
Apelação Cível Nº 5013412-13.2019.4.04.7108/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5013412-13.2019.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: WILLIAM LETELIER DA SILVA RODRIGUES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CAROLINA KASPERBAUER DE CAMARGO (OAB RS063406)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de mandado de segurança impetrado objetivando o reconhecimento do direito ao recebimento do benefício de seguro-desemprego.
A parte impetrante narrou que solicitou o benefício de seguro-desemprego após o término de seu vínculo com o Município de São Leopoldo, o qual foi indeferido sob o fundamento de estar vinculado à órgão público.
Afirmou que foi empregado de empresa pública municipal pelo regime celetista entre 13/05/2016 a 10/05/2019, sendo que a dispensa se deu sem justa causa pelo empregador. Aduziu que o vínculo laboral não se tratou de cargo público, não se aplicando assim a vedação ao recebimento de seguro-desemprego. Requereu a concessão de medida liminar.
O pedido liminar foi indeferido (evento 3).
Processado o feito, foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
"Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, inc. I, do CPC/2015).
Deixo de condenar qualquer das partes ao pagamento de honorários advocatícios (art. 25 da Lei 12.016/09 e Súmulas 512 do STF e 105 do STJ). Custas processuais pela parte impetrante, observada a AJG.
Não haverá reexame necessário (art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/09).
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se."
Irresignada a parte impetrante apelou, alegando que foi aprovado em processo seletivo destinado ao preenchimento de vaga em emprego público em empresa pública municipal, sendo a contratação regida pela CLT, de modo que não se enquadra em nenhuma das hipóteses para não liberação do seguro-desemprego. Ponderou que, como não se trata de cargo público, não se aplica o impedimento de recebimento do seguro-desemprego extensível aos detentores de cargo público.
Referiu que o fato de ter sido contratado por ente da Administração Pública Indireta, por si só, não impede a concessão do seguro-desemprego, tendo em vista que se trata de emprego regido pela CLT, cuja contratação ocorreu por tempo indeterminado e foi rescindida pelo empregador, sem justa causa, de modo que ilegítimo o indeferimento do seguro-desemprego.
Ressaltou que a Lei n.º 7.998/90 não faz nenhum tipo de distinção entre empregados de entes públicos ou privados para o recebimento do benefício, não podendo a Circular 46, de 29/09/2015, restringir o direito legalmente previsto, por ser normativo hierarquicamente inferior à lei federal, sob pena de grave violação ao princípio constitucional da hierarquia das leis (art. 59 da CF/88).
Apontou que foi aprovado em processo seletivo destinado ao preenchimento de vaga em emprego público na Administração Pública Indireta - empresa pública municipal - sendo a contratação regida pela CLT - Consolidação das Leis Trabalhista, de modo que não se enquadra em nenhuma das hipóteses apontadas pela impetrada para não liberação do benefício.
Oportunizadasas contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal, opinando o representante da Procuradoria Regional da República pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
O seguro-desemprego é um benefício garantido constitucionalmente no artigo 7º, inciso II, e tem por finalidade "prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo" (art. 2º, I, da Lei n. 7.998/90).
Nos termos do artigo 3º do referido diploma legal, com redação dada pela Lei nº 13.134/2015, terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a:
a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação;
b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e
c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;
II - Revogado.
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
VI - matrícula e frequência, quando aplicável, nos termos do regulamento, em curso de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional habilitado pelo Ministério da Educação, nos termos do art. 18 da Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ofertado por meio da Bolsa-Formação Trabalhador concedida no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), instituído pela Lei no 12.513, de 26 de outubro de 2011, ou de vagas gratuitas na rede de educação profissional e tecnológica. (grifei)
Outrossim, as hipóteses de suspensão e cancelamento do benefício são aquelas previstas nos artigos 7º e 8º da referida lei:
Art. 7º - O pagamento do benefício do seguro-desemprego será suspenso nas seguintes situações:
I - admissão do trabalhador em novo emprego;
II - início de percepção de benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto o auxílio-acidente, o auxílio suplementar e o abono de permanência em serviço;
III - início de percepção de auxílio-desemprego.
IV - recusa injustificada por parte do trabalhador desempregado em participar de ações de recolocação de emprego, conforme regulamentação do Codefat.
Art. 8º - O benefício do seguro-desemprego será cancelado:
I - pela recusa por parte do trabalhador desempregado de outro emprego condizente com sua qualificação registrada ou declarada e com sua remuneração anterior;
II - por comprovação de falsidade na prestação das informações necessárias à habilitação;
III - por comprovação de fraude visando à percepção indevida do benefício do seguro-desemprego; ou
IV - por morte do segurado.
No caso dos autos, a parte impetrante demonstrou a rescisão do contrato de trabalho que manteve com a Prefeitura Municipal de São Leopoldo, entre 13/05/2016 a 05/04/2019 (
).A controvérsia consiste na possibilidade de obtenção de seguro-desemprego por empregado contratado pelo Município no regime celetista e dispensado sem justa causa.
Efetivamente, restou comprovado nos autos que a contratação pelo município de São Leopoldo se deu pelo regime celetista.
No presente caso é preciso observar a especificidade em relação ao cargo que foi ocupado pela parte impetrante. É que a contratação ocorreu como agente comunitário de saúde (
, p. 5).Os agentes comunitários de saúde têm expressa previsão constitucional no art. 198, §§ 4º e 5º, da CF:
"Art. 198 - As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
omissis...
§ 4º - Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)
§ 5º - Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 63, de 2010) Regulamento"
Por sua vez, a disposição constitucional foi regulamentada pela Lei n.º 11.350/06, que em seu art. 8º assim estabeleceu:
Art. 8º - Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. -grifado
No presente caso, em razão da forma de contratação da parte impetrante, é possível se inferir que o Município de São Leopoldo não dispôs de forma diversa, i.é., - durante o período de trabalho do autor -, não dispunha de lei local que estabelecesse a contratação por outro modo que não a contratação pela CLT.
Considerando tal permissão legal prevista pela Lei nº 11.350/06, possível concluir-se ser devido o direito constitucional ao recebimento do seguro-desemprego, além de todos os direitos trabalhistas.
Portanto, esta exceção como forma de contratação dos agentes comunitários de saúde (pela CLT - com ou sem concurso público), na forma em que estabelecida, não traz impedimento ao recebimento do benefício do seguro-desemprego e, assim, não poderia a Circular nº 46 (
) estabelecer uma restrição a um direito constitucionalmente previsto para os empregos regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas, hipótese a dos autos.Situação bem diferente se encontra nas hipóteses em que vedada a contratação pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e, ainda assim, ao arrepio do regramento, o ente público realiza a contratação pela CLT, nas quais a jurisprudência estabelece que não há o direito ao recebimento do seguro-desemprego.
No caso, não há ressalva e/ou exclusão dos benefícios da parte autora para a hipótese, e sim, ao contrário, uma exceção legal autorizando a contratação pelo Município de acordo com as leis trabalhistas, e em que não foi taxativamente estabelecida qualquer exclusão ao recebimento dos direitos constitucionais e trabalhistas previstos, aí incluído o seguro-desemprego.
Portanto, não há motivos para obstar o pagamento do benefício de seguro-desemprego à parte impetrante.
Assim sendo, é de ser reformada a sentença, dando provimento à apelação da parte impetrante para determinar que a parte impetrada promova o pagamento das parcelas devidas (sendo as vencidas em lote único), sob a condição de não existir outro motivo para não efetuar o pagamento além do discutido nessa ação.
Sucumbência
Sem recolhimento de custas (AJG) e sem condenação em honorários advocatícios (artigo 25 da Lei nº 12.016/2009).
Conclusão
Dá-se provimento à apelação da parte impetrante, a fim de reformar a sentença e condenar a União ao pagamento das parcelas vencidas do seguro-desemprego.
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação supra.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003008165v6 e do código CRC 6f39826a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5013412-13.2019.4.04.7108/RS
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5013412-13.2019.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: WILLIAM LETELIER DA SILVA RODRIGUES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CAROLINA KASPERBAUER DE CAMARGO (OAB RS063406)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE MUNICIPAL. CONTRATAÇÃO PELO REGIME JURÍDICO ESTABELECIDO NA CLT. ART. 8º DA LEI Nº 11.350/06. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. SEGURO-DESEMPREGO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
1. O Programa de Seguro-Desemprego tem por finalidade prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, e ao trabalhador comprovadamente resgatado de regime de trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo (art. 2º, I, da Lei n. 7.998/90).
2. A Lei n.º 11.350/06, em seu art. 8º, estabelece que os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
3. Hipótese em que o Município contratou a parte impetrante pelo regime jurídico estabelecido na CLT, e, assim, comprovada a dispensa sem justa causa, não há qualquer óbice à liberação do seguro-desemprego.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos da fundamentação supra, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de maio de 2022.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003008166v7 e do código CRC 40fa1225.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 25/04/2022 A 03/05/2022
Apelação Cível Nº 5013412-13.2019.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: WILLIAM LETELIER DA SILVA RODRIGUES (IMPETRANTE)
ADVOGADO: CAROLINA KASPERBAUER DE CAMARGO (OAB RS063406)
APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 25/04/2022, às 00:00, a 03/05/2022, às 14:00, na sequência 403, disponibilizada no DE de 08/04/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO SUPRA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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