| D.E. Publicado em 10/03/2015 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017431-83.2014.404.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | OLGA MARIA TURCATEL |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CASCA/RS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. IDADE MÍNIMA ATINGIDA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TRABALHO URBANO CONCOMITANTE AO LABOR RURAL. DISPENSABILIDADE DO LABOR RURÍCOLA PARA SOBREVIVÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
1. Atingida a idade mínima exigida e comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal consistente, o segurado faz jus à aposentadoria rural por idade.
2. Embora presente início de prova material, o conjunto probatório demonstra que a autora não exerceu labor rural em regime de economia familiar no período em que pleiteia o reconhecimento. Uma vez que não restou comprovada a condição de segurada especial da autora no período equivalente à carência, não faz jus ao benefício.
3. O trabalho urbano, intercalado ou concomitante ao labor rural, por si só não descaracteriza a condição de segurado especial. Contudo, no caso dos autos, o labor da autora como professora por quase a totalidade do período de carência necessário à concessão do benefício, descaracterizou o regime de economia familiar, visto que não restou comprovada a indispensabilidade de seu trabalho rurícola para a sobrevivência do núcleo familiar.
4. Não é possível a concessão do benefício quando verificado que a autora exerceu atividade de professora por quase a totalidade do período de carência e percebe proventos originários de aposentadoria como professora em valores que afastam a imprescindibilidade da renda obtida com o labor rural.
5. Não comprovado o tempo de serviço rural em regime de economia familiar, nem no período imediatamente anterior à data em que implementada a idade mínima, nem no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural.
6. Ainda que a exigência de simultaneidade possa ser interpretada em benefício do trabalhador rural, o decurso de mais de 30 anos entre o período reconhecido pela autarquia previdenciária na via administrativa e o implemento da idade mínima para a aposentadoria não permite que se considerem implementados os requisitos legais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e negar provimento ao apelo da autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2015.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7305550v11 e, se solicitado, do código CRC 50BF39AC. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 26/02/2015 13:57 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017431-83.2014.404.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | OLGA MARIA TURCATEL |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CASCA/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária proposta por OLGA MARIA TURCATEL contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando o reconhecimento do período de 01/01/1985 a 14/05/2003 como de efetivo labor rural e a concessão de aposentadoria rural por idade, na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, desde a data do requerimento administrativo, formulado em 23/08/2012 (fl. 17).
O juízo a quo proferiu sentença, julgando parcialmente procedente o pedido para reconhecer o exercício de atividade rural em regime de economia familiar no período de 01/01/1985 a 14/05/2003 como de efetivo labor rural em regime de economia familiar. Diante da sucumbência recíproca, condenou a parte autora no pagamento de 50% das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do réu, fixados em R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais), suspensa a exigibilidade, visto que a parte litiga sob o pálio da AJG. Condenou o INSS ao pagamento do restante dos honorários advocatícios ao procurador da autora, fixados em R$ 250,00 (duzentos e cinqüenta reais), permitida a compensação na forma da Súmula 306 do STJ. Condenou o INSS ao pagamento das despesas judiciais, estando isento quanto às custas (fls. 176/185).
A parte autora apresentou embargos de declaração, alegando omissão quanto à análise dos requisitos necessários para a concessão da aposentadoria rural por idade (fls. 191/196).
Os embargos declaratórios foram improvidos ao argumento de que o último parágrafo da fl. 182 apresentava erro material, passível de correção, e que, conforme disposto na sentença, a autora não logrou êxito em comprovar o exercício da atividade rural em período imediatamente anterior à data do requerimento administrativo (fls. 197/198).
O INSS apelou, sustentando que, conforme extrato do CNIS, a autora teve diversos vínculos desde 05/03/1981 até 30/09/1997 com o Estado do Rio Grande do Sul, o que descaracterizaria a sua condição de segurada especial no período. Afirmou que, a partir de 01/05/2003, a requerente passou a contribuir para previdência social na condição de contribuinte individual, não sendo possível o reconhecimento da condição de segurada especial da autora a partir dessa data (fls. 186/189).
A autora apelou, alegando que exerceu atividade rural em regime de economia familiar nos períodos de 21/12/1955 a 15/05/1970 e de 01/01/1985 a 14/05/2003, tendo cumprido a carência necessária para concessão do benefício. Sustentou que os requisitos de carência e idade não necessitam ser concomitantes. Afirmou ter juntado aos autos prova documental robusta do trabalho rural e que a prova oral foi firme e uníssona em atestar seu labor campesino. Afirmou ter o direito adquirido à aposentadoria rural por idade, pois preencheu os requisitos legais quando completou a idade de 55 anos em 21/12/1998, apenas tendo preferido realizar o requerimento em 23/08/2012. Requereu a reforma da sentença para que, mantendo o reconhecimento do labor rural exercido em regime de economia familiar, a autarquia previdenciária seja condenada a conceder o benefício de aposentadoria rural por idade (fls. 201/225).
Com as contrarrazões da parte autora, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
REEXAME NECESSÁRIO
Cabe conhecer da remessa oficial, uma vez que não há condenação em valor certo, afastada por isso a incidência do § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil (Súmula/STJ nº 490).
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
A apreciação de pedido de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei n.º 8.213/91. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinqüenta e cinco anos para a mulher), e do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, sendo dispensável o recolhimento de contribuições.
O artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios. Assim, se ao completar a idade no ano de 2006 o segurado precisava de 150 meses de tempo/carência e, nessa data, ainda lhe faltavam 12 meses, deve-se posicioná-lo na tabela a partir do ano em que completaria os 150 meses, ou seja, 2007. Neste ano, a carência será de 156 meses (6 meses além do período inicial), de forma que o segurado poderá implementar os requisitos em 2008.
Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994, data da publicação da Medida Provisória n.º 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STJ, REsp n.º 544.327-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, unânime, DJ de 17-11-2003; STJ, REsp. n.º 338.435-SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, unânime, DJ de 28-10-2002; STJ, REsp n.º 225.719-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, unânime, DJ de 29-05-2000).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, §3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando, sem a devida homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), sejam extemporâneas em relação aos fatos declarados, hipótese em que equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo. Neste sentido: EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 6/11/2012, DJe 19/11/2012; AgRg no REsp 1291466/MG, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC), QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 24/11/2014; AR 3.202/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/4/2008, DJe 6/8/2008.
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011).
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários. (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo. Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada.
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive para os trabalhadores do tipo boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Evidentemente que a qualidade da prova material exigida, neste caso, é ainda menor, mas não se pode dispensá-la.
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII, da Lei n.º 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei n.º 1166, de 15/04/71.
Início de prova material em nome de ente familiar, que exerce atividade urbana, não impede que reste configurada a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar do requerente. Nesse sentido é a decisão do STJ no RESP n.º 1.304.479, que assentou: a legislação previdenciária estabeleceu a possibilidade de um dos membros do grupo familiar exercer atividade estranha ao regime de subsistência, sem afetar a natureza do trabalho dos demais integrantes.
A propósito, com o advento da Lei n.º 11.718/08, que alterou diversos dispositivos da Lei n.º 8.213/91, isso ficou mais claro, haja vista o que estabelecem o art. 11, §§9º e 10º, I, "a", da Lei n.º 8.213/91. A Instrução Normativa INSS/PRES 45, 06/08/10, em seu art. 7º, §5º, é clara:
Art. 7º É segurado na categoria de segurado especial, conforme o inciso VII do art. 9º do RPS, a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
I - produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
a) agropecuária em área contínua ou não de até quatro módulos fiscais, observado o disposto no § 17 deste artigo; e
b) de seringueiro ou extrativista vegetal na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
II - pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida, observado o disposto no inciso IX do § 1º deste artigo; e
III - cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado do segurado de que tratam os incisos I e II deste artigo que, comprovadamente, tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
...§ 5º Não é segurado especial o membro de grupo familiar (somente ele) que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:
I ..."
O trabalhador rural que atua como boia-fria, diarista ou volante, deve ser equiparado, para os fins da aposentadoria rural por idade, ao segurado especial, aplicando-se-lhe, em consequência, o disposto no art. 39, I, da Lei 8.213/91, sem as limitações temporais previstas no art. 143 da mesma lei. Com efeito, não há o que justifique tratamento diferenciado, especialmente se considerada a maior vulnerabilidade social a que está sujeito o trabalhador rural sem vínculo empregatício e desprovido dos meios para, por conta própria, retirar seu sustento e de sua família do trabalho na terra.
Registro, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16/04/94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, dá-se após a comprovação junto à Seguradora das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta a demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial.
DO CASO CONCRETO
No caso em exame, para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados aos autos os seguintes documentos:
a) notas fiscais de produtor rural em nome do marido da autora, datadas de 1985, 1986, 1987, 1988, 1989, 1991, 1992, 1993, 1994, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 (fls. 33/47, 50/52, 56, 58, 60, 62, 64);
b) notas fiscais de produtor rural em nome da autora e seu marido, datadas de 1993, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2002, 2003 (fls. 48, 53, 57, 59, 61, 63, 65/68);
c) carnê do INPS do pai da autora, datado de 1988, no qual consta ser trabalhador rural (fls. 79);
d) FUNRURAL- carteira de pagamento de benefício em nome do pai da autora (fls. 80);
e) carteira de sócio do pai da requerente em Sindicato dos Trabalhadores Rurais (fls.80);
f) certidão de casamento dos pais da autora, na qual consta ser seu pai agricultor (fls. 81).
g) documentos de ITR em nome do pai da autora, datados de 1976, 1978, 1982, 1983, 1984, 1985, 1986, 1987, 1988, 1989 (fls. 83/88);
h) notas fiscais de produtor rural em nome do pai da requerente, datadas de 1976, 1977, 1978 (fls. 89/95).
No caso, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material.
Ainda que alguns documentos estejam em nome de familiares da autora, a ela são extensivos, conforme reiteradamente tem decidido a jurisprudência.
De realce decisão do Colendo STJ:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. ATIVIDADE RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO. QUALIFICAÇÃO DO MARIDO DA AUTORA COMO OPERÁRIO.RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 149/STJ.VALORAÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. AGRAVO DESPROVIDO.
I - Esta Corte Superior, possui pacífica jurisprudência no sentido de que o rol de documento elencados pelo artigo 106 da Lei n.º 8.213/91 não é taxativo, motivo pelo qual podem ser aceitos, como início de prova material, documentos expedidos em atos de registro civil, que qualifiquem, como lavrador, o segurado ou qualquer membro da unidade familiar. Precedentes.
II - Admite-se, como início de prova material, a Certidão de Casamento, desde que estes documentos possuam a qualificação profissional do segurado, ou de seu cônjuge, como lavradores.
Precedentes.
III - O único documento juntado pela autora, qual seja, a certidão de casamento, não qualifica o marido da autora como lavrador, mas como operário, razão pela qual este documento não serve como início de prova material referente à atividade rural em regime de economia familiar.
IV - "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário." (Enunciado n. 149 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça).
V- A questão não encerra reexame de matéria fática, mas valoração das provas apreciadas pelas instâncias ordinárias, com a correta adequação dos fatos à norma que o disciplina, cujo exame se revela possível nessa instância recursal, diante das dificuldades encontradas pelo segurado para a comprovar o labor rural.
Precedentes.
VI - Agravo interno desprovido.
(AgRg no AREsp 31.676/CE, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 05/09/2012)
A prova documental é suficiente para demonstrar que a requerente exerceu labor rural, a controvérsia versa sobre a qualidade de segurada especial da autora no período em que busca o reconhecimento, ou seja, de 01/01/1985 a 14/05/2003.
Alega o INSS, que a autora possui vários registros de atividade urbana de 05/03/1981 até 30/09/1997 com o Estado do Rio Grande do Sul e registros como contribuinte individual a partir de 2003, fatos que descaracterizariam a sua condição de segurada especial nos períodos.
De fato, conforme consulta ao sistema CNIS, é possível verificar que a autora apresenta vínculos de trabalho na condição de professora de ensino de primeiro grau em parte considerável do período em que busca reconhecimento do labor rural: de 01/07/1966 a 14/03/1981, 05/03/1981 a 07/09/1997, de 01/01/1983 a 09/1994, 01/01/1996 a 09/1997.
A própria autora afirma na petição de apelação que trabalhou como professora, sendo inclusive aposentada por esta profissão (fl. 220):
"que a partir de 1966 até 1997 a autora passou a exercer atividade de magistério, em meio turno. Que durante toda sua vida, mesmo quando desempenhou atividade de magistério, a agricultura sempre foi indispensável à sobrevivência da autora, mesmo depois de aposentada, que sempre ganhou pouco dinheiro como professora, que não recebe pensão alimentícia de seu ex marido"
Os registros de atividade urbana por si só não são incompatíveis com a concessão da aposentadoria. Conforme o art. 143 da Lei n° 8213/91 e jurisprudência do STJ, o exercício da atividade rural pode ser descontínuo e o trabalho urbano intercalado ou concomitante ao trabalho campesino, não retira a condição de segurado especial.
De realce decisão do Colendo STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURADO ESPECIAL.
APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. EXISTÊNCIA DE VÍNCULOS URBANOS. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PRECEDENTES.
OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO SANADAS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS SEM EFEITO MODIFICATIVO.
1. Consoante jurisprudência do STJ, a atividade rural caracterizadora do direito ao benefício não deve, necessariamente, ser contínua e ininterrupta. Desse modo, o exercício de trabalho urbano intercalado ou concomitante ao labor campesino, por si só, não retira a condição de segurado especial do trabalhador rural.
2. Embargos de declaração acolhidos sem efeito modificativo.
(EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 20/08/2013)
Contudo, os documentos juntados às folhas 125/127, demonstram que a principal renda da requerente não era proveniente da agricultura. Constam créditos de folha de pagamento nas datas de 29/01/2013, 26/02/2013 e 26/03/2013 nos seguintes valores: R$ 2.895,33, R$ 2.984,57 e R$ 2.984,57.
Os depoimentos colhidos na justificação administrativa, realizada em 07/11/2013, quando foram ouvidas as testemunhas Valdemar De Cesaro, Dol Mar Tibolla e Elvira Carboni Bogoni (fls. 156/166), não foram suficientes para demonstrar que a autora laborou em regime de economia familiar no período pleiteado. Ante a dispensabilidade do labor rural para o sustento de sua família, em virtude do trabalho da autora como professora e de seus rendimentos da aposentadoria dele decorrente, restou descaracterizado o regime de economia familiar, não fazendo, a parte autora jus ao benefício de aposentadoria rural por idade de valor mínimo.
Adicionalmente, é possível observar contradições entre os depoimentos apresentados na justificação administrativa e a prova documental juntada aos autos. Embora as testemunhas tenham afirmado que a autora exerceu labor rural em regime de economia familiar, sem auxílio de empregados ou diaristas, e sem utilização de maquinários, a quantidade de comercialização de soja em notas de 2002 e 2003 (7.840 kg em 23/04/2002, 6.000 kg em 15/04/2002 e 9.000 kg em 14/04/2003), demonstra que o tipo de produção e a quantidade comercializada é incompatível com o alegado.
Assim, uma vez descaracterizado o regime de economia familiar, não há como reconhecer a condição de segurada especial no período de 01/01/1985 a 14/05/2003.
A autora teve reconhecido na via administrativa o labor rural realizado no período de 01/01/1955 a 03/04/1967 (fl. 100). Após 1967, a autora não logrou comprovar que tenha exercido o labor rural em regime de economia familiar.
Desse modo, em que pese implementada a carência de 102 meses entre os anos de 1955 e 1967, não se pode olvidar que a autora implementou a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado somente no ano de 1998, ou seja, mais de 30 anos após o período reconhecido pela autarquia previdenciária.
É notório que este Tribunal faz uso de certa flexibilização quanto à exigência de simultaneidade da implementação dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade rural. Todavia, no caso dos autos a ausência de simultaneidade não pode vir em proveito da parte autora. Não se poderia admitir que eventual segurada, que tenha trabalhado em regime de economia familiar somente até os 24 anos de idade, faça jus à aposentadoria por idade após 45 anos sem que tenha exercido atividade campesina na condição de segurada especial.
Embora a parte autora tenha atingido a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado em 1998, não comprovou a atividade rural, em regime de economia familiar, nem no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, nem no período imediatamente anterior ao implemento da idade mínima. Deve, portanto, a sentença deve ser modificada, com o julgamento de total improcedência do pedido da parte autora.
CONCLUSÃO
À vista do provimento do recurso do INSS e da remessa oficial, pois, alterada a sentença no sentido de afastar o tempo de serviço da parte relativamente ao período de 01/01/1985 a 14/05/2003. Tendo em vista a inversão do ônus sucumbencial, condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e negar provimento ao apelo da autora.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/02/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0017431-83.2014.404.9999/RS
ORIGEM: RS 00010610420138210090
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | OLGA MARIA TURCATEL |
ADVOGADO | : | Mauricio Ferron |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CASCA/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/02/2015, na seqüência 472, disponibilizada no DE de 04/02/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DO INSS E À REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Marilia Ferreira Leusin
Supervisora
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