| D.E. Publicado em 13/06/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001492-63.2014.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUTERO TELES RAMOS |
ADVOGADO | : | Eliane Patricia Boff |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO RESULTANTE DE CONTAGEM RECÍPROCA. REQUERIMENTO PERANTE O REGIME A QUE O INTERESSADO ESTIVER VINCULADO NA DER. ART. 99, LEI Nº 8.213/91. ATIVIDADE RURAL. INDENIZAÇÃO. AVERBAÇÃO.
1. O benefício resultante da contagem recíproca de tempo de serviço será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação, consoante prevê o art. 99 da Lei nº 8.213/91.
2. Não tem direito à contagem recíproca perante o Regime Geral de Previdência Social a parte autora que, na DER, possuía vínculo com o regime próprio de previdência do Município.
3. Se a pretensão é o reconhecimento de tempo de serviço rural para obtenção de benefício em regime previdenciário distinto, deve haver o recolhimento das contribuições relativas ao tempo rural reconhecido, mesmo sendo anterior à vigência da Lei n. 8.213/91.
4. A dispensa da exigência da indenização somente se dá quando o tempo de serviço rural for utilizado para fins de concessão de benefício no próprio Regime Geral de Previdência Social, conforme preceitua o §2.º do art. 55 da Lei de Benefícios.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 31 de maio de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8968761v8 e, se solicitado, do código CRC 8D356C0E. | |
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| Data e Hora: | 01/06/2017 18:06 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001492-63.2014.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUTERO TELES RAMOS |
ADVOGADO | : | Eliane Patricia Boff |
RELATÓRIO
Lutero Teles Ramos propôs ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, postulando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo (DER), em 07/12/2010, mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 29/01/1969 a 31/08/1986, bem como do tempo de serviço urbano prestado junto à Prefeitura Municipal de São Marcos/RS, de 01/03/1989 a 30/06/2010.
A sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS a conceder ao autor o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, a contar da DER, mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural e urbano nos períodos postulados na inicial.
A autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, a ausência de comprovação, mediante início de prova material, do exercício de atividades rurais no período em questão, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal. Eventualmente, requereu a fixação da correção monetária e juros de mora nos termos do que dispõe o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Com contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
À fl. 98 foi determinada a intimação da parte autora para que trouxesse aos autos Certidão de Tempo de Contribuição emitida pela Prefeitura Municipal de São Marcos/RS para fins de contagem recíproca de tempo de serviço, onde constassem os períodos em que esteve vinculado ao Regime Geral de Previdência Social e a regime próprio de previdência, bem como a data até quando permaneceu vinculado à prefeitura.
Cumprida a determinação (fl. 104), foi dada vista do documento ao INSS, o qual não se manifestou (fl. 106), retornando os autos conclusos.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Remessa oficial
À luz do que preconiza o artigo 475 do CPC/1973 e atual artigo 496 do CPC/2015 é cabível a remessa necessária contra as pessoas jurídicas de direito público. Excepciona-se a aplicação do instituto, quando por meros cálculos aritméticos é possível aferir-se que o montante da condenação imposta à Fazenda Pública é inferior àquele inscrito na norma legal (v.g. o artigo 475, § 2º, do CPC/1973 e artigo 496, § 3º, do CPC). Todavia, não sendo possível verificar, de plano, se o valor da condenação excede ou não o limite legal, aplica-se a regra geral do reexame necessário.
Na hipótese, tenho por interposta a remessa oficial.
Requerimento de aposentadoria no RGPS enquanto vinculado ao RPPS
Como mencionado, postula a parte autora no presente feito a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, perante o RGPS, mediante o reconhecimento do tempo de serviço rural no período de 29/01/1969 a 31/08/1986 e do tempo de serviço urbano prestado junto à Prefeitura Municipal de São Marcos/RS, de 01/03/1989 a 30/06/2010. O benefício foi requerido administrativamente em 07/12/2010 (fl. 12).
A prova dos autos, notadamente a declaração da Prefeitura Municipal de São Marcos/RS acostada à fl. 104, demonstra que o autor, na data do requerimento administrativo, permanecia vinculado ao referido município. É possível depreender, ademais, que esteve vinculado ao RGPS entre 01/03/1989 e 31/10/1994 e ao RPPS a partir de 01/11/1994 (até, no mínimo, 21/03/2017, data em que emitida a declaração da Prefeitura).
Nesse contexto, entendo que é evidentemente improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição pelo Regime Geral de Previdência Social, tendo em vista que o autor, na DER (07/12/2010), estava vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social.
A Lei nº 8.213/91 prevê, em seu art. 99, que o benefício resultante da contagem recíproca de tempo de serviço será concedido e pago pelo sistema ao qual o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.
A declaração emitida pela Prefeitura Municipal de São Marcos/RS dá conta que na data do requerimento administrativo (07/12/2010) o demandante permanecia exercendo o cargo de inseminador perante a prefeitura, o que importa dizer que não perdera o vínculo com o regime próprio de previdência (RPPS) até aquela data.
Não afasta tal conclusão o recolhimento de contribuições previdenciárias nas competências de 07/2010 a 12/2010, na condição de contribuinte facultativo, porquanto há expressa vedação constitucional à adoção de tal procedimento, como se constata do disposto no art. 201, § 5º de nossa Carta Maior, in verbis:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
§ 1º (...)
§ 5º É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
(...)(grifei)
Vale transcrever, por fim, recente julgado desta Corte, no mesmo sentido:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO RESULTANTE DE CONTAGEM RECÍPROCA. REQUERIMENTO PERANTE O REGIME AO QUAL O INTERESSADO ESTIVER VINCULADO NA DER. ART. 99, LEI Nº 8.213/91. 1. O benefício resultante da contagem recíproca de tempo de serviço será concedido e pago pelo sistema ao qual o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação, consoante prevê o art. 99 da Lei nº 8.213/91. 2. Não tem direito à contagem recíproca perante o Regime Geral de Previdência Social a autora que, na DER, possuía vínculo apenas com o regime próprio de previdência do Município. (TRF4, AC 0010496-27.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 10/03/2016)
Desta forma, deve ser provida a remessa necessária, no particular, para afastar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Por outro lado, ainda que não haja direito ao benefício requerido, cabe analisar os demais pedidos formulados, também por força do reexame necessário.
Atividade rural
Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal (artigo 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e Súmula 149 do STJ).
A respeito do assunto, encontra-se longe de mais alguma discussão, no âmbito dos tribunais, a necessidade de que o período de tempo de atividade seja evidenciado por documentos que informem, a cada ano civil, o seu exercício (TRF4: AC 2003.04.01.009616-5, 3ª Seção, Relator Desembargador Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19/11/2009; EAC 2002.04.01.025744-2, 3ª Seção, Relator para o Acórdão Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14/6/2007; EAC 2000.04.01.031228-6, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, DJU de 9/11/2005). Também já está fora de qualquer dúvida, a possibilidade de que os documentos civis, como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, em que consta a qualificação, como agricultor, do autor da ação, assim como de seu cônjuge ou de seus pais (Súmula 73 deste Tribunal), constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008; AMS 2005.70.01.002060-3, 6ª Turma, Relator Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31/5/2006).
A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, a existência de registro contemporâneo em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, em tese, não haveria necessidade de inquirir testemunhas para a comprovação do período registrado.
Na maioria dos casos, porém, a documentação apresentada é insuficiente à comprovação do tempo de atividade rural, do que resulta a habitual complementação por meio do depoimento de testemunhas.
Em razão disso, a qualidade do início de prova material não pode ser isoladamente avaliada sem que seja compreendido o contexto probatório, a que se aduz, em regra, a produção da prova oral. Decorre dessa orientação, que a diversidade de documentos que podem constituir início de prova material impõe conclusões judiciais igualmente distintas, sem que para tanto deva existam premissas invariáveis como, aparentemente, poderia constituir a obrigatoriedade de presença nos autos de documentos relacionados ao começo do período a ser comprovado, ou, ainda, a retroação da eficácia temporal, de modo fixo, a um número restrito de anos.
A irradiação temporal dos efeitos do início de prova material dependerá do tipo de documento, das informações nele contidas (havendo distinções conforme digam respeito ao próprio autor da ação, ou a terceiros) e das circunstâncias que envolvem o quadro fático descrito no processo.
Registre-se que os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando relacionados à respectiva titularidade dos pais ou do cônjuge, consubstanciam admitido início de prova material do trabalho rural.
Com efeito, como o artigo 11, §1º, da Lei 8.213/1991, define regime de economia familiar como a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, deverá ser cauteloso o exame da prova, na medida em que, no mais das vezes, os atos negociais do grupo parental são formalizados, não individualmente, mas em nome do pai da família ou cônjuge masculino, que naturalmente representa a todos.
Essa compreensão está sintetizada na Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Por fim, a respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.321.493-PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
No referido julgamento, o STJ manteve decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, havendo completado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua carteira de trabalho (CTPS), constando vínculo rural no intervalo de 01 de junho de 1981 a 24 de outubro de 1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.
Conquanto o acórdão acima transcrito aprecie benefício diverso do postulado na presente demanda, as diretrizes fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao início de prova material também devem ser observadas para os casos de cômputo de tempo rural como boia-fria para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.
O autor pretende comprovar o trabalho rural, em regime de economia familiar, no período de 29/01/1969 (quando completou doze anos de idade) a 31/08/1986.
Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos alguns documentos, dentre os quais se destacam:
a) certidão de casamento dos pais do autor, celebrado em 20/11/1940, constando a qualificação profissional do genitor, Antonio Silveira Ramos Sobrinho, como "criador" (fl. 23);
b) certidão de nascimento da irmã do autor, lavrada em 02/08/1965, constando a qualificação profissional do genitor como "criador" (fl. 24);
c) certificado de dispensa de incorporação do autor, emitido em 30/11/1976, constando a sua qualificação profissional como "criador de gado e agricultor" (fls. 26-27);
d) declaração de associação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, constando que o pai do autor foi associado da entidade no período de 15/06/1967 a janeiro de 1987 (fls. 27-30);
e) declaração da Cooperativa Agrícola Mista Rio Branco Ltda., constando que o pai do autor foi sócio agricultor da entidade no período de 23/06/1964 a 14/08/1987, e que vendeu queijo e banha nos anos de 1964, 1965 e 1969 (fls. 31-32);
f) matrícula do Ofício de Registro de Imóveis de Caxias do Sul, referente a uma gleba de terras de campos e matos de propriedade do pai do autor, transmitida por herança à mãe do autor, Maria Teles Ramos, em 02/07/1988 (fls. 38-40).
Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 28/11/2012, foram ouvidas três testemunhas, que confirmaram o exercício de atividades rurais pelo autor, em regime de economia familiar, desde a infância, em terras de propriedade dos pais. Afirmaram que havia plantação de milho e feijão e criação de animais, atividades realizadas de forma manual, sem auxílio de empregados. Aduziram que o autor teria permanecido na agricultura até aproximadamente os trinta anos de idade (fls. 81-82).
Os documentos apresentados constituem início razoável de prova material do labor rural no período indicado porque denotam a vinculação do autor e de sua família ao meio rural e, para complementá-los, foram ouvidas testemunhas, cujos depoimentos confirmaram de modo coerente e seguro o desempenho de atividade agrícola, em regime de economia familiar, no lapso temporal em questão.
Registre-se que, para a comprovação do tempo de serviço rural, não é necessário que os documentos apresentados comprovem, ano a ano, o exercício da atividade agrícola, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
Diante de todo o exposto e de acordo com o conjunto probatório, entendo por comprovado o exercício de atividades rurais pelo autor no intervalo de 29/01/1969 a 31/08/1986, devendo ser mantida a sentença, no ponto.
No entanto, quanto a esse período, o INSS somente poderá expedir certidão de tempo de contribuição para averbação junto ao RPPS após a respectiva indenização, porquanto para fins de contagem recíproca não se aplica o artigo 55, § 2º, da Lei 8213/91, mas o artigo 96, IV, da Lei 8213/91.
No ponto, vale transcrever o seguinte trecho do voto condutor proferido nos autos do processo n. 0006743-91.2016.404.9999 (TRF4 - SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 07/02/2017), que bem explica a questão:
Da dispensa do recolhimento de contribuições
Sobre a matéria, dispõe a Lei n.º 8.213/91, ipsis literis:
Art. 55, §2.º - O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
Já o art. 96, que regula os critérios dentro dos quais a contagem recíproca é admitida, consigna em seu inciso IV:
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a legislação pertinente, observadas as normas seguintes:
(...) IV- O tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo, com acréscimo de juros moratórios de 0,5% ao mês, capitalizados anualmente, e multa de 10%". (redação dada pela MP nº 2.022-17, de 23-05-2000, atual MP nº 2.187-13, de 24-08-2001)
A correto alcance e aplicação dos dispositivos referidos foi objeto de julgamento nos Tribunais Superiores, onde restou consignado (1) que o tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei n.º 8.213/91 pode ser computado para a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, sem recolhimento de contribuições, por expressa ressalva do § 2.º do art. 55, acima transcrito, salvo para carência (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1465931/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 09-12-2014; AR 3902/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 07-05-2013), e (2) que não cabe indenização das exações correspondentes ao interregno de trabalho rural (constante do inciso IV do art. 96, também transcrito) nos períodos nos quais o trabalhador rural estava desobrigado de contribuir ao Regime Geral de Previdência Social, justificando-se a imposição da indenização apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (AgRg no REsp 1413730/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, 2.ª Turma, DJe de 09-12-2013; REsp 1266143/SP, Rel. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe de 09-10-2014).
No que tange ao termo inicial de eventual indenização, tratando-se o tributo para custeio do sistema de benefícios da Previdência Social como integrante da espécie contribuição social, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, §6.º, da Constituição Federal. Dessarte, as exações em comento, a princípio só poderiam ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regência sido publicada em 25 de julho de 1991, a data de início da cobrança das contribuições previdenciárias seria dia 22 de outubro daquele ano, à míngua da correspondente fonte de custeio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás, já assentado no art. 184, inc. V, do Decreto n.º 2.172/97 e no art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/1999, o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão daquela data até 31-10-1991.
Concluindo, observamos as seguintes possibilidades: (1) o tempo de trabalho rural anterior a 31-10-91 pode ser aproveitado para fins de aposentadoria dentro do RGPS independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias (exceto para os fins de carência); (2) o mesmo período pode ser aproveitado para aposentação em regime diverso do RGPS, mediante indenização (art. 96, IV, da Lei 8.213/91); (3) o aproveitamento de período posterior a 31-10-91 sempre implica indenização.
Por fim, ressalte-se que o tempo de serviço rural sem o recolhimento das contribuições, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família como aos demais dependentes do grupo familiar que com ele laboram (STJ - REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. em 07-10-03 e REsp n.º 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06-05-04).
Especificamente quanto à contagem recíproca, e evitando tautologia, cita-se o voto do E. Desembargador Federal Celso Kipper na AC n.º 0017212-41.2012.404.9999 (DJE de 21/01/15), quando leciona:
"Portanto, se a pretensão é o reconhecimento de tempo de serviço rural para obtenção de benefício em regime previdenciário distinto, deve haver o recolhimento das contribuições relativas ao tempo rural reconhecido, mesmo sendo anterior à vigência da Lei n. 8.213/91. A dispensa da exigência da indenização somente se dá, consoante já referido, quando o tempo de serviço rural for utilizado para fins de concessão de benefício no próprio Regime Geral de Previdência Social, conforme preceitua o §2º do art. 55 da Lei de Benefícios. Nesse sentido os precedentes desta Corte: AC n. 2000.70.01.002186-5/PR, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, DJU de 14-12-2005; AMS n. 2003.71.02.004128-1/RS, Sexta Turma, Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 18-05-2005. Em caso de expedição de certidão referente ao tempo de labor agrícola ora reconhecido, deverá constar, no referido documento, que o tempo rural reconhecido sem contribuições pode ser utilizado apenas para obtenção de benefício no Regime Geral da Previdência Social, e que, para fins de utilização em regime previdenciário diverso (contagem recíproca), é imprescindível o recolhimento das correspondentes contribuições previdenciárias."
Neste sentido, também, os seguintes precedentes do STJ: AR n. 1743-SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 07-12-2009 e AR n. 2510-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe de 01-02-2010.
Tempo de serviço urbano comum
Conforme já destacado anteriormente, o conjunto probatório demonstra que no período de 01/03/1989 a 31/10/1994 a parte autora exerceu suas atividades junto à Prefeitura Municipal de São Marcos/RS vinculada ao RGPS, conforme declaração da própria prefeitura (fl. 104).
Nesse contexto, o intervalo deve ser computado pela autarquia como tempo de labor comum. Importante registrar, no ponto, que o fato de não constar do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS o registro do vínculo empregatício no referido período, em decorrência de eventual ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias pertinentes, não inviabiliza o reconhecimento desse tempo de serviço para efeito de concessão de aposentadoria, haja vista que tal responsabilidade incumbe ao empregador, consoante prescreve o artigo 30, inciso I, da Lei nº 8.212/91, não podendo o empregado ser penalizado pela omissão do patrão no cumprimento de obrigação legal.
Portanto, resta comprovado o labor urbano desenvolvido pela parte autora no período de 01/03/1989 a 31/10/1994, devendo o INSS expedir a correspondente certidão de tempo de contribuição, para fins de contagem recíproca.
Honorários advocatícios e custas processuais
Diante da sucumbência recíproca, distribuem-se e compensam-se em igual proporção os honorários de advogado.
Custas processuais rateadas entre as partes, observado, em relação à parte autora, o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50, por ser beneficiária da gratuidade da justiça (fl. 48); o INSS, por sua vez, é isento do pagamento das custas no Foro Federal (artigo 4, inciso I, da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADIN 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual 14.634/2014 (artigo 5º). Tais isenções não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (artigo 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual 156/1997), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
Mantida a sentença quanto ao reconhecimento do tempo de serviço comum no intervalo de 01/03/1989 a 31/10/1994 e do tempo de serviço rural no período de 29/01/1969 a 31/08/1986, esclarecendo-se, quanto a este último, que para fins de utilização em regime previdenciário diverso (contagem recíproca), é imprescindível o recolhimento das correspondentes contribuições previdenciárias.
Parcialmente provida a remessa necessária, para afastar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à remessa necessária.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001492-63.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00030482920118210128
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Maurício Pessutto |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LUTERO TELES RAMOS |
ADVOGADO | : | Eliane Patricia Boff |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 896, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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