| D.E. Publicado em 19/11/2015 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009850-80.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | CELIA FIN ANDOLHE |
ADVOGADO | : | Jeferson Della Libera |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AVERBAÇÃO.
1. A comprovação do exercício de atividade rural deve-se realizar na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, mediante início de prova material complementado por prova testemunhal idônea.
2. Comprovado o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, deve ser reconhecido o tempo de serviço respectivo.
3. Quando não implementada a carência necessária à aposentadoria por idade rural, a parte autora tem direito à averbação dos períodos reconhecidos, para fins de obtenção de futuro benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, por negar provimento à apelação da parte autora e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de novembro de 2015.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7875015v7 e, se solicitado, do código CRC 631329DD. | |
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| Signatário (a): | Rogerio Favreto |
| Data e Hora: | 12/11/2015 13:39 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009850-80.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
APELANTE | : | CELIA FIN ANDOLHE |
ADVOGADO | : | Jeferson Della Libera |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de aposentadoria rural por idade em razão do desenvolvimento de atividades rurais em regime de economia familiar.
Sentenciando, o Juízo de origem julgou extinto o feito sem resolução de mérito, em face da coisa julgada, com relação aos períodos de 02/10/1963 a 21/02/1975 e de 01/01/2003 a 01/12/2006, e julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural, embora tenha reconhecido o labor rural da autora no período de 01/12/2006 a 08/03/2010, tendo em vista que não implementou a carência necessária para o deferimento do benefício. Condenou a demandante ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios ao procurador da parte demandada, fixados em R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais); porém, suspendeu a exigibilidade de tais verbas, em razão de assistência judiciária gratuita concedida à parte requerente.
Irresignada, a parte autora apela, sustentando tratar-se de um novo pedido de aposentadoria utilizando-se de novas provas, com nova causa de pedir e novo período de atividade rural, dessa forma, não há a configuração da coisa julgada. Alegou, ainda, que restou comprovado o trabalho em regime de economia familiar por um período superior a 25 anos, cumprido assim o requisito da carência.
Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Da coisa julgada:
Verifica-se a ocorrência de coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada (art. 301 §1º, CPC) que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso (art. 301, §3º, CPC). Pode-se dizer que uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (art. 301, §2º, CPC).
No caso em exame, a parte autora completou 55 anos em 02/10/2006 e ajuizou a presente ação na Comarca de Campo Novo/RS, pretendendo a concessão do benefício de aposentadoria rural por idade, desde o requerimento administrativo formulado em 08/03/2010 (fl. 96).
No entanto, havia ajuizado ação anterior, sob nº 088/1.07.0001009-4, perante o mesmo juízo, na qual também postulava a concessão de aposentadoria rural por idade, desde o requerimento administrativo de 01/12/2006. O pedido formulado naquela demanda foi julgado improcedente, nos seguintes termos:
Vistos etc.
CELIA FIN ANDOLHE, já qualificada nos autos, ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE RECONHECIMENTO E COBRANÇA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, Autarquia Federal, aduzindo que encaminhou seu pedido de aposentadoria por idade, como agricultora, o qual foi indeferido pelo requerido sob o fundamento de que não teria comprovado o efetivo exercício de atividade rural. Afirmou que trabalhou no meio rural desde a sua infância até seu casamento, tendo retornado à atividade rural em 2003. Disse que durante o período em que trabalhou como agricultora, a terra era sua única fonte de renda, tendo trabalhado, portanto, em regime de economia familiar, possuindo documentos nesse sentido. Referiu que antes de se casar trabalhou nas terras pertencentes aos seus pais, situada no interior do Município de Braga, posteriormente, quando voltou à atividade rurícola, em 2003, passou a trabalhar em terras de arrendadas, de propriedade de Marcial Rebelato, situadas na Localidade de Três Vertentes, também Município de Braga. Ao final, requereu fosse reconhecida sua condição de segurada especial durante os períodos de 02/10/1963 a 21/02/1975 e 01/01/2003 a 01/12/2006, bem como solicitou a procedência do feito para o fim de condenar o INSS a lhe pagar o benefício de aposentadoria por idade, incluídas as parcelas vencidas, contadas da data do requerimento administrativo (01/12/2006), e, ainda, a condenação do demandado a pagar as custas processuais e honorários advocatícios. Requereu AJG, que foi deferida à fl. 65, e juntou documentos (fls. 10/64).
Citada (fl. 67 verso), a Autarquia ré contestou o feito (fls. 68/74), aduzindo que o pedido foi indeferido em face de faltar à autora o período de carência. Asseverou, ainda, não haver provas documentais do efetivo exercício da atividade rurícola no período mencionado na exordial, bem como afirmou que o marido da requerente trabalhou como motorista, tendo, inclusive, se aposentado como tal. Para o caso de procedência, pediu honorários advocatícios apenas sobre as parcelas vencidas ao tempo da prolação da sentença, correção monetária a partir do ajuizamento da demanda e custas por metade, nos termos do disposto na Súmula 02 do Extinto TARGS. Ao final, reiterou o pedido de improcedência.
Houve réplica (fls. 76/83).
O Ministério Público manifestou-se no sentido de não intervenção no feito (fls. 87/88).
O feito foi instruído com a oitiva de duas testemunhas (fls. 99/100).
Oportunizada a apresentação de memoriais, em substituição aos debates, a requerente reiterou o pedido de procedência da demanda (fls. 105/109), e o INSS manifestou-se, reiterando o pedido de improcedência (fls. 110/112).
Vieram, então, os autos conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo a fundamentar.
Não havendo preliminares a serem enfrentadas, passo de imediato ao exame do mérito da demanda.
Postula a parte autora a concessão do benefício de aposentadoria por idade, que tem por fundamento, segundo Miguel Horvath Júnior, in Direito Previdenciário, "o princípio da solidariedade social na qual o Estado como emanação da vontade de seus integrantes tem o dever de garantir a todos os cidadãos os meios necessários para o efetivo gozo dos direitos civis e políticos".
O benefício possui previsão legal no art. 48 da Lei 8213/91 e art. 201, §7º, II, da CF/88, que dispõe respectivamente:
Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, da alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
Art. 201, §7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - (...);
II - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, reduzido em 5 (cinco) anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
Inicialmente cabe referir que o(a) requerente possui a idade mínima exigida em lei para a concessão do benefício, pois tendo nascido em 02-10-1951, conforme comprova o documento da fl. 14, contava com 55 (cinqüenta e cinco) anos de idade na data do requerimento administrativo (01/12/2006). Preenchido, portanto, o primeiro requisito para a concessão do benefício, no que, inclusive, não houve oposição do INSS.
Cumpre analisar, entretanto, o preenchimento dos demais requisitos, quais sejam, a condição de segurada, nos termos do art. 11, VII e §1º da Lei 8213/91, bem como o período de carência.
Refere a autora que exerceu a atividade de agricultora, enquadrando-se no conceito de segurada especial, nos termos do disposto no art. 11, VII da Lei 8213/91.
O INSS, de sua parte, afirma que esta não trouxe elementos suficientes a comprovar tal condição, não havendo prova do cumprimento do período de carência para concessão do benefício, bem como referiu que o marido da autora trabalhou com atividades urbanas (motorista), tendo se aposentado como tal.
Dispõe o §1º do art. 11 da Lei 8213/91 que:
Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.
Do conjunto probatório carreado aos autos, todavia, conclui-se que a ação não merece procedência, estando correto o agir da Autarquia.
Sabe-se que praticamente todos os benefícios previdenciários exigem período de carência, ou seja, um período mínimo durante o qual o segurado deve contribuir para a Previdência, mesmo que indiretamente, para posteriormente fazer jus ao benefício.
No caso dos autos, conforme ressaltado pela Autarquia, necessário que a autora comprovasse o período de carência, bem como a condição de segurada especial.
Contudo, de tal ônus não se desincumbiu a contento.
A autora trouxe provas documentais em nome de seu pai, as quais devem ser consideradas para a configuração do período em que ainda residia com seu genitor, afinal, os documentos da época normalmente eram emitidos em nome do pater familis, porém, tais documentos não comprovam suficientemente o exercício da atividade rural no período alegado.
Frise-se que apenas os documentos do período de 2003 a 2006 estão em nome da autora.
Por outro lado, verifica-se que o alegado exercício do regime de economia familiar, supostamente efetivado no período de 01/01/2003 a 01/12/2006, restou desconfigurado, uma vez que, como bem informado pelas testemunhas, o marido da autora era motorista, tendo se aposentado como tal, ou seja, a renda da família advinha da agricultura e também da aposentadoria do esposo da autora.
Pertinente colar os depoimentos testemunhais.
Jorceli Matieli da Silva afirmou (fl. 99):
"(...) Quando casou-se foi morar na granja de Marcial Rebelato, distante uns 05 ou 06 km da localidade me questão, juntamente com seu esposo chamado Adroaldo Andolhe. Adroaldo trabalhava como motorista do caminhão da granja de Marcial e a autora plantava em umas áreas cedidas por Marcial. Tal situação perdurou até por volta do ano de 2003, quando Adroaldo aposentou-se (...)".
No mesmo sentido foram as declarações de Waldemar Della Libera (fl. 100):
"(...) Acredita que o esposo da autora aposentou-se como empregado de Marcial. (...)"
Assim, desconfigurado o regime de economia familiar, o que inviabiliza o reconhecimento da autora como segurada especial, razão pela qual a decisão impositiva é a improcedência da demanda.
Nesse cotejo, é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. RESTABELECIMENTO. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. PROFESSORA MUNICIPAL. BENEFÍCIO INDEVIDO. VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS À SEGURADA. REPETIÇÃO. DESCONTOS. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. VEDAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. Para caracterização do regime de economia familiar exige-se que o trabalho dos membros da família seja indispensável à subsistência da família. A circunstância de a autora perceber outra fonte de rendimentos que não provenha do trabalho agrícola - aposentadoria pelo exercício de magistério - afasta a indispensabilidade do labor rurícola como forma de subsistência, o que inviabiliza o reconhecimento de sua condição de segurada especial. Descaracterizada a condição de segurada especial da autora, impõe-se a reforma da decisão monocrática para julgar improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de aposentadoria rural por idade. O art. 115 da Lei 8.213/91 prevê a possibilidade de desconto dos montantes pagos equivocadamente pelo Instituto-réu ao segurado. Por outro lado, a Constituição Federal garante, em seu artigo 201, § 2º, que nenhum benefício terá valor inferior ao mínimo. Desse modo, tem-se entendido que tal desconto não poderá ocorrer em se tratando de benefício de valor mínimo, como no caso. Assim, deve o INSS a abster-se de efetuar qualquer desconto no benefício de pensão por morte recebida pela autora relativamente aos valores que pagou indevidamente à mesma a título de aposentadoria rural por idade. Reconhecida a sucumbência recíproca, deve a verba honorária ser compensada entre as partes. Quanto às custas processuais, cabe a aplicação da Súmula nº 02 do TARS em relação aos feitos tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul em que figure como parte o INSS, devendo a autarquia previdenciária arcar com apenas metade das custas processuais. Custas devidas pro rata, restando suspensa a parcela competente à parte autora, em razão de litigar ao abrigo da assistência judiciária gratuita. Apelação e remessa oficial parcialmente providas. Revogada a antecipação de tutela." (TRF4, AC 2007.71.99.006222-2, Turma Suplementar, Relator Fernando Quadros da Silva, D.E. 13/06/2008). Grifei.
Diante do acima exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por CELIA FIN ANDOLHE em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL.
Sucumbente, arcará a parte autora com a totalidade das custas processuais, bem como honorários advocatícios ao procurador do INSS, estes fixados em R$ 1.000,00 (um mil reais), assim considerados o trabalho realizado e o tempo despendido para tanto, bem como o valor e a natureza do feito, em observância ao art. 20, § 4º, Código de Processo Civil. Suspendo, todavia, a exigibilidade de tais verbas, enquanto perdurar o estado de carência da parte Requerente, em face da AJG que lhe foi deferida à fl. 65.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Transitada em julgado, arquive-se com baixa.
A sentença transitou em julgado em 30/01/2009.
De fato, a demanda ajuizada sob o n° 088/1.07.0001009-4 envolve as mesmas partes e pedido, sendo certo que a primeira já se encontra arquivada em face do trânsito em julgado. Entretanto, relativamente à causa de pedir, o Magistrado de 1º Grau analisou os períodos de 02/10/1963 a 21/02/1975 e de 01/01/2003 a 01/12/2006 e, entendendo não restar configurado o labor rural em regime de economia familiar, julgou improcedentes os pedidos.
Assim, tem-se que os períodos de 02/10/1963 a 21/02/1975 e de 01/01/2003 a 01/12/2006 estão acobertados pela coisa julgada, não podendo ser rediscutidos. Cabe aferir, nestes autos, apenas o período de atividade rural posterior a 01/12/2006, o qual não foi objeto de análise na demanda anterior.
Sinale-se, por fim, que não há falar em eficácia preclusiva da coisa julgada, visto que a previsão do art. 474 do Código de Processo Civil ("Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.") visa coibir a rediscussão do mesmo pedido em outra ação, fundado em novos argumentos, hipótese diversa da ora examinada.
Diante do exposto, deve ser confirmada a sentença no que tange à existência de coisa julgada quanto aos períodos de 02/10/1963 a 21/02/1975 e de 01/01/2003 a 01/12/2006.
Do reexame necessário:
Cabe conhecer da remessa oficial, uma vez que não há condenação em valor certo, afastada, por isso, a incidência do § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil.
Considerações gerais sobre a aposentadoria rural por idade:
A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/1991. Assim, necessária a comprovação do implemento da idade mínima (sessenta anos para o homem e de cinquenta e cinco anos para a mulher) e do exercício de atividade rural por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida, ainda que a comprovação seja feita de forma descontínua, sendo dispensável o recolhimento de contribuições. Neste sentido, o julgamento da APELREEX nº 0008606-53.2014.404.9999, Quinta Turma, de minha relatoria, D.E. 15/08/2014.
Não se pode olvidar, outrossim, que o artigo 143 da Lei nº 8.213/1991, tratando genericamente do trabalhador rural que passou a ser enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social (na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do Art. 11), assegurou-lhe o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de sua vigência, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência exigida. Complementando o artigo 143 na disciplina da transição de regimes, o artigo 142 da Lei nº 8.213/1991 estabeleceu que, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rural cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial deve obedecer a uma tabela que prevê prazos menores no período de 1991 a 2010.
Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/1991, como regra, deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que, até então, já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXVI, e Lei de Benefícios, art. 102, §1º).
Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/1991. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subseqüentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.
Deve ser observado que nos casos em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31/08/1994, data da publicação da Medida Provisória nº 598, que alterou o art. 143 da Lei de Benefícios, (posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.
A disposição contida no art. 143 da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.
Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo (STF, RExt. nº. 631240/MG, Rel. Ministro Roberto Barroso, Plenário, julgado em 03/09/2014).
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Não se exige, por outro lado, prova documental plena da atividade rural em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural. Com efeito, como o §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família exercem "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais da entidade respectiva serão formalizados não individualmente, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta, exercida, normalmente, no caso dos trabalhadores rurais, pelo genitor ou cônjuge masculino. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Importante, ainda, ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Ou seja, somente será descaracterizado o regime de economia familiar acaso reste comprovado que a remuneração proveniente do labor urbano do cônjuge importe em montante tal que dispense a renda do labor rural para a subsistência do grupo familiar.
Cumpre salientar que, muitas vezes, a Autarquia Previdenciária alega que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade agrícola no período de carência. Quanto a isso, deve ser dito que as conclusões a que chegou o INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pelo conjunto probatório produzido nos autos judiciais. Existindo conflito entre as provas colhidas na via administrativa e em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com todas as cautelas legais, garantindo-se o contraditório. Não se trata aqui de imputar inverídicas as informações tomadas pela Seguradora, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso do processo jurisdicional. Dispondo de elementos que possam obstaculizar a pretensão da parte autora, cabe ao INSS judicializar a prova administrativa, a fim de que seja examinada no conjunto do acervo probatório constante dos autos.
Do caso concreto:
No presente caso, observo que a parte autora preencheu o requisito etário, 55 (cinquenta e cinco) anos, em 02/10/2006, porquanto nascida em 02/10/1951 (fl. 32). O requerimento administrativo foi efetuado em 08/03/2010 (fl. 96). Dessa forma, a parte autora deve comprovar o exercício de atividade rural no período de 150 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário ou 174 meses imediatamente anteriores ao requerimento administrativo, o que lhe for mais favorável.
Para fazer prova do exercício de atividade rural, a parte autora instruiu sua peça inicial com os seguintes documentos:
- certidão de casamento da autora, celebrado no ano de 1969, onde consta a profissão de seu marido como motorista (fl. 33);
- notas fiscais de compra/venda de produtos agrícolas em nome do pai da autora, relativas aos anos de 1965, 1967, 1968, 1970/1975 e 1979 (fls. 51/52, 55/57 e 59/65);
- notas fiscais de compra/venda de produtos agrícolas em nome da autora, relativas aos anos de 2003/2010 (fls. 66/81);
- ficha filiação da autora no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Braga-RS, datada 27/03/2003 e comprovantes de contribuição dos exercícios 2003 a 2006 (fl.82/83);
- contrato de arrendamento rural, no qual autora consta como arrendatária, com prazo de validade de 18/03/2003 a 18/03/2010 (fl.840);
Por ocasião da audiência de instrução, em 03/04/2013 (fls. 172/174, foram inquiridas as testemunhas Maria de Lourdes Bonés e Lurdes Miguelina Benini, as quais confirmaram o exercício de atividades rurais pela demandante.
A testemunha Maria de Lourdes Bonés relata que conhece a autora desde pequena, pois foram colegas de escola. Menciona que a requerente morou e trabalhou com seus pais até o casamento e que, na época, todos os irmãos trabalhavam na agricultura. Esclarece que o pai da autora sempre foi agricultor e que nas terras da família da autora plantavam de tudo, sem o auxílio de empregados. Afirma que a demandante, após o casamento, passou a morar numa casinha na granja do Sr. Marcial Rebelato, período em que o marido atuava como caminhoneiro, porém ele sempre ajudava na lavoura. Explica que, posteriormente, as terras do pai da demandante foram vendidas para o Sr. Marcial, mas a autora permaneceu trabalhando no local, pois tinha contrato com o comprador. Informa que, depois da aposentadoria do cônjuge, a família saiu da granja e passou morar em uma propriedade do pai da autora no interior, neste local a autora e o marido trabalhavam na lavoura e possuíam criação de gado e porcos, sendo que toda a renda era oriunda da lavoura. Por fim, diz que a demandante, há dois ou três anos, passou a morar na cidade, devido a doença do marido, entretanto, em julho de 2010 ainda estava fixada na zona rural.
A testemunha Lurdes Miguelina Benini, por sua vez, esclarece que conhece a autora há mais de vinte anos. Narra que a requerente trabalhava, com os pais e irmãos, na lavoura e na criação de porcos e vacas. Explica que, inicialmente, o trabalho era braçal e com auxílio de bois, somente depois é que surgiu o trator; que plantavam feijão, arroz, trigo, aveia, soja e "tudo que era de subsistência". Relata que a demandante e o marido, após o casamento, mudaram-se para as terras do Sr. Marcial Rebelado, período em que o cônjuge da autora trabalhava para o proprietário das terras como caminhoneiro, "puxando" produtos e ela trabalhava na lavoura. Informa que a propriedade do pai da autora foi adquirida pelo Sr. Marcial, porém, este permitiu que, após a aposentadoria do cônjuge da autora, que este e a esposa morassem nas casas da propriedade recém incorporada. Depõem que, neste novo domicílio, a requerente plantava feijão, arroz, mandioca, soja e possuía criação de gado leiteiro e porcos. Por fim, diz que a demandante, em torno de julho de 2010, passou a morar na cidade.
No caso dos autos, considerando o reconhecimento da coisa julgada, reitere-se que o objeto da presente análise limita-se ao período entre 01/12/2006 e 08/03/2010 (DER).
No caso, a requerente satisfaz o requisito de início de prova material para este período, uma vez que, há notas fiscais de compra e venda de produtos agrícolas em nome da autora durante todo o período em análise (01/12/2006 e 08/03/2010).
O regime de economia familiar tem como característica básica o trabalho rural, sem empregados permanentes, realizado pelos membros da família através da mútua colaboração. Os depoimentos mostraram que isto ocorreu no caso em questão.
Dessa forma, a partir dos documentos acostados aos autos, os quais constituem início de prova material, corroborados pela prova testemunhal, resta devidamente comprovado o trabalho agrícola desenvolvido pela requerente, em regime de economia familiar no período de 01/12/2006 e 08/03/2010 (DER).
Assim, restando comprovado o exercício de atividades rurícolas pela parte autora, na condição de segurada especial, deve ser mantida a sentença no que tange ao reconhecimento do período de 01/12/2006 a 08/03/2010 como tempo de serviço rural.
Como a parte autora não implementa o número de meses correspondentes à carência necessária à concessão do benefício, inviável a sua concessão, pelo que deve ser mantida a improcedência quanto ao ponto.
Dos consectários:
Mantenho a condenação ao pagamento das custas e despesas processuais, ficando suspensa sua exigibilidade em razão da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Conclusão:
Mantida a sentença quanto ao reconhecimento do labor rural e à averbação do período de 01/12/2006 e 08/03/2010, bem quanto à improcedência do pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade. Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
Dispositivo:
ANTE O EXPOSTO, voto por negar provimento à apelação da parte autora e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 10/11/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009850-80.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00000958120128210088
RELATOR | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
PRESIDENTE | : | Rogerio Favreto |
PROCURADOR | : | Dr. Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | CELIA FIN ANDOLHE |
ADVOGADO | : | Jeferson Della Libera |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 10/11/2015, na seqüência 93, disponibilizada no DE de 20/10/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E À REMESSA OFICIAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
: | Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT | |
: | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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