Apelação Cível Nº 5009695-07.2016.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LUCIA CALISTRO MILANI (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora (Evento 43 - APELAÇÃO1) contra sentença (Evento 37 - SENT1), publicada em 20/02/2018, que extinguiu o feito sem resolução de mérito, por falta de interesse processual, tendo em vista a inércia da parte autora no cumprimento da determinação exigida pelo juízo (Evento 27).
Nas suas razões, sustenta que resta claro que a pretensão resistida está demonstrada nos presentes autos, quando da negativa administrativa em 05/11/2012. Ressalta que a documentação médica colacionada à peça inicial demonstra que se encontra incapaz desde a data da entrada do requerimento administrativo e não houve alteração, ademais, os documentos atuais comprovam a permanência da incapacidade.
Refere, ainda, que se o processo tivesse transitado normalmente, através da prova pericial médica, poderia ter sido comprovada a existência de incapacidade na data de 05/11/2012.
Aduz que, quando do seu requerimento administrativo em 05/11/2012, teve seu pedido negado, sob o entendimento administrativo de que a deficiência não implica impedimentos de longo prazo (igual ou superior a 02 anos). Tendo em vista a decisão proferida no sentido negativo, seu interesse em ingressar em juízo resta consubstanciado.
Reitera que restou evidenciada a violação ao seu direito, pois, o indeferimento do pedido caracteriza pretensão resistida, independente de exaurimento da via administrativa, independente de ser contemporâneo ao ingresso da ação judicial.
Além disso, aponta que o processo judicial não pode ser extinto sem a realização de perícia médica, porquanto demonstrada no caso em questão - além da pretensão resistida - a incapacidade.
Requer seja declarada nula a sentença monocrática e determinada a realização de perícia judicial com médico especialista em psiquiatria. Subsidiariamente, pede a concessão do beneficio assistencial.
Com as contrarrazões, subiram os autos.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região, no seu parecer, manifestou-se pelo parcial provimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Exame do caso concreto
Trata-se de apelação interposta pela autora em face de sentença que julgou o feito sem resolução do mérito diante do reconhecimento de carência da ação.
A sentença considerou a ausência de interesse de agir da parte autora em razão da inexistência de novo requerimento administrativo do benefício junto ao INSS – uma vez que a deficiência, à época do pedido realizado em 05/11/2012, não implicava em impedimentos de longo prazo (igual ou superior a 02 anos).
Merece acolhimento a argumentação da apelante porquanto se faz presente o interesse de agir, diante do indeferimento administrativo do NB 554.041660-7 (Evento 1, INDEFERIMENTO14). De fato, não há falar em ausência de interesse de agir e necessidade de novo requerimento administrativo se, no caso, a autora já protocolou o devido requerimento administrativo, ajuizando a ação posteriormente.
A alteração da situação fática em razão do tempo transcorrido desde o requerimento, bem como a existência de incapacidade, é situação atinente ao mérito da demanda a ser oportunamente verificado.
Em relação à alegada incapacidade da parte autora, há nos autos documentos que revelam a situação de deficiência da parte autora (Evento 1, ATESTMED8, PRONT13, p. 2), apontando ser total e permanentemente incapaz em decorrência de lupus eritematoso sistêmico CID L93 e transtorno psíquico CID F20.9).
Entretanto, examinando os autos, em que pese haver pareceres dos médicos que atenderam a paciente não se verifica a existência de laudo pericial judicial. Logo, resulta evidente a necessidade de que a autora seja examinada por perito de confiança do juízo para uma análise segura quanto a suas moléstias.
Assim, objetivando esclarecer o real estado de sua saúde bem como melhor avaliar os fatos do processo, entendo necessária a realização de prova pericial, com o intuito de demonstrar a existência ou não de moléstias incapacitantes de ordem psiquiátrica.
Nessa linha, manifesta-se a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA INCOMPLETA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. Havendo dúvida quanto à incapacidade laborativa da parte autora, diante do conjunto probatório, e tendo a sentença baseado-se em laudo judicial incompleto e que não foi realizado por especialista, é de ser dado provimento ao recurso, a fim de ser anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de perícias judiciais por oncologista e por ortopedista. (AC nº 0022704-43.2014.404.9999, 6ª TURMA, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, unânime, D.E. 12/03/2015).
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. PERÍCIA JUDICIAL COMPLEMENTAR. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO. Sentença anulada e determinada a reabertura da instrução processual para realização de laudo pericial judicial complementar, a fim de suprir a falta de análise da doença mental. (AC nº 0009665-13.2013.404.9999, 6ª TURMA, Relatora Desa. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, unânime, D.E. 13/06/2014).
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO RETIDO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. DÚVIDA. NECESSIDADE DE ESPECIALIZAÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constando dos autos elementos indicativos de ser a autora portadora de doença psiquiátrica, e pairando dúvidas sobre a especialização do perito e sobre a qualidade do laudo, tenho que se impõe realização de nova perícia por médico especialista, que possa melhor analisar as reais condições de saúde da demandante. 2. Anulada a sentença a fim de ser reaberta a instrução, para que seja realizada nova perícia, por psiquiatra. (AC nº 5004678-35.2012.404.7006, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, JUNTADO AOS AUTOS EM 28/11/2013).
Portanto, para garantir direitos da parte autora e para que se chegue ao deslinde justo dos autos, entendo ser necessária a realização de prova pericial, visando confirmar a existência de patologias incapacitantes.
A par disso, importa, neste caso, verificar a situação socioeconômica da parte autora, estando tal análise prejudicada em virtude da ausência do laudo social.
Ocorre que é necessário conhecer a realidade do grupo familiar da autora, sua composição, sua fonte de subsistência, suas despesas com tratamentos médicos, suas condições de moradia etc., para que se possa julgar o enquadramento neste quesito.
Assim, a fim de se obter um juízo de certeza acerca da situação fática, entendo ser necessária também a realização do estudo social para aferir o cumprimento do requisito de miserabilidade necessário à outorga do benefício requestado neste feito.
Ante o exposto, voto por anular a sentença para determinar a efetivação de perícia médica, com especialista em Psiquiatra, bem como a realização de estudo social, julgando prejudicado o exame da apelação.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000537920v11 e do código CRC 5b37c58e.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5009695-07.2016.4.04.7202/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: LUCIA CALISTRO MILANI (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL E ESTUDO SOCIAL. SENTENÇA ANULADA.
É imprescindível a realização de perícia médica e estudo social para o exame dos requisitos necessários à concessão de benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu anular a sentença para determinar a efetivação de perícia médica, com especialista em Psiquiatra, bem como a realização de estudo social, julgando prejudicado o exame da apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de julho de 2018.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000537921v7 e do código CRC 97428813.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 12/07/2018
Apelação Cível Nº 5009695-07.2016.4.04.7202/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: LUCIA CALISTRO MILANI (AUTOR)
ADVOGADO: DÉBORA CASTELLI MONTEMEZZO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 12/07/2018, na seqüência 287, disponibilizada no DE de 26/06/2018.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, por unanimidade, decidiu anular a sentença para determinar a efetivação de perícia médica, com especialista em Psiquiatra, bem como a realização de estudo social, julgando prejudicado o exame da apelação.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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