APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001968-14.2013.4.04.7004/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | COSTA BIOENERGIA LTDA |
ADVOGADO | : | Dirceu Galdino Cardin |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CULPA DA EMPRESA. NEGLIGÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES.
. O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é claro ao vincular o direito de regresso da autarquia previdenciária à comprovação da negligência por parte do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva;
. No presente caso, é incontroversa a ocorrência do acidente de trabalho e o nexo de causalidade entre este e as lesões que resultaram na concessão do benefício pelo órgão previdenciário. Contudo, o acervo probatório indica a ausência de culpa da empresa, evidenciada a culpa exclusiva do empregado, que, deliberadamente, descumpriu procedimento padrão de segurança da empresa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à Apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de agosto de 2015.
Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7703241v5 e, se solicitado, do código CRC 8ADC3169. | |
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| Signatário (a): | Sérgio Renato Tejada Garcia |
| Data e Hora: | 06/08/2015 20:45 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001968-14.2013.4.04.7004/PR
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | COSTA BIOENERGIA LTDA |
ADVOGADO | : | Dirceu Galdino Cardin |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação regressiva ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, contra COSTA BIOENERGIA LTDA, buscando condenação da empresa ao ressarcimento pelas despesas causadas à Previdência Social com o pagamento de benefícios acidentários, pensão por morte (NB- 21/150.015.088-3 e NB- 21/152.875.988-2), concedidos em decorrência de acidente de trabalho, que resultou óbito do segurado.
Narra que o segurado Clodoaldo dos Santos, empregado da ré, contratado para a função de operador de moenda, sofreu acidente de trabalho no dia 08/09/2009. Relata que o infortúnio ocorreu quando o trabalhador realizava reparos na máquina utilizada para moagem de cana-de-açúcar, provocando-lhe morte por esmagamento. Afirma que o acidente foi resultado descumprimento de normas e padrão de segurança e higiene do trabalho. Sustenta que a culpa da empresa foi comprovada Relatório da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado do Paraná (PROCADM5 - Evento 1). Alega afronta às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, notadamente as NRs nº 1, 4, 5, 7 e 12, em especial a omissão quanto à adoção de medidas de proteção individual e coletiva no ambiente de trabalho.
Citado, o empregador suscitou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, a ausência de interesse de agir e a prescrição da pretensão regressiva. No mérito, negou o descumprimento de normas de segurança, imputando culpa exclusiva à vítima (Evento 7).
Encerrada a instrução, a ação foi julgada improcedente pelo Magistrado Daniel Luis Spegiorin, enquanto Juiz Federal Substituto da 2ª VF de Umuarama, por entender inexistente a culpa atribuída ao empregador (Evento 37).
Em suas razões recursais, o INSS reitera a tese de negligência por parte das empresas demandadas, alegando descumprimento de normas de segurança do trabalho relativas à gestão de segurança e saúde do trabalho, cuja observância, afirma, poderia ter evitado o acidente (Evento 42).
Com contrarrazões (Evento 49), subiram os autos para julgamento.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
VOTO
O INSS sustenta ter havido negligência por parte da empresa, alegando descumprimento de normas de segurança do trabalho relativas à gestão de segurança e saúde do trabalho, cuja observância, afirma, poderia ter evitado o acidente em questão.
Contudo, examinados os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de improcedência.
Os argumentos trazidos pelo Instituto apelante não me parecem suficientes para alterar o que foi decidido.
O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 submete a possibilidade de regresso do INSS à comprovação de que o empregador agiu com negligência em relação às normas de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva.
No presente caso, é incontroversa a ocorrência do acidente de trabalho e o nexo de causalidade entre este e as lesões que resultaram na concessão do benefício pelo órgão previdenciário. Contudo, o acervo probatório indica a ausência de culpa da empresa, evidenciada a culpa exclusiva do empregado, que, deliberadamente, descumpriu procedimento padrão de segurança da empresa.
Dito isso, a respeito das questões pertinentes, mantenho e adoto como razões de decidir a sentença proferida pelo Magistrado Daniel Luis Spegiorin, enquanto Juiz Federal Substituto da 2ª VF de Umuarama, transcrevendo-a e adotando-a como razão de decidir, nestes termos:
"2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Preliminares
As questões preliminares suscitadas nestes autos, quais sejam, prescrição trienal, impossibilidade jurídica do pedido em virtude da inconstitucionalidade do art. 120 da lei de benefícios e ausência de interesse de agir, já foram devidamente analisadas e rejeitadas na decisão do evento '15', a qual me reporto por brevidade.
Enfim, restam afastadas as preliminares arguidas pela ré.
2.2. Cabimento da ação regressiva
Importante destacar inicialmente que descabe, in casu, a argumentação pertinente à desoneração decorrente da contribuição ao SAT (Seguro de Acidente de Trabalho) em favor do INSS, porquanto a imposição de ressarcimento do INSS em casos de atuação negligente do empregador não se confunde com o pagamento de indenização direta ao empregado e nem tem como finalidade o mesmo objeto.
O entendimento adotado pela jurisprudência decorre da questão do SAT destinar-se ao custeio geral dos benefícios de aposentadoria especial e decorrentes de acidente de trabalho relativos aos riscos ordinários do empreendimento ou, nos termos do inciso II do artigo 22, dos 'riscos ambientais do trabalho'. Já o artigo 120 refere-se expressamente a hipóteses de 'negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho'.
Não se trata, assim, de onerar duas vezes uma mesma empresa, mas somente obter o ressarcimento dos valores pagos pelo INSS em relação às prestações decorrentes de acidente de trabalho e que não podem ser associadas pela fonte de custeio do SAT.
A jurisprudência pacificou-se neste sentido, consoante a Súmula 229 do STF: 'a indenização acidentária não exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador.'
Em outros termos, é sabido que a concessão de um benefício depende de uma prévia fonte de custeio, consoante o disposto no artigo 195, §5º, da Constituição Federal. Desse modo, para os riscos ordinários do trabalho, há a expressa previsão do SAT. Como os riscos extraordinários decorrentes de negligência da empresa não são abrangidos pelo SAT ou por outras fontes de custeio do sistema previdenciário, impõe-se o ressarcimento do INSS, inclusive com o objetivo de propiciar o equilíbrio atuarial do regime.
Outrossim, a ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91 representa ainda garantia ao trabalhador em relação ao seu direito expresso no inciso XXII do artigo 7º da CF de 'redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança'. De fato, a imposição de ressarcimento do INSS em casos de atuação negligente do empregador, para além de pagamento de indenização direta ao empregado, representa mais um fator de inibição do desrespeito de normas trabalhistas, em inegável benefício do trabalhador.
No sentido em que se argumenta, a título de exemplificação, citam-se os seguintes julgados:
ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE. SEGURADO. NEGLIGÊNCIA. NORMAS DE SEGURANÇA. AÇÃO REGRESSIVA DO inss.
1.- Tratando-se de ação regressiva movida pelo inss para haver reparação danos sofridos com o pagamento de pensões aos obreiros sinistrados, inquestionável a competência da Justiça Federal para promover o seu processamento e julgamento.
2.- Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção, uso e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o inss direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91.
3.- É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas conseqüências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas.
4.- 'O fato das empresas contribuírem para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.' (TRF 4 - 3ª Turma - AC n. 200072020006877/SC, rel. Francisco Donizete Gomes, j. em 24.09.02, DJU de 13.11.02, p. 973).
RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. MORTE DE FUNCIONÁRIO. CULPA DO EMPREGADOR. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO inss.
- A contribuição previdenciária a cargo do empregador não constitui preço pago por um seguro, como se fosse um seguro de natureza privada. Trata-se de tributo, de recolhimento compulsório, destinado ao custeio da previdência social como um todo. Ao ingressar nos cofres públicos, passa a fazer parte do orçamento da seguridade social, previsto no art. 165, § 3º, III, da Constituição Federal.
- Se os cofres do INSS foram lesados em virtude de negligência do empregador do segurado, cabível a responsabilização civil deste, a fim de que seja condenado a indenizar os prejuízos sofridos em virtude da concessão do benefício.
(TRF 4, AC 2004.04.1.019501-9/RS, Rel. Jairo Gilberto Shcafer, Terceira Turma, D.E 18/11/2009).
Aliás, o direito de regresso há muito se encontra previsto no ordenamento jurídico, de modo que quem quer que tenha despendido valores em razão dessa situação, quando verificada a culpa total ou parcial de outrem, poderá buscar seu ressarcimento. Nesse sentido os artigos 186, 927 e 934 do Código Civil:
Art.186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
Por sua vez, dispõe o art. 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
A leitura dos dispositivos até aqui transcritos permite concluir que, não obstante a responsabilidade objetiva do INSS por acidente de trabalho, remanesce a responsabilidade da empresa que concorre para ocorrência de infortúnio, sendo possível à autarquia previdenciária, em caso de demonstração do descumprimento das normas padrão de segurança, ressarcir-se dos prejuízos por ela suportados. Nesse sentido, confira-se:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. CULPA DO EMPREGADOR. AÇÃO REGRESSIVA. POSSIBILIDADE. Em caso de acidente decorrente de negligência quanto à adoção das normas de segurança do trabalho indicadas para a proteção individual coletiva, os responsáveis respondem em ação regressiva perante a Previdência Social. O fato de a responsabilidade da Previdência por acidente de trabalho ser objetiva apenas significa que independe de prova da culpa do empregador a obtenção da indenização por parte do trabalhador acidentado, contudo não significa que a Previdência esteja impedida de reaver as despesas suportadas quando se provar culpa do empregador pelo acidente. O risco que deve ser repartido entre a sociedade, no caso de acidente de trabalho, não se inclui o ato ilícito praticado por terceiro, empregadores, ou não. Recurso não conhecido. (REsp 506.881/SC, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/10/2003, DJ 17/11/2003, p. 364)
Evidentemente, a viabilidade do manejo da presente ação não se confunde com sua procedência, sendo que, para tanto, é preciso que estejam presentes os requisitos de responsabilização da ré, o que passo a analisar.
2.3. Dever de ressarcir a autarquia previdenciária
Cuida a presente demanda de ação regressiva proposta pelo INSS contra a empresa COSTA BIOENERGIA LTDA visando à indenização dos valores pagos a título de benefício previdenciário decorrente de morte por acidente de trabalho, com fundamento no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91.
Dispõe o artigo 120 da Lei n.º 8.213/91:
'Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.'
Assim, como visto, de acordo com o artigo 120 da Lei n.º 8.213/91, a responsabilidade do empregador pressupõe a existência de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para proteção individual ou coletiva dos empregados, tratando-se, portanto, de responsabilidade subjetiva.
Dessa forma, a exigência de negligência afasta a possibilidade de responsabilização objetiva do empregador em face do INSS. Isso porque, como espécie de culpa que é, exige uma conduta voluntária contrária ao dever de cuidado, com a produção de um evento danoso que, embora involuntário, era previsível. Em outros termos, a negligência consiste 'na ausência de diligência e prevenção, do cuidado necessário às normas que regem a conduta humana' (cf. Arnaldo Rizzardo, Responsabilidade Civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.4).
Logo, não é o mero desrespeito a normas de padrão de segurança e higiene do trabalho que ensejam a possibilidade de ressarcimento do INSS, mas o seu desrespeito pela falta de prevenção e cuidado. Para obter o ressarcimento em face do empregador, o INSS deve comprovar que houve uma conduta omissiva em relação ao dever de se adequar às normas de segurança e higiene do trabalho.
A controvérsia, portanto, circunscreve-se em verificar se houve de fato negligência por parte da empresa ré quanto às normas de padrão de segurança do trabalho, devendo-se sopesar se a atuação ou omissão da empresa ré foi a causa única ou determinante do sinistro.
No caso dos autos, inexiste controvérsia acerca da ocorrência de acidente do trabalho por CLODOALDO DOS SANTOS, desse modo, remanesce tão somente a análise de suposta culpa da ré pelo ocorrido, ponto que adiante passará a ser enfrentado.
Segundo descrito no Relatório de Análise de Acidente do Trabalho trazido com a inicial, de lavra de Auditor do Trabalho (evento '01' - PROCADM5 - fls. 03-08 do original), as circunstâncias em que ocorreu o acidente foram narradas da seguinte forma:
'[...]
4 - DESCRIÇÃO DO LOCAL DO ACIDENTE:
O acidente ocorreu em uma máquina de grande porte utilizada para a moagem de cana localizada no interior do galpão industrial da empresa. Tal equipamento é constituído por um sistema rotativo de moagem da cana. À medida que a cana vai sendo moída, o bagaço é despejado em uma calha disposta perpendicularmente ao setor de moagem. Dali o bagaço é transportado através de uma rosca sem fim para outras máquinas e equipamentos integrantes do processo produtivo de açúcar e álcool. No desenvolvimento da produção verificou-se que ao despejar o bagaço na calha, uma parte do produto não era contida e derramava para fora da calha, causando perdas ao processo. Para evitar o derramamento de parte do bagaço optou-se por aumentar a altura da calha com a soldagem de uma chapa em sua borda superior, defronte ao equipamento de moagem.
5 - DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE:
Com todo o sistema de moagem paralisado, a tarefa se constituía por soldar uma chapa sobre a borda da calha. Para tanto, o Sr. Clodoaldo dos Santos se posicionou dentro da calha e sobre a rosca sem fim, com o objetivo de segurar e posicionar a chapa para que o Sr. Cláudio Michelin Biazus soldasse a mesma. No posicionamento da chapa também auxiliavam, pelo lado de fora da calha, os trabalhadores Kelvin Henrique Garcia e Fagner Augusto Vieira.
6 - DESCRIÇÃO DO ACIDENTE:
Por volta das 16h20m do dia 08.09.2009, enquanto os trabalhadores desenvolviam o trabalho nas condições acima descritas houve um religamento imprevisto do sistema e a movimentação da rosca sem fim, na qual se apoiava o trabalhador Clodoaldo dos Santos. Segundo declarações do Senhor Kelvin Henrique Garcia, a vítima tentou saltar da rosca e já não conseguiu por ter sua perna sido puxada. O Senhor Kelvin também tentou auxiliar a vítima puxando-o pelo braço, sem, contudo conseguir, devido à força com que a rosca puxava a vítima. Como consequência houve morte da vítima, no local do acidente, por esmagamento generalizado de seu corpo.
[...]'
Na declaração colhida na Delegacia de Polícia, o trabalhador JOSIAS ALVES DA SILVA relatou (evento '01' - PROCADM5 - fls. 21-22 do original):
'O declarante relata que estava presente no dia dos fatos quando CLODOALDO veio a se acidentar fatalmente. Que o declarante, CLODOALDO, FAGNER e KELVIN estavam juntos no mesmo ambiente, no quarto piso de um pavilhão de MOENDA, que é o primeiro processo de moagem da cana, soldando uma chapa no 'peneirão' onde o bagaço é jogado para uma outra lavagem. Como no 'peneirão' estava caindo bagaço para fora (nas laterais), os funcionários foram acionados para soldar uma chapa da máquina. O declarante atenta para o fato de que CLODOALDO era o funcionário que coordenava os demais. Que FAGNER e KELVIM eram os funcionários que ficavam no COI, mas ele estavam no quarto piso, ou seja, não estavam no COI. Que o procedimento de segurança utilizado na Usina é o seguinte: a pessoa passa uma mensagem por rádio amador para o operador do COI para saber se a máquina está desarmada, e além disso, entra em contato com um eletricista para desligar os fusíveis, para que não seja passada energia para a máquina. Que CLODOALDO era funcionário experiente e já sabia dessa regra. Que CLODOALDO subiu em cima da rosca e o declarante recorda-se que KELVIM ainda alertou a vítima sobre o perigo que aquilo representava. O declarante e FAGNER estavam do lado direito da rosca que estava de frente para o COI. De uma hora para outra - enquanto todos estavam soldando a máquina - a máquina ligou e começou a sugar tudo, inclusive o alicate que estava nas mãos do declarante. Que não foi só a máquina que eles estavam soldando que ligou, mas também quatro ventiladores grandes que ficam na parte de baixo do pavilhão. Que o eletricista que estava trabalhando no turno em que eles trabalhavam, chamado MAURO, ao ouvir o grito dos funcionários, veio a desligar todas as chaves que podia, mas nessa hora CLODOALDO já havia sido sugado pela máquina. Que até o dia do acidente não havia uma espécie de botão de emergência e nem chapa 'expandida', de proteção. Que no dia seguinte ao acidente, essas providências foram tomadas.' (grifo neste transcrito)
No mesmo sentido foram as declarações de FAGNER AUGUSTO VIEIRA (evento '01' - PROCADM5 - fl. 23 do original e PROCADM11 - fl. 28 do Inquérito Policial):
'O declarante esclarece que trabalha USINA BIO ENERGIA há dois e quatro meses e atualmente atua como operador de processos (máquina). Que o declarante estava presente no dia em que aconteceu o acidente que vitimou CLODOALDO, estando a poucos metros dele, atrás do motor que ligou a rosca da peneira rotativa, pertencente à máquina, em que CLODOALDO subira. O declarante esclarece que na época do acidente era ele o responsável por acionar as máquinas, ou a pedido dele para os eletricistas, ou por ele mesmo. Todavia no dia dos fatos o declarante não acionou a máquina, que até o momento em que CLODOALDO subira na mesma, estava desligada, mas não desarmada. Desarmada quer dizer que todos os fios estão desconectados (extraem-se os fuzíveis/gavetas), o que não era o caso, pois a máquina só estava desligada. O declarante acredita que alguém esteve no CCM (onde ficam os painéis das máquinas) e ligou a máquina em que estava o CLODOALDO, por descuido, desaviso, vez que o declarante não considera a hipóteses da máquina ter ligado sozinha. Atenta para o fato de na época estarem trabalhando na usina alguns funcionários terceirizados, que talvez não tivessem sido avisados da rotina do trabalho dos operadores, todavia o declarante não pode apontar nenhum funcionário, mesmo porque na usina, todos ficaram sem saber quem poderia ter (supostamente) ligado a máquina. É certo que CLODOALDO foi negligente ao subir na máquina, mas a vítima acreditava que o objeto estava desligado. O declarante e demais funcionários ainda avisaram CLODOALDO de que subir na máquina era perigoso, mas aquele ainda teria dito que não tinha problema, pois o maquinário estava desligado. Quando o declarante olhou para o CCM não avistou ninguém, e que a visão da onde estava o declarante, fica prejudicada para ver quem está dentro daquele setor (CCM). O declarante diz que depois do acidente, a administração da usina passou a se precaver mais com as máquinas, que agora além de serem desligadas, são desarmadas, para que funcionários façam os devidos testes, como no dia do acidente. Além disso, há uma proteção em cima da rosca da máquina, para que nenhum funcionário suba nela. Que, rebatendo as declarações de KELVIM, no sentido de que não havia ninguém na COI (centro de operações de maquinários), existem os CCMs, que são os painéis de motores, onde ali poderia ter alguém. Na hora em que a máquina ligou, todos os presentes tentaram socorrer CLODOALDO e não atentaram para ver se tinha alguém nos painéis. Foi a diretoria da usina que informou que não havia nenhum funcionário presente nos CCMS.' (grifo neste transcrito)
Outros colegas de trabalho do falecido, CLAUDIO MICHELIN BIASUZ e KELVIM HENRIQUE GARCIA, também prestaram declarações perante o Delegado de Polícia Civil (evento '01' - PROCADM5 - fls. 24 e 25 do original):
CLAUDIO MICHELIN BIASUZ - 'O declarante esclarece que no dia do acidente estava na companhia de outros funcionários KELVIM, FAGNER e CLODOALDO, quando esses faziam um reparo na maquina responsável por transportar bagaço de cana de açúcar. O declarante trabalha como soldador e o conserto consistir em soldar uma chapa. O declarante se posicionou para soldar a chapa, FAGNER e KELVIM se posicionaram de cada lado da chapa e CLODOALDO entro no 'cocho' da máquina, fato que o declarante considera perigoso, mesmo a máquina estando desligada. O declarante diz também que CLODOALDO deveria ter acionado o eletricista para desernegizar a máquina, mesmo ela estando desarmada pelos computadores centrais. Que a máquina foi armada de uma hora para outra, não sabendo o declarante dizer como, vez que os responsáveis pelo COI estavam ali com ele e com CLODOALDO. O declarante viu o momento em que a vítima foi sugada pela máquina, sendo que ele e os outros funcionários passaram a gritar por socorro.' (grifo neste transcrito)
KELVIM HENRIQUE GARCIA - 'O declarante esclarece que no dia dos fatos ele, FAGNER, JOSIAS e CLODOALDO (todos funcionários da Usina), foram até a máquina denominada 'rosca sem fim', utilizada para transportar bagaço de cana, para arrumarem uma chapa de ferro na lateral da máquina. Que CLODOALDO, depois de algum tempo entrou dentro da rosca, devidamente indicada na foto superior às fls. 06, tendo a própria vítima dito que o motor da máquina estava desligado. O declarante ainda disse a CLODOALDO para ele sair de dentro da rosca, porque o motor poderia ligar, sendo que ele (a vitima) disse que não teria problema porque a máquina estava desarmada. CLODOALDO era o responsável na execução do serviço de soldar a chapa na lateral da rosca. Ocorre que a máquina foi ligada, e quando o declarante ouviu o barulho dos ventiladores, olhou assustado para CLODOALDO o qual chegou a fazer menção para saltar da máquina, mas já era tarde, vez que sua perna ficou presa e ele foi sugado pela máquina. O declarante ainda tentou puxar CLODOALDO pelo braço, mas a pressão da máquina era maior. O declarante não sabe explicar porque a máquina foi acionada, vez que ela é acionada através de computador, sendo os responsáveis por essa ação o próprio declarante e o funcionário FAGNER que estava presente no momento do acidente. Esse computador que aciona a máquina fica em uma central, cerca de uns vinte metros de distância da máquina. Não havia defeito nos computadores, não suspeitando ele o que pode ter ocorrido. Ninguém estava na central. O declarante chegou a questionar CLODOALDO sobre o fato da máquina estar desarmada (desenergizada), referindo-se à caixa de fusível da máquina, que uma vez desligada, corta todas a energia da máquina. Que ele só questionou porque a norma da Usina é que, quando forem arrumar as máquinas, é regra desligar o fusível, através de um eletricista. A própria Usina está apurando como essa máquina pode ter sido acionada. CLODOALDO era o funcionário mais experiente dos ali presentes. Não tinha desafetos dentro da Usina.' (grifo neste transcrito)
Mais recentemente, MARCELO DA SILVA SEVERO ALVES, engenheiro agrônomo e de segurança do trabalho, que atuava à época do acidente de trabalho ocorrido na Usina Costa Bioenergia (evento '01' - PROCADM11 - fl. 83), disse que:
'No dia do acidente se encontrava na empresa, porém, no momento do fato não estava no local, pois, estava no administrativo da empresa. A pessoa do CLODOALDO era o responsável pelo serviço, sendo que o declarante foi informado que o mesmo não cumpriu o Procedimento Operacional Padrão - POP, que seria antes de executar o serviço, deveria ser chamado um eletricista para realizar a extração de gaveta ou retirada de fusível, porém ele não o fez, onde um dos integrantes da empresa, cujo nome é KELVIN HENRIQUE GARCIA, ainda o questionou acerca do procedimento não executado, mas o CLODOALDO afirmou para o KELVIN que a máquina estava desligada, mas não foi acionado nenhum eletricista. O declarante tem a informação que todos os CCM´s são trancados e as chaves ficam com os eletricistas e, no momento do fato, não havia pessoas no CCM.' (grifo neste transcrito)
Como se verifica, as testemunhas foram uníssonas ao afirmar que o procedimento que deveria ter sido observado por CLODOALDO DOS SANTOS quando da manutenção da máquina era acionar o eletricista para desenergizá-la, 'seja com a extração de gaveta ou retirada de fusível', mesmo ela estando desligada pelos computadores centrais.
Inclusive é essa a recomendação que consta do relatório de acidente do trabalho, confeccionado pelo técnico em segurança do trabalho, Rodrigo Meschio de Freitas: 'Todo procedimento de manutenção de equipamentos rodantes, deve-se pedir ao eletricista que retire a gaveta, deixando assim o motor desenergizado, sem a possibilidade de ser acionado deixando assim o local de trabalho seguro para efetuar os trabalhos' (evento '01' - PROCADM6 - fl. 30 do original).
Não se pode também alegar que o falecido não tinha ciência do procedimento operacional padrão da empresa, porquanto ele, quando do ingresso na ré USINA COSTA BIONERGIA, recebeu treinamento sobre segurança do trabalho. Como se pode perceber por meio da 'Ficha de Treinamento para novos colaboradores' (evento '01' - PROCADM5 - fl. 26 do original), o empregado CLODOALDO DOS SANTOS assinou a declaração de ter recebido do setor de SESMT (Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho) o treinamento em relação às práticas de prevenção de acidentes, uso correto dos equipamentos de proteção individual, noções de primeiros socorros, procedimentos em casos de acidentes ou problemas de saúde, cuidados com as ferramentas de trabalho, normas gerais de Segurança e Medicina do Trabalho. Declarou ainda estar ciente da obrigatoriedade do uso dos equipamentos recebido para o desempenho de sua atividade na empresa, bem como dos deveres e proibições listados na lista da fl. 27.
Demais disso, no dia do trágico acidente, Clodoaldo dos Santos foi alertado pelos colegas de trabalho sobre o risco que estava correndo, logo após ter se posicionado para soldar a chapa dentro da peça denominada 'rosca sem fim', mesmo a máquina estando desligada; e, como bem ressaltado pelas testemunhas ouvidas no Inquérito Policial, ele era um funcionário experiente, porquanto, apesar de estar na USINA COSTA BIOENERGIA há poucos mais de dois meses, anteriormente a esse vínculo, Clodoaldo já havia trabalhado em outras empresas do mesmo porte, em usina de açúcar inclusive, conforme dados do CNIS e cópia da CTPS anexada à inicial (evento '01' - PROCADM10 - fls. 16-19).
Diante das inúmeras informações colhidas nos depoimentos dos trabalhadores da ré USINA COSTA BIOENERGIA, prestados no Inquérito Policial n.º 435/09 (evento '01' - PROCADM11), é possível concluir que CLODOALDO DOS SANTOS, no dia 08.09.2009, por volta das 16h20mim, laborou com excesso de confiança, por acreditar que o simples desligamento da máquina em que se apoiava para executar o serviço era suficiente para evitar que ela fosse acionada acidentalmente. Como já dito anteriormente, Clodoaldo deveria ter efetuado o procedimento padrão de operação para desenergização da máquina antes de se colocar dentro dela, pois, assim, teria evitado o religamento imprevisto e o trágico acidente que culminou em sua morte.
Com efeito, não se sabe como nem porquê a máquina infelizmente foi acionada abruptamente, mas uma coisa é certa: se tivesse sido interrompida a alimentação elétrica da máquina de moagem, com o desligamento dos fusíveis, em observância às normas de segurança do trabalho, ainda que houvesse alguém acidentalmente acionado os comandos das máquinas localizados no COI ou CCM da Usina, a 'rosca sem fim' teria se mantido inerte, porquanto a energia não teria sido transmitida à referida máquina.
Logo, se o procedimento padrão da empresa fosse observado pelo falecido, o acidente naqueles moldes não teria ocorrido. Clodoaldo dos Santos, especificamente nessa ocasião, foi negligente, pois não tomara as devidas precauções que lhe foram orientadas e sugeridas, vindo a falecer de forma inesperada.
Com relação à alegação do INSS de que a empresa teria concorrido para a ocorrência do acidente, em virtude da não-observância das normas padrão de segurança do trabalho, convém tecer alguns comentários.
De acordo com o Relatório de Análise de Acidente do Trabalho trazido com a inicial, de lavra de Auditor do Trabalho (evento '01' - PROCADM5 - fls. 03-08 do original), os fatores associados ao acidente foram os seguintes:
- Prorrogar a jornada normal de trabalho, além do limite legal de 2 (duas) horas diárias sem qualquer justificativa legal (art. 59, caput c/c art. 61, da Consolidação das Leis do Trabalho).
[...]
- Deixar de conceder período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho (art. 66 da Consolidação das Leis do Trabalho).
[...]
- Deixar de conceder ao empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas (art. 67, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho).
[...]
Demais disso, relatou ainda que a empresa fiscalizada: a) não possuía registro do SESMT junto ao Ministério do Trabalho e Emprego; b) os controles de acionamento e parada estavam localizados na sala central de comando, distante cerca de 60 metros dos locais de trabalho e suscetível de acionamento acidental; c) não havia sinal de alarme que deve preceder o acionamento de máquina de grande dimensão; d) a chave geral e gavetas de interrupção dos circuitos de alimentação do motor são de difícil acesso em virtude de terem sido localizados em sala fechada com chaves, não disponíveis a todos os empregados da manutenção.
Como é cediço, as questões discutidas no relatório de fiscalização são todas de cunho trabalhista, de modo que se afigura razoável trazer aos presentes autos a fundamentação da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n.º 02444-2012-325-09-00-3 pelo Juízo da 2ª Vara Trabalhista de Umuarama, não obstante a conclusão externada pelo Auditor do Trabalho em seu relatório (evento '01' - PROCADM5 - fls. 03-08 do original).
Trata-se da Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face da empresa, ora ré, em que se objetiva a condenação desta em obrigação de fazer, de não fazer e de pagar danos morais coletivos, aduzindo, em síntese que: que instaurou inquérito civil em face da reclamada, em decorrência de notícia veiculada na imprensa local dando conta do acidente que vitimou um funcionário daquela em 8 de setembro de 2009; que, dentre outros fatores, o acidente ocorreu por que a vítima laborava em excesso de jornada, além de a reclamada descumprir diversas normas de segurança; que na ocasião foi realizada perícia no local pela Superintendência Regional do Trabalho, a qual apontou irregularidades no ambiente de trabalho.
Assim, colaciona-se abaixo trechos da sentença proferida na referida Ação Civil Pública, cujos fundamentos passo a adotar como razão de decidir (evento '07' - DECMONO5):
'[...]
1. Do acidente que vitimou o empregado Clodoaldo dos Santos
Em demanda individual que tramitou perante este Juízo sob n. 04303-2009-325-09-00-0, em que se discutia direitos dos herdeiros do falecido empregado da reclamada, sr. Clodoaldo dos Santos em face desta, houve conciliação, conforme petição reproduzida às fls. 41 a 43.
Em nenhum momento houve qualquer pronunciamento judicial naquele feito, a respeito de culpa de qualquer das partes envolvidas no evento. A conciliação ali levada a efeito sepultou em definitivo qualquer discussão de mérito. Portanto, tenho por despicienda qualquer tentativa de trazer para este feito as discussões lá travadas, eis que definitivamente acobertadas pela conciliação obtida entre as partes.
2. Do objeto da presente ação civil pública
Em longo arrazoado, o autor discorre sobre o dever da reclamada de garantir um meio ambiente laboral seguro e hígido; de cumprir as normas de segurança do trabalho; de limitar os excessos de jornada; discorre sobre a responsabilidade objetiva da reclamada, sobre o dano moral coletivo, e por fim, postula a antecipação dos efeitos da tutela.
Pretende o autor a condenação da reclamada em obrigações de fazer, não fazer e pagar (indenização por danos morais coletivos), conforme pedidos formulados ás fls. 25 e 26.
[...]
5. Das condições do ambiente de trabalho
Com os olhos postos na realidade, como convém aos que lidam com direitos alheios e tem o poder de sobre eles decidir, o Juízo, antes de analisar a pretensão antecipatória, determinou a constatação das condições atuais do meio ambiente do trabalho na reclamada, o que foi cumprido por um auxiliar do Juízo (CPC, art. 139), e certificado sob as penas da lei e mediante fé pública que tal servidor detém, conforme certidão de fls. 104 e 105 dos autos.
Na certidão de fls. 104/105, o sr. Oficial de Justiça certificou o cumprimento, pela reclamada, de todas as obrigações que foram objeto da determinação judicial consoante despacho de fl. 101, quais sejam:
a) Verificar se já houve a implantação do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT, nos termos da Norma Regulamentadora nº 04 do Ministério do Trabalho;
b) Descrever quem são os profissionais que realizam a manutenção, inspeção, reparos, limpeza, ajuste e outras intervenções que fizerem necessárias nas máquinas e equipamentos localizados na sede da reclamada, indicando seus níveis de capacitação técnica para o desempenho da função, bem como a maneira como executadas as atividades mencionadas;
c) Verificar se a reclamada adota normas rígidas de bloqueio de energia elétrica durante o procedimento de manutenção das máquinas e equipamentos e se procede à sinalização com barreiras físicas no local respectivo.
E ao contrário do sugerido pelo autor, o auxiliar do Juízo não atuou como perito (deste, exige-se conhecimentos técnicos específicos para seu mister) mas sim, cumpriu seu mister de certificar o que encontrou no local conforme determinado pelo Juízo, constatação esta que serviu para embasar a decisão de
antecipação de tutela, e servirá também para fundamentar esta decisão exauriente.
Ressalte-se por oportuno que a constatação levada a efeito pelo auxiliar do Juízo sobrepõe-se à 'perícia' realizada pela Superintendência Regional do Trabalho, esta sim, procedimento meramente administrativo, elaborada sem o crivo do contraditório e sem força vinculativa quanto ao pronunciamento judicial (respeito ao princípio constitucional do devido processo legal). E contra a constatação retratada nos autos pelo auxiliar do Juízo, nenhuma prova foi produzida ou mesmo nenhuma mácula lhe foi atribuída, de modo que se constitui em elemento pleno de convicção do Juízo.
O cerne de toda a discussão está na alegada ausência de observância, pela reclamada, das normas de segurança no ambiente de trabalho.
Contrariando, no entanto, a tese inicial, a constatação efetuada pelo auxiliar do Juízo e corroborada por farta documentação juntada pela reclamada aponta no sentido de que, efetivamente, há observância das normas de segurança e medicina do trabalho.
À fl. 106, consta o registro do SESMET junto ao órgão competente; às fls. 184, 230, 234 e seguintes, constam revisões e vistorias que são feitas com periodicidade curta em equipamentos da reclamada, salientando-se que tais documentos não foram infirmados por nenhuma prova em contrário.
Quanto ao alegado excesso de jornada, que contribuiria para a ocorrência de acidentes de trabalho, além de não comprovada nos autos, há que se considerar que a reclamada mantém acordo de compensação de horas (fl. 170), de modo que tal fundamento não se sustenta.
Quanto à responsabilidade objetiva da ré, também objeto de longa explanação doutrinária pelo autor, nada há a ser considerado, uma vez que não há conduta ilícita a ser reprimida por meio da prestação jurisdicional invocada.
Por certo que o acidente que vitimou o então funcionário da reclamada foi por demais grave, o que também o Juízo lamenta, afinal, a vida humana não pode ser 'comercializada', ou seja, ainda que o dinheiro traga algum conforto para os familiares, a vida ceifada jamais será devolvida, o que torna ainda mais premente a necessidade de zelar pela incolumidade física dos trabalhadores de um modo geral.
[...] (grifo neste transcrito)'
Como bem ressaltado pela Juíza do Trabalho da 2ª Vara de Umuarama/PR, Ester Alves de Lima, 'a constatação efetuada pelo auxiliar do Juízo e corroborada por farta documentação juntada pela reclamada aponta no sentido de que, efetivamente, há observância das normas de segurança e medicina do trabalho'. A propósito, no evento '29', foi juntada a referida constatação efetuada pelo Oficial de Justiça Avaliador Federal (OUT3).
Ademais, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região confirmou a mencionada sentença, asseverando que (evento '07' - ACOR6):
[...]
No caso, não incorreu a Reclamada em conduta ilícita a ser reprimida por meio da prestação jurisdicional invocada.
Por certo que o acidente que vitimou o então funcionário da Reclamada, Sr. Clodoaldo dos Santos, foi por demais grave, o que torna ainda mais necessário zelar pela incolumidade física dos trabalhadores de um modo geral.
No entanto, conforme ressaltado na decisão primeira e naquela que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela, às fl. 112/113, bem assim nos termos acima expostos, não é viável concluir pela culpa da empresa ré, pois todos aqueles requisitos de segurança do meio ambiente laboral estão sendo cumpridos pela Reclamada, inexistindo nos autos elementos que convença do contrário, o que impõe confirmar o entendimento primeiro de improcedência dos pedidos de condenação da Reclamada em obrigação de fazer e de não fazer.
Portanto, tem-se como certo que a r. sentença não merece reforma, ao revés, merece ser prestigiada, uma vez que deu à causa jurídica acertada solução.
[...] - grifo neste transcrito
Diante desse quadro, não é possível afirmar que as orientações quanto aos procedimentos de segurança teriam sido prestadas pela ré USINA COSTA BIOENERGIA de forma inadequada ou insuficiente, de modo a contribuir para a ocorrência do acidente que vitimou Clodoaldo dos Santos.
Analisado o conjunto probatório que se apresenta nos autos, extrai-se que não deve prevalecer a tese da parte autora quanto à responsabilidade da empresa ré.
Em sua defesa, a ré argumenta que a causa do sinistro foi a conduta negligente do empregado que concorreu diretamente para a ocorrência do evento, sendo exclusivamente do vitimado a culpa pelo acidente.
No mesmo sentido, os depoimentos das testemunhas deixaram claro que houve uma conduta inadequada por parte do trabalhador, o qual não deveria estar apoiado sobre a máquina 'rosca sem fim', sem que esta estivesse devidamente desarmada/desenergizada, vale dizer, sem possibilidade alguma de receber corrente elétrica.
Essas informações não foram desconstituídas pelo INSS.
De fato, verifica-se que a conduta inadvertida do empregado foi a que deu causa ao acidente, caracterizando culpa exclusiva da vítima, porquanto a omissão caracterizada por deixar de solicitar a desenergização da máquina 'rosca sem fim' foi escolha sua e ocorreu contra a orientação dada pela empresa, sendo notório que esta lhe fornecera os meios adequados para realizar o serviço ordenado com segurança. Acrescenta-se que há, também, a informação de que o empregado já teria experiência na atividade que praticava antes de entrar na empresa.
Têm-se, portanto, que eventuais inconformidades com as exigências das normas regulamentares quanto à segurança do trabalho não foram determinantes para ocorrência do acidente.
Assim, pelo que consta dos autos, não é possível que se diga que o acidente em questão se deu por negligência da ré ou pela ausência de alguns dos dispositivos de segurança ou treinamentos previstos nas normas próprias, os quais, não restou demonstrado que teriam sido suficientes para impedir o sinistro. Por outro lado, restou claro que a empresa tomou providências para prover a proteção do trabalhador, fornecendo-lhe EPI's e orientação sobre segurança no trabalho (Ficha de Treinamento para novos colaboradores - evento '01' - PROCADM5 - fl. 26 do original).
Nesse sentido, vejam-se os recentes precedentes do TRF da 4ª região:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. NECESSIDADE DE PROVA DA CULPA DA PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTO PROBANTE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. 1. É quinquenal o prazo prescricional da ação regressiva proposta pelo INSS postulando o ressarcimento dos valores pagos ao segurado em razão de acidente de trabalho, conforme previsto no Decreto nº 20.910/32. A prescrição atinge o fundo do direito de ação, ou seja, o próprio direito de regresso postulado pelo INSS. 2. O art. 120 da Lei nº 8.213/91 submete a possibilidade de regresso do INSS à comprovação de que o empregador agiu com negligência em relação às normas de segurança e higiene do trabalho, indicadas para a proteção individual e coletiva. 3. Caso em que o acervo probatório indica a ausência de culpa do empregador, evidenciada a culpa exclusiva do empregado. 4. Sentença reformada para afastar a ocorrência de prescrição e julgar improcedentes os pedidos da peça inicial. (TRF4, AC 5012483-54.2012.404.7001, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 28/01/2014 - grifo neste transcrito)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Nos termos do artigo 120 da Lei n.º 8.213/91, 'nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.' 2. Na espécie, a prova produzida em contraditório judicial foi uníssona quanto à ausência de culpa da requerida, porquanto evidenciada a culpa exclusiva da vítima no acidente de trabalho noticiado. 3. A causa do sinistro foi a conduta imprudente e negligente do empregado, que concorreu diretamente para a ocorrência do evento, sendo exclusivamente da vítima a culpa pelo acidente, uma vez que a decisão pela não utilização dos mecanismos de proteção adequados para a realização do trabalho foi exclusiva sua, inexistindo dúvida de que a empresa lhe fornecera os meios e o treinamento necessário para realizá-lo com segurança sendo, inclusive, reincidente na não-utilização dos equipamentos de proteção individual na execução de seu trabalho. (TRF4, AC 5000292-87.2011.404.7202, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 23/05/2013 - grifo neste transcrito)
Por fim, tendo em vista a alegação do INSS de que o comportamento da ré em firmar acordo com os herdeiros do falecido nos autos sob nº 04303-2009-325-09-00-0 não condiz com aquele que tem certeza de sua inocência, convém ressaltar que a transação judicial homologada na esfera trabalhista não implica reconhecimento de culpa na ocorrência do infortúnio. Deveras, apenas representa a vontade das partes de pôr fim a determinado litígio, mediante concessões recíprocas, ante a dúvida bilateral quanto à procedência do pedido.
Diante disso, destaca-se que, em que pese a judiciosa fundamentação esposada pelo INSS na inicial, no caso concreto, não se vislumbra a possibilidade de responsabilização da empresa ré. Isso porque, cotejando as provas apresentadas pelas partes e sobretudo as declarações dos colegas de trabalho de CLODOALDO DOS SANTOS, colhidas no Inquérito Policial n.º 435/09 (evento '01' - PROCADM1), verifica-se a inexistência de negligência da ré, tampouco fundamentos outros que possam ensejar sua condenação à indenização ora vindicada, de modo que são improcedentes os pedidos formulados neste feito".
Mantenho, pois, a sentença, por seus próprios fundamentos.
Por fim, no intento de evitar eventual oposição de embargos de declaração com a finalidade de interposição de recurso às Cortes Superiores, dou por prequestionados os dispositivos legais e constitucionais mencionados pelas partes e referidos nesta decisão.
Ante o exposto, voto por negar provimento à Apelação.
Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/08/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001968-14.2013.4.04.7004/PR
ORIGEM: PR 50019681420134047004
RELATOR | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Marcus Vinicius Aguiar Macedo |
APELANTE | : | COSTA BIOENERGIA LTDA |
ADVOGADO | : | Dirceu Galdino Cardin |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/08/2015, na seqüência 717, disponibilizada no DE de 24/07/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, RESSALVADO O PONTO DE VISTA DA DES. FEDERA VIVIAN CAMINHA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Destaque da Sessão - Processo Pautado
Ressalva em 03/08/2015 18:19:38 (Gab. Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA)
Acompanho com ressalva do meu entendimento pessoal, no sentido de que é dever do empregador, além de fornecer cursos e equipamentos, fiscalizar o empregado, a fim de assegurar o efetivo cumprimento das normas de segurança e evitar acidentes.
(Magistrado(a): Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA).
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