| D.E. Publicado em 06/03/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014097-41.2014.404.9999/SC
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | LAIDIA APARECIDA SOARES DE LIMA |
ADVOGADO | : | Adriana Trasel Nedel e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. BOIA-FRIA. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. EXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. IDADE MÍNIMA ATINGIDA. LONGO PERÍODO SEM COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RURAIS RECONHECIDOS.
1. Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material, embora subsistente, deve ser abrandada.
2. Não comprovado o tempo de serviço rural no período anterior à data em que implementada a idade mínima, não faz jus, o segurado, ao benefício de aposentadoria por idade rural. Ainda que a exigência de simultaneidade possa ser interpretada em benefício do trabalhador rural, o decurso de quase 15 anos desde que a requerente deixou as lides campesinas até o implemento da idade mínima para a aposentadoria não permite que se considerem implementados os requisitos legais.
3. Possibilidade de averbação dos períodos de trabalho rural em regime de economia familiar e na condição de boia-fria, com vistas a futuro requerimento de aposentadoria.
4. O exercício de labor urbano pelo marido da autora não afasta a sua condição de segurada especial. Comprovado o desempenho de atividade rural, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2015.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7231943v18 e, se solicitado, do código CRC 57B8E8A5. | |
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| Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
| Data e Hora: | 26/02/2015 18:00 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014097-41.2014.404.9999/SC
RELATORA | : | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | LAIDIA APARECIDA SOARES DE LIMA |
ADVOGADO | : | Adriana Trasel Nedel e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária proposta por LAIDIA APARECIDA SOARES DE LIMA contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, postulando a concessão de aposentadoria rural por idade, na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, assim como na condição de boia-fria, desde a data do requerimento administrativo, formulado em 20/04/2006 (fl. 76).
O juízo a quo proferiu sentença, julgando improcedente o pedido. Condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 700,00, tendo restado suspensa a exigibilidade de tais valores, uma vez que beneficiária da justiça gratuita (fls. 116/123).
Apela a requerente, alegando não ser "necessário que os requisitos da idade e carência sejam preenchidos simultaneamente" para fins de concessão do benefício de aposentadoria por idade. Sustenta também que "o início de prova material deve ser, ao menos, razoável e não determinante para comprovação dos fatos", inexistindo "qualquer óbice ao reconhecimento da atividade rural exercida pela apelante", haja vista que "os documentos juntados aos autos caracterizam início de prova material, bem como que as testemunhas ratificaram o exercício da atividade rural" (fls. 127/138).
Com as contrarrazões do réu (fls. 142/147), vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A APOSENTADORIA RURAL POR IDADE
A apreciação de pedido de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei n.º 8.213/91. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinqüenta e cinco anos para a mulher), e do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, sendo dispensável o recolhimento de contribuições.
O artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios. Assim, se ao completar a idade no ano de 2006 o segurado precisava de 150 meses de tempo/carência e, nessa data, ainda lhe faltavam 12 meses, deve-se posicioná-lo na tabela a partir do ano em que completaria os 150 meses, ou seja, 2007. Neste ano, a carência será de 156 meses (6 meses além do período inicial), de forma que o segurado poderá implementar os requisitos em 2008.
Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994, data da publicação da Medida Provisória n.º 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91.
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STJ, REsp n.º 544.327-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, unânime, DJ de 17-11-2003; STJ, REsp. n.º 338.435-SP, Rel. Ministro Vicente Leal, Sexta Turma, unânime, DJ de 28-10-2002; STJ, REsp n.º 225.719-SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, unânime, DJ de 29-05-2000).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, §3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).
Não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando, sem a devida homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei n.º 8.213/91), sejam extemporâneas em relação aos fatos declarados, hipótese em que equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo. Neste sentido: EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 6/11/2012, DJe 19/11/2012; AgRg no REsp 1291466/MG, Rel. Ministro NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC), QUINTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 24/11/2014; AR 3.202/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/4/2008, DJe 6/8/2008.
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011).
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários. (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo. Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
Nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como boias-frias, diaristas ou volantes especificamente, considerando a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento pacífico desta Corte é no sentido de que a exigência de início de prova material deve ser abrandada.
Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive para os trabalhadores do tipo boia-fria:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO RURAL. INFORMALIDADE. BOIAS-FRIAS. PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/1991. SÚMULA 149/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abrandamento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recorrido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. Aplica-se a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário") aos trabalhadores rurais denominados "boias-frias", sendo imprescindível a apresentação de início de prova material.
4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afastamento da Súmula 149/STJ para os "boias-frias", apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(Superior Tribunal de Justiça. REsp 1321493/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Evidentemente que a qualidade da prova material exigida, neste caso, é ainda menor, mas não se pode dispensá-la.
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII, da Lei n.º 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação empregador II b nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei n.º 1166, de 15/04/71.
Início de prova material em nome de ente familiar, que exerce atividade urbana, não impede que reste configurada a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar do requerente. Nesse sentido é a decisão do STJ no RESP n.º 1.304.479, que assentou: a legislação previdenciária estabeleceu a possibilidade de um dos membros do grupo familiar exercer atividade estranha ao regime de subsistência, sem afetar a natureza do trabalho dos demais integrantes.
A propósito, com o advento da Lei n.º 11.718/08, que alterou diversos dispositivos da Lei n.º 8.213/91, isso ficou mais claro, haja vista o que estabelecem o art. 11, §§9º e 10º, I, "a", da Lei n.º 8.213/91. A Instrução Normativa INSS/PRES 45, 06/08/10, em seu art. 7º, §5º, é clara:
Art. 7º É segurado na categoria de segurado especial, conforme o inciso VII do art. 9º do RPS, a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
I - produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
a) agropecuária em área contínua ou não de até quatro módulos fiscais, observado o disposto no § 17 deste artigo; e
b) de seringueiro ou extrativista vegetal na coleta e extração, de modo sustentável, de recursos naturais renováveis, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
II - pescador artesanal ou a este assemelhado, que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida, observado o disposto no inciso IX do § 1º deste artigo; e
III - cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado do segurado de que tratam os incisos I e II deste artigo que, comprovadamente, tenham participação ativa nas atividades rurais do grupo familiar.
...§ 5º Não é segurado especial o membro de grupo familiar (somente ele) que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de:
I ..."
Registro, que, em se tratando de aposentadoria por idade rural, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições. Quanto à Carteira de Identificação e Contribuição, prevista no art. 106 da Lei n.º 8.213/91 como necessária à comprovação do exercício de atividade rural a partir de 16/04/94, trata-se de documento voltado principalmente à esfera administrativa, sendo instrumento que visa a facilitar futura concessão de benefício ou reconhecimento de tempo de serviço e cuja expedição, via de regra, dá-se após a comprovação junto à Seguradora das alegadas atividades agrícolas. Uma vez expedida, é instrumento hábil, por si só, àquela comprovação. Todavia, a inexistência do referido documento não obsta a demonstrar sua condição de segurado especial por outros meios, mormente no âmbito judicial.
DO CASO CONCRETO
No caso em exame, para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados aos autos os seguintes documentos:
a) cópia de carteira de inscrição junto à Cooperativa Regional Alfa Ltda., expedida em nome de Valentim S. de Lima, marido da autora, no ano de 1980 (fls. 13, 46 e 69-v);
b) cópia de Ficha de Matrícula junto à Cooperativa de Produção e Consumo Concórdia Ltda. emitida em nome de Valentin Soares de Lima, marido da demandante, de que consta 11/07/1980 como data de admissão (fls. 15 e 70-v);
c) cópia de Ficha de Cadastro Sindical do Trabalhador Rural emitida em nome de Valentin Soares de Lima, marido da autora, que consta 14/06/1978 como data de inscrição (fls. 16, 45 e 71);
d) cópia da Certidão de Nascimento de Vanderlei Soares de Lima, filho da autora, ocorrido no ano de 1975, de que consta "agricultores" como profissão atribuída aos pais (fls. 39 e 69);
e) cópia de Declaração de Exercício de Atividade Rural emitida em nome de Valentim Soares de Lima, marido da demandante, a qual atesta ter o segurado desempenhado atividade rural em regime de economia familiar, na condição de arrendatário, durante os períodos compreendidos entre 04/1970 e 12/1970, 10/1975 e 12/1975, 06/1978 e 02/1981 e 01/1983 e 12/1987, produzindo e/ou comercializando milho, feijão, trigo, soja, arroz, batata, mandioca e outros (fl. 42);
f) cópia de Contrato Particular de Parceria Agrícola, celebrado em 07/08/1979 entre Harry Guenther Arthur Albrecht, parceiro outorgante, e Valentin Soares de Lima, parceiro outorgado, pelo qual o outorgante cedia área de terras para exploração pelo outorgado (fl. 43);
g) cópia de carteira sindical emitida em nome de Valentim Soares de Lima, marido da demandante, de onde consta 14/06/1978 como data de admissão (fl. 46).
Inicialmente, quanto aos documentos arrolados nas alíneas "a", "b", "c", "e", "f", "g" cumpre referir restar prejudicada a sua extensibilidade à requerente no tocante a fazerem prova do alegado labor rural. Conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo (Resp 1304479/SP), é possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro. Entretanto, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano, como segue:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA.
1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.
3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está em conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.
6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art.543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(RESP 1.304.479/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Assim, os documentos em nome do marido, que deixa de realizar trabalho rural e passa a ser trabalhador urbano, não mais retornando às lidas campesinas, não podem ser utilizados como início de prova material do labor rurícola da autora.
Em data posterior à registrada nos documentos pertinentes a seu cônjuge, conforme se verifica em consulta efetivada junto ao sistema CNIS, o marido da autora passou a realizar trabalho urbano, não havendo indícios de que o exercício da atividade urbana fosse esporádico ou realizado nas entressafras. Dessa forma, resta prejudicada a extensibilidade dos referidos documentos à demandante enquanto prova do alegado labor campesino.
Tenho, no entanto, que caracteriza início razoável de prova material o documento arrolado na alínea "d", o qual, referente ao ano de 1975, qualifica a autora como agricultora. Uma vez que a requerente também exercia labor campesino na condição de boia-fria, impõe-se o abrandamento da exigência de início de prova material para o caso em tela, considerando-se a informalidade com que é exercida a profissão no meio rural, sob pena de se frustrar a concessão de um direito fundamental, qual seja, o direito de se aposentar.
Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 10/07/2013, foram ouvidas as testemunhas Valdemar Zanluchi, Ana Otto Ordig e Carlos Kraft (fls. 112 e CD à fl. 114).
A testemunha Ana Otto Ordig afirmou conhecer a autora há mais ou menos 30 anos. Relata ter a requerente, seu marido e uma filha residido, em seguida ao casamento, na propriedade da depoente, localizada em Nova Brasília. Esclarece que àquele tempo tinha a autora "uns 22 anos". Afirma que na sua propriedade a demandante "ajudava a trabalhar na roça, ajudava em casa", "trabalhava por dia, ou por porcentagem", tendo lá permanecido por 5 ou 6 anos. Em seguida, passou a requerente a residir em propriedade vizinha, de "Osmar Fabril", desempenhando ali também atividade rural por outros 5 ou 6 anos. Na sequência, passou a trabalhar e residir junto à propriedade de "Aury Albrey", onde permaneceu por 3 ou 4 anos. Atesta a depoente ter passado a demandante a residir em Seara "faz uns dez anos [...], se não é mais".
A seu turno, a testemunha Valdemar Zanluchi atesta conhecer a demandante desde a década de 70, quando essa passou a residir com o marido junto à comunidade Nova Brasília, na propriedade dos irmãos Ordig. Nessa propriedade, possuíam área de terra arrendada, "tinham uma pequena criação de suíno para subsistência, tinham uma vaca de leite que eles cuidavam e plantavam, vendiam o excedente, e, quando sobrava tempo, trabalhavam de diarista". Afirma terem também a demandante e sua família residido nas propriedades de "Osmar Fabril" e "Aury Albrey", tendo deixado Nova Brasília na década de 90.
A testemunha Carlos Kraft, por sua vez, relata ter conhecido a requerente na Linha Brasília, "desde que casou". Afirma ter a autora passado a residir junto à Linha Brasília "quando casou". Esclarece que sua residência ficava a mais ou menos 2 ou 3 km da propriedade do depoente. Atesta ter vindo a demandante de Chapecó. Relata ter trabalhado e residido a requerente e sua família em Nova Brasília junto às propriedades de Germano Ortig, "Osmar Fabril" e "Aury Albrey". Nas terras de Germano Ortig, permaneceram por 5 ou 6, "trabalhavam na roça para ele [...], plantar e colher soja, plantar milho". Nas terras de "Osmar Fabril", "faziam mais ou menos a mesma coisa", tendo lá permanecido por uns 5 anos. Em seguida, arrendaram terras de "Aury Albrey", tendo ali residido e trabalhado por 6 anos. Atesta ter sido desempenhado o labor rural pela autora sem o auxílio de empregados nem maquinário. Relata ter a demandante trabalhado na propriedade do depoente, "dias salteados", "anos de 80, por aí, 85". Afirma ter a autora "saído da agricultura" há 15 ou 16 anos.
A prova oral colhida é clara e convincente quanto ao labor rural desempenhado pela autora, na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, bem como na condição de boia-fria, quando menos a partir de seu casamento, celebrado em 04/07/1970, data ora fixada como marco inicial quanto à atividade rural desenvolvida. Os testemunhos foram coerentes e coesos entre si, permitindo inferir ter a requerente desempenhado labor campesino pelo menos até a década de 90, o que autoriza a adoção, enquanto marco final da atividade rural desenvolvida, do termo ad quem delimitado pelo pedido inicial, qual seja, o ano de 1991.
Quanto ao fato de o marido da autora ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria por tempo de contribuição, conforme informação obtida através de consulta efetivada junto aos sistemas CNIS e Plenus, observo não implicar a descaracterização da condição de segurada especial da demandante para o lapso em questão. Como visto, comprovado o desempenho de atividade rural, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Ademais, não há qualquer comprovação nos autos de que o labor rural da autora fosse dispensável para a subsistência do grupo familiar, nem sequer especificação de que o trabalho urbano do marido fosse a fonte de renda preponderante.
Tem-se, portanto, reconhecido o labor rurícola desempenhado pela autora na condição de trabalhadora rural em regime de economia familiar, bem como na condição de boia-fria, no período compreendido entre 04/07/1970 e 31/12/1991, suficiente a que se considere cumprida a carência exigida para a concessão do benefício pleiteado (138 meses, já que completou a idade mínima em 2004).
Contudo, para os períodos subsequentes ao ano de 1991, não há prova nos autos do exercício de atividade campesina. Outrossim, conforme já referido, verifica-se, quanto ao marido da requerente, diversos vínculos de natureza urbana desde o ano de 1982. Ademais, em que pese implementado o requisito atinente à carência, não se pode olvidar que a autora implementou a idade mínima necessária à concessão do benefício pleiteado somente no ano de 2004, ou seja, quando já transcorridos praticamente 15 anos após a última prova de efetivo exercício de atividade rural.
É notório que este Tribunal faz uso de certa flexibilização quanto à exigência de simultaneidade da implementação dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria por idade rural. Todavia, no caso dos autos a ausência de simultaneidade não pode vir em proveito da parte autora, não sendo possível admitir que eventual segurada, tendo trabalhado no meio rural somente até os 42 anos de idade, faça jus à aposentadoria por idade quando transcorridos quase 15 anos sem que tenha voltado a exercer atividade campesina.
No caso, também não há que se falar em concessão de aposentadoria por idade, do tipo mista, haja vista não ter comprovado a autora, por período mínimo, exercício de atividade no meio urbano, em que pese tenha implementado, no ano de 2009, o requisito etário para tal, qual seja, a idade de 60 anos.
Assim, não fazendo jus a autora ao benefício pleiteado, e tendo comprovado o efetivo exercício de labor rural na condição de segurada especial no período acima descrito, cumpre ao INSS averbar o interregno de 04/07/1970 a 31/12/1991, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, para futuro pedido de aposentadoria.
Destarte, resta reformada em parte a sentença, para o fim de que seja reconhecido o labor rural desempenhado pela autora no período compreendido entre 04/07/1970 e 31/12/1991. Inviabilizada, por ora, a concessão do benefício em razão da não comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, ou à época da implementação do requisito etário.
PROVIMENTOS FINAIS
Custas processuais
Parcialmente provido o apelo da autora, resulta caracterizada a sucumbência recíproca. Dessa forma, condeno as partes ao pagamento das custas processuais pela metade, resultando suspensa a exigibilidade da parcela relativa à autora em decorrência da AJG concedida, e respondendo o INSS pela metade do valor das custas a que condenado quando demandado na Justiça do Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual n.º 156/97).
Honorários advocatícios
Em relação aos honorários advocatícios, mantenho o valor fixado em sentença. Contudo, em virtude da sucumbência recíproca, determino sua compensação, independentemente da AJG concedida.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
CONCLUSÃO
Resta reformada em parte a sentença para o fim de que seja averbado pelo INSS o período compreendido entre 04/07/1970 e 31/12/1991, como de efetivo labor rural na condição de segurada especial. Em decorrência da sucumbência recíproca, cada parte arcará com metade das custas processuais, devendo ser compensados os honorários advocatícios, consoante acima estipulado.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da parte autora.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 24/02/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014097-41.2014.404.9999/SC
ORIGEM: SC 00003753120128240068
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | LAIDIA APARECIDA SOARES DE LIMA |
ADVOGADO | : | Adriana Trasel Nedel e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 24/02/2015, na seqüência 617, disponibilizada no DE de 04/02/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON | |
: | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
Marilia Ferreira Leusin
Supervisora
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