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DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RITUXIMABE (MABTHERA®). LINFOMA DO MANTO. EFICÁCIA COMPROVADA. IMPROPRIEDADE DO TRATAMENTO DISPONÍVEL. TRF4...

Data da publicação: 03/11/2022, 11:00:58

EMENTA: DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RITUXIMABE (MABTHERA®). LINFOMA DO MANTO. EFICÁCIA COMPROVADA. IMPROPRIEDADE DO TRATAMENTO DISPONÍVEL. 1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovada a eficácia da medicação segundo as diretrizes da Medicina Baseada em Evidências - MBE e a impropriedade do tratamento disponibilizado pelo SUS para sua condição clínica, pode ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. (TRF4, AG 5035709-90.2022.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 27/10/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5035709-90.2022.4.04.0000/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000779-05.2022.4.04.7127/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: LAURO PEREIRA SOARES

ADVOGADO: MANOELA SOARES SAGGIN (OAB RS073699)

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO contra decisão (processo 5000779-05.2022.4.04.7127/RS, evento 33, DESPADEC1) da MMª Juíza Federal de Palmeira das Missões que concedeu tutela de urgência para determinar seja fornecido o medicamento Rituximabe (Mabthera) para o tratamento de Linfoma do Manto, CID 85.7.

A parte agravante sustenta que a decisão merece ser reformada. Defende que não restou comprovada a hipossuficiência da parte, havendo indícios de que há capacidade financeira. Argumenta, ainda, que inexiste probabilidade do direito, porquanto há tratamento disponível no SUS, não sendo obrigado o Estado a fornecer o mesmo medicamento que utilizava na via privada. Aduz que devem ser respeitadas as diretrizes da CONITEC, em especial, no que toca à custo-efetividade do medicamento. Requer, outrossim, atribuição de efeito suspensivo ao recurso.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido (evento 2, DESPADEC1).

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Na decisão preambular assim decidi:

(...)

O egrégio Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175, definiu alguns parâmetros para solução judicial dos casos que envolvem direito à saúde: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental.

Na mesma senda, o egrégio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu requisitos para fins de concessão de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS.

O leading case está assim ementado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO.
1. Caso dos autos: A ora recorrida, conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos (colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada, bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos.
2. Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos. Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados.
3. Tese afetada: Obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS (Tema 106).
Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras alternativas terapêuticas.
4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
(ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
(iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.
5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015.
(REsp 1657156/RJ, rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, 1ª Seção, DJe 04/05/2018)

Cabe referir que, com a finalidade de criar uma diretriz institucional para a dispensação de medicamentos no âmbito do SUS, em especial diante da necessidade de incorporar novas tecnologias cuja eficácia e adequação fossem comprovadas, de modo a constituirem-se em parte da assistência terapêutica integral fornecida pelo SUS, foi alterada a Lei nº 8.080/90 pela Lei nº 12.401/2011, que criou um procedimento, a cargo do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC.

De especial interesse para a apreciação do caso concreto, os artigos 19-M e 19-Q, fornecem diretrizes para a dispensação medicamentosa que considero relevantes:

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P;

“Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada:

I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite;

II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;

III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde.”

“Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

Observa-se que foi definido legalmente conceito de assistência integral de saúde de forma mais restrita, buscando equilibrar a necessidade do cidadão de um tratamento que seja mais eficaz e os limitados recursos do sistema de saúde para alcançar esta finalidade.

Considero que tais parâmetros encontram-se dentro daquilo que razoavelmente pode ser exigido do Estado pelo cidadão, levando em consideração o princípio da isonomia e os termos do princípio da reserva do possível. Ou seja, na dispensação medicamentosa deve-se levar em consideração o alcance do medicamento a todos os cidadãos em situação similar o que, no caso de medicamentos de alto custo, deve ser não somente possível, mas também sustentável.

Deste modo, a atuação do Judiciário se qualifica e justifica quando visa assegurar o efetivo fornecimento de medicamentos ou outras prestações de saúde integrados à política de saúde vigente e que não estejam sendo fornecidos ou, excepcionalmente, quando o SUS não fornece tratamento eficaz, não oferece qualquer tratamento ou, ainda, quando, especialmente quando se trata de aumento de sobrevida ou de qualidade de vida, quando o medicamento apresenta eficácia diversa da opção indicada pelo SUS, sendo, de qualquer sorte, de se buscar observar as diretrizes da CONITEC, nos termos do art. 19-Q da Lei nº 8.080/90, naquilo que se revele adequado.

Observo, ainda, que a CONITEC, além de expedir Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) apresenta, no caso dos tratamentos oncológicos, as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), fundamentadas em evidências científicas, que nos termos do próprio site (http://conitec.gov.br/index.php/protocolos-e-diretrizes), constituem documento que não se restringe às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim, ao que pode ser oferecido a este paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica.

Deste modo, é lastreado nas referidas diretrizes que o tratamento oncológico pelo SUS, em que os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde credenciados pelo SUS, habilitados em oncologia, na qualidade de UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia) e CACON (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), aos quais cabe prestar assistência especializada e integral ao paciente.

No que toca ao custo do medicamento, a questão, aliás, foi apreciada no julgamento do Tema 06 do Supremo Tribunal Federal (RE 566471, julgado em 11/03/2020, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, por maioria, vencido Min. Luiz Edson Facchin) que ressaltou a obrigação do Estado de fornecer medicamentos de alto custo, comprovada imprescindibilidade a hipossuficiência de recursos da parte.

No caso dos autos, o agravado comprovou ser portador de Linfoma Folicular Não-Hodgkin, CID C 85.7 que recebeu a prescrição dos fármacos Rituximabe e Lenadolimida diante das comorbidades relevantes que apresenta (Doença de Parkinson, coronariopatias) em razão de sua elevada idade (90 anos) por ser este tratamento de baixa intensidade (evento 31, EXMMED2).

O laudo pericial (evento 20, LAUDO1) foi favorável à concessão do medicamento Rituximabe para o tratamento do autor, diante das evidências científicas de eficácia da medicação em concreto para o caso do autor.

Sobre as diretrizes terapêuticas do SUS indica o laudo:

Não há Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para o LCM. Há indicação de quimioterapia para os casos de linfoma não Hodgkin de baixo grau de malignidade sendo em 1ª e 2ª linha;

Quanto aos efeitos buscados:

Com relação ao Rituximabe há possibilidade de melhora da qualidade de vida, aumento da sobrevida e diminuição de complicações e hospitalizações.

No que toca aos usos recomendados do medicamento:

O rituximabe é um anticorpo monoclonal que se liga especificamente ao antígeno CD20, o qual se expressa desde os linfócitos pré-B até os linfócitos B maduros. Esse antígeno está presente em grande parte das células B dos linfomas não-Hodgkin, a ligação do medicamento à célula leva a destruição dela. De acordo com a bula constante no site da ANVISA, o medicamento é indicado para o tratamento de Linfoma não Hodgkin de células B; baixo grau, folicular ou difuso de grandes células B; CD 20 positivos, recidivado ou resistente à quimioterapia, em combinação à quimioterapia CHOP, ou não tratados previamente com quimioterapia. Ainda, pacientes com linfoma folicular, em terapia de manutenção. Também pode ser utilizado no tratamento de pacientes portadores de artrite reumatoide, leucemia linfoide crônica, granulomatose de Wegener e poliangiíte microscópica. O LCM é um subtipo de LNH CD20 positivo, sendo assim incluídos nas indicações constantes em bula do rituximabe.

O medicamento Rituximabe foi incorporado ao SUS para o tratamento de Linfona de não Hodgkin de células b, folicular, CD20, positivo, em 1ª e 2ª linha (Portaria SCTIE/MS nº 63, de 27/12/2013) e o caso do autor, caracterizado pelo laudo pericial como de Linfoma do Manto, é caracterizado como um Linfoma de Células B, mas não como linfoma folicular, não sendo o caso de uso na forma incorporada.

O laudo indicou como opção de tratamento no SUS a quimioterapia. Entretanto, no caso concreto, inviável a utilização do tratamento quimioterápico, considerando a idade do autor e suas comorbidades, o que justifica a prescrição apresentada.

Assim delineado o pedido, observa-se que esta Corte tem reconhecido a eficácia da medicação nos casos de Linfoma do Manto, consoante comprovam os seguintes arestos:

DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DOENÇA ONCOLÓGICA. INADEQUAÇÃO DAS TERAPIAS FORNECIDAS PELO SUS. SOLIDARIEDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 4. Ante a demonstração da inadequação das alternativas terapêuticas ao quadro particular, bem como existindo comprovação científica acerca da eficácia do fármaco postulado para o tratamento da moléstia em questão, é de ser judicialmente deferida a sua dispensação. 5. A responsabilidade solidária quanto à obrigação de fornecer o tratamento foi amplamente reconhecida pela jurisprudência, e um dos efeitos jurídicos da solidariedade é o rateio, de forma igualitária, de todos os custos despendidos com a obtenção do fármaco por qualquer um dos réus do processo. 6. O fato de ser atribuição dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia e similares o fornecimento de tratamento oncológico não altera a responsabilidade solidária dos entes federativos no estabelecimento de sistema eficaz para operacionalização da prestação do direito constitucional à saúde. 7. Nas ações que versam sobre fornecimento de medicamento, a fixação dos honorários advocatícios deve se dar de forma equitativa, pois a demanda possui valor econômico inestimável por se tratar de tutela da saúde, sendo aplicáveis as disposições do art. 85, § 8º do CPC/15. (TRF4 5005425-85.2017.4.04.7110, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 27/06/2019)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. RITUXIMABE. LINFOMA DE CÉLULAS DO MANTO. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. 1. A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal de 1988). 2. O direito fundamental à saúde é assegurado nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e compreende a assistência farmacêutica (artigo 6º, inc. I, alínea d, da Lei nº 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fora dos protocolos e listas dos SUS, deve a parte autora comprovar a imprescindibilidade do fármaco postulado e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico. 4. Hipótese em que a indicação de tratamento por estabelecimento de saúde que atua como CACON é suficiente para convencer a respeito da verossimilhança do direito alegado, fazendo jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica, mormente quando tal indicação vem ratificada pela perícia médica judicial, realizada posteriormente. 5. Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela são necessárias, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício, o que já restou efetivado pelo juízo singular. 6. Esta Corte tem admitido o fornecimento off label - medicamentos com registro mas sem indicação em bula para o tratamento requerido - quando a prova pericial demonstra a imprescindibilidade do fármaco e existência de estudos ou experiência de sucesso no tratamento indicado, fazendo jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstrar a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. (TRF4, AG 5017091-05.2019.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 29/08/2019)

Acresço, quanto à indicação de que se prescreve medicação off label, que, segundo o laudo, o Linfoma do Manto é espécie de Linfoma de Células B, CD 20 positivo, o que encontra descrição na bula registrada na ANVISA. Colhe-se da referida bula (disponível em https://consultas.anvisa.gov.br/#/bulario/q/?numeroRegistro=110630157):

Linfoma não Hodgkin - pacientes com linfoma não Hodgkin de células B, baixo grau ou folicular, CD20 positivo, recidivado ou resistente à quimioterapia;

- pacientes com linfoma não Hodgkin difuso de grandes células B, CD20 positivo, em combinação à quimioterapia CHOP;

- pacientes com linfoma não Hodgkin de células B, folicular, CD20 positivo, não tratados previamente, em combinação com quimioterapia;

- pacientes com linfoma folicular, como tratamento de manutenção, após resposta à terapia de indução.

Artrite reumatoide em combinação com metotrexato está indicado para o tratamento de pacientes adultos com artrite reumatoide ativa que tiveram resposta inadequada ou intolerância a uma ou mais terapias de inibição do fator de necrose tumoral (TNF).

Leucemia linfoide crônica em combinação com quimioterapia é indicado para o tratamento de pacientes com leucemia linfoide crônica (LLC) não tratados previamente e com recaída / refratária ao tratamento.

Granulomatose com poliangiite (Granulomatose de Wegener) e poliangiite microscópica (PAM)

Deste modo, tenho que resta comprovada a imprescindibilidade da medicação.

Quanto à alegação de que o agravado possui condições de sustentar seu tratamento médico, não se tira dos autos que o autor possua renda suficiente para que tal se possa depreender. O autor é titular de benefício de aposentadoria por idade rural, fixado em seu valor mínimo, segundo os registros do DATAPREV, ora consultados.

A União defende que por ter o autor iniciado seu tratamento junto ao hospital Sírio Libanês e por ter se valido de convênio médico para a realização de exames, além de ter requerido o mesmo atendimento recebido em seu tratamento particular, demonstra ter condições de dar sustento ao tratamento.

De fato, os exames apresentados pela parte (evento 1, EXMMED6 e evento 6, EXMMED2, evento 6, EXMMED3, evento 6, EXMMED4 e evento 6, EXMMED5), demonstram que houve recurso a convênio médico e a nosocômio de ponta em seu tratamento, antes de ter recorrido à rede pública de saúde. Todavia, considero que isto não afasta seu direito fundamental à saúde.

Tenho que a circunstância de ser o cidadão amparado por Plano de Saúde, não afasta seu direito a assistência integral de saúde, sendo o caso, todavia, de se garantir o adequado ressarcimento, como forma de afastar-se o enriquecimento indevido dos referidos planos.

A jurisprudência desta Corte, admite a referida dispensação medicamentosa, mesmo a titular de plano de saúde privado, desde que preservado o ressarcimento de valores pelo Plano de Saúde. Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. EVEROLIMUS (AFINITOR®). ESCLEROSE TUBEROSA. PLANO DE SAÚDE. RESSARCIMENTO AO SUS. ART. 32 DA LEI 9.656/98. ADEQUAÇÃO DEMONSTRADA. 1. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 2. Como se está a tratar de questão extremamente sensível, ligada ao próprio direito fundamental à vida, e tendo em vista que a Constituição estabeleceu, no inciso XXXV de seu art. 5º, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", o resultado é a atual judicialização da política de assistência farmacêutica através de demandas individuais e coletivas, devendo a interferência judicial dar-se de forma equilibrada a fim de não prejudicar um direito individual e, tão-pouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 3. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 4. O fato de alguém contratar um plano de saúde não exonera o Estado de prestar-lhe serviços de saúde, frente ao que dispõe o artigo 196 da Constituição Federal. 5. Assegurados mecanismos regressivos a fim de que os planos de saúde não se locupletem, simplesmente transferindo seus encargos para o poder público, em observância ao artigo 32 da Lei n.º 9.656/98. 6. Tendo em vista a indicação do fármaco Everolimus (Afinitor) para tratamento de esclerose tuberosa que acomete o paciente infante, entendo deva ser judicialmente deferida a dispensação do medicamento requerido. (TRF4, AC 5063140-52.2016.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/07/2018)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. INTERESSE DE AGIR. 1- Embora o autor esteja fazendo seu tratamento oncológico em CACON através de seu plano de saúde, isso não afasta seu interesse em postular o fornecimento do medicamento junto aos entes públicos. 2- Sentença reformada. 3- Antecipação da tutela indeferida. (TRF4, AC 5002464-41.2016.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 20/10/2017)

Ademais, no caso, não se infringe a Súmula nº 99 desta Corte, na medida em que a parte, de fato, realiza seu tratamento perante UNACON, sendo de se considerar que, em período de crise econômica, são abundantes as migrações do sistema privado de saúde para o sistema público, sem que isto represente utilização do sistema público apenas para a obtenção do medicamento, decorrendo apenas da modificação da situação econômica da parte. Neste contexto, deve ser preservado o direito fundamental, em especial, quando os elementos dos autos são insuficientes para comprovar a existência de recursos.

Deste modo, tenho que as alegações da União não merecem crédito, o que desautoriza a infirmar a decisão recorrida que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela.

Ante o exposto, indefiro a atribuição de efeito suspensivo.

(...)

Não vindo aos autos nenhuma informação atual capaz de modificar os fundamentos da decisão inicial, adoto-os como razões de decidir.

Acrescento, tão somente, que ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir do recurso.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento.



Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003538898v2 e do código CRC 0c0925b0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 27/10/2022, às 18:24:34


5035709-90.2022.4.04.0000
40003538898.V2


Conferência de autenticidade emitida em 03/11/2022 08:00:58.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Agravo de Instrumento Nº 5035709-90.2022.4.04.0000/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5000779-05.2022.4.04.7127/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: LAURO PEREIRA SOARES

ADVOGADO: MANOELA SOARES SAGGIN (OAB RS073699)

EMENTA

DIREITO DA SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RITUXIMABE (MABTHERA®). LINFOMA DO MANTO. EFICÁCIA COMPROVADA. IMPROPRIEDADE DO TRATAMENTO DISPONÍVEL.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas. 2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Comprovada a eficácia da medicação segundo as diretrizes da Medicina Baseada em Evidências - MBE e a impropriedade do tratamento disponibilizado pelo SUS para sua condição clínica, pode ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de outubro de 2022.



Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003538899v4 e do código CRC 97b9d97e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Data e Hora: 27/10/2022, às 18:24:34


5035709-90.2022.4.04.0000
40003538899 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 03/11/2022 08:00:58.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/10/2022 A 26/10/2022

Agravo de Instrumento Nº 5035709-90.2022.4.04.0000/RS

RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

AGRAVANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

AGRAVADO: LAURO PEREIRA SOARES

ADVOGADO: MANOELA SOARES SAGGIN (OAB RS073699)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/10/2022, às 00:00, a 26/10/2022, às 14:00, na sequência 956, disponibilizada no DE de 07/10/2022.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 03/11/2022 08:00:58.

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