| D.E. Publicado em 09/03/2017 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013628-24.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | EDUARDA DUNKE |
ADVOGADO | : | Leisi Jaciara Paier |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RODEIO BONITO/RS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Atendidos os pressupostos, deve ser concedido o benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora e negar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de fevereiro de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8754976v2 e, se solicitado, do código CRC 30718B54. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013628-24.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | EDUARDA DUNKE |
ADVOGADO | : | Leisi Jaciara Paier |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
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RELATÓRIO
Cuida-se de apelações interpostas pela parte autora e também pelo INSS, bem como de remessa oficial, em face da sentença prolatada em 05/04/2016, que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência.
Insurge-se a autora se em relação à DIB, requerendo seja fixada na data do primeiro pedido administrativo, ou seja, em 28/10/2004. Ademais, pede a majoração do percentual referente aos honorários advocatícios.
A seu turno, a autarquia previdenciária, requer a reforma do decisum a fim de que sejam fixados honorários de 10% sobre as prestações vencidas entre 17/04/2012 e a data da sentença. Ademais, pede a revisão do critério de correção monetária, devendo ser aplicado o art. 1º-F da Lei 9.494.
Com as contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte para julgamento.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pelo desprovimento da apelação da autora e provimento parcial do recurso do INSS, no tocante aos honorários advocatícios.
É o relatório.
VOTO
Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490).
Contudo, considerando que o art. 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício, e que a Portaria Interministerial nº 01, de 08/01/2016, dos Ministérios da Previdência Social e da Fazenda, estabelece que, a partir de 01/01/2016, o valor máximo do teto dos salários de benefícios pagos pelo INSS é de R$ 5.189,82 (cinco mil, cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício assistencial deferido à parte autora seja fixada no teto máximo, e as parcelas em atraso pagas nos últimos 05 anos (art. 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, jamais excederá à quantia de 1.000 (mil) salários-mínimos, montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial, nos termos do artigo 496, § 3º, inciso I, do NCPC.
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Exame do caso concreto
Em relação à alegada incapacidade da parte autora, constam do laudo médico, realizado em 23/12/2013, pelo Dr. Ricardo dos Santos Medeiros, perito de confiança do juízo a quo, os seguintes dados (fls. 97-99):
a- enfermidade (CID): hidrocefalia congênita e cisto cerebral congênito (Q03 e Q04.6);
b- incapacidade: existente;
c- grau da incapacidade: permanente para a vida independente, não há avaliação a ser realizada no momento quanto à capacidade laborativa em decorrência da idade da autora;
d- início incapacidade: a mãe da paciente relata que a filha nasceu com hidrocefalia, sendo submetida a cirurgia para colocação de dreno, objetivando reduzir a pressão intracraniana. Aos dois anos de idade, foi novamente submetida a intervenção neurocirúrgica para drenagem de líquido.
f- idade: nascida em 20/11/2003, contava 10 anos à época do laudo;
g- escolaridade: 4ª série do ensino fundamental (possui dificuldade de aprendizado)
h- observações gerais: a autora necessita de acompanhamento para os atos da vida diária, pois há riscos de acidentes caso realize suas atividades sem auxílio. Há necessidade também de acompanhamento ambulatorial periódico e realização de exames de imagem, com periodicidade mínima de uma avaliação semestral.
No tocante ao requisito econômico, foi elaborado, em 10/09/2015, parecer social no qual se destacam os aspectos abaixo indicados (fls. 124-127):
a - grupo familiar: residem na mesma casa a autora, Eduarda Dumke (11 anos); sua mãe, Lucia Mara Dumke, 27 anos; seu padrasto, João de Souza, 33 anos, e seu irmão, João Vitor de Souza, 08 anos;
b - renda familiar: advém da agricultura e, segundo o casal, é de aproximadamente, R$ 300,00 mensais, sendo que o que plantam é mais para a subsistência. Contam também com o benefício do Programa Federal Bolsa Família no valor de R$ 147,00 mensais;
c - moradia: a casa onde residem é de madeira, cedida pelo sogro de Lucia. Assim como a mobília é simples, porém há o necessário para o bem estar da família;
d - Eduarda freqüenta a 6ª série e seu irmão, a 2ª série, ambos no turno da tarde. Eduarda faz uso de medicação, Cloridrato de Clomipramina, 25mg, três caixas durante o mês. A compra é feita na farmácia, gerando um gasto mensal de R$ 100,00. Também precisa passar por consultas, algumas particulares, na cidade de Cruz Alta.
No seu parecer, a assistente social verificou ainda que Eduarda possui cateter, o qual, segundo a mãe, terá que usar para sempre, tendo cuidados contínuos. Desta forma, a família terá que prover as necessidades da menina, a qual dependerá da mãe para as atividades da vida diária, não podendo desenvolver atividades laborativas.
Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto
A assistência social a crianças e adolescentes é prioritária em nosso País, à luz do art. 203, incisos I e II, da Constituição Federal.
Se o menor é deficiente, a proteção social é reforçada, conforme os incisos IV e V do mesmo artigo. Em matéria de assistência social, à vista do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III), não é possível interpretação restritiva contrária aos que a Constituição e a lei manifestamente buscaram proteger. Nesse sentido: AC 0012344-15.2015.404.9999, Sexta Turma, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/10/2015.
Nesse sentido, manifesta-se a doutrina:
Em se tratando de criança menor de 14 anos, vedada que é de trabalhar (artigo 7º, XXXIII, da CR/88), não há que se falar em capacidade de prover a própria subsistência. É a sua família quem deve fazê-lo. Se esta não o conseguir, na forma da lei, o benefício será devido, desde que o menor seja considerado deficiente físico.
Cabe, agora, indagar a razão pela qual o legislador deferiu a benesse ao deficiente, e não às crianças genericamente consideradas, já que todas elas não trabalham (ou não deveriam...).
A justificativa ressai da própria consciência popular. Por óbvio, uma criança deficiente exige cuidados profissionais e uma atenção especial da família diferente de uma sadia.
Quando se trata de uma criança saudável, a lei considera que a família, mesmo em situação precária, pode trabalhar para sustentá-la. Para tanto, utiliza dos recursos por todos conhecidos: creches, escolas infantis, revezamento de familiares no cuidado dos filhos etc.
Já em se tratando de uma criança deficiente, exige-se, muitas vezes, bem mais da família. Freqüentemente um dos pais, ou ambos, vêem-se obrigados a se afastarem do trabalho, mesmo contra a vontade, para se dedicarem pessoalmente ao seu cuidado. Noutros termos, a criança deficiente acaba por reduzir, muitas vezes, a própria capacidade laboral de sua família.
É essa a razão pela qual se confere o benefício assistencial ao deficiente, seja ele maior ou menor de idade.
Não se trata de aferir se o deficiente é ou não incapaz para o trabalho, simplesmente. A lei é expressa ao dizer que a deficiência deve culminar, também, na incapacidade para a vida independente. Isso porque, nesse caso, alguém da família deverá furtar-se de trabalhar, parcial ou totalmente, para auxiliar aquele que não consegue, por si só, viver.
É claro que um bebê, por exemplo, mesmo são, também não o consegue. Mas, conforme já dito, uma criança deficiente exige bem mais cuidados, além de gastos médicos periódicos.
De todo o exposto, pode-se dizer que a deficiência de uma criança, para ensejar o benefício assistencial em comento, deve ser tal que comprometa a sua família de forma diferente do que ocorreria com uma criança sadia.
E o que uma criança saudável normalmente faz? Brinca, estuda, alimenta-se, a partir de certa idade, sozinha, anda, corre, tudo isso sem grandes gastos médicos regulares ou cuidados especiais da família.
Se uma criança, por exemplo, possuir uma redução parcial em sua capacidade auditiva ou visual, mas, com o uso de um aparelho de surdez ou de lentes corretivas, consegue viver plenamente sua vida de criança (estudando e brincando sem maiores problemas), não será ela alvo do benefício assistencial em apreço.
A deficiência, na verdade, deve ser tal que prejudique a vida relativamente normal da criança e de sua família. Só assim será a mesma considerada deficiente para os fins aqui analisados.
É nisso que reside a razão pela qual uma criança pode ensejar a concessão do benefício assistencial enquanto outras, não.
Não se quer, com isso, restringir indevidamente um direito constitucionalmente assegurado, mas, sim, fazer com que ele alcance quem, de fato, deve ser protegido.
Afinal, para se tratar de forma desigual alguém, deve ele enquadrar-se em uma situação ou condição também desigual.
MADEIRA, Danilo Cruz. O benefício assistencial (LOAS) ao portador de deficiência menor de 14 anos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, nº 2735, 27 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2015.
Dessarte, o exame do conjunto probatório demonstra que a autora faz jus ao benefício assistencial.
Contudo, insurge-se em relação à data de início do benefício estabelecida pelo Juízo sentenciante, qual seja, data do último indeferimento administrativo, requerendo seja fixada em 28/10/2004 (data do primeiro requerimento administrativo - fl. 12).
Vale destacar que restou consolidado na jurisprudência que, se devidamente comprovada a data inicial da moléstia incapacitante pelo perito judicial, a concessão do benefício poderá ser desde tal marco, desde a data do requerimento administrativo ou desde o cancelamento do benefício, sendo que, quando não for possível identificar o início da doença, a DIB será a data da perícia. Nesse sentido é o seguinte precedente da TRU da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DESDE A DATA DA CESSAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. SE DEVIDAMENTE COMPROVADA A DATA INICIAL DA MOLÉSTIA INCAPACITANTE PELO PERITO JUDICIAL, A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PODERÁ SER DESDE TAL MARCO, DESDE A DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO OU DESDE O CANCELAMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA. NOS CASOS EM QUE NÃO FOR POSSÍVEL IDENTIFICAR O INÍCIO DA DOENÇA, A DIB SERÁ A DATA DA PERÍCIA. (PRECEDENTE: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF Nº 2006.72.95.011067-7/SC, RELATOR: JUIZ GUILHERME PINHO MACHADO).
1. O entendimento da TRU encontra amparo na Súmula n. 22 da TNU: "Se a prova pericial realizada em juízo dá conta de que a incapacidade já existia na data do requerimento administrativo, esta é o termo inicial do benefício assistencial."
2. Incidente provido. (IUJEF 0002573-56.2008.404.7251/SC, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Juiz Federal ANTONIO FERNANDO SCHENKEL DO AMARAL E SILVA, D.E. 30.07.2010)
No caso dos autos, o estudo social refere que a menor sempre necessitou de cuidados especiais e contínuos por parte da família, lembrando que desde bebê já apresentava problemas de saúde. No laudo médico pericial restou consignado que a menor apresenta déficit de desenvolvimento cognitivo decorrente de Hidrocefalia congênita (Q03) e Cisto cerebel congênito (Q04.6), apresentando incapacidade para a vida independente.
Assim, na data do primeiro requerimento administrativo indeferido (28/10/2004), já possuía a autora todas as condições para a implementação do benefício.
Como se vê, razão assiste à parte autora no que respeita ao termo inicial do benefício pleiteado.
Vale destacar que, sendo a autora pessoa absolutamente incapaz, esse fato, por si só, obsta a fluência do prazo prescricional, nos termos do artigo 198, I, do Código Civil e 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/1991.
Logo, cabível a concessão do benefício assistencial a partir de 28/10/2004 (data do primeiro requerimento administrativo - fl. 12).
Dos consectários
Correção Monetária e Juros
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, par. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Ratificada a sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial previsto no art. 203, inc. V, da CF, regulado pela Lei 8.742/1993, dando-se provimento ao apelo da parte autora para fixar o termo inicial do benefício assistencial em 28/10/2004 (data do primeiro requerimento administrativo - fl. 12), julgando prejudicado o apelo do INSS no que tange aos critérios de correção monetária e negando provimento ao pedido relativo à verba honorária.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da parte autora e negar provimento ao recurso do INSS.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8754975v3 e, se solicitado, do código CRC C13C1E92. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/02/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0013628-24.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00033793120128210158
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira |
APELANTE | : | EDUARDA DUNKE |
ADVOGADO | : | Leisi Jaciara Paier |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RODEIO BONITO/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/02/2017, na seqüência 19, disponibilizada no DE de 03/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8845558v1 e, se solicitado, do código CRC 2EA73617. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 22/02/2017 22:26 |
