APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007957-51.2011.4.04.7204/SC
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA |
ADVOGADO | : | CAROLINE MACHADO DE MENEZES |
: | MANOEL TADEU MACHADO DE MENEZES | |
: | CÉSAR TADEU DE MENEZES | |
: | GABRIELA APARECIDA EUZEBIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. INTERESSE DE AGIR. PRESCRIÇÃO. CULPA DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES.
. Comprovado o prejuízo havido pela concessão de benefício previdenciário ao segurado, decorrente de acidente de trabalho, e demonstrada, em tese, a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91;
. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. O prazo prescricional subordina-se ao principio da actio nata: tem início a partir da data em que o credor pode demandar judicialmente a satisfação do direito, ou seja, o termo a quo do prazo prescricional para as ações regressivas ajuizadas pelo INSS, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, é a data do início do pagamento do benefício;
. É dever de a empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada;
. No caso concreto, o conjunto probatório indica que a empresa ré desrespeitou os padrões exigidos pelas normas de segurança do trabalho, o que contribuiu diretamente para a ocorrência do acidente em questão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de setembro de 2015.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7801932v3 e, se solicitado, do código CRC 5DB33DA6. | |
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| Signatário (a): | Cândido Alfredo Silva Leal Junior |
| Data e Hora: | 17/09/2015 18:37 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007957-51.2011.4.04.7204/SC
RELATOR | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
APELANTE | : | MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA |
ADVOGADO | : | CAROLINE MACHADO DE MENEZES |
: | MANOEL TADEU MACHADO DE MENEZES | |
: | CÉSAR TADEU DE MENEZES | |
: | GABRIELA APARECIDA EUZEBIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação regressiva ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, contra MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA, buscando condenação da empresa ao ressarcimento pelas despesas causadas à Previdência Social com o pagamento de benefício acidentário, pensão por morte (NB 145.367.812-0), concedido em decorrência de acidente de trabalho, que resultou no óbito do trabalhador.
Narra que o segurado Samuel Devair Joaquim Vaz Franco, empregado da ré, sofreu acidente de trabalho no dia 20/02/2008. Relata que o trabalhador veio a falecer em razão do desmoronamento da parede frontal de um forno de coque sobre si. Afirma que o acidente foi resultado do descumprimento de normas e padrão de segurança e higiene do trabalho. Sustenta que a culpa da empresa restou comprovada na sentença exarada pela 4ª Vara do Trabalho de Criciuma, nos autos da Reclamatória Trabalhista nº 00035-2009-055-12-00-8, a qual reconheceu culpa da ré para a ocorrência do acidente. Alega afronta às Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, notadamente a NR nº 18.
Citado, o empregador suscitou, preliminarmente, carência de ação e inépcia da inicial. No mérito, negou o descumprimento de normas de segurança, alegando tratar-se de uma fatalidade (Evento 17).
Encerrada a instrução, a ação foi julgada parcialmente procedente pelo Magistrado Paulo Vieira Aveline, enquanto Juiz Federal da 4ª VF de Criciúma, nos seguintes termos (Evento 55):
"III - DISPOSITIVO
Ante o exposto:
(a) rejeito as preliminares suscitadas pela ré;
(b) no mérito propriamente dito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, extinguindo o processo na forma do art. 269, I, do CPC, a fim de condenar a ré a ressarcir ao autor INSS os valores pagos em razão da concessão da pensão por morte (NB 1453678120) de Samuel Devair Joaquim Vaz Franco aos seus dependentes previdenciários, até a cessação do benefício por uma das causas legais.
Considerando que o INSS decaiu minimamente de sua pretensão, deve ser aplicada a regra estampada no art. 21, § único, do CPC, razão pela qual condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios que, com base no art. 20, §§ 3º e 4º, também do CPC, fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), atualizáveis a partir da presente data pelo IPCA-E, considerando a relativamente rápida tramitação da demanda, o elevado grau de diligência e zelo dos patronos do autor, a razoável complexidade da causa e a necessidade de dilação probatória.
Na atualização dos valores da condenação deve-se observar a incidência de: a) correção monetária pelo IPCA-E desde o desembolso de cada parcela dos benefícios (STJ, Súmula nº 43) até o efetivo pagamento; b) juros de mora de 1% ao mês para as parcelas que vencerem até a liquidação (CC, artigo 406; CTN, artigo 161, § 1º) desde a citação (Código Civil, artigo 405); c) com relação às prestações que vencerem após a liquidação, correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora de mora de 1% ao mês desde a data em que o INSS efetuar o pagamento até o efetivo reembolso pelos réus.
Por ausência de previsão legal, descabe a cominação de multa diária de 1% (um por cento) no caso de atraso".
Em suas razões recursais, a empresa ré, suscita, preliminarmente, a carência de ação, por falta de interesse de agir. No mérito, reitera a tese de prescrição da pretensão do autor e nega tenha havido descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho (Evento 60).
Com contrarrazões (Evento 65), subiram os autos para julgamento.
É o relatório. Inclua-se em pauta.
VOTO
a) Carência de ação - interesse de agir
Comprovado o prejuízo havido pela concessão de benefício previdenciário ao segurado, decorrente de acidente de trabalho, e demonstrada, em tese, a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91 (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006349-48.2011.404.7000, 4ª TURMA, Juiz Federal MARCELO MALUCELLI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/08/2014; TRF4, REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 2003.72.03.000971-2, 4ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, D.E. 10/09/2010, PUBLICAÇÃO EM 13/09/2010).
Considerando o conjunto probatório dos autos, não há falar em ausência de interesse de agir.
b) Prescrição
O recurso trata, também, sobre a prescrição da pretensão regressiva do INSS nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, atinentes à organização e segurança do trabalho.
Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o prazo quinquenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004919-41.2014.404.7102, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/03/2015).
O prazo prescricional subordina-se ao principio da actio nata: tem início a partir da data em que o credor pode demandar judicialmente a satisfação do direito, ou seja, o termo a quo do prazo prescricional para as ações regressivas ajuizadas pelo INSS, com base no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, é a data do início do pagamento do benefício (no caso, a data de início de pagamento do benefício pensão por morte NB 145.367.812-0 é 26/02/2008).
Considerando que a ação foi ajuizada em 10/11/2011, não há falar em prescrição.
c) Culpa da empresa
A ré MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA nega ter havido negligência por parte da empresa, alegando tratar-se de uma fatalidade. Rechaça ter havido descumprimento de normas de segurança do trabalho relativas à gestão de segurança e saúde do trabalho.
Contudo, examinados os autos e as alegações das partes, fico convencido do acerto da sentença de procedência. O juízo de origem está mais próximo das partes e dos fatos, devendo ser prestigiada sua apreciação da causa, não existindo nos autos situação que justificasse alteração do que foi decidido.
É dever de a empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada.
O conjunto probatório indica que a empresa ré desrespeitou os padrões exigidos pelas normas de segurança do trabalho, o que contribuiu diretamente para a ocorrência do acidente em questão.
De acordo com a sentença prolatada nos autos da Reclamatória Trabalhista nº 00035-2009-055-12-00-8, pela 4ª Vara do Trabalho de Criciúma, não obstante as alegações da reclamada quanto a manutenção dos fornos e da existência de equipe de segurança, não restam dúvidas de que o acidente decorre da precária manutenção das paredes dos fornos onde o empregado trabalhava (PROCADM8 - Evento 1).
Segue, "a restauração antes da realização da perícia técnica teve por finalidade ocultar a real causa do acidente, ou seja, a precária manutenção do forno onde o de cujus trabalhou" (PROCADM8 - Evento 1).
Nos termos do voto do RO 00035-2009-055-12-00-8, proferido pelo pela 1ª Câmara do TRT12, "se o acidente ocorreu com o desmoronamento da parede do forno, revelando defeito estrutural na edificação, obviamente isso não foi obra do acaso, tendo a reclamada em alguma medida descuidado na construção ou na manutenção do equipamento" (PROCADM9 - Evento 1).
Conclui, "não cumpriu, assim, a empregadora, o disposto nos arts. 157, inc. I, da CLT e 7º, XXII, da CF, zelando pelo ambiente de trabalho sadio e atuando com eficácia na redução dos riscos inerentes ao trabalho" (PROCADM9 - Evento 1).
Comprovada a existência de culpa do empregador, cabe a este ressarcir à Previdência Social pelos valores despendidos com o pagamento do benefício acidentário, até a data de sua cessação (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5014252-71.2010.404.7000, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/02/2015).
Por essas razões, nego provimento ao recurso da ré MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA.
d) Conclusão
Dito isso, em relação às questões preliminares e de mérito, mantenho e adoto como razões de decidir a sentença proferida pelo Magistrado Paulo Vieira Aveline, enquanto Juíza Federal da 4ª VF de Criciúma, transcrevendo-a e adotando-a como razão de decidir, nestes termos:
"II - FUNDAMENTAÇÃO
DA CARÊNCIA DE AÇÃO
Postula a ré o reconhecimento da carência de ação. No entanto, a tal título, expende considerações acerca da culpa, o que, à evidência, diz com o mérito, razão por que vai afastada a preliminar invocada.
DA ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL
A higidez da petição inicial deve levar em consideração, sobretudo, os ditames dos artigos 282 e 283 do CPC, vale dizer, impõe-se à parte, ao instrumentalizar a demanda, o cumprimento dos requisitos ali elencados (conteúdo positivo). Por outro lado, não deve a petição incorrer nas hipóteses estabelecidas no art. 295 do CPC (conteúdo negativo), pelo que, impor-se-ia o juízo de inadmissibilidade da demanda.
A petição inicial do INSS não apresenta qualquer mácula que venha a ensejar o seu pronto indeferimento, de sorte que afasto a prefacial.
PREJUDICIAL DO MÉRITO - PRESCRIÇÃO
Invoca a defesa a prejudicial da prescrição. Sem razão, contudo.
Isso porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua Segunda Seção, firmou o entendimento de que o prazo prescricional em demandas regressivas como a presente é quinquenal, por força do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
É o que se observa da seguinte ementa:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE VALORES PAGOS PELO INSS A TÍTULO DE AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Tratando-se de pedido de ressarcimento de valores pagos pelo INSS a título de auxílio-doença acidentário concedido a empregado, quanto à prescrição, é aplicável ao caso, pelo princípio da simetria, o disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32 (prescrição quinquenal). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Nulidade da sentença, afastando-se a prescrição, e determinado o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito, com produção probatória, para que seja aferido se a hipótese dos autos (doença ocupacional) está albergada na previsão legal de direito de regresso, nos termos dos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91.
(TRF4, EINF 5006331-06.2011.404.7201, Segunda Seção, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 15/10/2012)
Assim, considerando que o evento que resultou no acidente de trabalho ocorreu em 20/02/2008 (mesma data do início do benefício) e o ajuizamento da causa em 10/11/2011, não há prescrição a ser reconhecida.
MÉRITO
O núcleo da lide reside em aferir se a sociedade empresária Mineração Caravaggio Ltda. foi negligente quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, de modo a atrair a responsabilização pelo acidente ocorrido em 20/02/2008, tal como preconiza o art. 120 da LBPS.
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LBPS
O INSS postula a condenação da ré a lhe ressarcir os valores que vem despendendo a título de pensão por morte decorrentes da alegada culpa da empregadora quando do evento ocorrido em 20 de fevereiro de 2008, em que teria sido negligente no que diz com a proteção do seu trabalhador.
A ação não veicula pedido de índole exclusivamente patrimonial com enquadramento vincado aos estreitos cânones da legislação civilista. A leitura mais consentânea com a atual quadra jurídico-constitucional empresta-lhe dimensão mais abrangente, com repercussões também na proteção constitucional do meio ambiente do trabalho.
De fato, deve-se partir de perspectiva de que o meio ambiente do trabalho insere-se como bem jurídico de primeira grandeza, pois compreende diversos valores que conformam o seu conteúdo plurívoco, como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho e a função social da empresa.
O caráter ambiental, aliás, não pode ser olvidado, pois conforme ensina José Afonso da Silva 'É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do ambiente, nele compreendido o do trabalho.' (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 23). Assim, à luz do que dispõe o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, que versa sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, entende-se por 'meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.'.
Tal a razão para a precisa advertência de Édis Milaré:
Para o Direito brasileiro, portanto, são elementos do meio ambiente, além daqueles tradicionais, como o ar, a água e o solo, também a biosfera, esta com claro conteúdo relacional (e, por isso mesmo, flexível). Temos, em todos eles, a representação do meio ambiente natural. Além disso, vamos encontrar uma série de bens culturais e históricos, que também se inserem entre os recursos ambientais, como meio ambiente artificial ou humano, integrado ou associado ao patrimônio ambiental. O Direito Ambiental se preocupa com todos esses bens, sejam eles naturais ou não. Abarca ele não só o meio ambiente natural, a saber as condições físicas da terra, da água e do ar, mas também o meio ambiente humano, isto é, as condições produzidas pelo homem e que afetam sua existência no Planeta.'.
(MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2005. p. 105).
Constata-se assim que a causa envolve matéria de inegável relevo constitucional. A partir disso, o papel imposto ao intérprete e aplicador do Direito deve levar em conta alguns aspectos para uma decisão calcada em ampla legitimidade não só jurídica, mas também político-social.
Nesse sentido, diante mesmo do caráter transversal do Direito Ambiental, com nítido contorno interdisciplinar, a solução judicial a ser adotada deve também ter como escopo e critério de legitimação a dimensão social e política da jurisdição, ou seja, a busca da consagração de uma democracia material. Esse é o papel proeminente do Poder Judiciário, vale dizer, a partir do caso que lhe é submetido a julgamento, deve mostrar-se espaço garantidor dos valores hauridos da Constituição Federal, assegurando, como força contramajoritária, a efetiva fruição da 'compreensão unitária dos direitos fundamentais', como bem destacou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto proferido no RE 633703 (Informativo STF nº 620 - 21 a 25 de março de 2011):
Modernamente, a compreensão unitária dos direitos fundamentais decorre do pluralismo da democracia material contemporânea. A incindibilidade dos direitos fundamentais e a inexistência de diferenças estruturais entre os variados tipos de direitos determinam a superação dos modelos teóricos embasados na separação estanque entre as esferas dos direitos sociais (positivos ou prestacionais) e dos direitos de liberdade (negativos), afirmando-se a aplicabilidade imediata de todas as normas constitucionais, a partir da unidade de sentido dos direitos fundamentais. A diferença entre direitos negativos e direitos positivos é meramente de grau, uma vez que em ambos há expectativas negativas e positivas.
(STF , RE nº 633703, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO, DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-02628-01 PP-00065).
Essa concepção unitária permeia a atividade do intérprete e, mais do que isso, adstringe o seu labor hermenêutico a fim de que se conciliem os valores em jogo.
Essa tarefa não pode ser neutra ou descompromissada, jamais poderá apresentar resultados que nulifiquem valores constitucionais. Ao contrário, deve buscar assegurar a máxima eficácia de cada qual, em relação de precedência condicionada de acordo com o caso concreto.
O Juiz Federal Jairo Gilberto Schäfer destaca:
A hermenêutica jurídico-constitucional deve pressupor a idéia de que a Constituição é um sistema aberto: conjunto interligado de princípios e regras que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência, de modo a evitar contradições entre as suas disposições, conferindo-se a máxima eficácia aos direitos fundamentais. (...) as particularidades existentes entre os diversos direitos não devem ser concebidas como excludentes, mas como complementares à efetivação da dignidade humana, percebendo-se entre as duas categorias de direitos uma implicação recíproca: a garantia dos direitos de liberdade é condição para que as prestações sociais do Estado possam ser objeto de direito individual; a garantia dos direitos sociais é condição para o bom funcionamento da democracia, bem como para um efetivo exercício das liberdades civis e políticas. Esta complementaridade entre os direitos decorre daquilo que HABERLE denomina tríade constitucional, na qual se embasam os direitos fundamentais (especialmente os direitos sociais), a saber: a) princípio da dignidade humana; b) princípio democrático; c) compreensão (cultural e socialmente integrante) da Constituição.
(SCHÄFER, Jairo Gilberto. Classificação dos Direitos Fundamentais: do sistema geracional ao sistema unitário - uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 64-65).
Essa digressão é necessária, pois o que se tem presente é uma colisão aparente entre valores e bens constitucionalmente consagrados e de dimensões (gerações) distintas: de um lado, a livre iniciativa e a atuação apenas subsidiária do Estado neste campo (art. 174, caput, CF); de outro, o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, CF), a exigir a consecução de prestações materiais pelo ente estatal.
O atual momento jurídico, inequivocamente passa por um processo indutivo e sistemático do reconhecimento de que a proteção e a promoção do ambiente é tarefa a todos dirigida, órgãos estatais e sociedade civil, decorrentes do comando constitucional insculpido no art. 225 da CF, que impõe inclusive um compromisso de solidariedade para com as gerações futuras (intergeracional).
Insere-se nesse contexto a dignidade da pessoa humana como valor-fonte, que compendia a unidade material da Constituição de 1988. Essa dignidade, todavia, não pode ser vista, modernamente, senão também em sua dimensão ecológica. Trata-se de idéia-síntese que vem sendo defendida por Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, que em primoroso trabalho esclarecem:
Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no contexto constitucional contemporâneo, consolida-se a formação de uma dimensão ecológica - inclusiva - da dignidade humana, que abrange a ideia de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna, saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos. Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo essencial. A qualidade (e segurança) ambiental, com base em tais considerações, passaria a figurar como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante completo de bem-estar existencial. Não se pode conceber a vida - com dignidade e saúde - sem um ambiente natural saudável e equilibrado. A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural. De tal sorte, o próprio conceito de vida hoje se desenvolve para além de uma concepção estritamente biológica ou física, uma vez que os adjetivos 'digna' e 'saudável' acabam por implicar um conceito mais amplo, que guarda sintonia com a noção de um pleno desenvolvimento da personalidade humana, para o qual a qualidade do ambiente passa a ser um componente nuclear.
(SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 40-1).
A partir desta análise, estes autores também defendem o reconhecimento de um 'Estado Socioambiental de Direito', a confluir para um marco jurídico-constitucional que resulte 'na convergência necessária da tutela dos direitos sociais e dos direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.' (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 93-5).
É a partir da centralidade da pessoa humana - e mais modernamente de sua dimensão ecológica -, inclusive, que o Código Civil vigente não desconsidera a existência de uma 'despatrimonialização' ou mesmo 'publicização' do Direito Civil em prol de uma ordem normativa que tenha na pessoa, individuada, de origem kantiana, a centralidade das atenções do intérprete/aplicador (Direito Civil Constitucional).
Esse quadro importa numa mudança de paradigma do Direito com desdobramentos na hermenêutica. Paradigma este que também decorre de novos princípios materializados na socialidade, eticidade, operabilidade e na boa-fé objetiva.
Sobre o tema é importante recordar as lições de Francisco Amaral:
Os novos princípios do Código Civil são o da socialidade, que limita o exercício dos direitos subjetivos, o da eticidade, que privilegia os critérios ético-jurídicos em detrimento dos tradicionais lógico-formais, no processo de construção ou concreção jurídica, e o da operabilidade, um princípio metodológico da realização do direito, que recomenda tenha-se em vista mais o ser humano in concreto, situado, do que o sujeito in abstrato, próprio do direito liberal da modernidade (século XIV e XX). E no campo do negócio jurídico, o princípio da boa-fé objetiva como regra de interpretação das manifestações de autonomia privada.
(AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. prefácio à 5ª edição).
Buscam os referidos princípios a assegurar a normatividade da Constituição, o prestígio dos direitos fundamentais e a necessária adoção de uma (nova) hermenêutica, que não se coaduna mais com um sistema positivado hermético e fechado (axiomático-dedutivo), mas que parta do caso concreto, amparado a um pluralismo metodológico de interpretação/aplicação, ciente do processo dialógico que consubstancia essa nova concepção.
Fenômeno análogo não poderia deixar de ocorrer no seio da ordem econômica. É que, igualmente, o exercício da empresa se dá no esteio de uma ordem jurídica que, como explicita o art. 170, caput, da CF, tem dentre os seus fundamentos 'a valorização do trabalho humano', buscando assegurar a todos 'existência digna', 'conforme os ditames da justiça social'. Esta mesma ordem econômica tem como um dos seus princípios gerais a 'defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação' (art. 170, VI, CF).
Quando se reconhece na atual quadra constitucional a normatividade das normas programáticas, o que se tem, extreme de dúvidas, são compromissos estabelecidos pelo legislador constituinte direcionados para o Estado e para a sociedade. Não é mais adequado entender a ordem pública e ordem privada como compartimentos estanques, mormente porque não se desconhece que o mercado, em que atores econômicos assumem o papel principal, não é senão uma instituição jurídica, tal como ensina Eros Roberto Grau (A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008).
Assim, quando se enuncia que a dignidade da pessoa humana - e sua dimensão ecológica - e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV, CF) são fundamentos da República Federativa do Brasil, não se pode concluir seja comando endereçado tão-só ao Estado brasileiro, pois o mercado (art. 219 da CF) inarredavelmente encontra-se igualmente sujeito ao 'plano de ação global normativo' que a Constituição Federal e o bloco de constitucionalidade que a compõe, consagram (STF, ADI 1950, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 02-06-2006).
É bem verdade que a autonomia de vontade mostra-se como espaço que deve ser preservado, pois integra a própria noção de liberdade jurídica, isto é, a possibilidade do sujeito de direito atuar com eficácia jurídica. Disso não se conclua, entretanto, tratar-se de espaço imune aos valores jurídicos vigentes, corolário, aqui, da dimensão objetiva dos direitos fundamentais (eficácia horizontal). A concepção de que aos particulares tudo lhes é permitido desde que inexistente norma em sentido contrário, deve ser lida com o cuidado necessário. Essa interpretação evidencia um campo jurídico-social que não se mostra inteiramente adequado aos tempos atuais. Imaginar-se um sujeito de direito que no exercício da liberdade contratual, da liberdade associativa ou mesmo na empresa possa derruir uma ordem jurídica calcada em valores, própria do pós-positivismo, é permitir espaço ao arbítrio. Tal postura desconsideraria a realidade social, econômica e política desta quadra a história, ou seja, uma sociedade de massa, uma sociedade de risco, tal como enuncia Ulrich Beck.
Mais uma vez, deve-se ter presente a advertência de Francisco Amaral, acerca da importância da funcionalização dos institutos jurídicos a fim de que seja efetivada a justiça social inserta no já mencionado art. 170, caput, da CF:
A funcionalização dos institutos jurídicos significa que o direito em particular e a sociedade em geral começam a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no tocante ao controle ou disciplina social, mas também no que diz respeito à organização e direção da sociedade, abandonando-se a costumeira função repressiva tradicionalmente atribuída ao direito, em favor de novas funções, de natureza distributiva, promocional e inovadora, principalmente na relação do direito com a economia. Surge, assim, o conceito de função no direito, ou melhor, dos institutos jurídicos, inicialmente em matéria de propriedade e, depois, de contrato. Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais. O que se pretende, enfim, é a realização da justiça social, sem prejuízo da liberdade da pessoa humana. É precisamente com esse entendimento que a autonomia privada pode e deve direcionar-se. A ideia de justiça que se realiza na dimensão comutativa, entre particulares, iguais nos seus direitos, e distributiva, entre esses e o Estado, aparece agora com nova dimensão, a justiça social, que se insere em uma outra categoria, a justiça geral, que diz respeito aos deveres das pessoas em relação à sociedade, superando-se o individualismo jurídico em favor dos interesses comunitários e corrigindo-se os excessos da autonomia de vontade dos primórdios do liberalismo e do capitalismo. O direito é, assim, chamado a exercer uma função corretora e de equilíbrio dos interesses dos vários setores da sociedade, para o que limita, em maior ou menor grau de intensidade, o poder jurídico do sujeito, mas sem desconsiderá-lo, já que ele é, em última análise, o substrato político-jurídico do sistema em vigor nas sociedades democráticas e desenvolvidas do mundo contemporâneo que se caracterizam, precisamente, pela conjunção da liberdade individual com a justiça social e a racionalidade econômica.' (AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 364).
É evidente que não se está a desconsiderar que os agentes econômicos atuem embasados em ética própria. Tanto o é, que o próprio ordenamento sobre eles projeta um regime jurídico diferenciado (Direito Empresarial). A perquirição do lucro, por óbvio, não traz ínsita qualquer conduta moralmente e juridicamente questionável, desde que se realize nos termos de uma ética mínima, que o sistema jurídico pretende tutelar.
Em outras palavras, a leitura que se há de fazer a partir de todas as perspectivas já colacionadas, busca combater excessos, condutas desarrazoadas, desproporcionais que atinjam ou se mostrem capazes de atingir os valores mais caros à carta de princípios insculpidos na Constituição de 1988. A dignidade da pessoa humana, aqui, com sua dimensão ecológica, mostra-se como seu valor-síntese, conferindo-lhe unidade material (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006). Neste contexto, deve-se construir a solução justa a partir de um contrabalanceamento entre valores, sem os nulificar em sua essência.
Neste caso em particular, a temática também desborda na própria economia, pois as escolhas decisórias neste âmbito de imputação de responsabilidade naturalmente vão repercutir na vida das empresas, especialmente daquelas que operam em atividade de maior risco. Desde logo, adianta-se que a repercussão econômica da imputação de responsabilidade - fato que não se ignora - por fatos graves ocorridos por negligência e que ceifam a vida e a saúde de trabalhadores e exigem aporte substancial de recursos da sociedade para cobrir prestações previdenciárias, não justifica a negativa do ressarcimento apenas por argumentos de ordem econômica.
Na outra ponta da problemática apontada, em viés mais detidamente econômico-financeiro, tem-se o Poder Público e seu esforço contínuo na concreção de um sistema previdenciário que preserve seu equilíbrio atuarial. Neste particular, notícia recente publicada no Jornal Valor Econômico (edição de 14/01/2013), assinada por Luciano Máximo, mostra o reflexo das patologias decorrentes do ambiente de trabalho para os cofres públicos.
Doenças do trabalho oneram mais o INSS
por Luciano Máximo | De São Paulo
Nos últimos três anos, a média de gastos da Previdência Social com problemas de saúde gerados no próprio ambiente de trabalho cresceu acima das despesas com os afastamentos previdenciários gerais. O elevado número de registros de doenças mentais que podem ser associadas a um cotidiano profissional insalubre, como estresse, depressão, transtornos de ansiedade, síndrome do pânico e até dependência de drogas e álcool, é um indicativo para a expansão mais firme das despesas com os chamados benefícios acidentários - quando um trabalhador é afastado por causa de doença comprovadamente adquirida em função do emprego ou acidente sofrido durante a jornada de trabalho.
Segundo o Ministério da Previdência Social, o pagamento de benefícios de afastamentos previdenciários (por causa de doença adquirida ou acidente sofrido sem relação direta com o emprego) registrou elevação anual média de 7,5% entre 2008 e 2011, para R$ 13,47 bilhões - de janeiro a novembro de 2012, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) desembolsou R$ 13,69 bilhões com essas obrigações. Já os gastos com auxílios-doença acidentários passaram de R$ 1,51 bilhão em 2008 para R$ 2,11 bilhões em 2011, apontando crescimento médio anual de 12% - no acumulado de 2012, até novembro, o valor pago chega a R$ 2,02 bilhões.
Os casos de aposentadoria por invalidez (por motivações diversas) também têm crescido dois dígitos. Entre janeiro e novembro de 2012, o INSS bancou R$ 30,86 bilhões para apoiar profissionais que nunca mais poderão exercer suas atividades normalmente.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a jornada semanal média dos trabalhadores brasileiros não aumentou ao longo desses quatro anos, mantendo-se em 39,9 horas semanais. Para o pesquisador Eric Calderoni, doutor em psicologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Columbia University, de Nova York, a rotina do trabalhador é que se tornou mais estressante.
Sofrimento no ambiente profissional não é só ritmo e tempo, mas sobretudo organização do trabalho: ordens contraditórias, assédio, metas, questões éticas, autonomia, senso de dever bem cumprido, estabilidade no emprego, clima', pondera Calderoni.
Os auxílios-doença, previdenciários e acidentários, concedidos a trabalhadores por causa de depressão ou transtornos depressivos recorrentes cresceram a uma média de 5% nos últimos cinco anos, superando 82 mil ocorrências anuais. Esse quadro preocupa o governo e tem mobilizado sindicatos e empresas a criar novas práticas laborais com o objetivo de evitar as chamadas doenças da modernidade.
Em resposta a questionamentos da reportagem, a área técnica do Ministério da Previdência Social reconhece que o problema 'chama atenção de formuladores de políticas públicas' e informa que tem feito estudos e avaliações sobre a evolução desses números a fim de investir em processos preventivos. Para o ministério, os últimos anos desfavoráveis para a economia global e de baixo crescimento interno impactaram negativamente a saúde do trabalhador.
A médica do trabalho Maria Maeno, diretora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), entidade ligada ao Ministério do Trabalho, concorda com a visão governamental, mas avalia que respostas de empresas e governos para enfrentar a situação são ineficazes. 'Não há política bem definida de reabilitação profissional que coloque pessoas de volta no mercado, o que explica maiores gastos com benefícios. Também não há espaços dentro das empresas para analisar a condição do trabalhador e eventualmente encaminhar o tratamento do problema ou mudá-lo de área', diz Maeno.
Ela acrescenta ainda que há um grupo de acidentados que não consegue o benefício do INSS e acaba perdendo o emprego. O Ministério da Previdência informou que em 2013 vai reformular o Programa de Reabilitação Profissional (PRP), com a implantação de ações-piloto em diferentes setores.
Maria Maeno também pondera que o Sistema Único de Saúde (SUS), para onde vai a maior parte dos trabalhadores acidentados, e a perícia médica do INSS, responsável pelo diagnóstico que determinará o benefício previdenciário, sofrem de falta de empenho na resolução de casos. 'O ideal é o SUS trabalhar de forma preventiva, cumprindo o papel de vigilante das condições de saúde no ambiente de trabalho', sugere a médica, para quem o problema central é estrutural.
Principalmente para minimizar transtornos mentais, Estado e capital privado não incorporaram o ser humano dentro da equação de sustentabilidade. Diante da competitividade exacerbada, falta de solidariedade - uma vez que cada um quer salvar seu emprego - e ameaças de enxugamento e demissão, é preciso pensar no desenvolvimento do trabalhador enquanto cidadão, deixar de lado a visão economicista excessiva', opina Maria.
Ela cita o exemplo das 'práticas' recentemente acordadas por empresas, sindicatos e governo para melhorar a qualidade de vida do cortador de cana: 'Determinam que o trabalhador precisa se hidratar e fazer ginástica laboral. Alguém precisa me falar que eu preciso tomar água? Que fundamento científico atesta que a ginástica laboral vai diminuir a penosidade do trabalho do cortador. Não me parece algo sério', critica a médica.
Outro setor onde as discussões sobre saúde no trabalho são bastante acaloradas é o bancário. Sindicalistas reclamam, principalmente, das cobranças por metas exageradas, constrangimentos e atitudes autoritárias de superiores e associam esses problemas ao desenvolvimento de mazelas por parte dos trabalhadores, com ênfase aos transtornos mentais, como estresse e depressão.
Walcir Previtale, secretário nacional de saúde do trabalhador da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores (Contraf-CUT), conta que questões ligadas à saúde e às pressões psicológicas no ambiente de trabalho têm ganho cada vez mais espaço na pauta de reivindicações sindicais no setor financeiro. Em 2012, bancários e banqueiros entraram em acordo para incluir três itens sobre saúde e segurança do trabalho no dissídio coletivo da categoria. Um deles garante antecipação salarial se o trabalhador precisar se afastar. Os outros dois sistematizam procedimentos para dar mais agilidade no encaminhamento de acidentes de trabalho.
'Leva tempo para o profissional receber o benefício do INSS, tem que agendar a perícia e esperar o resultado. Nesse ínterim ele continuará recebendo do banco e quando os benefícios começarem a entrar, ele devolve o valor à empresa', explica Previtale.
Magnus Ribas, diretor de relações do trabalho da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pondera que é 'cientificamente' difícil estabelecer correlação entre doenças mentais e trabalho e que o setor bancário é o único que fornece plano de saúde para seus mais de 500 mil trabalhadores e familiares. Segundo ele, recentemente os dez maiores bancos brasileiros criaram uma comissão para tratar da saúde laboral. O objetivo é criar 20 diretrizes para melhorar a qualidade de vida no trabalho.
Sobre o problema relacionado a pressões e constrangimentos nas agências, o executivo conta que os maiores bancos do país criaram uma espécie de 'disque-denúncia', um canal de comunicação do bancário com uma área neutra do departamento de recursos humanos ou da ouvidoria para o registro anonimamente ocorrências. De acordo com levantamento da Febraban, no primeiro semestre de 2012 foram registradas 132 denúncias de bancários.
Destaca-se, portanto, que as premissas aqui lançadas não se revestem de caráter apenas teórico. Estabelecem, na verdade, valores que devem nortear a interpretação da legislação infraconstitucional a partir do que dispõe a Constituição. Nesse contexto, afirma-se inequívoca, em meu singelo juízo, a constitucionalidade do art. 120 da LBPS.
Pretensão regressiva
A pretensão regressiva encontra amparo no artigo 120 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Tal direito se fundamenta no fato de que, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei de Benefícios, a 'empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador'.
Assim, caso não adote as precauções recomendadas e o empregado venha a se acidentar no exercício de suas funções em razão disso, a sociedade empresária ou o empresário individual poderão ser compelidos a indenizar o INSS pelas despesas que esta tiver com o segurado acidentado ou com os seus dependentes.
Não se trata de incongruência sistêmica. É que, além da responsabilidade civil comum, os empregadores estão sujeitos à responsabilização para com a Previdência Social na hipótese de culpa ou dolo, pois para as empresas a prevenção deve representar um custo menor do que a reparação do sinistro, a fim de que sejam tomadas todas as medidas para a redução dos acidentes.
Registre-se, ainda, que é inconsistente juridicamente o argumento de que, por ser contribuinte da exação vertida ao SAT, a empregadora estaria sujeita a um 'verdadeiro 'bis in idem''. Não é disso que se trata, evidentemente. A relação jurídico-tributária apresenta contornos e fundamentação próprios. Sem embargo, a prestação pecuniária compulsória exigida do contribuinte é expressão do poder fiscal estatal, no exercício de sua soberania.
A proteção previdenciária em caso de acidente de trabalho rege-se pela teoria do risco social ou integral, independentemente da existência de dolo ou culpa do empregador ou do empregado, a teor do disposto no art. 7º, XXXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 19 e seguintes da Lei nº 8.213/91. Uma vez comprovado que o acidente se deu no exercício do trabalho e a serviço da empresa, assiste ao segurado, ou a seus dependentes, em caso de óbito, o direito de receber o benefício previdenciário correspondente, sem perquirição acerca do dolo ou culpa.
A contribuição em análise é espécie tributária destinada a propiciar que a receita derivada arrecadada permita ao Estado dar concretude aos inúmeros compromissos que a Ordem Social (Título VIII) e, mais especificamente, a Seguridade Social, estabelecem, dentre os quais: assegurar os meios indispensáveis de manutenção do trabalhador em virtude de infortúnio decorrente de acidente laboral. Para tanto, o constituinte previu a figura de um seguro contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, CF), cuja conformação dada pelo legislador atribuiu-lhe feição pública, gerindo-o o INSS.
Disso não se conclua que a contribuição recolhida exclua qualquer responsabilização futura nesse campo. É que, a contribuição ao SAT possui a finalidade - nota distintiva da espécie tributária em comento - de carrear ao seguro público numerário suficiente a fazer frente às demandas havidas dos benefícios acidentários pagos aos segurados da Previdência Social. Vale dizer, a contribuição ao SAT pode ser considerada similar a prêmio vertido ao seguro público destinado a amparar os segurados que, no exercício da atividade laboral, venham a sofrer acidente que os afastem, temporariamente ou definitivamente, do mercado de trabalho.
Isso, entretanto, não alberga a hipótese em que o responsável age com 'negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva'.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTES. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA. INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE VALORES. . O instituidor da pensão era empregado na primeira empresa e estava trabalhando para a segunda empresa, o que implementa a legitimidade passiva em ação para discussão sobre relação jurídica concernente à responsabilidade civil estabelecida entre o INSS e as pessoas jurídicas demandadas. . Culpa das rés evidenciada, em relação à primeira, pela ausência de fornecimento do EPI e materiais adequados para realização do trabalho e fiscalização de sua utilização; em relação à segunda, pela negligência em zelar pela realização do trabalho dentro das normas de segurança. O fato de o empregador pagar aos cofres públicos contribuição destinada ao seguro de acidente do trabalho SAT, não o exime da responsabilidade nos casos em que o sinistro decorra de inobservância de normas de higiene e segurança do trabalho.
(TRF4, AC 5002833-24.2010.404.7204, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 13/05/2011)
A responsabilização com fulcro no art. 120 da LBPS, ao revés, exigindo a presença da culpa do empregador, vai mais além, pois busca afastar condutas omissivas ou desidiosas no âmbito empresarial que venham a solapar a integridade do trabalhador (favor debilis) no âmbito da sua saúde ocupacional.
Insere-se, portanto, no dever de proteção (status positivus) do Estado, calcado na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, de sorte a impor a adoção de medidas administrativas ou legislativas, o estabelecimento de políticas públicas. Enfim, ações necessárias para a concreção no mundo dos fatos de condições mínimas que, no meio ambiente do trabalho, possibilitem a quem quer que seja o livre desenvolvimento de suas aptidões, capacidade, de modo a assegurar a sua autodeterminação, presente a pluralidade de concepções de modo de vida.
O acidente de trabalho, nesta perspectiva, sem dúvida, é fator a ser combatido, mitigado com o permanente controle, com enfoque na prevenção e precaução, pelos inegáveis efeitos deletérios que acarreta no seio familiar e social, e, mais que isso, na vítima em si mesma considerada.
A realidade sociológica da região de Criciúma, notabilizada pela atividade econômica do carvão mineral, apresenta índices alarmantes de acidentes de trabalho, inclusive colocando este município dentre os recordistas nacionais em benefícios acidentários. Esta constatação confirma a necessidade de ampla articulação de políticas públicas e privadas preventivas e de cautelas especiais para a mitigação e correto gerenciamento dos riscos da atividade.
A relação jurídico-tributária e a relação civil decorrente da negligência prevista no artigo 120 da LBPS possuem campos de atuação distintos, pois os suportes fáticos abstratos previstos, embora com origem comum (acidente de trabalho), possuem fatos imponíveis diversos (acidente sem e com negligência por parte do empregador).
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região também não acolhe a tese do 'bis in idem'. Cite-se, como exemplo, a seguinte decisão:
PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MOLÉSTIA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO inss CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO inss EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO INSS E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR AFASTADAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. PEDIDO DE ABATIMENTO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO - SAT. IMPROCEDÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELOS DESPROVIDOS. 1. Não há falar em imprescritibilidade da ação regressiva acidentária, sendo-lhe inaplicável o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, uma vez que 'considerando que a pretensão do INSS é de regresso na condição de segurador, a lide é de natureza civil, pelo que seria inaplicável o art. 37, § 5º, da CF/88, já que a autarquia atua para se ressarcir de indenização/benefício que pagou' (AC nº 0004226-49.2008.404.7201/SC, Rel. Des. Federal Marga Barth Tessler, 4ª T., j. 09-02-2011, un., DJ 17-02-2011). 2. Não prospera a preliminar de falta de interesse de agir da autarquia aventada pela parte ré no caso. É inquestionável a existência de interesse processual do INSS na propositura da presente demanda, visando a ressarcir-se dos valores despendidos com o pagamento do benefício previdenciário (auxílio-doença por acidente de trabalho) no caso. 3. A preliminar de ilegitimidade ativa do INSS, aventada pelo réu, não merece guarida. A presente ação encontra previsão legal expressa nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 4. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91. 5. Hipótese em que o laudo pericial elaborado no caso e a prova testemunhal produzida demonstraram o descumprimento, pelo demandado, de normas de segurança no trabalho, detectando o referido laudo os seguintes problemas na execução do labor pelos seus empregados: quadro de pessoal insuficiente; imobiliário inadequado (configuração ergonômica inadequada); condições ambientais inadequadas; falta de programa de ginástica compensatória e ausências de pausas para recuperação. 6. Afastada a alegação quanto à culpa concorrente da vítima para a eclosão da moléstia, restando demonstrado na espécie que, caso existisse um ambiente de trabalho mais adequado, o mal não teria ocorrido 7. Constatada a existência de algumas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho do segurado, causadoras do pagamento do amparo em tela, resta inafastável o dever de indenização por parte do empregador ao INSS. 8. Improcede o pedido do apelante/réu de que as parcelas pagas a título de seguro de acidente do trabalho - SAT sejam abatidas do montante a que foi condenado, uma vez que é pacífico em nossos Tribunais o entendimento no sentido de que o fato das empresas contribuírem para o custeio da Previdência Social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui sua responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. 9. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 10. Verba honorária mantida em 10% (dez por cento) do valor da condenação (parcelas vencidas até a prolação da sentença) - valor sedimentado por esta Turma para ações em que há condenação de cunho pecuniário. 11. Apelos desprovidos.
(TRF4, AC 5005583-26.2010.404.7001, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 08/07/2011)
Em recente julgado, o Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região deixou claro o entendimento geral sobre a temática envolvida neste caso:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. APELOS DESPROVIDOS. 1. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 2. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da 7autarquia. 3. Apelos desprovidos.
(TRF4, AC 5000415-70.2011.404.7207, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 17/05/2012)
PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CULPA EXCLUSIVA. MORTE. PENSÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. ART. 602 DO CPC. 1. Não houve culpa da vítima, um simples operador de máquina, movimentar restos de material no pátio da empresa mesmo que sem prévia autorização de superiores; e, que houve total negligência da empregadora de produzir explosivos em local de livre acesso de empregados, e não oferecer total segurança, ou pelo menos minimizar os riscos decorrentes da produção de explosivos por terceirizados no pátio da própria empresa. 2. Vale notar, no tocante, que, em se tratando de responsabilidade civil por acidente do trabalho, há uma presunção de culpa da empresa quanto à segurança do trabalhador, sendo da empregadora o ônus de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a evitar ou diminuir os riscos de explosões, ou seja: cabe-lhe demonstrar que sua conduta pautou-se de acordo com as diretrizes de segurança do trabalho, reduzindo riscos da atividade e zelando pela integridade dos seus contratados. 3. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas conseqüências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas. 4. A experiência comum previne ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar. A finalidade primordial da norma contida no caput e nos parágrafos 1º e 3º do artigo 602 do CPC é a de dar ao lesado a segurança de que não será frustrado quanto ao efetivo recebimento das prestações futuras. Por isso, a cautela recomenda a constituição de um capital ou a prestação de uma caução fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso. (REsp 627649). 5. Honorários fixados em 10% do valor das parcelas vencidas e 12 parcelas vincendas. 6. Apelação da empregadora desprovida, apelação da terceirizada e recurso adesivo do Instituto providos.
(TRF4, AC 5000589-88.2011.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 10/02/2012)
Até mesmo o STF, já fixou entendimento consolidado na Súmula nº 229, no sentido de que: 'A indenização acidentária não exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador.'
DO CASO CONCRETO
Cinge-se a lide em averiguar se houve negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho e, em caso positivo, se tal negligência concorreu de alguma forma para o evento danoso.
Pois bem, extrai-se do Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (evento 01 - PROCADM7 - fl. 49):
RESULTADO DA FISCALIZAÇÃO: O acidente ocorrido na empresa deu-se no dia 20 de fevereiro de 2008, vitimando o Sr. Samuel Devair Joaquim Vaz Franco, que foi atingido pelo desmoronamento da parede frontal de um forno de coque.
Na ocasião da fiscalização os fornos encontravam-se em fase final de reforma, que consistiu na construção de uma cortina de concreto armado em frente aos fornos, na retirada dos dutos de alvenaria sobre os fornos e sua substituição por dutos metálicos, bem como instalação de trilhos de reforço das paredes dos fornos, não apresentando riscos de desmoronamento.
É importante considerar, todavia, que a fiscalização foi levada a efeito entre 09 de abril e 07 de maio de 2008, ou seja, quase dois meses após o acidente narrado na petição inicial.
Por outro lado, colhe-se do julgamento do RO nº 00035-2009-055-12-00-8 pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (evento 01 - ACOR2 - fls. 06/07):
1 - RESPONSABILIDADE POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA DE CULPA NO ACIDENTE (INSURGÊNCIA EXCLUSIVA DA RECLAMADA)
A recorrente foi responsabilizada civilmente na sentença pelo acidente ocorrido em 26-02-2008, que levou a óbito o empregado, após este ter sido atingido por uma parede de um forno de produção de carvão coque mineral que caiu sobre ele.
Assevera a ré que não teve culpa no acidente, pois sempre manteve a conservação dos fornos, proporcionando aos seus empregados um ambiente de trabalho seguro, tendo inclusive providenciado reforço nas instalações após o evento, para que novos sinistros fossem evitados.
A responsabilidade da reclamada está corretamente reconhecida.
Na contestação, a própria reclamada refere que após o acidente providenciou a restauração dos fornos, aplicando estacas de ferro nas paredes para reforçar a segurança e garantir que novos acidentes não ocorressem.
Também o teor do depoimento da única testemunha ouvida, arrolada, aliás, pela ré, evidencia a inexistência das perfeitas condições de conservação dos equipamentos ao referir que 'após o acidente todos os fornos foram reformados, e por garantia foram feitos mais reforços ainda para não mais haver risco de desabamentos' (fl. 121)
A alegação da reclamada de que houve inspeção da SRT em suas dependências, em 08-11-2007, anteriormente ao acidente (fl. 80), não elide a sua responsabilidade, pois essa inspeção não tratou dos problemas das edificações.
Aliás, o termo de registro de inspeção do Órgão de fiscalização posterior ao acidente, com orientação para verificação de segurança e reparos (fl. 81), e as providências de reparos nos fornos tomadas após o acidente (fls. 82/84), somente corroboram a conclusão de que as medidas preventivas ao encargo da reclamada não foram suficientes para evitar o sinistro.
Assim, no que diz respeito à culpa patronal, ela resulta do fato de que não foram adotadas durante a contratualidade providências eficazes para evitar o acidente.
Se o acidente ocorreu com o desmoronamento da parede do forno, revelando defeito estrutural na edificação, obviamente isso não foi obra do acaso, tendo a reclamada em alguma medida descuidado na construção ou na manutenção do equipamento.
Não cumpriu, assim, a empregadora o disposto nos arts. 157, inc. I, da CLT e 7º, XXII, da CF, zelando pelo ambiente de trabalho sadio e atuando com eficácia na redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Logo, agiu corretamente o Juízo da causa ao reconhecer a culpa patronal pelo acidente, conforme exige o art. 7º, inc. XXVIII, da CF/88, pois ela negligenciou do dever de preservar a integridade física do empregado.' (grifado)
A ré, no entanto, alega tratar-se de mera fatalidade.
A prova testemunhal, exclusivamente produzida pela ré, aponta para a adoção, na empresa, de medidas de prevenção a acidentes de trabalho.
Não obstante, tem-se que não assiste razão à ré.
Com efeito, a prova documental colacionada aos autos aponta para a conclusão de que houve, inegavelmente, conduta negligente da empregadora no que diz com a segurança do trabalho (art. 120 da LBPS).
De fato, tratava-se de jovem trabalhador, então com 22 (vinte e dois) anos de idade e contratado como forneiro (evento 01 - PROCADM6 - fl. 20). Ou seja, ainda que se admita que o risco seja imanente à função desenvolvida, a idade do empregado aliado ao pouco tempo de exercício do labor (menos de um ano), implica, por parte do empregador, um dever de cuidado objetivo significativamente maior em relação aos demais integrantes do seu corpo funcional. Nesse passo, a prova dos autos demonstra, ainda, que a ré não possuía programa de prevenção de acidentes e treinamento dos trabalhadores em segurança do trabalho, nem técnico em segurança do trabalho em período integral. Tal serviço era prestado por pessoa estranha ao quadro de empregados e que comparecia apenas esporadicamente no local onde o fato ocorreu.
Além disso, os autos demonstram que havia falha estrutural na edificação da parede frontal do forno, conclusão que se mostra evidenciada diante da própria realização pela ré, posteriormente ao acidente, de obras que visavam evitar novas ocorrências. Aliás, pelo que consta dos autos, os fornos foram construídos e eram reparados por um mero mestre de obras, sem qualquer projeto ou supervisão de engenheiro civil responsável pela fiscalização das suas condições estruturais.
Trata-se, pois, de ônus qualificado imposto ao empregador, diante, até mesmo, do que preconiza mandamento constitucional (art. 227 da CF). Ou seja, há culpa residual, mesmo não preponderante, da sociedade empresária.
Esta culpa, idônea para justificar a condenação almejada, decorre da imprudência na edificação e na manutenção dos fornos sem a participação de profissional para tanto qualificado, da ineficiência do sistema preventivo de acidentes de trabalho, da insuficiência da instrução do jovem empregado e da fiscalização consentânea a sua peculiar condição, e, ainda, da desídia da ré, que, por seus encarregados/supervisores, permitiu que o operário trabalhasse sob condições de risco.
Assim, embora as testemunhas digam que o ocorrido é excepcional e imprevisível, as provas produzidas comprovam que a negligência da ré foi o fator preponderante para a ocorrência do resultado.
Houve, consequentemente, inequívoco ato ilícito, uma vez que a omissão quanto à adoção das medidas de proteção ao meio ambiente de trabalho consubstanciou infração ao dever legal que incumbia à ré (art. 19, § 1º, LBPS), devendo, pois, ser condenada, nos termos da fundamentação supra.
Porém, cessado o benefício de pensão por morte (NB 1453678120), via de conseqüência, desaparecerá a causa que sustentará a reparação patrimonial do INSS pela ré.
DA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL NOS TERMOS DOS ARTIGOS 475-Q E 475-R DO CPC
O pedido de constituição de capital para assegurar o cumprimento integral das obrigações pela ré não merece acolhida, pois não se trata de condenação ao pagamento de prestação alimentícia aos dependentes do falecido segurado, mas de ressarcimento de valores pagos pelo INSS àqueles, não cabendo a aplicação do artigo artigos 475-Q e 475-R do CPC.
Neste sentido é a posição da 3ª e 4ª Turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. ACIDENTE DE TRABALHO. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. DESCABIMENTO. APELO DO INSS DESPROVIDO. 1. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas do benefício previdenciário pago ao segurado. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas, de forma que o deferimento da medida desvirtuaria a finalidade do instituto. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. Precedentes da 3ª e 4ª Turmas deste TRF. 2. Mantido o termo a quo para os juros de mora na data da citação. Não procede, assim, o pedido de que os juros incidam desde a data do pagamento de cada parcela, visto que não se está, neste momento, diante de ação de indenização por ato ilícito, mas sim de ação de ressarcimento/restituição. 3. Mantidos os honorários advocatícios fixado pelo Juízo a quo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), quantia que obedece ao disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, considerando a relativa simplicidade da questão tratada, a ausência de produção de prova testemunhal ou pericial e o valor atribuído à causa. 4. Apelo do INSS desprovido.
(TRF4, AC 5005720-02.2010.404.7100, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 02/12/2011)
ADMINISTRATIVO. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA. DANO, CONDUTA NEGLIGENTE DA RÉ E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. 1. Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91. 2. Segundo o artigo 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o segurado não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 3. Apelação parcialmente provida.
(TRF4, AC 1999.72.00.010360-5, Terceira Turma, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 04/10/2011)
Assim, não é caso de ser acolhida a pretensão do INSS neste particular".
Dessa forma, mantenho a sentença, por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007957-51.2011.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50079575120114047204
RELATOR | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
PRESIDENTE | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
PROCURADOR | : | Dr. Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | MINERAÇÃO CARAVAGGIO LTDA |
ADVOGADO | : | CAROLINE MACHADO DE MENEZES |
: | MANOEL TADEU MACHADO DE MENEZES | |
: | CÉSAR TADEU DE MENEZES | |
: | GABRIELA APARECIDA EUZEBIO | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/09/2015, na seqüência 164, disponibilizada no DE de 03/09/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
: | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA | |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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