APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003482-33.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | HOSANA MARIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | RENATO CRUZ DE OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS.
1. Tendo em vista que o conjunto probatório demonstrou o exercício de atividade rural durante o período exigido em lei, é devida a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
2. O Benefício de aposentadoria por idade rural é devido a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos do artigo 49, II, da Lei nº 8.213/91.
3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral à questão da constitucionalidade do uso da TR e dos juros da caderneta de poupança para o cálculo da correção monetária e dos ônus de mora nas dívidas da Fazenda Pública, e vem determinando, por meio de sucessivas reclamações, e até que sobrevenha decisão específica, a manutenção da aplicação da Lei 11.960/2009 para este fim, ressalvando apenas os débitos já inscritos em precatório, cuja atualização deverá observar o decidido nas ADIs 4.357 e 4.425 e respectiva modulação de efeitos. A fim de guardar coerência com as recentes decisões, deverão ser adotados, por ora, os critérios de atualização e de juros estabelecidos no 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009, sem prejuízo de que se observe, quando da liquidação, o que vier a ser decidido pelo STF com efeitos expansivos.
4. O INSS é condenado nos honorários advocatícios de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do acórdão que reforme a sentença de improcedência, em conformidade com o disposto na Súmula n.º 76 deste Tribunal.
5. O INSS responde pelo pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 desta Corte).
6. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 461 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da autora e determinar o imediato cumprimento do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de junho de 2016.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8346968v6 e, se solicitado, do código CRC CDC3BA44. | |
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| Signatário (a): | Hermes Siedler da Conceição Júnior |
| Data e Hora: | 24/06/2016 12:47 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003482-33.2016.4.04.9999/PR
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | HOSANA MARIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | RENATO CRUZ DE OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
HOSANA MARIA DOS SANTOS ajuizou ação ordinária contra o INSS objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural a contar do requerimento administrativo, formulado em 09/11/2007.
Na sentença, o Julgador monocrático assim dispôs:
"Diante de tudo o que fora exposto e com fundamento no art. 269, inciso I do CPC, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão exposta por HOSANA MARIA DOS SANTOS, em face de INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, todos qualificados nos autos em epigrafe, nestes autos sob nº 1409-72.2008.
Via de consequência, CONDENO a requerente ao pagamento de custas processuais e honorário advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), com fundamento no art. 20, §4º do CPC.
Todavia, com fundamento no art. 4º da Lei nº 1.060/50 defiro as benesses da assistência gratuita a autora, sujeitando a exigibilidade das verbas de sucumbência às restrições contidas no art. 12 de referida lei."
A parte autora apela alegando, em síntese: a) que a sentença deve ser anulada; b) estar comprovado o exercício de atividade rural no período de carência exigido em lei, tendo direito à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural e; c) que deve ser concedido o benefício de assistência judiciária gratuita.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão-somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da anulação da sentença
A autora argumenta que a sentença deve ser anulada pois: a) não considerou o depoimento da apelante feito na presença da MM Julgadora em justificativa; b) não considerou os depoimentos das testemunhas e; c) não considerou a situação de pobreza da requerente, simplesmente procurando amendrotar a ela e as testemunhas através de processo criminal. Todavia, nesse ponto a pretensão da apelante não merece guarida.
O argumento de que a sentença não considerou a situação de pobreza da requerente e de que simplesmente procurou amedrontar a ela e as testemunhas sob a advertência de instauração de processo criminal não merece ser admitido. Com efeito, é dever do magistrado advertir as testemunhas de que faltar com a verdade lhes sujeitará a um processo criminal e consta expressamente na parte dispositiva da decisão que o benefício de assistência judiciária gratuita foi deferido. Com a finalidade de corroborar a argumentação supra, transcrevo o dispositivo legal que impõe ao magistrado essa obrigação e o trecho da sentença que concede à autora o benefício da gratuidade judiciária, onde está escrito:
Art. 415. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado.
Parágrafo único: O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz a afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.
(...)
"Todavia, com fundamento no art. 4º da Lei nº 1.060/50 defiro as benesses da assistência gratuita a autora, sujeitando a exigibilidade das verbas de sucumbência às restrições contidas no art. 12 de referida lei." (EV.26 - SENT1)
A alegação de que o juiz não considerou os depoimentos das testemunhas igualmente não se sustenta. Em sua fundamentação, o juízo é categórico ao afirmar que:
"Ademais, as provas testemunhais não se mostram seguras quanto à existência do trabalho realizado pela autora em outros locais correspondente ao período de carência." (EV.26 - SENT1)
Como se vê, da leitura do trecho acima transcrito verifica-se que a prova testemunhal foi sim analisada na sentença, uma vez que foi considerada insuficiente para demonstrar a existência do trabalho rural.
Por último, a alegação de que a sentença não considerou o depoimento da apelante feito na presença da MM Julgadora em justificativa não possui razão alguma para ser admitido. Conforme consta no caderno processual (EV 1, OUT 30, p. 11), a entidade previdenciária certificou que não foi realizada justificação administrativa, pois a parte autora não compareceu com as testemunhas.
Pelas razões acima expostas, o pedido de anulação da sentença não merece ser acolhido.
Do pedido de Assistência Judiciária Gratuita
Conforme consta na parte final da sentença, a exigibilidade do pagamento de custas e honorários restou suspensa por ser a autora beneficiária da gratuidade da justiça. Por essa razão o pedido de nova concessão do benefício não merece ser acolhido, porquanto a autora já o possui.
Da Aposentadoria por Idade Rural
Saliento que o exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ. Trata-se de exigência que vale tanto para o trabalho exercido em regime de economia familiar quanto para o trabalho exercido individualmente.
O rol de documentos do art. 106 da LBPS não é exaustivo, de forma que documentos outros, além dos ali relacionados, podem constituir início de prova material, que não deve ser compreendido como prova plena, senão como um sinal deixado no tempo acerca de fatos acontecidos no passado e que agora se pretendem demonstrar, com a necessária complementação por prova oral.
Não há necessidade de que o início de prova material abarque todo o período de trabalho rural, desde que todo o contexto probatório permita a formação de juízo seguro de convicção: está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido (TRF4, EINF 0016396-93.2011.404.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
Caso Concreto
Conforme se extrai da análise dos autos, a parte autora implementou o requisito etário em 05/12/2005 e requereu o benefício na via administrativa em 09/11/2007. Para a concessão do benefício de aposentadoria por idade, deve a autora comprovar uma carência de 144 meses até a data que completou o requisito etário (55 anos) ou 156 meses até a data da entrada da requisição do benefício, como disposto no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Para comprovar o exercício de atividade rural trouxe aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento, datada de 1972, onde consta a qualificação do marido como agricultor (EV 1, OUT 3, p. 3);
b) certidão de nascimento do filho Paulo Marcelino dos Santos, datada de 06/07/1979, onde consta a qualificação do marido como agricultor (EV 1, OUT 3, p. 4);
c) certidão de óbito do marido, datada de 19/11/1985, onde consta a qualificação do marido como agricultor (EV 1, OUT 3, p. 5);
d) CNIS (EV 1, OUT 4, p. 10) (EV 1, OUT 5, páginas 1 e 2);
e) benefício de pensão por morte recebida pela autora, consta registro do falecido esposo como trabalhador rural (EV 1, OUT 5, p. 3);
f) Registro de marcação de consultas da Prefeitura Municipal de Jataizinho/PR, em 2003, onde consta a profissão da autora como lavradora (EV 1, OUT3, p.7).
Na audiência, realizada em 10/02/2015, foi tomado o depoimento pessoal da autora e ouvidas 3 testemunhas.
Depoimento pessoal da autora
"- A senhora está parada e sem trabalhar desde quando mais ou menos? R: ... (não lembro). - A senhora trabalhava com o que? R: Eu trabalhava carpindo algodão. - Na roça? R: Sim. - A senhora chegou a ser empregada de alguma propriedade rural? R: Não, eu trabalhava assim, uns tempos pro Luiz Lombardi, pro Luiz Quitério, senhor Antônio Quitério e nós carpia algodão e ia até a colheita. - Pro senhor Luiz Quitério, quanto tempo mais ou menos a senhora trabalhou? R: Bastante tempo. - Mais ou menos? R: Uns 5 ou 6 anos. - E pro Antônio? R: Era junto. - A senhora trabalhou em mais algum lugar? R: Na Água Branca, no Triguinho e na Jaqueira. - A senhora não lembra o nome dessas propriedades? R: Não, porque eu acho que era arrendado. - A senhora lembra pra quem que era ou não? R: Pra quem era eu não sabia não. - Como a senhora ia pra lá? Quem que contratava a senhora? R: Era ele mesmo, o senhor Antônio vinha buscar a gente e atarde trazia de volta. - E na Jaqueira, a senhora disse que não sabe quem era os proprietários, mas quem contratava a senhora? R: Eles. - Eles quem? R: O senhor Antônio, o Luiz Quitério e o João. - Eles eram gato ou eles trabalhavam nessas terras? R: Eles trabalhavam nessas terras e carregava a gente pra trabalhar a gente pra trabalhar. - Então na verdade é pra três pessoas que a senhora trabalhou? R: Sim, não trabalhei pra mais nenhum. Mas desde pequeno a gente trabalha na roça. - Com que idade mais ou menos a senhora parou de trabalhar na roça? R: Depois que deu o AVC em mim eu parei com tudo né. - Faz tempo que deu AVC? R: Uns 05 anos. - Até dar o AVC a senhora já estava trabalhando ou a senhora já tinha parado? R: Já tinha parado já. - Fazia quanto tempo mais ou menos? R: Faz uns 4 anos. - A senhora trabalhou em algum período na cidade? Em atividade urbana? R: Não. - Como diarista? Ou no comércio? R: Não, eu trabalhei um tempo costurando mas eu não era registrado não. - Quanto tempo a senhora trabalhou como costureira? R: 1 ano mais ou menos. - Fora esse período de costureira, a senhora trabalhou em alguma coisa na cidade? R: Não. - A senhora ficou algum período sem poder trabalhar? R: Não. - Pelas contas aqui a senhora parou de trabalhar em 2005. Antes disso, a senhora ficou algum período sem fazer nada? R: Não. - A senhora é casada? R: Eu sou viúva. - Faz tempo? R: Faz, já faz mais de 20 anos. - O marido da senhora trabalhava na lavoura na lavoura? R: Era agricultor. - A senhora ficou com filhos pequenos? R: Fiquei com 4. - Eles eram crianças ainda? R: Sim, o mais novo tinha 03 anos e o mais velho tinha 12. - Como é que a senhora fazia com a criançada pra trabalhar na roça? R: Eu levava tudo pra roça. - As testemunhas que estão ai fora, o que elas sabem do trabalho da senhora? R: Elas me conheceram trabalhando no Luiz Quitério, elas trabalhavam lá e nós trabalhamos muitos anos juntas. - A senhora chegou a trabalhar com gato? R: Trabalhei um tempo com o Gilson." (Hosana Maria dos Santos - Autora).
Depoimento da testemunha Luciano Bueno Pereira
(Lucia Bueno Pereira - Testemunha) - "- A senhora conhece a dona Hosana há quanto anos? R: Uns 30 anos por ai. - Qual é contato que a senhora tinha com ela? R: A gente ia trabalhar junto sempre. - A senhora trabalhou com ela no que? R: De bóia-fria na lavoura, com o Luiz Lombardi e depois trabalhava particular, quanto tinha serviço com eles. - Particular como? Me explica? R: Quando chamava e tinha serviço pra gente ir. - Como volante? R: Sim. - Quem levava vocês no serviço de volante? R: Não lembro, esqueci o nome da pessoa que levava. - A senhora sabe mais ou menos quantos anos isso durou? R: Faz uns 10 anos e pouco só. - Até uns 10 anos atrás a senhora trabalhou com ela? R: Sim, depois eu vim pra cidade. - A senhora lembra o último lugar que trabalhou com ela? R: Foi pro Luiz Lombardi, em 2009. - Faz 5 anos que ela teve AVC, além disso, ela diz que fazia uns 4 anos que ela estava parada... R: Ai não sei, agora foge da minha cabeça. Eu sou muito esquecida. - A senhora conheceu o marido dela? R: Conheci, conheci de vista só. - A senhora tem noção de quanto tempo faz que ele faleceu? R: Uns 08 ou 09 anos por ai. - A senhora não é amiga intima dela? R: Intima de quando eu trabalhava junto, mas depois eu vim pra cidade. - A senhora sabe quantos anos tinha os filhos dela quando o marido morreu? R: Não lembro."
Depoimento da testemunha Neusa Maria Mendes
"- A senhora conhece ela faz quanto tempo? R: Faz muito tempo, eu nem lembro quanto tempo mais. - Quanto tempo mais ou menos que a senhora conhece ela? R: Eu não lembro. - A senhora tinha que idade? R: Eu não lembro mais, mas faz muito tempo. - E a senhora ia dizer o que aquela hora? R: Que ela parou de trabalhar em 2009, ela ficou doente e parou de trabalhar. - Não foi o que ela declarou, ela disse ficou doente em 2009 e que fazia 4 anos que ela estava parada. - A senhora tinha quantos anos mais ou menos quando a senhora conheceu ela? R: Acho que uns 30 ou 40 anos já. - A senhora conheceu o marido dela? R: Conheci. - A senhora sabe se ela trabalhou em alguma época? Qual foi a atividade dela? R: Ela trabalhava na boia-fria junto com a gente. - A senhora trabalhou com ela? R: Trabalhei com ela muito tempo. - No que? R: Colhia algodão, carpia. - Em qual propriedade a senhora trabalhou com ela? R: No Luiz Lombardi, Luiz Quitério e no senhor Antônio. - A senhora sabe se ela trabalhou em mais alguma propriedade além dessas três? R: Eu acho que sim. - Não sabe com certeza? R: Não. - Quando o marido dela faleceu, ela continuou trabalhando ou ela parou pra cuidar dos filhos? R: Ela tinha que trabalhar pra cuidar deles. - Os filhos tinham que idade mais ou menos? R: Um parece que tinha 3 meses. - A senhora sabe se ela trabalhou na cidade? Ou em alguma atividade da cidade? R: Da cidade eu não lembro não. - O marido dela deixou pensão? R: Parece que sim. - Com que frequência que ela ia trabalhar? R: Não sei. - A senhora trabalhou quantas vezes com ela? R: Trabalhei muito tempo com ela, porque a gente começava no começo da safra e ia até o fim né. - Quanto tempo durava a safra? R: Não lembro muito bem não. - A senhora trabalhou até que época? R: Até eu aposentar." (Neusa Maria Mendes - Testemunha)
Depoimento da testemunha Francisca Ferreira Ricardo
"- A senhora conhece a dona Hosana faz quanto tempo? Ou desde que ano mais ou menos? R: Uns 20 anos. - Quando a senhora a conheceu ela já tinha parado de trabalhar? R: Não, ela estava trabalhando ainda. - Ela trabalhava com o que? R: Boia-fria. - A senhora chegou a trabalhar com ela? R: Sim. - Onde? R: No Luiz Quitério. - O que era a lavoura lá? R: Fazia de tudo, carpia colhia algodão. Era só algodão na época? R: Carpia e depois colhia algodão. - A senhora trabalhou com ela em mais algum lugar? R: Em outros lugares, em outras fazendas, mas faz tempo e a gente não lembra mais né. - A senhora não lembra nem o nome do gato desses outros lugares? R: Não, só lembro do Luiz Quitério, dos outros eu não lembro não. - A senhora sabe mais ou menos quantos anos faz isso? R: Eu nem sei dizer, mas faz tempo. - Foi logo que a senhora a conheceu ou foi mais pra frente? R: Mas pra frente de quando a gente se conheceu né. - A senhora trabalhou com ela quantos anos mais ou menos? R: Eu nem prestei atenção, sabe que eu nem sei... - Foi uma vez só ou foi mais de uma vez? R: Foi bastante vezes. - A senhora sabe dizer quanto tempo faz que ela ta parada? R: Não lembro. - Ela disse que trabalhou de costureira, a senhora sabe de mais alguma atividade na cidade dela? R: Também não sei, só sei do tempo que nós colhia algodão né." (Francisca Ferreira Ricardo - Testemunha) PERGUNTAS FEITAS PELO INSS: "- Quando a senhor conheceu a autora, ela já era casada? R: Era sim. - Ela continua casada até hoje? R: Não né, o marido dela faleceu. - Faz tempo? R: Faz uns 15 anos. - Depois que o esposo dela faleceu, ela permaneceu trabalhando na roça? R: Sim, ela sofreu pra criar os filhos né. - Ele não deixou pensão? R: Deixou. - Ela ficou trabalhando por muito tempo depois do óbito do marido? R: Sim, trabalhou sim." (Francisca Ferreira Ricardo - Testemunha)
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, como o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", no mais das vezes os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pai, arrimo de família, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Neste sentido, a Súmula 73 deste Tribunal, que prescreve:
Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. (Súmula 73 do TRF 4ª Região)
Nas situações em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o "boia-fria", da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp n. 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes a respeito do boia-fria":
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (grifo nosso)
No caso dos autos, a autora juntou aos autos diversos documentos extemporâneos que constam a ocupação do esposo como lavrador/agricultor como a certidão de casamento, datada de 1972, certidão de nascimento do filho Paulo Marcelino dos Santos, datada de 06/07/1979 e a certidão de óbito do marido, datada de 19/11/1985. Juntou, ainda, registro de marcação de consultas da Prefeitura Municipal de Jataizinho/PR, em 2003, onde consta a profissão da autora como lavradora. Tenho que os documentos apresentados representam início de prova material do exercício do labor rural.
Analisada a prova material, passo ao exame dos depoimentos colhidos por ocasião da instrução. Após detida análise dos depoimentos, tenho que os testígios são unânimes em afirmar que a autora sempre se dedicou ao trabalho campesino e corroboram com a prova material presente nos autos. Com efeito, pode-se abstrair dos depoimentos que as testemunhas trabalharam com a autora, que ela trabalhava de boia-fria, quais propriedades trabalharam e quais os "gatos" que as recolhiam para o campo. Afirmaram, ainda, que não lembram de ver a autora trabalhando na cidade e que ela levava os filhos pequenos para o trabalho.
Como se vê, dos documentos acostados aos autos, bem como pelo teor da prova testemunhal, restou comprovado o exercício de atividade rural pela parte autora durante o período de carência exigido em lei, tendo direito à concessão do benefício postulado, a contar da data do requerimento administrativo.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009).
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, no período antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que no julgamento das ADIs em referência a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da Lei n. 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg o AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários advocatícios
O INSS é condenado nos honorários advocatícios de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data do acórdão que reforme a sentença de improcedência, em conformidade com o disposto na Súmula n.º 76 deste Tribunal.
Custas e despesas processuais
O INSS responde pelo pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 desta Corte).
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais, pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da autora e determinar o imediato cumprimento do acórdão.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003482-33.2016.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00014097220088160175
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | HOSANA MARIA DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | RENATO CRUZ DE OLIVEIRA |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/06/2016, na seqüência 1065, disponibilizada no DE de 08/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA E DETERMINAR O IMEDIATO CUMPRIMENTO DO ACÓRDÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8413569v1 e, se solicitado, do código CRC F59BF39D. | |
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