APELAÇÃO CÍVEL Nº 5031365-23.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ÉZIO TEIXEIRA |
APELANTE | : | MARIA DE LOURDES DA CONCEICAO |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. HONORÁRIOS.
1. Comprovado o exercício da atividade rural como trabalhador rural boia-fria, com base em início de prova material acompanhada por prova testemunhal idônea, deve ser computado o tempo de serviço respectivo, exceto para fins de carência na aposentadoria por tempo de contribuição.
2. Tratando-se de trabalhador rural boia-fria, a exigência do início de prova material deve ser flexibilizada, pois as circunstâncias do desempenho da atividade justificam a dificuldade do segurado em apresentar início de prova material mais substancial sobre a sua condição de trabalhadora rural.
3. O segurado pode optar pela forma de cálculo mais vantajosa da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com o direito adquirido antes da EC 20/98 ou antes ou depois da Lei 9.876/99, para a concessão do benefício a partir da data de entrada do requerimento administrativo.
4. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
5. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do artigo 497, caput, do novo Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da parte autora e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2016.
Ezio Teixeira
Relator
| Documento eletrônico assinado por Ezio Teixeira, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8779836v2 e, se solicitado, do código CRC 98119490. | |
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| Signatário (a): | Ezio Teixeira |
| Data e Hora: | 20/12/2016 13:31 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5031365-23.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | ÉZIO TEIXEIRA |
APELANTE | : | MARIA DE LOURDES DA CONCEICAO |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido com o seguinte dispositivo:
"Diante do exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido.
Condeno a autora, diante da sucumbência, ao pagamento integral das custas e despesas judiciais, mais os honorários advocatícios, que fixo, com parâmetro no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, em R$ 600,00, considerando a atuação do Procurador do réu, a média complexidade das matérias versadas e o tempo despendido para a solução da lide.
Todavia, por ser a autora beneficiário da assistência judiciária gratuita, a exigibilidade do pagamento dessas verbas deve ficar suspensa, nos termos da Lei n. 1.060/50.
Cumpram-se as disposições pertinentes do Código de Normas da Egrégia Corregedoria-Geral de Justiça.
Publique-se e registre-se, nos termos da Seção 20, do Capítulo 02, do Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná.
Intimem-se."
Em sua apelação, a parte autora pretende a reforma da sentença para obter o reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar desde tenra idade até 1987, pois entende ter apresentado início razoável de prova material confirmado por prova testemunhal.
O INSS, intimado para apresentar contrarrazões, silenciou.
É o relatório.
VOTO
O caso dos autos trata do pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde 25/08/2010 (DER), mediante a contagem de tempo de serviço rural em regime de economia familiar.
ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
Inicialmente, entende-se por "regime de economia familiar" nas palavras da Lei nº 8.213/91, através de seu art. 11, § 1°, "a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados".
No que concerne à prova do tempo de serviço exercido nesse tipo de atividade, deve-se observar a regra art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento".
Para a análise do início de prova material, filio-me aos seguintes entendimentos sumulados:
Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula nº 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Súmula nº 577 do STJ: É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.
Quanto à contagem do tempo de serviço rural em regime de economia familiar prestado por menor de 14 anos, entendo ser devida. Conforme o STJ, a legislação, ao vedar o trabalho infantil do menor de 14 anos, teve por escopo a sua proteção, tendo sido estabelecida a proibição em benefício do menor e não em seu prejuízo, aplicando-se o princípio da universalidade da cobertura da Seguridade Social (AR nº 3.629/RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 9/9/2008; EDcl no REsp nº 408.478/RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ 5/2/2007; AgRg no REsp nº 539.088/RS, Ministro Felix Fischer, DJ 14/6/2004). No mesmo sentido é a Sumula nº 05 da TNU dos JEF.
Esclareço ser possível a formação de início razoável de prova material sem a apresentação de notas fiscais de produtor rural em nome próprio. Com efeito, a efetiva comprovação da contribuição é flexibilizada pelo fato de o art. 30, inciso III, da Lei nº 8.212/91, atribuir a responsabilidade de recolher à empresa que participa da negociação dos produtos referidos nas notas fiscais de produtor, seja na condição de adquirente, consumidora, consignatária ou se trate de cooperativa. Nesse caso, a contribuição especificada não guarda relação direta com a prestação de serviço rural em família, motivo pelo qual se pode reconhecer o tempo de serviço rural, ainda que ausentes notas fiscais de produtor rural como início de prova material.
A existência de início de prova material, todavia, não é garantia de obtenção do tempo de serviço postulado. A prova testemunhal é de curial importância para que se confirme a atividade e seu respectivo lapso temporal, complementando os demais elementos probatórios.
No que respeita à não exigência de contribuições para a averbação do tempo de serviço do segurado especial, a questão deve ser analisada sob o prisma constitucional, eis que em seu texto foi prevista a unificação da Previdência Social, outorgando a qualidade de segurado do RGPS aos trabalhadores rurais.
Obedecendo a tais mandamentos, o § 2º, do art. 55, da Lei nº 8.213/91 previu a possibilidade de que o tempo de serviço rural dos segurados especiais fosse computado independentemente do recolhimento de contribuições ou indenização:
"O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência conforme dispuser o Regulamento."
Tal entendimento foi esposado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão liminar da ADIN 1664-4-DF. Assim, desde que devidamente comprovado, o tempo de serviço que o segurado trabalhou em atividade rural poderá ser utilizado para fins de qualquer aposentadoria por tempo de serviço independentemente de contribuições.
Também devem ser observados os precedentes vinculantes, conforme estipula o art. 927 do CPC/2015. Do STJ, temos as seguintes teses firmadas:
Tema 644 - Concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição a trabalhador urbano mediante o cômputo de atividade rural
"Não ofende o § 2º do art. 55 da Lei 8.213/91 o reconhecimento do tempo de serviço exercido por trabalhador rural registrado em carteira profissional para efeito de carência, tendo em vista que o empregador rural, juntamente com as demais fontes previstas na legislação de regência, eram os responsáveis pelo custeio do fundo de assistência e previdência rural (FUNRURAL). (REsp 1352791/SP)
Tema 554 - Abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural do "boia-fria"
"o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (REsp 1321493/PR)
Temas 532, 533 - Repercussão de atividade urbana do cônjuge na pretensão de configuração jurídica de trabalhador rural previsto no art. 143 da Lei 8.213/1991
"3.O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana." (REsp 1304479/SP)
No caso dos autos, a parte autora apresentou os seguintes documentos para atender à exigência de início de prova material:
- Certidão de nascimento da autora, ocorrido em 09/04/1955, na qual consta que o nascimento ocorreu no sítio Queimadas, 3º Distrito do município de Mirandiba-PE (Evento 1, OUT1, p. 20);
- Certidão de nascimento de Natanael, irmão da autora, em 1958, em Queimadas, distrito de São José do Belmonte - PE (Evento 1, OUT1, p. 21);
- Certidão de casamento dos pais da parte autora, realizado em 15/09/1961, na cidade de Lobato-PR, onde seu pai foi qualificado como lavrador (Evento 1, OUT1, p. 22);
- Certidão de nascimento de Daniel, irmão da autora, ocorrido em 17/01/1962 em Santa Fé-PR, mas registrado em Flórida-PR no dia 22/05/1965, ocasião em que o pai da autora foi qualificado como lavrador (Evento 1, OUT2, p. 2);
- Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do pai da autora, na qual consta que a admissão ocorreu em 09/09/1984 (Evento 1, OUT2, p. 3);
Já na audiência de instrução, a parte autora, em seu depoimento pessoal, e as testemunhas ouvidas declararam o seguinte:
MARIA DE LOURDES DA CONCEIÇÃO - AUTORA (Evento 1, OUT3, p. 18)
Que trabalhou por 20 anos como boia-fria; que começou a trabalhar quando era criança; que trabalhou nas propriedades de Laranjeiras, Helio Bortolato e Nelson Barbosa; que nessas propriedades trabalhavam carpindo, raleando e colhendo algodão, e também nas culturas de milho e feijão; que morava na cidade e era transportada para as propriedades rurais de caminhão; que recebia diárias, as quais eram pagas aos sábados na casa do patrão e que também era remunerada por arroba de algodão colhido; que passados 20 anos de trabalho na lida rural, deixou o campo para trabalhar na prefeitura deste Município de Alto Piquiri.
JAQUELINE CAMPONEZ CARLINE (Evento 1, OUT3, p. 19)
Que quando tinha 10/11 anos, aproximadamente, era levada por sua mãe, que trabalhava na roça; que eram transportadas em caminhões, juntamente com a autora e outros trabalhadores rurais; que se recorda de ver a autora nesses caminhões; que sua mãe, assim como a autora, trabalhava nas propriedades de Hélio Bortolato, Nelson Barbosa, Laranjeiras e Josuel; trabalhavam colhendo, carpindo e raleando algodão; que se recorda que também iam nos caminhões as pessoas de Vicente, seu tio Valdemar, que era o "gato", dona Apolônia e a Irmã Maria; que a depoente trabalhou na roça até os 28 anos de idade; que até completar essa idade continuou trabalhando com a autora na roça; que o pagamento das diárias era feito na casa do "gato", que era seu tio, ou às vezes na casa do patrão, nos finais de semana; que depois que parou de trabalhar na roça não sabe dizer se a autora continuou a trabalhar no meio rural. REPERGUNTAS PELO PROCURADOR DA AUTORA: Que atualmente a autora trabalha na prefeitura; que já faz anos que a autora trabalha na prefeitura.
VICENTE OLIVEIRA SALES (Evento 1, OUT3, p. 20)
Que conhece a autora há 30 anos; que trabalhou com a autora como boia-fria por aproximadamente 10 anos; que trabalharam em várias propriedades, sendo que se recorda que um dos proprietários era conhecido como "Laranjeiras"; que se recorda que trabalharam também para o "Josuel" e para o "Azul"; que eram transportados para as propriedades de caminhão, ônibus ou trator; que o transporte era feito pelos "gatos"; que um dos "gatos" era chamado Valdemar; que o pagamento das diárias era feito nos finais de semana; que trabalhavam colhendo, carpindo e raleando algodão, e também carpindo soja e quebrando milho; que o depoente, assim como a autora, morava na cidade nessa época; que faz uns 10 anos que deixou de trabalhar como boia-fria, para trabalhar na Usina; que a autora também deixou de trabalhar como diarista faz uns 10 anos aproximadamente, quando ela passou a trabalhar na prefeitura. REPERGUNTAS PELO PROCURADOR DA AUTORA: Que não se recorda ao certo quando iniciou o trabalho na Usina.
O início de prova material indica que a parte autora nasceu em família de trabalhadores rurais, no interior do estado de Pernambuco. Posteriormente, seus pais se deslocaram para o interior do estado do Paraná, onde formalizaram o casamento. Nos registros civis, desde o nascimento da autora, passando pelo matrimônio e chegando nos registros de nascimento dos demais filhos, o pai da autora sempre foi qualificado como lavrador. Logo, o início de prova material traz indícios de uma relação de continuidade da família com as atividades campesinas.
A prova testemunhal, por sua vez, foi coerente e firme no sentido de caracterizar uma situação de trabalho rural como boia-fria ou diarista. A parte autora afirmou, em seu depoimento pessoal, que trabalhava para diversos proprietários de terras, em colheitas diversas. Morava na cidade, mas era agenciada por intermediários, popularmente conhecidos como "gatos", que levavam os trabalhadores rurais em caminhões para exercerem o trabalho nas propriedades rurais. As duas testemunhas ouvidas confirmaram a versão da parte autora.
O conjunto probatório evidencia, portanto, que a parte autora efetivamente desempenhou atividade rural como trabalhador boia-fria ou diarista. Justamente as circunstâncias do desempenho da atividade justificam a dificuldade da parte autora em apresentar início de prova material mais substancial sobre a sua condição de trabalhadora rural. O trabalhador rural diarista presta sua mão-de-obra na mais absoluta informalidade, estando a descoberto das garantias mínimas que uma relação de trabalho deve oferecer ao trabalhador. Por isso, a dificuldade em trazer elementos documentais para indicar o exercício da atividade rural.
Sopesados esses elementos, verifico que a parte autora completou 12 anos de idade em 09/04/1967. Como delimitou o seu pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural desde tenra idade até 1987, concluo ser devido o reconhecimento da atividade rural no período de 09/04/1967 a 31/12/1987. Justifico tal delimitação pela impossibilidade de reconhecimento de tempo de serviço rural antes dos 12 anos de idade e observo que a CTPS da parte autora foi expedida em 18/01/1988 (Evento 1, OUT1, p. 18), de modo que não há impedimento para estender a atividade rural até o final do ano de 1987.
Nesses termos, atento às particulares circunstâncias do caso concreto, entendo ser devido o reconhecimento do tempo de serviço rural como boia-fria, no período de 09/04/1967 a 31/12/1987, o qual deve ser computado para fins de aposentadoria por tempo de serviço, exceto para fins de carência, nos termos do art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91.
DIREITO À APOSENTADORIA E FORMA DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO
O direito à aposentadoria antes da Emenda Constitucional nº 20/98 surgia para o segurado homem com 30 anos de serviço e para a mulher com 25 anos, eis que prevista a possibilidade de concessão do benefício de forma proporcional. Com o advento da referida emenda, ocorreram grandes mudanças nas regras de concessão da aposentação. Porém, o art. 3º da inovação constitucional assegurou a concessão de aposentadoria e pensão, a qualquer tempo, aos segurados do RGPS, bem como aos seus dependentes, que, até a data da publicação da Emenda, tenham cumprido os requisitos para a obtenção destes benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.
Da mesma forma, a Lei 9.876/99 que mudou o cálculo do valor do salário-de-benefício, instituindo o fator previdenciário, determinou em seu art. 6° que o segurado que até o dia anterior à data de publicação da Lei tenha cumprido os requisitos para a concessão de benefício teria o cálculo da sua renda mensal inicial segundo as regras até então vigentes. Dessa forma, a aquisição do direito à concessão da aposentadoria possui três marcos aquisitivos, nos quais se verifica a situação do segurado nesses momentos, calculando-se o coeficiente da renda mensal inicial, de acordo com o tempo de serviço do segurado em cada um desses momentos. Significa que o segurado, para ter aplicado à sua aposentadoria a forma de cálculo do salário-de-benefício de acordo com a EC nº 20/98 ou Lei nº 9.876/99, não poderá contar tempo posterior às respectivas datas dessas normas, para o aumento de coeficiente de cálculo.
Nesse diapasão, com base no respeito ao direito adquirido, pode-se resumir a situação dos segurados, conforme o implemento dos requisitos para aposentadoria e o método de cálculo de seus benefícios da seguinte forma:
Situação 1 - Direito adquirido até a EC 20/98
1.1 Aposentadoria Integral: 30 anos de serviço (mulheres) / 35 anos de serviço (homens) / 100% da média dos 36 últimos salários-de-contribuição, encontrados nos 48 meses antes de 15/12/1998, de acordo com o art. 202, II da CF/88, antes EC 20/98 c/c redação original do art. 29 e 53 da lei 8.213/91
1.2 Aposentadoria proporcional: 25 anos de serviço (mulheres) / 30 anos de serviço (homens) / 70 % da média dos 36 últimos salários-de-contribuição, encontrados nos 48 meses antes de 15/12/1998 + 6% a cada ano adicional até essa data, como determina o art. 202, §1º da CF/88, antes da EC 20/98 c/c redação original do art. 29 e 53 da Lei 8.213/91
Situação 2 - Direito adquirido até a Lei 9.876/99
2.1 Aposentadoria Integral: 30 anos de serviço (mulheres) / 35 anos de serviço (homens) / 100% da média dos 36 últimos salários-de-contribuição, encontrados nos 48 meses antes de 28/11/1999, conforme o art. 201, § 7º da CF/88, com redação dada pela EC 20/98 c/c redação original do art. 29 e 53 da lei 8.213/91
2.2 Aposentadoria proporcional: para os segurados já vinculados ao RGPS antes de 15/12/1998 (EC 20/98) / 25 anos de serviço e idade de 48 anos (mulheres) / 30 anos de serviço e idade de 53 anos (homens) + 40% do tempo faltante até 15/12/98 (pedágio) / 70% da média dos 36 últimos salários-de-contribuição, encontrados nos 48 meses antes de 28/11/1999, + 5% a cada ano adicional até essa data, com fundamento no art. 9º, § 1º, inc. I e II da EC 20/98 c/c redação original do art. 29 da lei 8.213/91
Situação 3 - Direito adquirido após a Lei 9.876/99
3.1 Aposentadoria Integral: 30 anos de serviço (mulheres) / 35 anos de serviço (homens) / 100% da média dos 80% maiores salários-de-contribuição desde julho de 94 com fator previdenciário, de acordo com o art. 201, § 7º da CF/88, com redação dada pela EC 20/98 c/c art. 29 da lei 8.213/91, redação dada pela lei 9.876/99, e art. 53 da Lei 8.213/91 e art. 39, IV do Decreto 3.048/99
3.2 Aposentadoria Proporcional: para os segurados já vinculados ao RGPS antes de 15/12/1998 (EC 20/98) / 25 anos e idade de 48 anos (mulheres) / 30 anos e idade de 53 anos (homens) + 40% do tempo faltante até 15/12/98 (pedágio) / 70% da média dos 80% maiores salários-de-contribuição desde julho de 94 com fator previdenciário + 5% a cada ano adicional, conforme o art. 9º, § 1º, inc. I e II da EC 20/98 c/c art. 3º da lei 9.876/99
No caso concreto, a soma do tempo de serviço já reconhecido pelo INSS com o acréscimo do tempo de serviço rural resulta o seguinte quadro à autora:
Já reconhecido pelo INSS | Anos | Meses | Dias | Carência |
Até 16/12/1998 | 9 | 10 | 7 | 120 |
Até 28/11/1999 | 10 | 9 | 19 | 131 |
Até a DER | 21 | 6 | 16 | 260 |
Data inicial | Data Final | Fator | Conta p/ carência ? | Tempo até 25/08/2010 | Carência |
09/04/1967 | 31/12/1987 | 1,00 | Não | 20 anos, 8 meses e 23 dias | 0 |
Marco temporal | Tempo total | Carência | Idade |
Até 16/12/98 (EC 20/98) | 30 anos, 7 meses e 0 dia | 120 meses | 43 anos e 8 meses |
Até 28/11/99 (L. 9.876/99) | 31 anos, 6 meses e 12 dias | 131 meses | 44 anos e 7 meses |
Até a DER (25/08/2010) | 42 anos, 3 meses e 9 dias | 260 meses | 55 anos e 4 meses |
Nessas condições, a parte autora, em 16/12/1998, tinha direito à aposentadoria integral por tempo de serviço (regras anteriores à EC 20/98), com o cálculo de acordo com a redação original do art. 29 da Lei 8.213/91.
Posteriormente, em 28/11/1999, tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, §7º, da CF/88), com o cálculo de acordo com a redação original do art. 29 da Lei 8.213/91.
Por fim, em 25/08/2010 (DER) tinha direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (regra permanente do art. 201, §7º, da CF/88). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, com a incidência do fator previdenciário, porque a DER é anterior a 18/06/2015, data do início da vigência da MP 676/2015, convertida na Lei 13.183/2015.
Logo, a parte autora tem o direito à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, podendo optar pela forma de cálculo mais favorável, de acordo com o direito adquirido até a EC 20/98, ou até a Lei 9.876/99, ou até a DER, nos termos do art. 3º da EC 20/98.
O termo inicial do benefício deve ser fixado em 25/08/2010 (DER), na forma do art. 54 c/c o art. 49, ambos da Lei 8.213/91.
Ressalto que somente o primeiro reajuste após a data de início do benefício será proporcional, devendo ser aplicado o reajuste integral aos demais.
JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Por força da sucumbência, o INSS deve arcar com os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
CUSTAS PROCESSUAIS
O INSS é isento do pagamento no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 11 da Lei nº 8.121/85, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010), isenção esta que não se aplica quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
DO PREQUESTIONAMENTO
Os fundamentos para o julgamento do feito trazem nas suas razões de decidir a apreciação dos dispositivos citados, utilizando precedentes jurisprudenciais, elementos jurídicos e de fato que justificam o pronunciamento jurisdicional final. Ademais, nos termos do § 2º do art. 489 do CPC/2015, "A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé". Assim, para possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pelas partes, nos termos em que fundamentado o voto.
TUTELA ESPECÍFICA
O CPC/2015 aprimorou a eficácia mandamental das decisões que tratam de obrigações de fazer e não fazer e reafirmou o papel da tutela específica. Enquanto o art. 497 do CPC/2015 trata da tutela específica, ainda na fase cognitiva, o art. 536 do CPC/2015 reafirma a prevalência da tutela específica na fase de cumprimento da sentença. Ainda, os recursos especial e extraordinário, aos quais está submetida a decisão em segunda instância, não possuem efeito suspensivo, de modo que a efetivação do direito reconhecido pelo tribunal é a prática mais adequada ao previsto nas regras processuais civis. Assim, determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora (NB 153.250.260-2), a ser efetivada em 45 dias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
CONCLUSÃO
Reformada a sentença para reconhecer o tempo de serviço rural como boia-fria, no período de 09/04/1967 a 31/12/1987 e conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral com o pagamento das parcelas vencidas desde 25/08/2010 (DER), prejudicado o exame do critério de aplicação dos juros e correção monetária.
A apelação da parte autora deve ser provida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da parte autora e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
Ezio Teixeira
Relator
| Documento eletrônico assinado por Ezio Teixeira, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8779835v2 e, se solicitado, do código CRC 18FAA7A. | |
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