REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 5003263-94.2010.4.04.7100/RS
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PARTE AUTORA | : | SONIA VIEGAS DE SOUZA |
ADVOGADO | : | ISABEL CRISTINA TRAPP FERREIRA |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. DIREITO ADQUIRIDO A BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. POSSIBILIDADE.
1. O direito adquirido não representa uma proteção somente contra a lei nova que o artigo 102 da Lei 8.213/91 estabelece, em seu § 1º, que "a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos".
2. Conquanto trate-se o direito adquirido de garantia decorrente da Constituição (de modo que desnecessária disposição infraconstitucional nesse sentido), certamente o expresso reconhecimento legal de que tem direito ao benefício mesmo aquele que há muitos anos perdeu a condição de segurado (desde que atendidos anteriormente os requisitos para a respectiva fruição) evidencia que nesta situação há um direito que foi protegido contra o simples decurso do tempo, pouco importando tenha havido, ou não, modificação legislativa.
3. A proteção prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, portanto, é mais ampla do que a simples garantia de não-incidência da lei nova. Diz respeito à impossibilidade de se negar a fruição do direito já incorporado ao patrimônio do respectivo sujeito, seja em razão de inovações na ordem jurídica, ou mesmo de fatos posteriores que de qualquer maneira venham a interferir na equação fático-jurídica estabilizada, num determinado momento, pela norma protetiva.
4. A Lei de Introdução ao Código Civil, conquanto conceitue direito adquirido em seu artigo 6º, que trata da questão de direito intertemporal, não restringe - nem poderia - o âmbito de incidência do Instituto à situação da sucessão de leis. Antes esclarece que mesmo a lei deve observância ao direito adquirido, assim entendido, sob uma de suas vertentes, como aquele "que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer", por incorporado ao respectivo patrimônio. E este é o sentido da cláusula constitucional, matriz da própria previsão insculpida na LICC. O que a Constituição Federal prevê é que sequer a lei pode prejudicar o direito adquirido; se a lei não pode, circunstância nova alguma que se dê no mundo fenomênico poderá.
5. A demonstração de que direito adquirido não representa apenas proteção contra a lei nova fica bem evidente, no direito previdenciário, se tomadas as situações hipotéticas de dois segurados com histórico contributivo idêntico, tendo um deles se aposentado imediatamente após completar os requisitos para tanto, enquanto o outro permaneceu na ativa. Seria um contrassenso admitir-se que aquele que continuou trabalhando possa, ao se aposentar anos após, perceber um benefício menor.
6. Não pode o segurado ser penalizado pelo fato de trabalhar mais do que o mínimo necessário para alcançar a inativação e, conseqüentemente, pelo fato de ter contribuído mais para o sistema. Atenta contra a razoabilidade esta possibilidade. Mais do que isso, admitir esta possibilidade implicaria inobservância do princípio da isonomia, consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal e, em uma interpretação possível de ser extraída, no artigo 201, § 1º, do mesmo Diploma, segundo o qual é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social.
7. Àquele que continuou trabalhando deve ser assegurada a possibilidade de se aposentar nas mesmas condições do paradigma que requereu o benefício mais cedo, caso lhe seja mais favorável, impondo-se lembrar que a previdência social é um direito social assegurado no artigo 6º da Constituição Federal.
8. Assim, nos moldes das convicções jurídicas elencadas, com mais razão ainda sigo a orientação expendida pelo Supremo Tribunal Federal, em Repercussão Geral, no RE nº 630.501/RS, no sentido de reconhecer o direito do segurado ao cálculo de seu benefício pelo PBC mais vantajoso, com base no regramento constitucional do direito adquirido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 09 de março de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8136750v5 e, se solicitado, do código CRC 959C2935. | |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta em face do INSS na qual a parte autora objetiva a revisão do benefício previdenciário para que o cálculo do salário-de-benefício seja efetuado na data apontada como mais vantajosa ao segurado. Alega-se, em síntese, o direito adquirido ao melhor benefício.
A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido "para o fim de condenar o INSS a proceder à revisão do cálculo da renda mensal inicial do benefício da autora, considerando, para a apuração da prestação, os 36 (trinta e seis) últimos salários-de-contribuição anteriores ao afastamento da atividade laboral pela postulante, apurados em períodos não superior a 48 (quarenta e oito) meses, o que, no caso concreto, corresponde ao interregno de junho/93 a maio/96. Os valores referentes aos salários-de-contribuição neste interregno devem corresponder àqueles informados pelo ex-empregador da requerente (evento 14, RSC3)."
Não houve recurso das partes.
Subiram os autos por força da remessa oficial.
É o breve relatório.
VOTO
Mérito
Tenho posição reiteradamente exarada no sentido da possibilidade de o segurado, uma vez cumpridos os requisitos legais à concessão do benefício, fazer jus ao cálculo do benefício mais vantajoso. Assinalo que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já caminhava nesse sentido (RE nº 266.927-RS, STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 10-11-2000; RE nº 269407, STF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 02-08-2002).
Segundo penso, irrelevante o fato de não ter eventualmente ocorrido alteração legislativa entre a data do alegado direito adquirido e a DER. Se o segurado em data anterior ao protocolo do pedido administrativo já havia implementado os requisitos para a obtenção de aposentadoria, e o cálculo da RMI na referida data implicava apuração de renda mensal inicial que, atualizada até a DER, seria superior (à RMI apurada na DER), não há porque negar o direito em tal situação.
O direito adquirido não se resume a uma garantia contra o advento de lei mais restritiva. Antes, representa garantia contra qualquer evento que venha a ocorrer no plano fático e jurídico. A proteção, pois, é contra qualquer variável superveniente que possa influenciar em uma situação validamente incorporada ao patrimônio jurídico.
Em se tratando de benefício previdenciário pode ocorrer, por exemplo, a diminuição drástica dos salários-de-contribuição nos últimos anos de trabalho. Pode ainda haver, por força do fenômeno inflacionário, uma redução real dos tetos de contribuição e, por consequência, dos tetos de salário-de-benefício e de renda mensal inicial. São modificações que não decorrem necessariamente de inovação legislativa, mas que certamente não podem ser aplicadas caso mostrem-se prejudiciais ao segurado que já poderia ter se aposentado em data anterior.
Tanto o direito adquirido não representa uma proteção somente contra a lei nova que o artigo 102 da Lei 8.213/91 estabelece, em seu § 1º, que "a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos foram atendidos". Conquanto trate-se o direito adquirido de garantia decorrente da Constituição (de modo que desnecessária disposição infraconstitucional nesse sentido), certamente o expresso reconhecimento legal de que tem direito ao benefício mesmo aquele que há muitos anos perdeu a condição de segurado (desde que atendidos anteriormente os requisitos para a respectiva fruição) evidencia que nesta situação há um direito que foi protegido contra o simples decurso do tempo, pouco importando tenha havido, ou não, modificação legislativa.
A proteção prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, portanto, é mais ampla do que a simples garantia de não-incidência da lei nova. Diz respeito à impossibilidade de se negar a fruição do direito já incorporado ao patrimônio do respectivo sujeito, seja em razão de inovações na ordem jurídica, ou mesmo de fatos posteriores que de qualquer maneira venham a interferir na equação fático-jurídica estabilizada, num determinado momento, pela norma protetiva.
Veja-se que a Lei de Introdução ao Código Civil, conquanto conceitue direito adquirido em seu artigo 6º, que trata da questão de direito intertemporal, não restringe - nem poderia - o âmbito de incidência do Instituto à situação da sucessão de leis. Antes esclarece que mesmo a lei deve observância ao direito adquirido, assim entendido, sob uma de suas vertentes, como aquele "que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer", por incorporado ao respectivo patrimônio. E este é o sentido da cláusula constitucional, matriz da própria previsão insculpida na LICC. O que a Constituição Federal prevê é que sequer a lei pode prejudicar o direito adquirido; se a lei não pode, circunstância nova alguma que se dê no mundo fenomênico poderá.
A demonstração de que direito adquirido não representa apenas proteção contra a lei nova fica bem evidente, no direito previdenciário, se tomadas as situações hipotéticas de dois segurados com histórico contributivo idêntico, tendo um deles se aposentado imediatamente após completar os requisitos para tanto, enquanto o outro permaneceu na ativa. Seria um contrassenso admitir-se que aquele que continuou trabalhando possa, ao se aposentar anos após, perceber um benefício menor.
Não pode o segurado ser penalizado pelo fato de trabalhar mais do que o mínimo necessário para alcançar a inativação e, consequentemente, pelo fato de ter contribuído mais para o sistema. Atenta contra a razoabilidade esta possibilidade. Mais do que isso, admitir esta possibilidade implicaria inobservância do princípio da isonomia, consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal e, em uma interpretação possível de ser extraída, no artigo 201, § 1º, do mesmo Diploma, segundo o qual é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social. Àquele que continuou trabalhando deve ser assegurada a possibilidade de se aposentar nas mesmas condições do paradigma que requereu o benefício mais cedo, caso lhe seja mais favorável, impondo-se lembrar que a previdência social é um direito social assegurado no artigo 6º da Constituição Federal.
O segurado, optando por uma data anterior, registre-se, não está a escolher aleatoriamente salários-de-contribuição mais favoráveis sem previsão legal, mas sim exercendo direito adquirido em data anterior à DER, nos termos da Constituição Federal. A propósito, esta possibilidade de certa forma está prevista no próprio Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (Decreto 3.048/99). Nesse sentido assim dispõem seus artigos 56 e 32 do regulamento:
Art. 56. A aposentadoria por tempo de contribuição será devida ao segurado após trinta e cinco anos de contribuição, se homem, ou trinta anos, se mulher, observado o disposto no art. 199-A.
§ 1º ....
§ 2º ....
§ 3º Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos previstos no caput, ao segurado que optou por permanecer em atividade.
§ 4º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, o valor inicial da aposentadoria, apurado conforme o § 9º do art. 32, será comparado com o valor da aposentadoria calculada na forma da regra geral deste Regulamento, mantendo-se o mais vantajoso, considerando-se como data de inicio do benefício a data da entrada do requerimento.
.....
Art.32. O salário-de-benefício consiste:
I - para as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário;
II - para as aposentadorias por invalidez e especial, auxílio-doença e auxílio-acidente na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo;
...
§9º No caso dos §§3º e 4º do art. 56, o valor inicial do benefício será calculado considerando-se como período básico de cálculo os meses de contribuição imediatamente anteriores ao mês em que o segurado completou o tempo de contribuição, trinta anos para a mulher e trinta e cinco anos para o homem, observado o disposto no §2º do art. 35 e a legislação de regência.
....
Referidas normas administrativas estão em consonância com o artigo 122 da Lei 8.213/91, na redação que lhe foi dada pela Lei 9.528/97:
Art. 122. Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade.
É certo que o regulamento em seu artigo 56 e a Lei nº 8.213/91 em seu artigo 122 resguardam expressamente o direito adquirido para o homem somente aos trinta e cinco anos de tempo de contribuição. Sendo possível a concessão de aposentadoria proporcional, não se pode negar, contudo, o direito adquirido também nesta hipótese, caso a RMI, ainda que reduzido o tempo de serviço/contribuição, mostre-se mais favorável. Não há sentido em se penalizar o segurado por ter permanecido trabalhando por mais tempo do que o necessário para obter a aposentadoria. Ademais, embora o artigo 122 da Lei nº 9.213/91 e as disposições regulamentares não incidam em relação a situações pretéritas, em rigor apenas se prestaram para explicitar um princípio que decorre da ordem constitucional.
E este princípio, saliente-se, há muito vem ditando, genericamente, o agir dos entes e órgãos ligados à previdência social. Ao editar a Portaria MTPS nº 3.286, de 27 de novembro de 1973, o Ministro de Estado do Trabalho e Previdência Social, considerando a necessidade de uniformizar as decisões administrativas, estabeleceu princípios, com caráter de prejulgado, ratificadores da jurisprudência ministerial predominante. E o Enunciado nº 1, editado pela referida Portaria, tinha a seguinte redação:
Nº 1 - Sobre o art. 1 do Regulamento Geral da Previdência Social (Decreto nº 60.501, de 14.03.67):
- Constituindo-se uma das finalidades primordiais da Previdência Social assegurar os meios indispensáveis de manutenção do segurado, nos casos legalmente previstos, deve resultar, sempre que ele venha a implementar as condições para adquirir o direito a um ou a outro benefício, na aplicação do dispositivo mais benefício e na obrigatoriedade de o Instituto segurador orientá-lo, nesse sentido. Referência - Parecer da Consultoria Jurídica número 369/70 (Processo MTPS-166.331/67).
Do mesmo modo, no Enunciado Nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social assim foi assentado:
Referência: Art. 1º do RBPS (Decreto nº 611/92).
Remissão: Prejulgado nº1.
"A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido".
Assim, parece-me não haver razão para negar aplicação do mesmo princípio nos casos de direito adquirido ao melhor benefício, ainda que com redução de tempo de serviço/contribuição, em data anterior à DER.
A despeito de tudo o que foi exposto, não se pode ignorar o papel da Corte Suprema como intérprete e guardiã da Constituição Federal, papel este que ganhou relevo com o advento da Emenda Constitucional 45/2004 e da Lei nº 11.418/2006. Assim, em matéria constitucional, havendo posição segura por parte do Supremo Tribunal Federal, o entendimento pessoal, por mais respeitável que seja, deve, como regra, abrir espaço à lógica do sistema e mesmo à racionalidade, de modo a obviar delongas evitáveis e afastar o risco de que o processo se torne um procedimento de culminância vinculada a idiossincrasias e ao proceder de seus atores à luz da legislação processual
E no caso em foco, a questão foi submetida à sistemática da Repercussão Geral, e o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 630.501/RS, em 21-0-2013, por maioria de votos, entendeu o seguinte:
"APOSENTADORIA. PROVENTOS, CÁLCULO.
Cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais. Considerações sobre o instituto do direito adquirido, na voz abalizada da relatora - ministra Ellen Gracie -, subscritas pela maioria." (RE 630501, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, julg. Em 21-02-2013).
Assim, nos moldes das convicções jurídicas que sempre tive, com mais razão ainda sigo a orientação expendida pelo Supremo Tribunal Federal, em Repercussão Geral, no RE nº 630.501/RS, de sorte que merece ser mantida a sentença, que julgou procedente o pedido de recálculo do benefício da parte autora pelo PBC mais vantajoso, com base no regramento constitucional do direito adquirido.
E no que tange à atualização monetária dos salários de contribuição anteriores a março de 1994 (questão do IRSM), entendo que também não merece reparos a decisão do juízo a quo, inclusive adoto-a como razões de decidir, verbis:
A Constituição Federal de 1988, no § 3º de seu artigo 201 e no 'caput' do artigo 202, expressamente previu, para os benefícios previdenciários, a garantia de atualização dos salários-de-contribuição a fim de assegurar que, quando utilizados para apuração do salário-de-benefício e, após, da renda mensal inicial, fosse mantido seu valor real.
Entretanto, o legislador constituinte não fixou o conceito do valor real, nem a forma pela qual o mesmo seria mantido e tampouco a regrar a forma de atualização monetária dos salários-de-contribuição, limitando-se a remeter tal disciplinamento à legislação infraconstitucional, de modo expresso. Desta forma, restou a eficácia das garantias de manutenção do valor real dos benefícios e de atualização monetária dos salários-de-contribuição sujeita às leis ordinárias, mediante as quais o legislador fixa a periodicidade e os indexadores a serem utilizados para o reajustamento daquelas prestações previdenciárias e das contribuições efetuadas.
No que diz respeito à atualização dos salários de contribuição, o próprio legislador constituinte estabeleceu a periodicidade dos reajustamentos, prevendo expressamente no 'caput' do artigo 202 que deveriam ser 'corrigidos monetariamente mês a mês'. Quanto ao índice de atualização monetária, porém, a matéria restou diferida para os índices que entendesse cabível e oportuno o legislador ordinário.
Sendo assim, editada a Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social, sob o nº 8.213/91, o legislador determinou que o indexador utilizado para reajustamento fosse o INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor, por sua variação integral, ocorrendo tais reajustes com a periodicidade mensal, conforme o artigo 31 daquele diploma legal.
Após, o § 2º do artigo 9º da Lei nº 8.542/92, em sua redação original, embora mantendo a periodicidade mensal dos reajustes, alterou o indexador aplicável a partir de janeiro de 1993, substituindo o INPC pelo IRSM - Índice de Reajuste do Salário Mínimo. Logo em seguida, foi editada a Lei nº 8.700/93, a qual alterou a redação do artigo 9º da Lei nº 8.542/92, mantendo-se sistemática de reajuste mensal pelo IRSM.
Portanto, à luz da sistemática de reajustamento determinada pela Lei nº 8.700/93, os salários-de-contribuição tinham a reposição integral da inflação com periodicidade mensal, pelo IRSM. Editadas as Medidas Provisórias nº 434/94 e 457/94, posteriormente convertida na Lei nº 8.880/94, foram instituídos na país o Programa de Estabilização Econômica - 'Plano Real' e a Unidade Real de Valor - URV. O reajustamento e a conversão dos salários-de-contribuição anteriores ao mês de março de 1994, cerne da questão posta nos autos, foram procedidas por força e na forma determinada pelo § 1º do artigo 21 da Lei nº 8.880/94 o qual determina que os salários-de-contribuição serão reajustados pelo IRSM até o mês de fevereiro de 1994, convertendo-se, em 28 de fevereiro, pelo valor da URV então vigente.
A aplicação pura e simples de tal preceito implicou na artificial redução de todos os salários-de-contribuição anteriores a março/94 incluídos no período básico de cálculo dos benefícios previdenciários, minorando, pois, o quociente obtido pela média de tais salários e, por conseguinte, o salário-de-benefício e a renda mensal inicial. Tudo porque, tendo sido aqueles valores utilizados sem a consideração da variação integral do IRSM no mês de fevereiro/94, tiveram naqueles meses prejuízo pelo fato de não estar devidamente atualizado monetariamente o valor a ser utilizado para apuração da média, em inequívoca afronta aos artigos 201, § 3º e 202, 'caput', da Carta Política.
Ocorre que, consoante constava na redação dada pela Lei nº 8.700/93 ao artigo 9º da Lei nº 8.542/92, os salários-de-contribuição eram atualizados mensalmente pela variação verificada no IRSM do mês anterior. Sendo assim, é evidente que o valor do salário-de-contribuição de janeiro/94, atualizado em fevereiro do mesmo ano, pela aplicação do índice do IRSM de janeiro, p. ex., tinha nele ínsita a atualização monetária até o último dia do período mensal, ou seja, 31-01-94. Em conseqüência, a atualização dos salários-de-contribuição somente era efetuada e assegurava a recomposição do poder aquisitivo do mesmo até o último dia do mês anterior àquele no qual ocorria a correção.
Deste modo, ao determinar o legislador ordinário que a atualização dos salários-de-contribuição fosse efetuada até fevereiro de 1994 pela variação do IRSM, permitiu, ratificando inconstitucionalidade antes originada das Medidas Provisórias nº 434/94 e 457/94, que a recomposição das perdas inflacionárias tivesse termo final no dia 31 de janeiro daquele ano. Isto porque o IRSM de janeiro, último indexador aplicado, somente considerou a variação de preços decorrente da perda de poder aquisitivo do padrão monetário pátrio no próprio mês de janeiro de 1994, até porque não possuía o IBGE, s.m.j., poderes premonitórios para já incluir a variação inflacionária de fevereiro naquela apuração.
Por outro lado, a Unidade Real de Valor - URV sofria correção diária, variando a cada dia do mês até o término do período. Em conseqüência, a disparidade e a distorção se verificavam, uma vez que a URV do último dia de fevereiro de 1994 trazia nela embutida toda recomposição da variação inflacionária ocorrida no próprio mês de competência. Significa dizer que, enquanto o valor do salário-de-contribuição de todos os meses anteriores estava atualizado até 31-01-94, seu pretendido divisor, a URV de 28-02-94 estava atualizada até esta data, havendo, pois, um interregno de um mês de diferença entre os fatores.
Portanto, a aplicação da URV do dia 28-02-94 para conversão dos valores atualizados dos salários-de-contribuição, sem que lhes seja assegurada a correspondente variação do IRSM de fevereiro determinaria distorção no cálculo de conversão, violando a manutenção do valor real do benefício e a atualização mensal dos salários-de-contribuição porquanto haveria diversidade de termos finais de atualização monetária para o dividendo (salário-de-contribuição - atualizado até o último dia de janeiro/94) e o divisor (URV de 28 de fevereiro de 1994, atualizada até esta mesma data), do resultaria lógica diminuição do resultado final do cálculo.
Sendo assim, resta evidenciada a inconstitucionalidade do procedimento de atualização monetária dos salários-de-contribuição, contido no parágrafo 1º do artigo 21 da Lei nº 8.880/94, a qual deve ter sua aplicação afastada a fim de que seja assegurada a eficácia e cumprimento dos dispositivos constitucionais que garantem a manutenção do valor real dos benefícios e a atualização mensal dos salários-de-contribuição, consubstanciados no § 3º do artigo 201 e no 'caput' do artigo 202 da Carta Política.
Deste modo, a atualização dos salários-de-contribuição anteriores ao mês de março/94 quando da conversão em URV determinada pelo artigo 21, § 1º da Lei nº 8.880/94 deve levar em consideração, no reajustamento a ser procedido previamente à conversão pela URV de 28 de fevereiro de 1994, a variação integral do IRSM apurado em fevereiro daquele ano em 39,67% (trinta e nove vírgula sessenta e sete por cento).
Frente ao exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 09/03/2016
REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 5003263-94.2010.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50032639420104047100
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontella |
PARTE AUTORA | : | SONIA VIEGAS DE SOUZA |
ADVOGADO | : | ISABEL CRISTINA TRAPP FERREIRA |
PARTE RÉ | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 09/03/2016, na seqüência 286, disponibilizada no DE de 22/02/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8182940v1 e, se solicitado, do código CRC E307B2FC. | |
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