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DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. NINTEDANIBE. RESSALVAS. TRF4. 5024493-64.2024.4.04.0000...

Data da publicação: 12/12/2024, 22:53:23

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. NINTEDANIBE. RESSALVAS. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão consoante definido pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011, de modo a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Admite-se o fornecimento do antifibrótico (Nintedanibe) com a ressalva, segundo os critérios estritos estabelecidos pelos protocolos internacionais específicos, de que a parte autora mantenha a capacidade vital forçada (CVF) entre 50% e 80% do valor predito no início do tratamento, hipótese não configurada nos autos, segundo Nota Técnica. (TRF4, AG 5024493-64.2024.4.04.0000, 5ª Turma, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, julgado em 22/10/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5024493-64.2024.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

RELATÓRIO

​T. F. M. interpõe agravo de instrumento contra decisão (evento 9, DESPADEC1 na origem) que indeferiu o pedido de tutela de urgência em ação que objetiva o fornecimento do medicamento Nintedanibe para o tratamento de Doença Pulmonar Intersticial (DPI - CID J84.9), secundária à Esclerose Sistêmica.

Alega, em síntese, que o medicamento é amplamente utilizado nos casos de fibrose pulmonar, com resultados na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes. Refere que a conclusão desfavorável da nota técnica elaborada centra-se no custo do medicamento, o que não pode ser óbice ao seu fornecimento. Sustenta que não ha alternativa similar ao fármaco no âmbito do SUS. Invoca o direito constitucional à vida.

O pedido de antecipação da tutela recursal foi indeferido.

T. F. M. interpôs agravo interno.

Oportunizadas contrarrazões, veio o processo para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A decisão liminar neste agravo de instrumento resolveu suficientemente a matéria recursal:

O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Não se trata de direito absoluto, uma vez que é desarrazoado exigir do Estado custear todo e qualquer tratamento de saúde aos cidadãos, sob pena de instaurar uma desordem administrativa e inviabilizar o funcionamento do SUS.

É certo que a atribuição de formular e implantar políticas públicas na defesa da saúde da população é do Executivo e do Legislativo Entretanto, não pode o Judiciário eximir-se de seu múnus público quando chamado para apreciar alegações de desrespeito a direitos fundamentais individuais e sociais, entre eles o direito à saúde do cidadão.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde:

(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;

(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;

(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e

(d) a não configuração de tratamento experimental.

Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu (Tema 106) requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (REsp 1657156/RJ, rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 04/05/2018).

O leading case está assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.

Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituírem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, para criar um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

De especial interesse para a apreciação do caso concreto, os artigos 19-M e 19-Q, fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”

“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

Observa-se que foi definido legalmente conceito de assistência integral de saúde de forma mais restrita, buscando equilibrar a necessidade do cidadão de um tratamento que seja mais eficaz e os limitados recursos do sistema de saúde para alcançar esta finalidade.

Considero que tais parâmetros encontram-se dentro daquilo que razoavelmente pode ser exigido do Estado pelo cidadão, levando em consideração o princípio da isonomia e os termos do princípio da reserva do possível. Ou seja, na dispensação medicamentosa deve-se levar em consideração o alcance do medicamento a todos os cidadãos em situação similar o que, no caso de medicamentos de alto custo, deve ser não somente possível, mas também sustentável.

Deste modo, a atuação do Judiciário em seara que não é de sua natural ambientação por ingressar no âmbito da discricionariedade administrativa justifica-se para assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, envolvendo de aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS. De todo modo, devem ser observadas as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.

Observo, ainda, que a CONITEC, além de expedir Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) apresenta, no caso dos tratamentos oncológicos, as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), fundamentadas em evidências científicas, que nos termos do próprio site (http://conitec.gov.br/index.php/protocolos-e-diretrizes), constituem documento que não se restringe às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim, ao que pode ser oferecido a este paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica.

Deste modo, é lastreado nas referidas diretrizes que o tratamento oncológico é oferecido pelo SUS, em que os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde credenciados pelo SUS, habilitados em oncologia, na qualidade de UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), aos quais cabe prestar assistência especializada e integral ao paciente.

Assentados tais pontos, passo a analisar o caso concreto.

O laudo médico que acompanha a inicial (evento 1, LAUDO9), registra que o autor possui o diagnóstico de Fibrose Pulmonar Padrão (PIU - CID J84.19, secundária à Esclerose Sistêmica (CID M34), além de outras manifestações como úlceras digitais, sem resposta adequada a sildenafil. Relata que a paciente apresenta piora progressiva do quadro respiratório e atualmente apresenta espirometria com CVF 1,31 (40%) e VEF1 1,25 (50%). Nesse contexto, foi indicado o uso do fármaco requerido como o único capaz de evitar a progressão da doença.

Produzida Nota Técnica pelo Telessaúde/RS, foi exarado parecer com conclusão desfavorável à dispensação, sob a seguinte justificativa (evento 7, NOTATEC1):

O respectivo fármaco, ao ser analisado pela CONITEC, teve sua incorporação rechaçada expressamente, em seu Relatório de Recomendação, através da Portaria SCTIE/MS nº 86/2018, publicada em 26/12/2018:

Pelo exposto, a CONITEC, em sua 67ª reunião ordinária, realizada no dia 13 de junho de 2018, recomendou a não incorporação do esilato de nintedanibe para fibrose pulmonar idiopática no SUS. Considerou-se que nos estudos apresentados o tempo de acompanhamento dos pacientes, por se tratarem de estudos de curto prazo, geram incertezas em relação a real eficácia do medicamento no retardo da progressão da doença, em especial com relação ao benefício trazido ao paciente em termos de resultados de sobrevida e melhora da qualidade de vida. Além disso, há incerteza quanto à prevenção ou redução da deterioração aguda na FPI, evento que foi considerado crítico por preceder hospitalizações e mortes em pacientes com a doença. A tecnologia apresenta razão de custo-efetividade alta quando comparada aos melhores cuidados disponibilizados pelo SUS, atrelada a benefício incerto e limitado que gera um impacto orçamentário elevado em 5 anos.

Contudo, este Regional tem aprofundado a análise do Relatório Preliminar da CONITEC e os Pareceres desfavoráveis do TELESSAÚDERS - Núcleo de Telessaúde da UFRGS.

Com efeito, o Relatório Preliminar, embora conclusivamente desfavorável, menciona no item 10 "Deliberação Final" que "apesar da evidência atual mostrar benefício em termos de retardo na progressão da doença, ou seja, no declínio da função pulmonar medida em termos de capacidade vital forçada (CVF), a evidência quanto à prevenção de desfechos críticos tais como mortalidade e exacerbações agudas é de baixa qualidade e estão associadas a um perfil de segurança com um grau importante de incidência de reações adversas e descontinuações, o que torna o balanço entre os riscos e benefícios para o paciente, desfavorável à incorporação do medicamento(...)".

Ficou demonstrado também que as alternativas terapêuticas incorporadas ao SUS não são assimiláveis à tecnologia pleiteada. Conforme o parecer do TELESSAÚDE, o tratamento da condição não está previsto em PCDT do MS e limita-se ao alívio dos sintomas e transplante de pulmão. Nesse contexto, embora a tecnologia não implique aumento de sobrevida, seja desfavorável o perfil de segurança e não apresente custo-efetividade, é inegável que apresenta alguns benefícios da função pulmonar que não podem ser desprezados.

O tema é controverso neste TRF4. Nesta 5ª Turma, cumpre mencionar os argumentos lançados pelo Des. Fed. Osni Cardoso Filho em demanda similar (TRF4, AG 5025886-29.2021.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 16/08/2021), no seguinte sentido:

"Na espécie, embora exista nota técnica (emitida pelo Telessaúde, na condição de NAT-jus/JFRS - origem, evento 11 - PARECER1) contrária à entrega generalizada do medicamento em questão, fato é que os atestados médicos fundados na análise concreta e específica da paciente são favoráveis à dispensação.

Foram registrados estudos clínicos com elevado nível de evidência quanto ao tratamento proposto. O tratamento com nintedanibe é disponibilizado em outros países e segue as recomendações das principais Sociedades de Pneumologia (norte-americana e europeia).

Nesse sentido, o próprio relatório nº 419, de 6 dezembro de 2018, da CONITEC admite que o medicamento foi acolhido por agências internacionais (NICE/Inglaterra, CATDH/Canadá, PBAC/Australia, SMS/Escócia, Infarmed/Portugal), as quais avaliaram positivamente o nintedanibe para uma doença, até então, órfã.

Na mesma linha, a Nota Técnica nº 996 do sistema e-NatJus indicou nintedanibe como medicamento benéfico à estabilização sintomática da fibrose pulmonar idiopática. A propósito, o Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário Nacional pontuou que:

A fibrose pulmonar idiopática (FIP) é uma doença pulmonar intersticial progressiva e incurável. Ela acarreta fibrose pulmonar, prejudicando as trocas gasosas e acarretando dispneia. O acometimento pulmonar pode sobrecarregar outros órgãos e sistemas. Até recentemente não havia nenhum tratamento eficaz para controle da doença. Estudos recentes revelaram dois medicamentos capazes de retardar a progressão da doença, por sua ação anti-fibrótica: nintedanibe e pirfenidona. A terapêutica anti-fibrótica com essas drogas reduz a velocidade de progressão da doença, dando ao paciente mais quantidade e qualidade de vida, com ampla evidência em literatura sobre sua segurança e eficácia.

Aliás, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia discordou dos relatórios da CONITEC. Seguem algumas de suas considerações, relacionadas à eficácia dos medicamentos, à avaliação da gravidade da doença, à ausência de suporte terapêutico específico no SUS e à dificuldade quanto à realização de transplantes:

Gravidade da doença e a ausência de suporte terapêutico específico no SUS:

Ainda que ocorram variações individuais no tocante a evolução clínica, de maneira geral o prognóstico da FPI é grave, com mediana de sobrevida girando em torno de apenas três anos.1 Esse tipo de comportamento é comparável, ou até pior, ao de inúmeras neoplasias malignas, incluindo as de alta mortalidade como, por exemplo, o câncer de pulmão.

(...) é importante enfatizar que muitas condutas terapêuticas do passado, quando devidamente investigadas em ensaios clínicos controlados, mostraram-se, na realidade, deletérias.3, Atualmente está totalmente proscrito o uso de imunossupressores em pacientes com FPI, e os corticosteroides são empregados apenas em episódios de exacerbações agudas, mesmo que sem sustentação adequada para tal. Nem tão pouco a N-acetilcisteína tem algum papel no tratamento rotineiro desses pacientes. 4 Sendo assim, o SUS não oferece atualmente nenhuma opção terapêutica medicamentosa específica para pacientes com FPI.(...)

Dificuldade quanto a realização de transplantes

A SBPT ainda ressalta que o transplante pulmonar tem potencial de beneficiar somente quantidade mínima de brasileiros com FPI considerando como limitante o baixo número de centros médicos capazes de realizar um procedimento dessa complexidade no país. Para reforçar o posicionamento, é citado o caso dos Estados Unidos da América onde o transplante de pulmão é uma modalidade terapêutica bem estabelecida, porém, aproximadamente, 1% dos pacientes com FPI são transplantados por ano. O baixo número de pacientes submetidos à transplante deve-se ao fato de que os pacientes acometidos com FPI apresentam idade avançada e são portadores de comorbidades que muitas vezes impedem o acesso ao transplante.

Validade do desfecho “redução no declínio da CVF”

Em termos de eficácia do medicamento, a SBPT enfatiza a validade do desfecho “redução do ritmo de queda da capacidade vital forçada” em substituição ao desfecho mortalidade uma vez que se tratando de uma doença rara, há uma grande dificuldade em se detectar efeitos claros sobre a mortalidade. No caso específico da CVF, decorridas 52 semanas e em comparação ao grupo placebo, a queda média nos grupos que receberam nintedanibe foi de 47,8% em INPULSIS I e de 54,8% em INPULSIS II, esses considerados os principais estudos envolvendo o medicamento.

Tampouco é possível ignorar a Nota Técnica nº 17/2017 do NATJUS (Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário) de Minas Gerais que, no processo nº 00151702420178130084, assim concluiu4:

(...) Trata-se de doença grave, progressiva sem etiologia esclarecida portanto sem tratamento definitivo e eficaz. Apesar de diversas drogas terem sido investigadas em ensaios clínicos randomizados como agentes potenciais para o tratamento da FPI, até o momento, apenas duas substâncias, de fato, mostraram eficácia no tratamento da moléstia: a pirfenidona e o nintedanibe. O nintedanibe tem sido usado como uma alternativa com evidências de benefícios. O período de tratamento é por tempo indeterminado visando o controle dos sintomas.

Nas Respostas Técnicas 1545 e 1556, de 2017, o NATJUS-MG também indicou o nintedanibe como medicamento benéfico à estabilização sintomática da fibrose pulmonar idiopática.

Veja-se que os tratamentos alternativos disponíveis no SUS para fibrose pulmonar idiopática descritos pela CONITEC consistem meramente em antitussígenos, morfina, corticoterapia, oxigenoterapia e transplante de pulmão7. Tais medidas não atendem a expectativa do paciente, no sentido de proporcionar-lhe tanto melhor qualidade de vida, como sobrevida de maior dimensão."

Nesse sentido, esta Turma registra precedente onde se decidiu pela concessão do Nintedanibe à paciente portador de Fibrose Pulmonar Idiopática, desde que condicionada a determinadas circunstâncias e adotadas certas cautelas:

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO AUSENTE DAS LISTAS DE DISPENSAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS. CABIMENTO. RESSALVAS. CONTRACAUTELAS. SOLIDARIEDADE PASSIVA. 1. A elevada despesa aos cofres públicos não pode ser razao para impedir a concessão de medicamento que, embora não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS), atenda aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. Pareceres técnicos contrários ao tratamento requerido não podem ser considerados isoladamente como uma categórica negativa de eficácia clínica para a parte que ingressa em juízo. Nesse caso, deve o requerente cumprir ônus probatório que afaste a conclusão do órgão técnico, em razão de sua condição clínica. 3. Demonstrada a imprescindibilidade do medicamento para a sobrevivência do paciente, cuja eficácia encontra-se amplamente respaldada na medicina baseada em evidências, cabe o deferimento judicial do pedido. 4. Condiciona-se o fornecimento de nintedanibe à manutenção da capacidade vital forçada (CVF) entre 50% e 80% do valor predito no início do tratamento, sujeito a interrupção em caso de declínio absoluto de 10% ou mais na CVF em um intervalo de 12 (doze) meses após o uso da medicação. 5. A concessão de fármaco de elevado custo por tempo indeterminado exige a adoção de medidas de contracautela, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, inclusive de ofício. 6. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. Orientação firmada no Tema 793 do Supremo Tribunal Federal. (TRF4, AG 5005455-66.2024.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 02/07/2024)(grifei)

Enfatizo, portanto, que se admite o fornecimento do remédio na forma prescrita com a ressalva - recomendada pelo NATJUS/SC3, pelo NATJUS/CE4 e na linha das agências internacionais (NICE/Inglaterra, CATDH/Canadá e Infarmed/Portugal) - de que a parte autora mantenha a capacidade vital forçada (CVF) entre 50% e 80% do valor predito no início do tratamento.

Na hipótese, o laudo médico anexado aos autos de origem (evento 1, LAUDO9) revela CVF em 40%, o que demonstra a desconformidade com a recomendação estabelecida.

A indispensabilidade do tratamento está vinculada à comprovada eficácia no tratamento de determinada doença. No caso, não há elementos técnicos suficientes para sustentar a indicação do medicamento neste momento.

Nesse sentido:

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTOS. NINTEDANIBE. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. DESCABIMENTO. - O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). - Este Tribunal tem deferido ou indeferido o nintedanibe (ou a pirfenidona) a depender do fechamento do diagnóstico de Fibrose Pulmonar Idiopática e dos grupos de pacientes que se beneficiam do tratamento antifibrótico. - Caso concreto em que não restou demonstrada a adequação do tratamento, na medida em que três notas técnicas foram emitidas pelo órgão de assessoramento do juízo em matéria de saúde, todas com conclusão contrária ao fornecimento da droga. (TRF4, AC 5000828-67.2022.4.04.7120, SEXTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 09/11/2023)

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. NINTADENIBE (OFEV®). FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA GRAVE. PARÂMETROS INTERNACIONAIS. NÃO OBSERVADOS. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Não comprovada a probabilidade do direito por estar a parte fora da janela de eficácia internacionalmente aceita para a eficácia do medicamento, segundo a Medicina Baseada em Evidências, não pode ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. (TRF4, AG 5012001-74.2023.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 26/06/2023)

Com esses contornos, tenho que a decisão agravada deve ser mantida.

Ante o exposto, indefiro a antecipação da tutela recursal.

Comunique-se.

Intimem-se, sendo o agravado para os fins do art. 1.019, II, do CPC.

Ausentes novos elementos de fato ou de direito, a decisão que resolveu o pedido de liminar deve ser mantida.

Por fim, nos termos do art. 1.025 do CPC, resta garantido o acesso às instâncias superiores.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento e julgo prejudicado o agravo interno.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004616359v4 e do código CRC cec39dd3.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Data e Hora: 24/10/2024, às 18:28:22


3. http://www.jfsc.jus.br/novo_portal/conteudo/mostraConteudoArquivo.php?idValorCampoMateria=87203
4. https://www.tjce.jus.br/wp-content/uploads/2019/05/pirfenidonaesbriet-para-tratamento-de-fibrose-pulmonar.pdf

5024493-64.2024.4.04.0000
40004616359.V4


Conferência de autenticidade emitida em 12/12/2024 19:53:22.


Identificações de pessoas físicas foram ocultadas

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5024493-64.2024.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

EMENTA

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. FIBROSE PULMONAR IDIOPÁTICA. NINTEDANIBE. ressalvas.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental.

3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão consoante definido pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011, de modo a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública.

4. Admite-se o fornecimento do antifibrótico (Nintedanibe) com a ressalva, segundo os critérios estritos estabelecidos pelos protocolos internacionais específicos, de que a parte autora mantenha a capacidade vital forçada (CVF) entre 50% e 80% do valor predito no início do tratamento, hipótese não configurada nos autos, segundo Nota Técnica.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de outubro de 2024.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004616360v5 e do código CRC df3c19a1.Informações adicionais da assinatura:
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5024493-64.2024.4.04.0000
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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/10/2024 A 22/10/2024

Agravo de Instrumento Nº 5024493-64.2024.4.04.0000/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/10/2024, às 00:00, a 22/10/2024, às 16:00, na sequência 895, disponibilizada no DE de 04/10/2024.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO E JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária



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