Apelação Cível Nº 5002250-02.2016.4.04.7116/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: SÉRGIO VENDRUSCOLO (AUTOR)
ADVOGADO: BARBARA ALCÂNTARA VIEIRA BURTET (OAB RS061453)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 16/08/2016 contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, postulando o reconhecimento do labor rural no intervalo de 20/04/1951 a 06/11/2002 e o restabelecimento de aposentadoria rural por idade (NB 41/127.452.8418).
O juízo a quo, em decisão proferida ao evento 15, extinguiu o processo sem resolução do mérito, com relação ao pedido de reconhecimento de atividade rural no período de 1985 a 1999 em razão da existência de coisa julgada. Da decisão que reconheceu a existência de coisa julgada, o autor interpôs apelação (evento 23), a qual foi julgada prejudicada (evento 30).
O juízo de origem, em sentença publicada em 30/10/2018, julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo o exercício do labor rural nos intervalos de 20/04/1951 a 22/04/1967 e 1978 a 31/12/1984 e determinando sua averbação. Condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa e das custas processuais, cuja exigibilidade restou suspensa em virtude de AJG.
Apelou o autor sustentando que apresentou prova material, corroborada pela prova testemunhal, capaz de comprovar o seu labor rural, na qualidade de segurado especial. Afirma que o fato de possuir maquinário agrícola não é suficiente para afastar a condição de segurado especial. Postula o reconhecimento dos períodos de 23/04/1967 a 31/12/1977 e 01/01/2000 a 06/11/2002 e a concessão da aposentadoria por idade rural.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da decadência do direito da administração rever seus atos - decadência para o INSS revisar de ofício benefício concedido
Não há impedimento à revisão administrativa levada a efeito pelo INSS.
A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, tem o poder-dever de anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmulas 346 e 473 do STF). Ademais, para os benefícios concedidos desde o início da vigência da Lei n. 9.784/99, o prazo decadencial a incidir é o de dez anos (MP n. 138, de 2003), contados da data em que foi praticado o ato administrativo (ou da percepção do primeiro pagamento, conforme o caso), salvo comprovada má-fé. Tal prazo há de ser aplicado, inclusive, quando o ato administrativo houver sido praticado anteriormente à vigência da Lei 9.784/99 (e depois da revogação da Lei 6.309/75). Nessa hipótese, conta-se o prazo a partir da entrada em vigor da Lei 9.784/99, ante a impossibilidade de sua retroação, conforme entendimento do STJ.
De acordo com entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.114.938/AL (Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, Unânime, julgado em 14.04.2010), os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01-02-1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato.
Considerando-se, ademais, que o elastecimento do prazo de 5 (cinco) anos - art. 54 da Lei n.º 9.784/99 - para 10 (dez) anos - MP n.º 138, de 19 de novembro de 2003 (convertida na Lei n.º 10.839/2004) - se deu antes do decurso de 5 (cinco) anos da vigência da Lei n.º 9.784/99, em qualquer hipótese, tanto para benefícios concedidos antes quanto para os concedidos após o advento da Lei n.º 9.784/99, o prazo decadencial aplicável é de 10 (dez) anos.
No caso concreto, em se tratando de benefício concedido na vigência da Lei n.º 9.784/99 e decorridos menos de 10 (dez) anos entre a data do ato de concessão e a revisão administrativa, não há falar em decadência.
Da aposentadoria por idade rural
A apreciação de pedido de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei n.º 8.213/91. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher), e do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, sendo, porém, dispensável o recolhimento de contribuições.
O artigo 143 da Lei n.º 8.213/91, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei n.º 8.213/91 estabeleceu que para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei n.º 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completa a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei n.º 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessário ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios. Assim, se ao completar a idade no ano de 2006 o segurado precisava de 150 meses de tempo/carência e, nessa data, ainda lhe faltavam 12 meses, deve-se posicioná-lo na tabela a partir do ano em que completaria os 150 meses, ou seja, 2007. Neste ano, a carência será de 156 meses (6 meses além do período inicial), de forma que o segurado implementa os requisitos em 2008. (TRF4, APELREEX 5008945-59.2012.404.7100, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Dês. Cláudia Cristina Cristofani, julgado em 08/08/2012)
A disposição contida no art. 143 da Lei n.º 8.213, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, §1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima (TRF4, AC 0006711-23.2015.404.9999, 5º Turma, Relator Des. Rogério Favreto, julgado em 30/06/2015).
Nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31-08-1994, data da publicação da Medida Provisória n.º 598 (posteriormente convertida na Lei n.º 9.063/95), que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei n.º 8.213/91, e sim a redação original do art. 143, II da mesma lei, em respeito ao direito adquirido (STF, RE 168.191, Segunda Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 01/04/1997).
Em qualquer caso, desde que implementados os requisitos, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, e desde que caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).
Quanto aos segurados especiais que implementarem os requisitos para concessão do benefício após 31 de dezembro de 2010, não deve ser aplicado o limite temporal a que se refere o art. 143, com as alterações promovidas pela Lei 11.718/2008, destinadas, exclusivamente, aos trabalhadores rurais não enquadrados ou equiparados a segurados especiais. A estes últimos, aplica-se o disposto no art. 39, I, sem limite de data.
Da comprovação do tempo de atividade rural
Com relação à prova do exercício da atividade rural, na condição de segurado especial, como regra geral, exige-se, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (STJ - REsp 1.348.633/SP, Primeira Seção, Rel.Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 28/08/2013).
O Superior Tribunal de Justiça, em regime de recurso especial repetitivo, assentou definitivamente que a prova exclusivamente testemunhal é insuficiente para comprovação da atividade laborativa do trabalhador rural, inclusive o informal (STJ, REsp 1.321.493/PR, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Além disso, o início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado. Em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, que seguiu o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Aliás, a relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).
No entanto, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, embora possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano (STJ, RESP 1.304.479/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).
Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.
Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.
Ressalte-se que não constituem início de prova material as declarações emitidas por sindicato de trabalhadores rurais quando não tiverem a homologação do INSS (art. 106, inc. III, da Lei nº 8.213/91), pois equivalem a meros testemunhos reduzidos a termo (STJ- EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.010.725/MS, Quinta Turma, Rel.Ministro Marco Aurélio Bellize, julgado em 06/11/2012; STJ, AgRg no REsp 1.291.466/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Newton Trisotto, julgado em 18/11/2014; STJ, AR 3.202/CE, Terceira Seção, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 23/04/2008).
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR também não tem o condão de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não).
A circunstância de a propriedade ser superior a quatro módulos rurais ou de haver a utilização de maquinário agrícola, não retiram, isoladamente, a condição de segurado especial, nem descaracterizam o regime de economia familiar. Não há lei, inclusive, que exija que o segurado desenvolva a atividade manualmente (STJ, REsp 1.403.506/MG, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/12/2013, e TRF4-APELREEX 0005826-82.2010.404.9999/PR, 6º Turma, Rel. Des. Celso Kipper, julgado em 06/04/2011).
É de se ressaltar ainda que o exercício de pequenos períodos de labor urbano, não retira do interessado a condição de trabalhador rural. O exercício da atividade rural pode ser descontínuo (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 297.322/PB, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 13/08/2013).
Com relação à idade mínima para exercício de atividade laborativa, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido de que é possível o cômputo de tempo de atividade rural a partir dos doze anos, em regime de economia familiar, visto que a lei ao vedar o trabalho infantil do menor de 14, visou estabelecer a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo (STJ, REsp 573.556/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 16/02/2006; STJ, AR 3629/RS, Terceira Seção, Rel.Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 23/06/2008).
Quanto à classificação da atividade como urbana ou rural é questão de apreciação da prova material produzida pelo interessado, não decorrendo de prévia definição ou categorização legal. Conforme a prova que foi produzida, pode-se reconhecer trabalho rural na cidade, bem como trabalho urbano no meio rural. (Trf-4 - apelreex 2005.71.00.044110-9, 5º Turma, Rel. Juiz Artur César de Souza, julgado em 10/02/2009).
Do caso concreto
O autor busca o restabelecimento de aposentadoria por idade rural (NB 41.127.452.841-8, DIB 06/12/2002), cessada em 01/05/2010 (evento 22, PROCADM1, fl. 53), em virtude de irregularidades na comprovação da condição de segurado especial.
A Autarquia considerou por ocasião da cessação do benefício que nos autos da ação judicial n º 2000.71.02.004756-7, a qual versava sobre a concessão de benefício aposentadoria por idade rural (NB 101.319.439-7, com DER em 12/05/1999), restou comprovado não se tratar de segurado especial, diante da posse de vários maquinários agrícolas, existência de assalariados e criação de animais em grande quantidade.
A decisão judicial transitou em julgado em 13/02/2006 (evento 1, OUT7, fl. 40).
Na via administrativa, o autor foi informado sobre a irregularidade, sendo facultado seu direito de apresentar defesa escrita (evento 1, OUT7, fl. 46) e de apresentação de recurso (evento 1, OUT7, fl. 47), antes do cancelamento do benefício 127.452.841-8, tendo sido, portanto, observados os princípios da ampla defesa e contraditório, não havendo irregularidades na cessação do benefício.
Na petição inicial, o autor afirma ter trabalhado em regime de economia familiar, desde 20/04/1951 até a DER (06/11/2002), motivo pelo qual defende que seu benefício de aposentadoria por idade rural deve ser restabelecido.
Nos presentes autos, foi reconhecida a existência de coisa julgada com relação ao período entre 1985 a 1999 (evento 15), uma vez julgado improcedente seu reconhecimento no processo nº 2000.71.02.004756-7, e em sentença reconhecido os intervalos de 20/04/1951 a 22/04/1967 e de 1978 a 31/12/1984, não havendo apelo no ponto.
A controvérsia no plano recursal restringe-se ao reconhecimento do labor rural em regime de economia familiar nos intervalos de 23/04/1967 a 31/12/1977 e 01/01/2000 a 06/11/2002 e ao restabelecimento da aposentadoria por idade.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, foram acostados os seguintes documentos:
- ficha de associação a Sindicato Rural, em nome do pai do autor, com registros nos anos de 1974 a 1976 (ev.1-OUT4);
- certidão de casamento do autor, qualificando-o como agricultor, datada de 1967 (ev.1-OUT7, fl. 6);
- notas fiscais de produtor rural, em nome do autor, datadas de 1990 a 2002 (ev.1-OUT7, fls. 5/7-30);
- cópia de registro de imóveis de Tupanciretã, matrícula 1.936 de imóvel rural, com área de 71ha.5.534m², em nome do autor, datada de 1982; com registros de compra de 10 ha no ano de 1986, 3ha no ano de 1989, 3ha, no ano de 1990, 1ha, no ano de 1992, 15 ha, no ano de 1997 e registro de venda no ano de 2009 (ev.2-OUT1-OUT9);
- cópia de registro de imóveis de Faxinal do Soturno, matrícula 508, na qual consta que a aquisição de 30.890,62 m² pelo autor no ano de 1976, vendido no ano de 1999 (ev. 2-OUT10).
No caso, os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material.
Quanto ao intervalo de 23/04/1967 a 31/12/1977, verifica que a prova material em nome do autor limita-se à certidão de casamento, ocorrido no ano de 1967, a qual o qualifica como agricultor.
Contudo, em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos, firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Ainda que escassa a prova material para o período 23/04/1967 a 31/12/1977, impõe-se o seu reconhecimento, visto que a prova testemunhal (ev.45-TERMOAUD1 e ev.46-VIDEO1-4), demonstrou que após o casamento o autor deu continuidade ao labor rural em regime de economia familiar até 1978, nas mesmas condições anteriormente desenvolvidas nas terras de seus pais, na localidade de Trombudo, Dona Francisca-RS, sem empregados, e sem maquinário, criando alguns animais e plantando fumo e produtos de para subsistência, como milho, feijão, mandioca e batata.
Contudo, quanto ao intervalo de 01/01/2000 a 06/11/2002, não restou demonstrada a condição de segurado especial do autor. Embora comprovado que desenvolveu labor rural, o conjunto probatório demonstra que no intervalo referido as características de produção eram compatíveis com as de empregador rural. A prova testemunhal demonstrou que no período o autor já havia adquirido terras em Tupanciretã, as quais eram cultivadas com auxílio de diversos maquinários.
Ademais, por ocasião do julgamento do apelo do autor, na ação nº 2000.71.02.004756-7, na qual analisado período o período entre 1985/1999, próximo ao controvertido nestes autos, foi verificado que o autor era proprietário de grande extensão de terras, bem como de diversos maquinários agrícolas, além de criar grande quantidade de animais, fatos que demonstravam não se tratar de segurado especial, consoante se pode verificar do trecho que abaixo reproduzo:
(...)
Para a comprovação do efetivo trabalho agrícola no período correspondente à carência, foram trazidos aos autos os seguintes documentos:
a) certidão do INCRA, datada de 04-10-2000, certificando o cadastro de imóvel rural, em nome do autor, com área de 42 hectares, no período de 1989 a 1999 (fl. 14);
b) certidão de casamento, com assento em 22-04-1967, onde o autor está qualificado como agricultor (fl. 15);
c) matrícula de imóvel n. 1.936, referente à aquisição de 20 hectares de terras pelo autor, no ano de 1982, na localidade de Santa Tecla, município de Tupanciretã (fl. 29);
d) comprovantes de pagamento de ITR do exercício de 1991, incidente sobre imóvel rural com área de 42,ha, constando um trabalhador assalariado; e comprovantes de pagamento de ITR dos exercícios de 1992 a 1994 e 1996, incidente sobre imóvel rural com área de 52ha, constando dois trabalhadores assalariados (fls. 31-32 e 94-96);
e) recibo de entrega de declaração referente ao ITR incidente sobre área de 67 hectares, relativo ao exercício de 1997, em nome do autor (fl. 33);
f) recibo de entrega de declaração de ITR sobre imóvel de 79 hectares, relativo ao exercício de 1999, em nome do autor (fl. 93);
g) declaração de Imposto de Renda - Pessoa Física, exercício 1998, em nome do autor, onde foram declaradas quatro propriedades rurais, com área total de 80 hectares, e arrolamento de bens e maquinários utilizados na atividade rural - dois tratores, uma colheitadeira, um caminhão, dois pulverizadores, duas semeadeiras, uma carreta, um reboque, uma camioneta F-1000, entre outros (fls. 36-42);
h) notas fiscais de produtor, em nome do autor, referentes aos anos de 1990 a 1999 (fls. 43-60 e 78-90);
i) declaração de exercício de atividade rural pelo autor, no períodos de 1990 a 1999, e pela autora, no período de 1990 a 2000, firmadas por representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tupanciretã, datadas de 1999 e 2000, respectivamente (fls. 61 e 97).
Na hipótese em apreço, pela declaração de imposto de renda do exercício de 1998 (fl. 38) é possível verificar a existência de pelo menos quatro propriedades rurais em nome do autor, todas localizadas em Santa Tecla, interior de Tupanciretã/RS, as quais somam, segundo o referido documento, 80ha (propriedades com áreas de 49ha, 12ha, 04ha e 15ha). Entretanto, foram carreados aos autos recibos de pagamento de ITR, os quais indicam a existência de imóveis rurais com áreas diversas daquelas constantes do imposto de renda, uma vez que se referem a terras de 42ha, 52ha e por último 79ha, apontando no sentido de que o demandante, em verdade, era proprietário de imóveis de maior extensão do que aqueles constantes do citado documento.
De fato, o autor Sérgio, em entrevista administrativa realizada pelo INSS em 12-05-1999 (fls. 62-64), afirma que a área por ele explorada na plantação de soja, trigo, hortaliças, feijão e arroz era de 130ha, que já não se constitui em área tão diminuta. Tal informação, como se vê, já está em contradição com a prova oral colhida, que foi categórica em afirmar que a extensão da propriedade do autor media em torno de 50ha.
No entanto, consoante já referido, apenas a extensão do imóvel, sozinha, não é suficiente para descaracterizar a condição de rurícola dos autores. Ocorre que tal fato, considerado em conjunto com os demais elementos dos autos, permite a conclusão de que os requerentes não se enquadram como segurados especiais.
Com efeito, a grande quantidade de maquinário agrícola, consistente em dois tratores, uma colheitadeira, um caminhão, dois pulverizadores, duas semeadeiras, uma plantadeira, uma carreta, um terraceador e um reboque, entre outros; a existência de informação acerca de dois assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR dos anos de 1992 a 1996 e uma assalariado no de 1991; e a grande quantidade de animais criados pelos demandantes (em torno de 120 bovinos, 25 ovinos, 50 aves e 10 suínos), juntamente com a extensão da propriedade, são elementos mais do que suficientes para conduzir à improcedência do pedido.
A propósito, os depoentes referiram que o maquinário agrícola utilizado na lavoura era de propriedade dos filhos. No entanto, encontram-se registrados em nome do autor Sérgio Vendrusculo, como se pode ver da cópia do imposto de renda da fl. 42.
Por outro lado, embora as testemunhas tenham afirmado que somente os dois filhos do casal operavam o maquinário agrícola, entendo, seja pela quantidade e diversidade de maquinário utilizado, seja porque os filhos possuem imóvel rural próprio, que não seria razoável concluir que os autores dependiam exclusivamente dos filhos para a utilização das máquinas na lavoura, indicando, pois, a necessidade de contratação de empregados para tanto.
Aliás, a grande quantidade de maquinário utilizado pelos demandantes denota uma produção agrícola incompatível com o regime de economia familiar, indicando o cultivo de gêneros em larga escala, tal como uma empresa rural. Acresça-se a isso a existência de grande criação de gado na propriedade, tal como afirmado pelo autor na já mencionada entrevista administrativa.
(...)
Não houve demonstração de que a situação verificada na ação anterior (nº 2000.71.02.004756-7) tenha sido modificada no período de 01/01/2000 a 06/11/2002, não tendo se configurado o labor rural na condição de segurado especial, em virtude da utilização de vários maquinários (dois tratores, uma colheitadeira, um caminhão, dois pulverizadores, duas semeadeiras, uma plantadeira, uma carreta, um terraceador e um reboque, entre outros),criação de grande quantidade de animais e produção agrícola compatível com produtor rural empregador rural. Registro, inclusive, que as notas fiscais juntadas a estes autos demonstram produção de várias toneladas de soja e aveia e grande quantidade de leite, entre 600 litros e 1354 litros (evento 1, OUT7, fls. 04-05; 07; 12, 16; 20; evento 1, OUT7, fl. 10, 18).
Dessa forma, impõe-se o parcial provimento do apelo do autor tão somente para reconhecer o período de atividade rural em regime de economia familiar no intervalo de 23/04/1967 a 31/12/1977, determinando ao INSS a respectiva averbação.
Não havendo comprovação do exercício da atividade rural em regime de economia familiar no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, realizado em 2002, nem em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário, em 1999, o demandante não faz jus à concessão da aposentadoria por idade rural, mantendo-se a sentença no ponto.
Honorários advocatícios
Tendo havido modificação da sucumbência, são aplicáveis as normas do novo CPC.
Considerando que as partes sucumbiram em parcelas equivalentes, fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, distribuídos na proporção de 50% para cada, vedada a compensação, nos termos dos artigos 85, §4º, inciso III c/c o art. 86, ambos do CPC.
Fica suspensa a exigibilidade de tais verbas em relação à parte autora em razão do benefício da AJG.
Tutela específica - averbação de tempo de serviço
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à averbação dos períodos ora reconhecidos, para fins de futura obtenção de benefício previdenciário, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Conclusão
Parcialmente provido o apelo da parte autora para reconhecer a atividade rural em regime de economia familiar no intervalo de 23/04/1967 a 31/12/1977, e condenar o INSS a proceder à averbação, juntamente com o intervalos reconhecidos na sentença.
Modificados os ônus da sucumbência conforme fundamentação supra. Nos demais pontos resta mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor e determinar a averbação do tempo de serviço.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001278709v52 e do código CRC bfa5ebc7.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5002250-02.2016.4.04.7116/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: SÉRGIO VENDRUSCOLO (AUTOR)
ADVOGADO: BARBARA ALCÂNTARA VIEIRA BURTET (OAB RS061453)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. regime de economia familiar. TRABALHO RURAL. comprovação em parte do período postulado. DESCARACTERIZAda A QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL DO SEGURADO no período anterior ao requerimento administrativo. restabelecimento de benefício. improcedência. AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RURAIS RECONHECIDOS.
1. A aposentadoria rural por idade é benefício devido ao segurado que atinge a idade mínima e comprova o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, pelo período exigido em lei, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea.
2. O tamanho da propriedade rural, isoladamente, não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar, quando preenchidos os demais requisitos legalmente exigidos e a prova testemunhal é consistente quanto à forma de trabalho do grupo familiar. Contudo, no caso dos autos, a extensão da propriedade e a característica da produção com utilização de diversos maquinários agrícolas e grande produção de grãos e criação de animais, descaracterizam a condição de segurado especial do requerente em parte do período que busca reconhecimento.
3. Não comprovado o tempo de serviço rural em regime de economia familiar, nem no período imediatamente anterior à data em que implementada a idade mínima, nem no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, a parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural.
4. Determinada a averbação dos períodos de trabalho rural em regime de economia familiar reconhecidos, com vistas a futuro requerimento de aposentadoria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e determinar a averbação do tempo de serviço, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001278710v6 e do código CRC fff02a7f.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 25/09/2019
Apelação Cível Nº 5002250-02.2016.4.04.7116/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
APELANTE: SÉRGIO VENDRUSCOLO (AUTOR)
ADVOGADO: BARBARA ALCÂNTARA VIEIRA BURTET (OAB RS061453)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 25/09/2019, na sequência 84, disponibilizada no DE de 10/09/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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