Apelação Cível Nº 5009746-38.2018.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDIR MULLER (AUTOR)
ADVOGADO: Silberto Mauer (OAB RS078629)
INTERESSADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Valdir Müller contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e a Caixa Econômica Federal, objetivando provimento judicial que: a) reconheça a ocorrência de fraude na celebração dos contratos de empréstimo consignado n. 1814.3711.0001737 e 1834.8211.0000121785, declarando a inexistência dos débito imputados ao autor; b) condene os réus à devolução, em dobro, dos valores descontados indevidamente, montante que deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença, acrescido de juros e de correção monetária; c) condene os réu sao pagamento de indenização para reparação de danos morais equivalente a 40 ) salários mínimos.
A sentença, reconhecendo que a pretensão indenizatória formulada contra a CEF foi objeto de autocomposição, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados em face do INSS para o fim de reconhecer a responsabilidade civil da autarquia pelos danos morais causados à parte autora no e condená-la ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00, valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E e acrescido de de juros de mora, ambos a contar da data de publicação da sentença. Não houve condenação em custas. A sentença, considerando que na ação de indenização por danos morais a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca, condenou o INSS ao pagamento de honorários advocatícios equivalentes a 1/2 (meio) salário mínimo nacional, considerando-se o valor vigente à época do pagamento.
Irresignado, o INSS apelou. Em suas razões recursais, renovou a preliminar de ilegitimidade passiva e, no mérito, defendeu que a consignação em pagamento na folha do segurado ou pensionista decorre de relação jurídica subjacente à relação existente entre o autor e o instituto previdenciário, além de ser a a CEF quem detém a guarda dos documentos atinentes à contratação. Explicitou que só toma conhecimento das operações efetuadas após o envio das informações pelas instituições financeiras para a DATAPREV por meio eletrônico (arquivo magnético), não ficando a autarquia previdenciária com qualquer documento de autorização assinado pelo beneficiário, mesmo porque à própria instituição financeira que concedeu o empréstimo cabe o esclarecimento de eventuais dúvidas sobre a operacionalização dos empréstimos, bem como a ela cabe, exclusivamente, a prova da contratação e a responsabilidade pela devolução dos valores indevidamente consignados. Na sequência, assinalou que não há, nos autos, nenhum elemento probatório que sirva à comprovação da existência de dano decorrente de eventual ato da administração e até mesmo de suposto prejuízo moral frente às operações em comento. Ao final, requereu o provimento da apelação para que a sentença seja reformada, com o consequente julgamento de improcedência do pedido e a inversão dos ônus da sucumbência. Em caso de manutenção da condenação, postulou sejam os consectários calculados de acordo com o artigo 1º-F da Lei 9.494/97.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
O autor narrou que, a partir de outubro de 2017, passou a sofrer descontos em sua aposentadoria em razão da suposta contratação de empréstimos por consignação junto à CEF (contratos n. 1814.3711.0001737 e 1834.8211.0000121785), os quais nega ter contratado. Salientou que, além de ter sido privado de valores destinados ao sustento próprio e de sua família, teve seu nome inscrito em órgãos de proteção de crédito. Alegou que houve falha falha na prestação dos serviços bancários, o que justifica a repetição em dobro dos valores descontados na forma da legislação consumerista e a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.
Preliminar de Ilegitimidade Passiva do INSS
O INSS renovou a preliminar de ilegitimidade passiva ao argumento de que, apesar de ser o órgão detentor do numerário e dos dados da folha de pagamento dos benefícios previdenciários, não é interessado nas lides em que se discute a má utilização desses dados por parte dos agentes financeiros credenciados, uma vez que os contratos são firmados entre os segurados e as instituições financeiras, competindo à autarquia apenas reter os valores autorizados pelo beneficiário e repassar o montante correspondente às instituições contratadas.
A legitimidade passiva do INSS deve, porém, ser reconhecida. O autor, segurado da previdência social, experimentou danos depois que foram efetuados descontos na folha de pagamento de seus proventos de aposentadoria, descontos que, na prática, foram operacionalizados pela autarquia previdenciária nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei 10.820/2003.
Da leitura do artigo 6° da referida lei constata-se que o ordenamento jurídico conferiu ao INSS uma série de prerrogativas que o dotam de total controle sobre os descontos realizados nas folhas de pagamentos de seus segurados. Na condição de responsável pela retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e seu posterior repasse à instituição consignatária nas operações de desconto (artigo 6º, § 2, inciso I, da mesma lei, na redação dada pela Lei 10.953/2004), o INSS deve, antes, munir-se de precedente autorização do beneficiário para que efetue a retenção. Como detentor da prerrogativa de cancelar futuros descontos, terá necessariamente de participar da relação processual, pois será atingido pelo provimento jurisdicional caso este venha a ser deferido nos moldes em que postulado na inicial.
Ademais, a Instrução Normativa 121/2005, ao regulamentar o artigo 6º da lei em questão, normatizou que a autorização deve ser firmada pelo beneficiário por escrito ou por meio eletrônico, devendo ser conservada pelas instituições financeiras por cinco anos após o término da operação.
Assim, as diligências necessárias para a concessão dos empréstimos consignados são de responsabilidade das instituições bancárias e do INSS, inclusive por conta do grande número de fraudes existentes.
Logo, o fato de o INSS figurar como agente operacional, apto a gerenciar os valores recebidos pelo autor, o qualifica para figurar no polo passivo da demanda. Esta é, a propósito, a posição deste Tribunal Regional Federal:
ADMINISTRATIVO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INSS. RESTITUIÇÃO. DANOS MORAIS. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003. (AC 5006406-94.2015.4.04.7204, 4ª Turma, rel. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, juntado aos autos em 16-10-2017)
ADMINISTRATIVO. CIVIL. CEF. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO REALIZADO POR TERCEIRO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INSS. RESTITUIÇÃO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. 1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003. 2 a 5. Omissis. (Apelação/Remessa Necessária 5005533-73.2015.4.04.7114, 4ª Turma, rel. Juiz Federal Loraci Flores de Lima, juntado aos autos em 17-8-2017)
ADMINISTRATIVO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LEGITIMIDADE PASSIVA INSS. RESTITUIÇÃO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. 1. O INSS é parte legítima em demanda relativa à ilegalidade de descontos no benefício de segurado, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 10.820/2003. 2 a 4. Omissis. (AC 5016319-97.2010.4.04.7100, 3ª Turma, rel. Juiz Federal Guilherme Beltrami, juntado aos autos em 29-1-2016)
Assim, rejeita-se a preliminar.
Responsabilidade Civil do Estado
Estando o INSS na relação processual e versando o feito sobre responsabilidade civil, cabíveis as seguintes considerações.
A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).
Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 1º-8-2016)
Dito isso, passa-se a examinar o caso concreto.
Caso Concreto
O caso concreto foi bem solvido pelo juiz federal Nórton Luís Benites, razão pela qual se transcreve e adota como razão de decidir o seguinte trecho da sentença:
Examinando estes autos eletrônicos, reputo verossímeis as alegações da parte autora, no sentido de que não teria contratado os valores mutuados, tampouco autorizado o desconto em seu benefício previdenciário.
A corroborar esse entendimento, a manifestação da CAIXA no sentido de imediato ressarcimento dos valores descontados (ev. 58). Vejamos:
Demonstrada a condição do autor de vítima de evento de consumo (art. 17 do CDC), a responsabilidade da CAIXA deveria ser analisada sob a ótica da Lei nº 8.078/90, inclusive no que diz respeito à responsabilidade objetiva do prestador de serviço, ressalvando-se apenas as situações de força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 14, § 31º). Sobre o ponto, o enunciado da Súmula 497 do STJ, dispondo que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias".
Contudo, quanto ao INSS, aplicável o regime da responsabilidade objetiva prevista no § 6º do art. 37 da CRFB/88, não havendo indagar acerca de dolo ou a culpa da Autarquia Ré.
Embora objetiva a responsabilidade, conforme acima referido, o direito à reparação do dano exigirá a demonstração: (a) da existência do dano; (b) da ação (ou omissão) administrativa; (c) do nexo causal entre o dano e a ação administrativa.
Anoto que o nexo de causalidade constitui fator determinante para verificação da existência do dever de indenizar, devendo ser apreciado à luz da teoria da causalidade adequada, segundo a qual somente a causa apta ou conduta direta e imediata relevante para a produção do resultado gera o dever de indenizar.
Isso porque o nexo causal evidencia uma relação intrínseca entre o ato lesivo e o dano sofrido. A constatação de existência de nexo pressupõe um juízo de probabilidade, dentro da "lógica do razoável", levando em consideração a causa apta e imediata determinante do evento danoso.
Ressalto, por oportuno, que o ordenamento jurídico pátrio prevê casos específicos de responsabilidade civil sem culpa, mas nunca sem relação causal.
Ao que tudo indica, os descontos noticiados na inicial foram desencadeados por negligência ou imperícia do Banco Réu, por não aferir com maior cautela os dados identificadores do autor. Ademais, inegável que a instituição assume risco operacional consciente, sendo que a imputação de fraude praticada por terceiros não exime a ré da responsabilização dos fatos.
Quanto à responsabilidade do INSS, dispõe a Lei 10.820/2003:
Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)
(...) § 2o Em qualquer circunstância, a responsabilidade do INSS em relação às operações referidas no caput deste artigo restringe-se à: (Redação dada pela Lei nº 10.953, de 2004)
I - retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado; e
II - manutenção dos pagamentos do titular do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção, não cabendo à autarquia responsabilidade solidária pelos débitos contratados pelo segurado. (...)
Veja-se que a Lei impõe ao INSS as seguintes obrigações: (a) retenção dos valores autorizados pelo beneficiário e repasse à instituição consignatária nas operações de desconto, sem qualquer responsabilidade pelos débitos contratados; (b) manutenção dos pagamentos do benefício na mesma instituição financeira enquanto houver saldo devedor nas operações em que for autorizada a retenção.
Ou seja, tem-se que o INSS atua como intermediário da relação contratual, obrigando-se a proceder aos descontos e repassá-los ao agente financeiro. Ora, se lhe cabe reter e repassar os valores autorizados, é de responsabilidade do INSS verificar se houve a efetiva autorização.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DEMONSTRADA. DANOS MORAIS. Nos termos do art. 6º da Lei 10.820/03, cabe ao INSS a responsabilidade por reter os valores autorizados pelo beneficiário e repassar à instituição financeira credora (quando o empréstimo é realizado em agência diversa da qual recebe o benefício); ou manter os pagamentos do titular na agência em que contratado o empréstimo, nas operações em que for autorizada a retenção. Ora, se lhe cabe reter e repassar os valores autorizados, é de responsabilidade do INSS verificar se houve a efetiva autorização. (TRF4, AC 5001943-91.2015.4.04.7113, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 27/06/2018)
Pois bem. No caso dos autos, verifico que os danos materiais já foram reparados pela CAIXA, não havendo como prosperar o pedido de condenação do INSS à devolução dos valores descontados e já ressarcidos.
Não há falar, portanto, em pagamento de indenização por danos materiais a cargo do INSS.
De fato, desnecessário tecer maiores digressões sobre o caso, uma vez que descortinada a fraude nos empréstimos consignados, a qual provocou danos ao autor. Aliás, a própria CEF, ao restituir os valores descontados, reconheceu que as contratações foram fraudulentas. O INSS, como intermediário da relação contratual e obrigado a reter valores e repassá-los ao agente financeiro, deveria ter verificado se houve a efetiva autorização pelo autor antes de proceder aos descontos, o que não o fez.
Mantida a sentença na parte em que examinou a questão de fundo, cumpre analisar o pedido de indenização por danos morais.
Dos Danos Morais
O direito à indenização por dano moral encontra-se no rol dos direitos e garantias fundamentais, assegurado no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:
Art. 5º. (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Meros transtornos não são suficientes para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, de modo a criar situações de constrangimento, humilhação ou degradação, e não apenas dissabores decorrentes de intercorrências do cotidiano.
No caso, os danos morais decorrentes da privação involuntária de verba de natureza alimentar e da angústia causada por tal situação são presumíveis (in re ipsa), razão por que a condenação do INSS a indenizar tais espécies de danos é imperativa e dispensa maiores considerações.
Cumpre reforçar que embora a autarquia previdenciária não tenha se beneficiado do proveito econômico advindo dos descontos indevidos, procedeu a esses descontos mesmo que os contratos subjacentes decorressem de prática fraudulenta. Tal situação gera inequívoca tristeza, significativa sensação de impotência, instabilidade emocional e profundo desgaste, o que afeta a integridade psíquica do demandante e, por conseguinte, sua dignidade.
Configurado o dano moral alegado, impõe-se a sua mensuração.
Quantificação dos Danos Morais
Sobre o quantum indenizatório, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento de que "a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade" (REsp 666.698/RN, 4ª Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJU 17-12-2004).
Nessa mesma linha tem se manifestado este tribunal:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS. 1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral. 2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (AC 5000038-54.2010.404.7104, 4ª Turma, rel. p/ acórdão Des. Federal Jorge Antônio Maurique, D.E. 20-6-2012)
O valor compensatório, portanto, deve obedecer aos padrões acima apresentados, devendo ser revisto quando se mostrar irrisório ou excessivo.
No caso, o montante de R$ 2.000,00 fixado pelo julgador afigura-se suficiente para fazer frente ao abalo suportado pelo demandante.
Examinadas todas as questões de mérito devolvidas, passa-se a dispor sobre os consectários da condenação.
Juros Moratórios e Correção Monetária
De início, importa esclarecer que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
Em 03/10/2019, o STF concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema nº 810), em regime de repercussão geral, rejeitando-os e não modulando os efeitos do julgamento proferido em 20/09/2017.
Com isso, ficou mantido o seguinte entendimento:
1. No tocante às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios idênticos aos juros aplicados à caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009.
2. O artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina, devendo incidir o IPCA-E, considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra.
Assim, considerando que é assente nas Cortes Superiores o entendimento no sentido de ser inexigível, para a observância da tese jurídica estabelecida no recurso paradigma, que se opere o trânsito em julgado do acórdão, a pendência de publicação não obsta a aplicação do entendimento firmado em repercussão geral.
Por fim, saliente-se que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da Emenda nº 62/2009 nas ADIs nºs 4.357 e 4.425 aplica-se exclusivamente aos precatórios expedidos ou pagos até a data da mencionada manifestação judicial, não sendo o caso dos autos, em que se trata de fase anterior à atualização dos precatórios.
Portanto, e ofício, define-se a incidência de juros e correção monetária.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.
Considerando a natureza da causa e tendo presente que o valor da condenação não excederá a 200 salários mínimos, mantém-se os honorários advocatícios em meio salário mínimo nacional, considerando-se o valor vigente à época do pagamento, sopesados os critérios do artigo 85, §§ 2º e 8º, do Código de Processo Civil.
Por fim, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e, de ofício, definir a incidência de juros e correção monetária.
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Apelação Cível Nº 5009746-38.2018.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDIR MULLER (AUTOR)
ADVOGADO: Silberto Mauer (OAB RS078629)
INTERESSADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. SEGURADO DO INSS. EMPRÉSTIMO FRAUDULENTO. DESCONTOS INDEVIDOS DOS PROVENTOS PREVIDENCIÁRIOS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. DANOS MORAIS. PRIVAÇÃO DE VERBA ALIMENTAR.
1. O INSS é parte legítima em demanda que versa sobre a ilegalidade de descontos efetuados em benefício previdenciário de segurado da Previdência, nos termos do artigo 6º, § 1º, da Lei 10.820/2003.
2. A responsabilidade civil do Estado pressupõe a coexistência de três requisitos: a) a comprovação da ocorrência do fato ou evento danoso, bem como de sua vinculação com o serviço público; b) a prova do dano sofrido; e c) a demonstração do nexo de causalidade entre o fato danoso e o dano sofrido.
3. Os danos morais decorrentes da privação involuntária de verba alimentar e da angústia causada por tal situação são considerados in re ipsa, isto é, dispensam a prova do prejuízo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, definir a incidência de juros e correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 22/10/2019
Apelação Cível Nº 5009746-38.2018.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: VALDIR MULLER (AUTOR)
ADVOGADO: Silberto Mauer (OAB RS078629)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 22/10/2019, às , na sequência 745, disponibilizada no DE de 27/09/2019.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, DEFINIR A INCIDÊNCIA DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 04:37:02.