADORIA FURTADA) E R$ 27,60 (VALOR DA POSTAGEM), BEM COMO PARA DEFERIR À APELANTE O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 44 (Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA) - Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA.
Acompanho o(a) Relator(a)
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 43 (Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA) - Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA.
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:43:29.